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Processo nº 281/01
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - M..., A... e J... intentaram, no Tribunal Judicial da comarca de Paredes, acção especial de despejo contra G... e mulher, C..., todos identificados nos autos, pedindo, na sua qualidade de senhorios, que estes
últimos, como arrendatários rurais, 'vejam' decretado como insubsistente e caduco o contrato entre eles celebrado, desde 29 de Setembro de 1998, com a consequente entrega imediata dos prédios misto e rústicos objecto desse mesmo contrato, os quais identificam.
A acção foi julgada procedente, por provada, na 1ª instância, por sentença de 22 de Dezembro de 1999 e os réus condenados no pedido.
Recorreram estes, de apelação, para o Tribunal da Relação do Porto, tendo, nas respectivas alegações, suscitado a questão da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro – regime jurídico do arrendamento rural – por caducidade da Lei nº 76/88, de 24 de Junho, diploma que concedera ao Governo autorização parlamentar para legislar na matéria.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 28 de Março do corrente ano, julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida.
Quanto à pretensa inconstitucionalidade orgânica do diploma, teve-a a Relação por inexistente, após, designadamente, citar a reiterada e uniforme jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria, ao considerar o momento relevante do processo legislativo para aferir da tempestividade do uso de uma autorização legislativa o da aprovação em Conselho de Ministros do diploma credenciado.
Ora, como se observa, a Lei nº 76/88 – que entrou em vigor em 25 de Junho de 1988 – autorizou o Governo a legislar sobre o arrendamento rural no prazo de 90 dias a contar daquela data (cfr. artigo 4º).
O Decreto-Lei nº 385/88, não obstante só ter sido publicado em 25 de Outubro do mesmo ano, foi aprovado em Conselho de Ministros em 1 de Setembro – ou seja, no âmbito do prazo da autorização legislativa.
Não se verifica, assim, para a Relação, a apontada inconstitucionalidade orgânica.
2. - A questão a decidir é simples, tendo sido já objecto de diversas decisões anteriores do Tribunal, e só não deu lugar a decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, porque, por lapso dos serviços e um deficiente entendimento dos recorrentes quanto ao despacho do relator proferido ao abrigo dos nºs. 1, 2, 6 e 7 do artigo 75º-A deste último diploma, foram apresentadas alegações – suprindo a deficiência originariamente apontada – que, por sua vez, provocaram contra-alegações dos recorridos.
Razões de economia processual e do aproveitamento máximo dos actos praticados foram, então, consideradas pertinentes.
3. - Nas respectivas alegações, os recorrentes, que procuraram, desse modo, se 'declare' a inconstitucionalidade orgânica do diploma de 1988, defendem que este não foi publicado tempestivamente.
Os recorridos, por sua vez, consideram não haver censura constitucional a fazer uma vez que o diploma foi aprovado em Conselho de Ministros em data anterior à da caducidade do prazo da autorização legislativa.
Dispensados os vistos legais, dada a actual simplicidade da questão, cumpre decidir.
4. - A questão de constitucionalidade subjacente foi correctamente equacionada pelo Tribunal da Relação e tem o tratamento que o mesmo aponta.
Com efeito, é muito vasta – e unânime – a jurisprudência do Tribunal Constitucional a este respeito.
Como se escreveu no acórdão nº 400/89, citando outro aresto anterior – o nº 80/84 –, publicados no Diário da República, II Série, de
29 de Janeiro de 1985 e 14 de Setembro de 1989, respectivamente o mais antigo e o mais moderno, a publicação não é hoje entendida como elemento constitutivo do acto legislativo, uma vez que o texto constitucional, a partir da 1ª Revisão, passou a prescrever que a falta de publicidade dos actos normativos apenas implica a sua ineficácia jurídica e não a sua inexistência (cfr. o nº 2 do artigo 122º, a que corresponde actualmente o nº 2 do artigo 119º). Entendimento este que, de resto, já a Comissão Constitucional sustentava, a partir de certo momento (cfr. acórdãos nºs. 165 e 212, publicados no apêndice ao Diário da República de 16 de Abril de 1981 e parecer nº 23/80, in Pareceres da Comissão Constitucional, 3º volume, págs. 99 e segs.).
No mesmo sentido, inter alia, os acórdãos nºs. 150/92,
121/93, 265/93, 703/93, 213/95, 672/95 e 187/00, publicados no mesmo jornal oficial, II Série, de 28 de Julho de 1992, 8 de Abril de 1993, 10 de Agosto de
1993, 20 de Março de 1996 e 27 de Outubro de 2000, respectivamente (sendo numerosos os não publicados, como os nºs. 683/95 e 507/96 e as decisões sumárias a este respeito proferidas).
Remete-se para a fundamentação neles contida, comum na sua essencialidade.
Por sua vez, a doutrina vem-se pronunciando sobre os diferentes momentos do procedimento legislativo e respectiva relevância, em termos que se compadecem com aquela orientação: cfr., v.g., J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira – Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra,
1993, págs. 551 e segs.; Jorge Miranda, 'Autorizações Legislativas' in Revista de Direito Público, ano I, nº 2, 1986, p. 18, nota 46, e Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, pág. 476, nota 4; António Vitorino, As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, Lisboa, págs. 252 e segs.; António Nadais, António Vitorino e Vitalino Canas, Constituição da República Portuguesa
– Texto e Comentários à Lei nº 1/82, Lisboa, pág. 196; Isaltino Morais. J.M. Ferreira de Almeida e Ricardo L. Leite Pinto, Constituição da República Portuguesa Anotada, Lisboa, 1983, pág. 331.
5. - Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, e, em consequência, confirma-se o acórdão recorrido no que toca ao julgamento da questão de constitucionalidade aí proferido.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 10 de Julho de 2001 Alberto Tavares da Costa Messias Bento José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida