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Processo n.º 10/13
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, com a formulação seguinte:
«A., arguido/recorrente, e, já, melhor identificado, nos autos à margem referidos, não se conformando com o acórdão prolatado, nos presentes autos, na data de 06.11.2012, que decidiu “revogando a decisão na parte em que determinou a substituição da pena de prisão pela de suspensão de execução da mesma (ob. cit.), vem, junto de V. Exª, requerer e interpor o presente recurso para o Tribunal Constitucional, buscando, para tanto, arrimo e agasalho jurídico, nos termos e seguintes fundamentos:
1º
À luz do disposto no artigo 204º da C.R.P, conjugado com o artigo 70º da Lei 28/82 de 15 de novembro, pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma, artigo 50º do C.P, com o artigo 18º, nº 2, in fine, da C.R.P (Princípio da Proporcionalidade), quando aquele ínsito legal do C.P., resulta interpretado e/ou com a interpretação de que ao arguido não deve ser suspensa a pena de prisão por: (i) não ter tido uma manifestação de intenções; (ii) inexistir um prognóstico favorável à sua auto determinação pelo respeito aos valores ético-jurídicos em que assenta a vida em sociedade, tal concluiu o acórdão, ora, sob reação recursiva.
2º
Ou seja, pretende-se ver interpretada e analisada a interpretação feita ao artigo 50º do C.P, ante o artigo 18º, nº 2 da C.R.P, in fine, se o facto do arguido, somente, segundo reza o acórdão sob reação recursiva, falar na inexistência de uma manifestação de intenções e de um prognóstico favorável à sua auto determinação pelo respeito aos valores ético-jurídicos, é suficiente, para concluir pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão, e/ou torna-se necessário englobar os demais requisitos, pelo menos cinco, previstos e estatuídos, no artigo 50º, nº 1 do C. Penal.
A saber:
3º
(i) Personalidade do agente; (ii) condições da sua vida, (iii) sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
4º
Inobstante, a presente questão de inconstitucionalidade, não tenha sido expressamente suscitada e invocada, no âmbito dos presentes autos, a verdade é que, atento o disposto no artigo 204º da C.R.P, a mesma, ora, é admissível e tempestiva, visto a decisão/acórdão, sob reação recursiva, ser uma decisão “surpresa”, quanto à violação do disposto no artigo 18º, nº 2, in fine, da C.R.P, no sentido de que a interpretação dada ao artigo 50º do C.P, para fundamentar o acórdão de 06.11.2012, supra identificado, somente, agora, foi dado a conhecer ao arguido/recorrente.
5º
Consabidamente, as inconstitucionalidades podem ser invocadas e suscitadas em todo e qualquer momento do feito submetido a audiência de discussão & julgamento.
6º
O presente recurso, tem efeito suspensivo, nos próprios autos, a subir imediatamente. (artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional)
7º
As alegações, a produzir, nos presentes autos, ainda que com meridiana clarividência, serão apresentadas, atento o momento previsto e plasmado, no artigo 79º da Lei 28/82 de 15 de novembro.
Nestes termos, nos melhores de Direito, naqueles que V. Exª suprirá roga-se a esse Venerando Tribunal se digne admitir o presente recurso e feito o mesmo subir, com efeito próprio, seguindo-se os demais ulteriores termos processuais.».
2. Pela Decisão Sumária n.º 434/2013, de 31 de julho, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
«(…) 5. Do teor do requerimento de interposição de recurso apresentado pelo recorrente decorre que do mesmo constam: a indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie – «artigo 50º do C.P.» [leia-se Código Penal] (cfr. requerimento, 1.º e 2.º, fls. 8224 e 8224 vº); e a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado – «artigo 18º, nº 2, in fine, da C.R.P. (Princípio da Proporcionalidade)» (cfr. requerimento, 1.º e 2º, fls. 8224 e 8224 vº).
Do requerimento de interposição de recurso não consta a indicação da peça processual em que o recorrente suscitou a alegada questão da inconstitucionalidade, como impõe o n.º 75.º-A, n.º 2, in fine, da LTC, alegando o recorrente, no artigo 4.º do seu requerimento, que a decisão ora recorrida constitui uma «decisão “surpresa”» (cfr. fls. 8224 v.º).
Do requerimento de interposição de recurso apresentado pelo recorrente não consta igualmente a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto, como impõe o n.º 75.º-A, n.º 1, da LTC – que, tendo em conta o teor do requerimento no que respeita à não suscitação da alegada questão de constitucionalidade nos autos e à menção de uma «decisão “surpresa”», se presume todavia ser a alínea b) do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, a qual prevê o recurso para o Tribunal Constitucional de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
7. Não se encontra preenchido, desde logo, o pressuposto relativo à suscitação da alegada questão de constitucionalidade «durante o processo».
7.1 O recorrente invoca, no artigo 4.º do seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, que «Inobstante, a presente questão de inconstitucionalidade, não tenha sido expressamente suscitada e invocada, no âmbito dos presentes autos, a verdade é que, atento o disposto no artigo 204º da C.R.P, a mesma, ora, é admissível e tempestiva, visto a decisão/acórdão, sob reação recursiva, ser uma decisão “surpresa”, quanto à violação do disposto no artigo 18º, nº 2, in fine, da C.R.P, no sentido de que a interpretação dada ao artigo 50º do C.P, para fundamentar o acórdão de 06.11.2012, supra identificado, somente, agora, foi dado a conhecer ao arguido/recorrente.».
Pretende o recorrente, ao afirmar que a decisão ora recorrida configura uma «decisão “surpresa”», justificar o não cumprimento do ónus que lhe assiste de suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa «durante o processo», de modo a que ainda fosse possível ao tribunal ora recorrido conhecer de tal questão jurídico-constitucional antes de estar esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria a que respeita a questão de constitucionalidade.
7.2 Ao contrário do que alega o recorrente, a decisão ora recorrida não configura uma «decisão “surpresa”» que confronte o recorrente com uma concreta aplicação ou interpretação normativa de todo imprevisível e inesperada.
Com efeito, a questão da suspensão da execução da pena – e da interpretação e aplicação do artigo 50.º do Código Penal – foi levantada pelo Ministério Público na motivação do recurso (cfr. fls. 8137- 8148) interposto do acórdão do Tribunal Coletivo da 1.ª Secção da Vara Mista do Funchal proferido em 9/05/2012 (cfr. fls. 8108-8117) que suspendeu a execução da pena aplicada ao arguido e ora recorrente. Naquela peça processual o Ministério Público pronunciou-se no sentido de não dever ter lugar a suspensão da execução da pena – como viria a decidir o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ora recorrido.
O arguido e ora recorrente foi notificado, nos termos legais, da interposição daquele recurso e respetivas motivações (cfr. fls. 8149), tendo apresentado a sua resposta (cfr. fls. 8152-8153 v.º). Nesta sua peça processual o recorrente, todavia, não suscitou qualquer questão de constitucionalidade relativa ao artigo 50.º do Código Penal, norma cuja inconstitucionalidade ora pretende ver sindicada.
Com efeito o recorrente, dispondo de oportunidade processual, anteriormente à decisão ora recorrida, para suscitar uma questão de constitucionalidade relativa ao artigo 50.º do Código penal, não suscitou tal questão. O recorrente, tendo em conta a motivação do recurso do Ministério Público, em que este conclui pela procedência do recurso e pela não suspensão da execução da pena, não podia ignorar a possibilidade de o Tribunal ora recorrido se pronunciar, conforme o pedido do Ministério Público, pela procedência do recurso e pela revogação da decisão objeto de recurso na parte em que determinou a substituição da pena de prisão pela de suspensão de execução da mesma – o que viria a acontecer.
«Cabe (…) às partes, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas (…)» (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, Almedina, 2010, p. 81).
Tendo existido, in casu, um requerimento de interposição de recurso pelo Ministério Público acompanhado da respetiva motivação, e tendo o ora recorrente sido notificado para responder ao mesmo, querendo, o exercício, em concreto, pelo ora recorrente, da faculdade de resposta corporiza, de facto, uma oportunidade de intervenção processual. E não tendo o recorrente, nesse momento processual, suscitado a alegada questão de constitucionalidade que ora pretende ver apreciada por este Tribunal, não se encontra verificado um dos pressupostos legalmente exigidos para a admissibilidade do recurso.
Assim, a resposta do ora recorrente ao requerimento de interposição de recurso pelo Ministério Público e respetiva motivação, anterior à prolação do acórdão ora recorrido, afigura-se como um momento processual adequado para a suscitação da alegada questão de constitucionalidade em causa, pelo que a omissão do recorrente em utilizar tal oportunidade processual para efeitos de suscitação de uma questão de constitucionalidade determina a não verificação de um dos pressupostos de admissibilidade do recurso para este Tribunal.
8. Em qualquer caso, também não se encontra preenchido, no caso em apreço, o pressuposto relativo à ratio decidendi.
O recorrente alega que pretende ver apreciada «(…) a inconstitucionalidade da norma, artigo 50º do C.P, com o artigo 18º, nº 2, in fine, da C.R.P (Princípio da Proporcionalidade), quando aquele ínsito legal do C.P., resulta interpretado e/ou com a interpretação de que ao arguido não deve ser suspensa a pena de prisão por: (i) não ter tido uma manifestação de intenções; (ii) inexistir um prognóstico favorável à sua auto determinação pelo respeito aos valores ético-jurídicos em que assenta a vida em sociedade, tal concluiu o acórdão, ora, sob reação recursiva (cfr. requerimento, 1.º) e, adiante, «(…) a interpretação feita ao artigo 50º do C.P, ante o artigo 18º, nº 2 da C.R.P, in fine, se o facto do arguido, somente, segundo reza o acórdão sob reação recursiva, falar na inexistência de uma manifestação de intenções e de um prognóstico favorável à sua auto determinação pelo respeito aos valores ético-jurídicos, é suficiente, para concluir pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão, e/ou torna-se necessário englobar os demais requisitos, pelo menos cinco, previstos e estatuídos, no artigo 50º, nº 1 do C. Penal. A saber: (…) (i) Personalidade do agente; (ii) condições da sua vida, (iii) sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.» (cfr. requerimento, 2.º e 3.º).
Segundo o recorrente, o alegado critério normativo que ora pretende sindicar reporta-se à interpretação do artigo 50.º do C.P. no sentido da revogação da suspensão da execução da pena com base no facto de o arguido «(i) não ter tido uma manifestação de intenções;» e «(ii) inexistir um prognóstico favorável à sua auto determinação pelo respeito aos valores ético-jurídicos em que assenta a vida em sociedade» sem «englobar os demais requisitos, pelo menos cinco, previstos e estatuídos, no artigo 50º, nº 1 do C. Penal».
Do teor da decisão recorrida decorre, todavia, que não existe efetiva e estrita coincidência ou identidade normativa entre a interpretação da norma especificada pelo recorrente como padecendo de inconstitucionalidade e a interpretação que o tribunal recorrido fez de tal norma, aplicando-a como efetivo fundamento de direito da decisão.
Com efeito, ao contrário do que alega o recorrente, a decisão recorrida não teve por base a pretensa interpretação do artigo 50.º do C.P. na parte segundo a qual não se suspende a execução da pena pelo «facto de o arguido (…) não ter tido uma manifestação de intenções» – mas sim a consideração da insuficiência da declaração de intenções do arguido de reparar o prejuízo causado (n.º 3, fls. 8211 e 8212, respetivamente).
Como afirma o Tribunal recorrido:
«(…) Verdade é que o arguido não demonstrou ter reparado o prejuízo causado. A sua declaração de intenções não é mais do que isso mesmo, uma mera declaração de intenções e não se mostra que tenha sido impedido de alguma forma de ter feito tal reparação em lugar de pretender, como parece pretender através do recurso, negociar o pagamento daquilo com que indevidamente se locupletou. (…)».
E, mais adiante (itálico acrescentado):
«(…) As razões que o arguido alega não são suficientes para serenar as expectativas sociais a nível da prevenção por forma a poder esperar-se justificadamente que o arguido se irá abster da prática de factos da mesma natureza ou que irá assumir um conjunto de atividades e comportamentos que permitam esperar que pretende nortear a sua vida futura por critérios de conformação aos princípios ético jurídicos aceites pela comunidade - para além de uma mera verbalização da intenção de reparar o mal do crime que não consubstanciou em qualquer comportamento concreto que a confirmasse, além de tal manifestação de intenções nem sequer ser inédita pois já no recurso interposto em janeiro de 2010 o arguido verbalizara tal intenção - de modo a permitir que se aplique a medida, tantas vezes pedagógica e reeducativa, da suspensão da prisão.
Além disso, e ao contrário da alegada interpretação normativa imputada ao Tribunal recorrido, segundo a qual este interpretara a norma do artigo 50.º do C.P. não considerando os requisitos previstos no seu n.º 1, o Tribunal recorrido não deixa de levar em consideração os pressupostos subjetivos constantes daquele n.º 1 aos quais faz aliás expressa referência na decisão recorrida (cfr. n.º 3, págs. 14-15, a fls. 8208-8209 e pp. 16-17, a fls. 8210 e 8211).».
3. Vem agora o recorrente reclamar da referida Decisão Sumária n.º 434/2013, de 31 de julho, para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, requerendo, a final, que a reclamação seja aceite, com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 8254-8255):
A., arguido/recorrente, e, já, melhor identificado, nos autos à margem referidos, não se conformando com a decisão sumária, prolatada, nos presentes autos, na data de 31.07.2013, que decidiu “pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A da L. T.C. decide-se não conhecer do objeto do presente recurso '( ob cit), vem, mui, gentilmente, à digna presença de V.Exª, e bem assim a coberto do disposto no artigo 78º-A, n.º 3 da Lei 28/82 de 15 de Novembro ( L.T.C) requerer e interpor a presente reclamação para a conferência do Tribunal Constitucional, buscando, para tanto, arrimo e agasalho jurídicos, nos termos e seguintes fundamentos:
A)-- Da nulidade jurídica e/ou mesmo da inexistência jurídica do presente despacho e/ou decisão sumária, ora objeto de reação jurídica.
1º
Como bem expressam os presente autos, o Tribunal Constitucional, enquanto guardião dos Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos, atento o disposto nos artigos 1 º e 2º da L.T.C e 202º da C.R.P, no presente casu sub iudice, e atenta a reclamação, ora, aduzida, não está a cumprir com o disposto no artigo 75º-A, nº 5 da L.T.C, no sentido, como era sua obrigação, de ter convidado o, aqui, reclamante a suprir, como entendeu o Tribunal Constitucional com a alegada falta dos elementos do artigo 75º-A da L.T.C
2º
O Tribunal Constitucional, através da sua decisão sumária, supra referida & identificada, considerou que o, ora, reclamante não havia cumprido com o ónus de suscitação da alegada questão da inconstitucionalidade.
3º
Ora, assim sendo, caberia e impunha-se ao Tribunal Constitucional que, antes de proferir a decisão sumária, ora, reclamada, convida-se o, aqui, requerente/reclamante a vir suscitar tal inconstitucionalidade, atento ínsito legal, supra invocado, e impressivamente existente na ordem jurídica portuguesa.
4º
Sem conceder, não podemos deixar de olividar que o, aqui, reclamante sempre pugnou, no seu requerimento de interposição de recurso, para esse Venerando Tribunal, estar ante uma decisão judicial surpresa.
B)--Do não cumprimento do disposto no artigo 79º da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
5º
Consabidamente, o disposto no artigo 79º da L.T.C impõe que as alegações sejam, sempre, produzidas e vertidas, no âmbito do Tribunal Constitucional.
6º
É verdade e resulta à saciedade que no requerimento de interposição de recurso, dirigido a esse Venerando Tribunal, ainda que apresentado, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, o, aqui, reclamante/recorrente, já, havia apresentado alegações.
7º
Contudo, a lei, nomeadamente o ínsito legal, artigo 79º da Lei 28/82 de 15 de Novembro, impõe, ao dizer' são sempre', ob cit, que as alegações sejam, sempre, produzidas, ante e no Tribunal Constitucional.
8º
É verdade e, novamente, resulta à saciedade que houve decisão sumária, no âmbito dos presentes autos;
9º
não sendo, também, menos verdade que o Tribunal Constitucional, para prolactar a decisão que prolactou muniu-se e serviu-se das alegações do, aqui, reclamante/recorrente que não foram, então, produzidas ante o Tribunal Constitucional.
Nestes termos, nos melhores de Direito, naqueles que V.Exª suprirá roga-se a esse Venerando Tribunal se digne admitir a presente reclamação e, consequente, julga-la provida, com suas legais consequências.
4. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, notificado da reclamação do recorrente, concluiu, na sua resposta, «que a presente reclamação para a conferência não deverá merecer acolhimento por parte deste Tribunal Constitucional, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 434/12, de 31 de julho, que determinou a respetiva apresentação» (cfr. 13.º, fls. 8271).
5. Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. O recorrente reclama para a conferência da Decisão Sumária n.º 434/2013, de 31 de julho, por discordar do já decidido quanto ao não conhecimento do objeto do recurso interposto para este Tribunal, em suma, pelos seguintes fundamentos;
1. O Tribunal Constitucional não está a cumprir com o disposto no artigo 75.º-A, nº 5 da L.T.C., no sentido, como era a sua obrigação, de ter convidado o reclamante a suprir com a alegada falta dos elementos do artigo 75.º-A da L.T.C.
2. Considerando o Tribunal Constitucional que o reclamante não havia cumprido com o ónus de suscitação da alegada questão de inconstitucionalidade, impunha-se que, antes de proferir a decisão sumária, o convidasse a vir suscitar tal inconstitucionalidade.
3. Pelo que, sem o conceder, não poderá deixar-se de olvidar que o reclamante sempre pugnou estar perante uma decisão surpresa.
4. O Tribunal Constitucional, para prolactar a decisão que prolactou muniu-se e serviu-se das alegações do reclamante/recorrente que não foram produzidas ante o Tribunal Constitucional.
7. Começa por discordar o ora reclamante do não conhecimento do objeto do recurso com fundamento no facto de não ter sido convidado ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal. Não assiste razão ao reclamante.
7.1 O recorrente não foi notificado nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5 (no que respeita a este Tribunal, n.º 6) da LTC uma vez que este apenas se destina a permitir o suprimento de vícios formais do requerimento de interposição de recurso. Radicando a decisão de não conhecimento na não verificação de requisito material de admissibilidade do recurso – e não em deficiência formal do requerimento de interposição de recurso – o convite ao aperfeiçoamento do requerimento não se revestiria de qualquer utilidade.
7.2 De facto, no caso em apreço, da análise do teor e fundamentação do requerimento de interposição do recurso para este Tribunal e da análise do processo, decorrem liminarmente elementos bastantes no sentido da inexistência dos pressupostos de admissibilidade do recurso já que o recorrente não cumpriu com o ónus de suscitação prévia da alegada questão de inconstitucionalidade e não se encontra preenchido o pressuposto relativo à ratio decidendi do Acórdão recorrido. Em consequência, conclui-se pela inutilidade de prolação de despacho-convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, já que tal convite só seria possível se o vício de que enferma o requerimento fosse suscetível de sanação, ou seja, se consistisse numa deficiência do próprio requerimento, e não por falta de um pressuposto de admissibilidade do recurso.
8. O reclamante considera também que o Tribunal Constitucional para proferir a decisão que proferiu muniu-se e serviu-se de alegações que não foram produzidas ante o Tribunal Constitucional, à revelia do preceituado no artigo 79º da Lei 28/82 de 15 de novembro, que impõe que as alegações sejam sempre produzidas perante o Tribunal Constitucional. Em relação a este aspeto também não assiste razão ao reclamante.
Não se encontrando preenchidos vários pressupostos materiais da admissibilidade do recurso – como sucede no caso presente –, o recurso não se encontra em condições de prosseguir para apreciação de mérito, pelo que não há que notificar o recorrente para apresentar alegações nos termos do n.º 5 do artigo 78.º-A da LTC, o que depende da verificação de todos os requisitos de admissibilidade do recurso.
9. Em relação ao facto de o recorrente reafirmar que estamos perante uma «decisão “surpresa”», diga-se a este respeito, em conformidade com a Decisão Sumária n.º 434/2013, de 31 de julho, que a decisão ora recorrida não configura uma «decisão “surpresa”» que confronte o recorrente com uma concreta aplicação ou interpretação normativa de todo imprevisível e inesperada.
9.1 A exigência de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo – isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido sobre a matéria a que a questão de constitucionalidade respeita - corresponde à natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso, ou seja, para reapreciação de uma questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado (ver também o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República, II série, de 20 de junho de 1995). Para se poder conhecer de recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional o recorrente haverá, pois, de ter suscitado a questão de constitucionalidade, perante o tribunal recorrido, a tempo e em termos de este dela poder conhecer.
9.2 Esta orientação, como se salientou no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República, II série, de 6 de setembro de 1994), “sofre restrições apenas em situações excecionais, anómalas, nas quais o interessado não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final.”
9.3 Mas não é este, manifestamente, o caso dos autos, não tendo o recorrente sido confrontado com qualquer situação normativa imprevista ou inesperada, uma vez que o recorrente dispôs de oportunidade processual, anteriormente à decisão ora recorrida, para suscitar uma questão de constitucionalidade relativa ao artigo 50.º do Código Penal e não suscitou tal questão. Em conformidade com a Decisão Sumária n.º 434/2013, de 31 de julho, diga-se a este respeito que o recorrente, tendo em conta a motivação do recurso do Ministério Público, em que este concluiu pela procedência do recurso e pela não suspensão da execução da pena, não podia ignorar a possibilidade de o Tribunal ora recorrido se pronunciar, conforme o pedido do Ministério Público, pela procedência do recurso e pela revogação da decisão objeto de recurso na parte em que determinou a substituição da pena de prisão pela de suspensão de execução da mesma.
9.4 Portanto, não pode o recorrente afirmar que a decisão recorrida configura uma «decisão “surpresa”» com o intuito de justificar o não cumprimento do ónus que lhe assistia de suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa «durante o processo», de modo a que ainda fosse possível ao tribunal ora recorrido conhecer de tal questão jurídico-constitucional antes de estar esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria a que respeita a questão de constitucionalidade.
10. Por último, considera também o reclamante que se impunha ao Tribunal Constitucional que, antes de proferir a Decisão Sumária, convidasse o reclamante a vir suscitar a inconstitucionalidade. Ora, também em relação a este aspeto não assiste razão ao reclamante.
10.1 Com efeito, tem sido entendimento do Tribunal Constitucional que apenas se dispensa o recorrente do ónus de invocar a inconstitucionalidade “durante o processo” nos casos excecionais e anómalos em que este não tenha disposto processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em momento subsequente (v. Ac. n.º 366/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), situação excecional e anómala essa que, não obstante parecer ter sido alegada pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, nele não se encontra satisfatoriamente demonstrada.
10.2 Quanto à invocação, por parte do reclamante, de um direito a pronunciar-se, previamente à prolação da decisão sumária, a jurisprudência constitucional firmada é também clara, no sentido de que tal forma decisória simplificada não tem de ser precedida de prévia audição das partes. Neste sentido, pode ler-se no Acórdão n.º 283/06 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) o seguinte:
“Reiterando esse seu constante entendimento, reafirma agora o Tribunal que desde a alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 13-A/98, deixou de haver a obrigação de audição prévia nas decisões sumárias previstas na Lei do Tribunal Constitucional, sendo o regime das Decisões Sumárias de que o legislador de 1998 quis dotar o Tribunal Constitucional tendencialmente completo e fechado, não sendo, por isso, de aplicar subsidiariamente normas de processo civil à sua tramitação. Este regime, como o Tribunal Constitucional sempre tem entendido (nas decisões referidas) não viola qualquer norma ou princípio constitucional, na medida em que sempre é permitida reclamação para a conferência (de que, aliás, se tem tomado conhecimento mesmo quando não aparece fundamentada, e se limita a expressar a discordância com a decisão sumária), reclamação, essa, na qual o recorrente pode expor os motivos pelos quais entende que deve tomar-se conhecimento do recurso.”
No mesmo sentido, podia ler-se, já no Acórdão n.º 714/98 (disponível no sítio da internet já aludido), o seguinte:
“(…) A decisão sumária reclamada foi proferida no uso dos poderes que o artigo 78-A nº. 1 da Lei n.º 28/82, na redação que lhe foi dada pela Lei nº. 13-A/98, de 26 de fevereiro, confere ao relator.
Este regime substituiu um outro em que o relator, verificando que se não podia conhecer do objeto do recurso ou que a questão a decidir era simples, elaborava uma sucinta exposição escrita do seu parecer e mandava ouvir cada uma das partes por cinco dias- seguidamente, o processo ou era logo julgado (pelo colégio dos juízes) ou continuado para alegações.
O regime que passou a vigorar com a Lei nº. 13-A/98 visou uma maior celeridade na decisão dos recursos, sem perda dos direitos de audiência das partes.
Estes direitos estão convenientemente assegurados com a faculdade que é dada às partes de reclamar para a conferência nos termos do artigo 78º-A nº. 3 da LTC, podendo, designadamente, o recorrente defender, nessa reclamação, que não deveria ter havido lugar a decisão sumária, caso em que, a obter vencimento, se seguirão os termos previstos no nº. 5 do mesmo artigo 78º-A.
A própria razão de ser da norma contida no artigo 78º-A nº. 1 da Lei nº. 28/82 e o caráter provisório, ou precário, da decisão sumária (ela só se converte em definitiva se não for reclamada), afastam, pois, a aplicação do artigo 3º nº. 3 do CPC, no sentido pretendido pelo reclamante - a decisão do Tribunal, com a sua formação colegial, nunca constituirá, para o recorrente, uma decisão-surpresa.”
10.3 Conclui-se, pelo exposto, que os critérios normativos extraíveis do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e aplicados, na decisão reclamada, não enfermam de qualquer desconformidade com a Lei Fundamental.
10.4 Assim sendo, o Tribunal Constitucional, antes da prolação de Decisão Sumária de não conhecimento do objeto do recurso, não tinha de notificar previamente o recorrente nos termos e para os efeitos do[s] n.ºs 5 e 6 do art. 75º-A LTC para reformulação da enunciação, de forma adequada, dos requisitos legalmente plasmados e consagrados na Lei do Tribunal Constitucional. Não tendo o recorrente suscitado a questão de constitucionalidade atempadamente, carece agora de legitimidade para interpor o presente recurso, pelo que se revela correta a decisão de não o admitir, com este fundamento.
11. Conclui-se, sem necessidade de quaisquer outras considerações, ser de indeferir a reclamação deduzida.
III – Decisão
12. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 23 de outubro de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.