Imprimir acórdão
Processo n.º 993/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL, em que são reclamante A. e B. e reclamado o MUNICÍPIO DE ELVAS, os primeiros vem reclamar, ao abrigo dos artigos 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 1/07/2013 (cfr. fls. 18) que não admitiu o recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional – alegadamente «do acórdão proferido em conferência pelos três juízes que compõem a formação específica a que alude o artigo 35.º, n.º 1, do ETAF» (cfr. n.º 4 da reclamação, a fls. 3 e introdução da mesma reclamação, a fls. 2).
2. Os ora reclamantes apresentaram requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, com o seguinte teor, nos termos seguintes (cfr. fls. 15 e ss.):
«A. e B., recorrentes no processo à margem referendado, notificados que foram da decisão proferida por esse Venerando Tribunal que indeferiu a reclamação que deduziram contra o despacho que decidiu pela não admissibilidade da subida de recurso por si interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, vêm a V. Ex.ª expor e requer o seguinte:
1 - Têm os presentes autos origem na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente a ação administrativa especial instaurada contra o Município de Elvas e em que peticionaram a anulação dos atos administrativos pelos quais forma revogadas as alterações de posicionamento remuneratório de que haviam sido objeto e determinada a reposição das importâncias pagas a mais em consequência das ditas alterações;
2 - Inconformados com esta decisão, os recorrentes dela recorreram para o Tribunal Central Administrativo Sul, tendo o Mmº. Juiz a quo não admitido tal recurso indeferindo, por isso, a sua subida, com o fundamento de que a sentença foi proferida ao abrigo dos poderes conferidos ao relator pelo art. 27.º, n.º 1, alínea i) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (CPTA), da mesma cabendo não recurso mas antes reclamação para a conferência nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, sendo inadmissível a convolação por se mostrar precludido o respetivo prazo;
3 - Desse despacho, e por dele não concordarem, reclamaram os ora recorrentes nos termos do art. 688.º do Código do Processo Civil para esse Venerando Tribunal, alegando que a interpretação nele seguida é manifestamente inconstitucional, por atentar contra os princípios do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 268.º, n. º 4 da Constituição e seus corolários ao nível dos princípios derivados de confiança e estabilidade e acesso ao direito e justiça vertidos nos artigos 2.º e 20.º da Constituição (CRP);
4 - Na verdade - mesmo que se admitisse que o n.º 2 do art. 27.º do CPTA permite uma interpretação extensiva, ao ponto de abarcar sob o termo 'despachos', as sentenças, ou seja, usar o termo 'despachos', num sentido idêntico ao de 'decisões' na alínea i) do n.º 1 - é uma aplicação inconstitucional do n.º 2 e da alínea i) do art. 27. º do CPT A, aplicar os mesmos no sentido de considerar que apesar do tribunal apelidar o seu ato de sentença e essa ser uma decisão de mérito que remete para um regime de recurso jurisdicional, entender o tribunal superior que a qualificação dada não estava, afinal correta, e que, como tal, a reação jurisdicional dessa não se poderia ter conformado com a qualificação que o próprio tribunal havia dado;
5 - Porém, esse Venerando Tribunal decidiu manter a decisão de inadmissibilidade do recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco.
6 - Por todo o exposto, e face ao que vem estabelecido nos nºs 2 a 4 do art. 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei n.º 28/82 de 15 de novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, pela Lei n.º 89/95, de 1 de setembro, e pela Lei n.' 13-A/98, de 26 de fevereiro), encontram-se agora os recorrentes face à situação de que é inequívoco que nos presentes autos se encontram já para si irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários, que lhes possibilitem, de acordo com a previsão do art. 280.º da Constituição, reagir contra a decisão de aplicação do n.º 2 do art. 27.º do CPTA, e de cuja inconstitucionalidade continuam inabalavelmente persuadidos.
Nestes termos,
7 - E porque, como referido, os recorrentes continuam inconformados com a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul que decidiu julgar conforme com o texto constitucional a interpretação seguida pelo Tribunal Fiscal e Administrativo de Castelo Branco relativamente à alínea i) do n. º 1 e n.º 2 do art. 27.º do CPT A, dela vêm agora os recorrentes, porque estão em tempo e para tal têm legitimidade (cfr. alínea b) do art. 72.º da Lei 28/82),
Interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
8 - Que deverá subir imediatamente e nos próprios autos [cfr. n.º 4 do art. 78.º da Lei n.º 28/82)
De facto,
9 - E de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 75.º-A da Lei n.º 28/82, desde já os recorrentes esclarecem que, com o presente recurso, pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a desconformidade de tal decisão com os mais básicos princípios constitucionais, atento o disposto na alínea b) e f) do n.º 1 do art. 70.º da mesma lei, ao abrigo da qual o presente recurso é interposto, designadamente:
10 - A inconstitucionalidade das normas conjugadamente contidas na alínea i) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 27.º do CPTA de que se fez aplicação, interpretadas no sentido de que não obstante o tribunal designar a decisão como sentença, a mesma é insuscetível de recurso, já que proferida por juiz singular (relator) com invocação da alínea i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, com o que era obrigatório o uso de reclamação para a conferência, sendo irrelevante a qualificação que o tribunal emissor da decisão dá à mesma, mais considerando que sob o termo «despacho» constante do n.º 2 do art. 27.º do CPTA também se integram por interpretação extensiva as «sentenças»;
11 - Por se entender que ao enveredar e consagrar tal imposição às partes no processo tal interpretação é claramente inconstitucional por criação de um sistema de indefesa face às garantias de acesso ao direito e à justiça (art. 20.º da CRP) e à garantia de tutela jurisdicionai efetiva (art. 268.º, n.º 4 da CRP), por violação de um parâmetro de proporcionalidade nas imposições às partes no processo, quanto às condições em que podem usar dos meios de reação;
12 -E é claramente abusivo e coloca em causa o uso das garantias recursivas ou de reação, colocar a obrigação às partes de usarem meios contenciosos em discordância com a qualificação do ato que o próprio órgão de soberania que julga a questão impôs e defronta o princípio da confiança e da estabilidade jurídica do processo definir em lei processual que a seleção de meios contenciosos se faz por apelo a um critério de nominação pelo ato do tribunal, para, posteriormente, quando o particular se conforma com essa nominação que lhe empresta a própria instância que deve admitir o meio, poder essa instância ou a superior rejeitar o meio de reação com fundamento em que a nominação não vincula;
13 - A interpretação e aplicação das normas de processo e que é seguida pelo acórdão impugnado leva a conclusões contrárias aos ditames do Estado de Direito, em que os princípios pro actione não habilitam tais condutas que promovem a indefesa e incerteza das partes que recorrem ao processo para sua tutela (art. 2.º da CRP).
Termos em que
observados que estão os formalismos legais para tal previstos, porque para tal os recorrentes têm legitimidade, estão em tempo e estão representados por advogada (cfr. artigos 72.º, n.º 1 alínea b), 75.º e 83.º da Lei n.º 28/82),
Requerem a V. Exª. que considere validamente interposto recurso da decisão deste Tribunal Administrativo Sul para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os ulteriores termos, sendo que as respetivas alegações que o motivarão serão produzidas já no Tribunal ad quem, de acordo com o disposto no art. 79.º da Lei n.º 28/82 e no prazo aí previsto.
3. O Tribunal Central Administrativo Sul proferiu, em 1/07/2013, despacho de não admissão do recurso interposto para este Tribunal com o fundamento seguinte (cfr. fls 18):
«Não admito o recurso interposto para o TC, porquanto da decisão proferida pelo relator cabia reclamação para a conferência, nos termos do art.º 700.º/3 e segs. do CPCivil, pelo que não se verifica a previsão dos nºs 2 e 3 do art.º 70.º da Lei do TC. (…)»
4. O ora reclamante apresentou reclamação da não admissão do recurso para este Tribunal, nos termos seguintes (cfr. fls. 1 a 5):
«A. E OUTRO, Requerentes nos autos à margem referenciados em que é Requerido o Município de Elvas, nos termos do disposto no art. 76.º, n.º 4 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, pela Lei n.º 89/95, de 1 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, veem deduzir RECLAMAÇÃO contra o despacho de não admissão do recurso interposto para esse Tribunal Constitucional do Acórdão proferido em conferência pelos três juízes que compõem a formação específica a que alude o art. 35º, n.º 1 do ETAF, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1 – Por decisão de 29 de novembro de 2012, qualificada e apelidada de sentença e com o conteúdo constante do art. 659.º do CPC (identificação das partes; descrição do objeto do litígio; indicação concisa das pretensões formuladas pelas partes e dos seus fundamentos; fixação das questões que ao tribunal incumbe selecionar; discriminação dos factos considerados provados e não provados; indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes e decisão final) foi julgado improcedente o pedido de anulação das deliberações da Câmara Municipal de Elvas de 13 de outubro e de 24 de novembro de 2010 e o despacho do respetivo Presidente de 9 de dezembro, ambos de 2010, por força dos quais foram revogadas a alteração de posicionamento remuneratório, por opção gestionária, de que os ora reclamantes haviam sido objeto, com efeitos reportados a 1 de janeiro de 2009, e que determinaram a reposição das importâncias pagas em consequência de tal alteração remuneratória.
2 – Inconformados com tal decisão, os ora reclamantes interpuseram recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul;
3 - Foi proferido despacho de não admissão do recurso, por se entender que, tendo-se emitido sentença em vez do acórdão imposto no n.º 3 do art. 40º do ETAF, os ora reclamantes não respeitaram o n.º 2 do art. 27º do CPTA, que impunha reclamação para a conferência;
4 – Deste despacho reclamaram, nos termos dos artigos 144.º, n.º 3 do CPTA e do art. 688.º do CPCivil, tendo sido proferido Acórdão pelos três juízes que compõem a formação específica a que alude o art. 35.º, n.ºs 1 e 2 do ETAF;
5 - Acórdão que confirmou o despacho que não admitiu o recurso interposto pelos ora reclamantes;
6 – Por, no entender dos ora reclamantes, a interpretação e aplicação das normas de processo seguida naquele Acórdão, nomeadamente as constantes do art. 27.º, n.º 1, al. i) e n.º 2 do CPTA - no sentido de que não obstante o tribunal designar a decisão como sentença, a mesma é insuscetível de recurso, já que proferida por juiz singular (relator) com invocação da referida alínea i) do n.º 1 deste artigo, com o que era obrigatório o uso de reclamação para a conferência, sendo irrelevante a qualificação que o tribunal emissor da decisão dá à mesma, mais considerando que sob o termo «despacho» constante do n.º 2 do art. 27.º do CPTA também se integra, por interpretação extensiva as «sentenças» - ser claramente inconstitucional por criação de um sistema de indefesa face às garantias de acesso ao direito e à justiça (art. 20.ª da CRP) e à garantia de tutela jurisdicional efetiva (art. 268.º, n.º 4 da CRP), do mesmo interpuseram recurso para esse Tribunal Constitucional;
7 – O Exmo. Juiz-Desembargador do Tribunal Central Administrativo Sul proferiu despacho de não admissão do recurso, por entender que «(…) da decisão proferida pelo relator cabia reclamação para a conferência, nos termos do art. 700.º, n.º 3 e segs. do CPCivil, pelo que não se verificou a previsão dos n.ºs 2 e 3 do art. 70.º da Lei do TC.»;
8 – É deste despacho que se reclama, por se entender que não era admissível reclamação para a conferência, dado que o recurso vem interposto, não de uma decisão singular do relator, mas de um acórdão proferido em conferência pelos três juízes que compõem a formação específica a que alude o art. 35.º, n.ºs 1 e 2 do ETAF;
9 – Esse acórdão, que não admitiu o recurso interposto da sentença proferida em primeira instância, não é passível de recurso jurisdicional (fora dos casos, como é o presente, de recurso para o Tribunal Constitucional, mas, aqui, apenas no tocante a questões de constitucionalidade) nem de reclamação para a conferência, sabido que esta constitui um meio de impugnação do despacho do relator, configurando um pedido de revisão feita pelo mesmo órgão judicial, mas agora em coletivo, em conformidade com o disposto no art. 700.º, n.º 3 do CPCivil;
10 – Com efeito, a figura jurídica de reclamação para a conferência constitui uma prerrogativa legal de impugnação de atos decisórios do relator do recurso, posta à disposição do destinatário da decisão que por ela se considere prejudicado, tendente à revogação, modificação ou substituição dessa decisão singular por um órgão colegial;
11 – Deste modo, do acórdão proferido em conferência ao abrigo dos artigos 144.º, n.º 3 do CPTA e 688.º do CPCivil, que não admita o recurso interposto de sentença proferida em 1.ª instância, não há possibilidade de reclamação para a conferência, por as questões aí invocadas já terem sido objeto de decisão pela formação de juízes constituída para o apreciar;
12- Neste sentido, veja-se Acórdão do STA, de 09-05-2012, proc. n.º 01108/11, in www.dgsi.pt;
13 – Requer-se, deste modo, a revogação do despacho reclamado, por violação do artigos 700.º, n.º 3 e segs. do CPCivil e do art. 70.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 28/82 e a sua substituição por outro que admita o recurso interposto para o Tribunal Constitucional e que, em consequência, seja o mesmo autuado e distribuído, seguindo-se os demais termos até final.
14 – Para o efeito, requer-se que a presente reclamação seja instruída com o requerimento de interposição de recurso, a decisão recorrida e o despacho objeto de reclamação. (…) »
5. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal conclui pelo indeferimento da reclamação, nos termos e com os fundamentos seguintes (cfr. fls. 33 a 37):
«1. Nos presentes autos, A. e B., vieram deduzir reclamação por não admissão de recurso (cfr. fls. 2-6 dos autos), relativamente ao «despacho de não admissão de recurso interposto para esse Tribunal Constitucional do Acórdão proferido em conferência pelos três juízes que compõem a formação específica a que alude o art. 35º, nº 1 do ETAF».
2. Por sentença de 29 de novembro de 2012 (cfr. fls. 14-39 dos autos), o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, julgou improcedente o pedido de anulação das deliberações da Câmara Municipal de Elvas de 13 de outubro e de 24 de novembro de 2010 e o despacho do respetivo Presidente de 9 de dezembro do mesmo ano, por força dos quais foram revogadas as alterações de posicionamento remuneratório, por opção gestionária, de que os ora reclamantes haviam sido objeto, com efeitos reportados a 1 de janeiro de 2009, tendo determinado a reposição das importâncias pagas em consequência de tal alteração remuneratória.
3. Inconformados, os interessados recorreram para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) (cfr. fls. 41-62 dos autos).
4. Todavia, o Meritíssimo Juiz de 1ª instância não admitiu o recurso, por despacho de 6 de março de 2013, com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 63 dos autos) (destaques do signatário):
“Vem interposto recurso da sentença.
Logo nela avisadamente se ponderou e exarou em inequívoco sentido e abrigo: «A simplicidade justifica decisão pelo relator».
Fora de dúvidas, no quadro dos poderes conferidos ao relator pelo art. 27º, nº 1, i), do CPTA.
Assim, não é possível admitir o recurso.
Antes caberia reclamação para conferência, todavia de prazo precludido (pelo que nem há que operar convolação).”
5. Novamente inconformados, os interessados reclamaram, então, nos termos do art. 688º do Código de Processo Civil, para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS).
No entanto, o Ilustre Desembargador deste tribunal superior, por despacho de 9 de maio de 2013 (cfr. fls. 72 dos autos), indeferiu a reclamação, remetendo a fundamentação para o Acórdão, do mesmo TCAS, de 24 de abril de 2013, junto ao mesmo despacho (cfr. fls. 73-78).
6. Nos termos de tal Acórdão (cfr. fls. 76-79 dos autos) (destaques do signatário):
“Como decorre do supra exposto, a sentença contra a qual foi interposto recurso jurisdicional, não admitido, julgou a ação improcedente e absolveu o Município de Elvas do pedido [cfr. fls. 23/40 dos autos].
Essa decisão foi proferida pelo relator, ao abrigo da faculdade concedida pelo artigo 27º, nº 1, alínea i) do CPTA [cfr. fls. 23 dos autos].
A alínea b) do nº 2 do artigo 31º do CPTA prevê que se atende ao valor da causa para determinar [se] «[…] o processo, em ação administrativa especial, é julgado em tribunal singular ou em formação de três juízes», posto que, de acordo com o disposto no artigo 40º, nº 3 do ETAF, «nas ações administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito».
Porém, há que atentar na exceção contida no artigo 27º, nº 1, alínea i) do CPTA, norma que atribui competência ao relator para «proferir decisão quando entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado […]».
No caso dos autos, a ação proposta pelos autores tem efetivamente valor superior à alçada do tribunal, pelo que, não tendo sido decidida em formação de três juízes, mas por juiz singular, o foi de acordo com a previsão do citado artigo 27º, nº 1, alínea i), facto aliás que o Senhor Juiz «a quo» expressamente invocou antes de proferir decisão [cfr. fls. 23 dos autos].
Assim sendo, dessa decisão de mérito cabe reclamação para a conferência, nos termos do nº 2 do artigo 27º do CPTA, e não recurso jurisdicional, como tem vindo a ser entendimento uniforme neste TCA Sul e no STA [cfr. neste sentido, o acórdão do STA – Pleno, de 5-6-2012, proferido no âmbito do processo nº 0420/12; e, deste TCA Sul, os acórdãos de 12-1-2012, proferido no âmbito do processo nº 08262/11, e de 20-9-2012, proferido no âmbito do processo nº 08384/12].
Significa isto que a interposição de recurso da decisão proferida nos autos com expressa invocação do disposto no artigo 27º, nº 1, alínea i) do CPTA consubstancia opção por um meio processual inadequado, situação que deveria ter merecido não um despacho de admissão de recurso, mas de outro que ordenasse que o processo seguisse a forma processual adequada – reclamação para a conferência –, nos termos do artigo 199º, nº 1 do CPCivil, desde que se mostrassem reunidos os respetivos pressupostos [cfr. neste sentido, o acórdão do STA, de 19-10-2010, proferido no âmbito do processo nº 0542/10].
Porém, como salientou o Senhor Juiz «a quo» no despacho que não admitiu o recurso interposto pelos autores, não era já possível convolar o requerimento de interposição de recurso em reclamação para a conferência, porquanto à data de entrada do mesmo em juízo já tinha decorrido o prazo de 10 dias que a parte tinha para reclamar para a conferência [cfr. art. 153º do CPCivil, aplicável «ex vi» artigo 1º do CPTA].
Dir-se-á, finalmente, que a posição sufragada no despacho reclamado e aqui sancionada, não viola qualquer preceito constitucional, designadamente os invocados pelos reclamantes, na medida em que a reclamação para a conferência é uma forma como outra qualquer de reagir contra decisões desfavoráveis que não limita – antes acrescenta – as formas de reação contra uma decisão desfavorável.
Além do mais, é irrelevante o nome dado à decisão – sentença ou outro qualquer -, na medida em que aquilo que foi emitido foi sempre e só a «decisão» a que alude a referida alínea i) do nº 1 do artigo 27º do CPTA, que foi expressamente invocada, desde o início, como fundamento para decidir por juiz singular aquilo que estava previsto na lei, como regra geral [cfr. artigo 40º, nº 3 do ETAF], para ser adotado por tribunal coletivo.
Como se concluiu no já citado acórdão do Pleno do STA, de 5-6-2012, proferido no âmbito do processo nº 0420/2012, «é a invocação desse preceito que captura definitivamente a regra contida no nº 2. Das decisões proferidas por juiz singular que, nos termos da lei, devam ser apreciados por tribunal coletivo, há sempre, e apenas, reclamação para a conferência. Nunca recurso. Acresce, ainda, que não é o nome dado aos atos processuais pelos participantes processuais que altera a sua essência. Cada ato processual ou instituto jurídico é o que é em consequência do modo como a lei os caracteriza, das suas qualidades próprias, e não por vontade do nome que lhes atribuímos. Se assi não fosse, e seguindo a perspetiva da recorrente, qualquer despacho de um relator deixaria de o ser se lhe chamasse sentença, ficando sujeito a recurso jurisdicional e não à reclamação para a conferência que o legislador desenhou para essa situação»
Improcede, deste modo, a presente reclamação”.
7. Ora, parece ao signatário, que assiste inteira razão, pelos fundamentos invocados, ao Ilustre Desembargador Relator do TCAS.
E não é o facto de, posteriormente, os ora reclamantes terem obtido uma decisão em conferência, por parte do mesmo TCAS, que altera essa situação de base.
Com efeito, só com a reclamação para a conferência se esgotariam os meios ordinários de impugnação, que permitiriam que a decisão de 1ª instância, que se pretendia impugnar, se tornasse definitiva, abrindo, dessa forma, possibilidade de recurso, quer para o TCAS, quer, eventualmente, para este Tribunal Constitucional (cfr. art. 70º, nºs 2 e 4 da LTC).
8. Resta, pois, concluir, em face de todo o anteriormente referido, que a presente reclamação, por não admissão de recurso, não merece, no entender deste Ministério Público, provimento. (…)».
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. O TCAS não admitiu o recurso interposto pelo ora reclamante para este Tribunal por entender que não se encontravam esgotados os recursos ordinários nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º da LTC já que «da decisão proferida pelo relator cabia reclamação para a conferência nos termos do art.º 700.º/3 e segs. do CPCivil» (cfr. fls. 18).
7. Do teor dos autos deve ter-se presente para a decisão da reclamação apresentada o seguinte:
7.1 Por sentença de 29/11/1012 (cfr. fls. 14 e ss.) o Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco julgou improcedente a ação administrativa especial de impugnação contra o Município/Câmara Municipal de Elvas intentada pelos ora recorrentes, absolvendo o Réu.
7.2 Os ora recorrentes interpuseram recurso daquela decisão para o TCAS (cfr. fls. 41 e ss.).
7.3 O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, por despacho do relator de 6/03/2013, não admitiu o recurso (cfr. fls. 63), por entender que «caberia reclamação para a conferência, todavia de prazo precludido (pelo que nem sequer há convolação)».
7.4 Os ora recorrentes reclamaram deste despacho para o Presidente do TCAS ao abrigo do artigo 688.º do CPC (cfr. fls. 2 e ss.), tendo a mesma sido indeferida por despacho do Desembargador Relator de 9/5/2013, com o seguinte teor (cfr. fls. 72 e verso):
«(…) Refere-se no relatório da sentença supra aludida que a “A simplicidade justifica decisão pelo relator” – cfr. fls. 1 de 55 da peça processual.
Decorre do despacho reclamado proferido em 6/3/2013, que foi fundamento da não admissão do recurso interposto, a circunstância da decisão ter sido proferida pelo relator ao abrigo do disposto no art.º 27º/1/i do CPTA, dela cabendo reclamação para a conferência, não sendo possível a convolação para esse meio de reação por se encontrar esgotado o prazo concedido para o efeito, que é de 10 dias, por força do disposto no art.º 29º/1 do CPTA.
Entendimento que se nos afigura correto, conforme decorre do recente acórdão proferido por este TCA, em 24/4/2013, em reclamação idêntica à presente, que subscrevemos, e para cuja fundamentação remetemos nas partes, decorrendo da mesma fundamentação não assistir razão aos reclamantes.
Pelo exposto, o relator decide com a fundamentação expressa no supra referido acórdão de 24/4/2013, indeferir a seguinte reclamação. (…)».
7.5 Deste despacho – e não, como se escreve na reclamação ora apresentada para a conferência, do «acórdão proferido em conferência pelos três juízes que compõem a formação específica a que alude o artigo 35.º, n.º 1, do ETAF» (cfr. n.º 4 da reclamação, a fls. 3 e introdução da mesma reclamação, a fls. 2) – interpuseram os recorrentes recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 15 e ss. e 84 e ss., com o teor transcrito supra em 2 – em especial os n.ºs 5 e 7).
7.6 O recurso para este Tribunal não foi admitido pelo despacho do relator no TCAS, proferido em 1/07/2013, ora reclamado, com o fundamento supra transcrito em 3.
8. O ora reclamante, no seu requerimento de reclamação, apresentado ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, discorda do despacho ora reclamado por entender que «não era admissível reclamação para a conferência [como se invoca no despacho ora reclamado, nos termos do artigo 700.º/3, do CPCivil], dado que o recurso vem interposto, não de uma decisão do singular do relator, mas de um acórdão proferido em conferência pelos três juízes que compõem, a formação específica a que alude o art. 35.º, n.ºs 1 e 2, do ETAF» (cfr. reclamação, n.º 8, e fundamentação subsequente dos n.ºs 9 a 12).
Não assiste razão ao reclamante.
Com efeito, in casu, a decisão sobre a reclamação apresentada foi proferida pelo relator no TCAS, por despacho de 9/5/2013 (com o teor transcrito supra, em 7.4), pelo que, como invocado no despacho ora reclamado, daquele caberia reclamação para a conferência nos termos do artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. E, assim sendo, não se encontra preenchido o requisito do esgotamento dos recursos ordinários, tal como previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º da LTC, aplicável aos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade interpostos com fundamento na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 70.º da mesma Lei.
III – Decisão
9. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, nos termos dos artigos 7.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 20 de novembro de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.