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Processo nº 439/01
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrente N... e recorrido o Ministério Público, foi proferida, em 13 de Julho último, decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal.
É o seguinte o seu teor:
'1.- N..., identificado nos autos, foi absolvido, no Tribunal de Círculo de Leiria, por acórdão de 5 de Maio de 2000, da prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nºs. 1 e 2, alíneas a) e g), do Código Penal, pelo qual vinha acusado pelo Ministério Público. Interposto recurso por este magistrado, o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 24 de Janeiro de 2001, concedeu parcial provimento ao recurso, determinando o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo, em conformidade com o preceituado nos artigos
426º e 426º-A, ambos do Código de Processo Penal. Inconformado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando, para o efeito, o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 399º, ex vi da alínea b) do nº 1 do artigo 401º, nº 1, nº 1 do artigo 411º e alínea b) do artigo 432º, todos deste último texto de lei. O recurso foi rejeitado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Maio último, tirado em conferência, dado estar em causa matéria de facto, fundamentalmente, sendo certo que a sua reapreciação por esse Tribunal lhe está vedada, tendo feito aplicação do disposto nos artigos 420º, nº 1, 400º, nº 1, alínea c), , e 432º, alínea d), todos do Código de Processo Penal. Mantendo-se inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, convocando os artigos 69º, 71º, 72º, nº 1, alínea b) e 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro pedindo que sejam 'declaradas inconstitucionais as deliberações proferidas nos Acórdãos dos Tribunais da Relação de Coimbra e do Supremo Tribunal de Justiça', uma vez que, em seu entender, violaram as mesmas o disposto nos artigos 13º, 16º, 20º, 27º, 29º e 32º da Constituição da República. A completar, alega acrescer que o artigo 42º do Código de Processo Penal é inconstitucional, face ao disposto naqueles mesmos preceitos da Lei Fundamental. O recurso foi recebido, com dúvidas, pelo Conselheiro relator – o que, no entanto, não vincula este Tribunal: nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82.
2. - É óbvio que o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não obedece aos requisitos formais mínimos exigidos pela conjugação dos artigos 70º e 75º-A deste último diploma legal, até porque não se indica qual o tipo de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade que se pretende utilizar. Em princípio, caberia, assim, recorrer a um despacho de aperfeiçoamento nos termos previstos nos nºs. 1, 5, 6 e 7 do artigo 75º-A. Seria, no entanto, acto inútil e, como tal, proibido por lei.
3.- Na verdade, é inequívoca a imputação dos eventuais vícios de inconstitucionalidade às decisões proferidas nos autos, sendo certo no entanto que o recurso de constitucionalidade respeita a um controlo normativo. Os recursos de constitucionalidade (ou de legalidade, nos casos admitidos pelo nº 1 do artigo 70º), só podem ter por objecto a constitucionalidade das normas jurídicas de direito ordinário que os outros tribunais tenham aplicado ou desaplicado e, de resto, torna-se necessário que a questão de constitucionalidade ou ilegalidade tenha sido suscitada durante o processo, o que, no caso concreto, nem sequer se verifica (a jurisprudência constitucional
é, a este respeito, numerosíssima, reiterada, uniforme e unânime). Por outro lado, dir-se-á que se suscita – de resto, inadequadamente – a constitucionalidade da norma do artigo 420º do Código de Processo Penal. O certo é que a aplicação desta norma pelo Supremo não constitui qualquer
'decisão-surpresa', de modo a entender-se ser razoável que o recorrente não tivesse prognosticado a sua aplicação. Sendo assim, a questão da sua eventual inconstitucionalidade devia ter-se processado atempadamente, ou seja, equacionada de modo a que o Tribunal que profira a decisão ainda dela pudesse conhecer. Este é, igualmente, o entendimento impressivo e uniforme da jurisprudência.
4.- Assim sendo, não pode conhecer-se do objecto do presente recurso de constitucionalidade, o que se decide nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 unidades de conta.'
2. - Notificado, vem o recorrente reclamar para a conferência por não concordar com a decisão que pretende seja revogada e substituída por outra que admita o recurso interposto.
Alega, para o efeito, que não podia ter suscitado qualquer das inconstitucionalidades convocadas 'sem que previamente fosse proferido qualquer Despacho, Sentença ou Acórdão que indeferisse o pedido feito pelo reclamante [o da baixa do processo à Relação para aí se conhecerem todos os elementos constantes do processo, o que não foi, em sua tese, feito] e nessas peças processuais se enunciassem as normas legais como causa de indeferimento da pretensão formulada pelo reclamante', o que só no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça se veio a enunciar.
Ainda no seu entendimento, no caso concreto tem aplicação o disposto no artigo 434º do Código de Processo Penal (e não do Código Penal, como escreve, certamente por lapso), visto estar em apreciação matéria constante dos nºs. 1 e 2 do artigo 410º do mesmo diploma, devendo a Relação ter remetido, sem mais, o processo para novo julgamento e não proceder a julgamento, por errada interpretação e aplicação da lei.
Assim, 'a deliberação proferida por estes dois Tribunais, é inconstitucional, face ao disposto nos artigos 13º, 16º, 20º, 27º,
29º e 32º da CRP', tendo, assim, 'de ser declaradas inconstitucionais as deliberações proferidas nos Acórdãos dos Tribunais da relação de Coimbra e Supremo Tribunal de Justiça', sendo o artigo 420º do Código de Processo Penal inconstitucional, face ao disposto nos artigos 13º, 16º, 20º, 27º, 29º e 32º da Constituição.
Acrescenta, ainda, que se porventura o requerimento de interposição de recurso sofresse de qualquer deficiência ou irregularidade, era obrigatório notificar-se o reclamante para suprir as deficiências ou irregularidades.
O magistrado recorrido, notificado, considera a reclamação manifestamente improcedente.
Na verdade, como observa, o reclamante nada adita de inovatório, susceptível de abalar os fundamentos da decisão sumária, 'já que é evidente que não suscitou tempestivamente e em termos processualmente adequados qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para suportar o recurso interposto para este Tribunal'.
3. - Não assiste razão ao reclamante.
Desde logo quanto ao não exercício do disposto no nº 5 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, pois claramente se disse, na oportunidade, que se trataria de acto inútil, como tal legalmente vedado.
Com efeito, sempre faltariam irremediavelmente os pressupostos de admissibilidade de interposição do recurso: este tem por objectivo a apreciação de questões de inconstitucionalidade normativa, não competindo ao Tribunal Constitucional censurar uma decisão judicial, ainda que esta, por eventual erro de julgamento, tenha violado directamente uma norma ou princípio constitucional (como pretende o recorrente que assim ocorreu).
Por sua vez, igualmente não tem razão o reclamante ao pretender defender a tese da inoportunidade processual de suscitação da questão de constitucionalidade da norma do artigo 420º.
Mesmo que se admitisse uma idónea formulação da questão
– o que não se concede –, não só esta podia ter sido equacionada na motivação apresentada perante o Supremo – e não o foi – como o devia ter sido na peça processual de resposta ao magistrado do Ministério Público junto daquele Alto Tribunal (parecer nº 59/01, a fls. 426), onde concretamente se defende dever ser o recurso rejeitado – o que, no entanto, não se mostra feito: cfr. fls. 432 dos autos.
Não se verificam, pois, os pressupostos processuais deste tipo de recurso.
4. - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 unidades de conta.
Lisboa, 3 de Outubro de 2001 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida