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Proc. nº 210-B/99 ACÓRDÃO Nº 299/01
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. - C... veio nos presentes autos suscitar um incidente pedindo a revogação da condenação em custas, na sequência do Acórdão nº 563/99, com fundamento em inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro.
Entretanto, foi prolatado o Acórdão nº 93/2000, de 10 de Fevereiro de 2000, pelo qual se ordenou a remessa do processo principal ao tribunal recorrido, determinando-se o processamento do incidente por translado, o que se cumpriu.
2. - Em 28 de Fevereiro de 2000, C... veio suscitar uma questão, a que chamou «questão pré-judicial», para os efeitos do artigo 234º, 3º parágrafo, do Tratado da Comunidade Europeia (questão esta que tinha também suscitado no Processo nº 174/98, desta secção). Como, porém, o requerente não tinha pago as custas liquidadas e, de acordo com o preceituado no artigo 84º , nº8, da Lei do Tribunal Constitucional, o processamento do incidente no translado fica dependente do prévio pagamento das custas contadas no Tribunal, foi determinado que os autos ficassem a aguardar o pagamento das custas.
Sobre este despacho recaiu uma reclamação do requerente
- sobre a questão da gratuitidade da justiça constitucional à luz do direito comunitário - reclamação esta que foi mandada apensar por linha, determinando-se no despacho (de 14 de Abril de 2000) que a mesma só teria seguimento desde que pagas as custas.
3. - Na sequência deste despacho, C... vem agora deduzir incidente de suspeição, invocando que o despacho do relator de 14 de Abril de
2000 'constitui prova categórica de que o seu autor - desconsiderando ilicitamente o teor do requerimento sobre que se pronuncia - intenta grosseiramente obstar ao cumprimento, pelo colectivo que integra, do comando imperativo do artº 234º, par. 3º, do Tratado da Comunidade Económica Europeia, em detrimento manifesto dos legítimos direitos e interesses processuais do recorrente', pelo que essa violação consuma os crimes de denegação de justiça e de prevaricação, razão pela qual apresentou na Procuradoria-Geral da República
'a competente denúncia'.
Para prova do incidente deduzido, o ora requerente pediu que fosse solicitado por este Tribunal ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias 'a decisão pré-judicial' 'atinente à correcta interpretação do normativo jus-comunitário controvertido no caso, em ordem inclusivamente a saber-se que há, efectivamente, violação pelo colectivo sob suspeição da obrigação de reenvio àquele tribunal supremo europeu das 'questiones juris? Pertinentemente antessuscitadas'.
Importa aqui acentuar que o requerente, para além de três outros incidentes de suspeição contra o aqui relator, suscitou também idêntico incidente, com fundamentação similar, em outros processos em que intervieram outros juízes deste Tribunal.
Suscitada a questão da suspeição, foi elaborado pelo relator o seguinte parecer:
'Vem o recorrente C... deduzir incidente de suspeição, invocando que o despacho do relator de 14 de Abril de 2000 (proferido no sentido de o processamento do incidente suscitado pelo recorrente – questão pré-judicial – e da posterior reclamação apresentada só terem seguimento e resposta desde que fosse efectuado o pagamento das custas do processo em que o recorrente foi condenado) 'constitui prova categórica de que o seu autor – desconsiderando ilicitamente o teor do requerimento sobre que se pronuncia – intenta grosseiramente obstar ao cumprimento, pelo colectivo que integra, do comando do artigo 234º, par. 3º do Tratado da Comunidade Económica Europeia, em detrimento manifesto dos legítimos direitos e interesses processuais do recorrente', pelo que essa violação, na sua
óptica, consumará os crimes de denegação de justiça e de prevaricação, razão pela qual apresentou na Procuradoria-Geral da República a 'competente denúncia'. Para prova do incidente deduzido, o ora requerente pediu que fosse solicitado por este Tribunal ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias 'a decisão pré-judicial', atinente 'à correcta interpretação do normativo juscomunitário controvertido no caso, em ordem a saber-se que há, efectivamente, violação pelo Colectivo sob suspeição da obrigação de reenvio àquele tribunal supremo europeu das 'quaestiones juris' pertinentemente antessuscitadas'. Importa desde já realçar que, para além da deduzida suspeição no presente processo e de três outros incidentes de suspeição deduzidos contra o aqui relator, o requerente veio opor idêntico incidente, e com semelhante fundamentação, em vários outros processos que correm termos neste Tribunal e nos quais intervêm outros magistrados. Assim, cumpre decidir a arguida suspeição com base no disposto no nº 3 do artigo
29º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, nos termos do qual compete ao próprio Tribunal Constitucional a apreciação da suspeição dos respectivos juízes. Para o efeito, torna-se necessário aplicar conjugadamente o nº 3 do artigo 127º do Código de Processo Civil, que dispõe, nas alíneas c) e d), que é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam que a acção
(sendo que nesta se devem considerar abrangidas as causas criminais quando o juiz nelas seja arguido – cfr. o nº 2 do artigo citado) foi proposta para se obter o motivo de recusa do juiz. Independentemente da questão de saber se, em face da estatuição literal do nº 2 do artigo 127º, a mera apresentação de denúncia crime, antes da constituição do juiz como arguido, poderá permitir às partes oporem suspeição àquele, o certo é que a situação que resulta do comportamento do requerente no processo aponta para que é seu desiderato obter, ao lançar mão do incidente de suspeição, a impossibilidade dos juízes do Tribunal Constitucional (ou, ao menos, a sua maioria, o que redundaria na impossibilidade de obter quorum legal de funcionamento) poderem intervir nos processos em que o requerente figura como parte. E isto tendo em conta a forma como é estabelecido o modo de escolha dos juízes deste órgão de fiscalização da constitucionalidade, pois julgada que fosse procedente a suspeição isso implicaria, na prática, que enquanto perdurasse o actual mandato, seria impossível obter uma decisão nas causas em que esta situação se suscita. Ora, não podendo o deduzido incidente ser decidido pelo relator, o certo é que se afigura como provável que o Tribunal venha a decidir-se pela improcedência do presente incidente com base num raciocínio segundo o qual a respectiva dedução teve por única finalidade a obtenção da impossibilidade de os juízes deste tribunal poderem intervir, como já referido, e isto tendo em conta, por um lado, a circunstância referida de o requerente ter deduzido noutros processos incidente semelhante e, por outro lado, o facto de se afigurar que a suspeição em apreço não assenta em qualquer substracto fáctico com um mínimo de consistência, nem tem qualquer correspondência com a realidade. Acresce que se entende que os juízes intervenientes no presente processo pautaram a sua actividade por critérios de imparcialidade e de estrita obediência aos ditames legais e constitucionais. Neste contexto, e tendo em conta o disposto na parte final do nº 3 do artigo
130º do Código de Processo Civil, é plausível que o Tribunal venha a considerar que o ora requerente agiu movido no único propósito de prosseguir um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a obter um objectivo ilegal de entorpecer ou protelar a acção decisória deste Tribunal, o que redundará na sua condenação como litigante de má fé, facto pelo qual, atento o disposto no nº 7 do artigo 84º da Lei 28/82, determina a sua audição por dois dias.
4. - O requerente da suspeição respondeu ao parecer, defendendo o reenvio ao Tribunal da Comunidades das dúvidas que suscita.
Cumpre apreciar e decidir a questão da suspeição (nº 3 do artigo 29º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro).
5. - De harmonia com o que se prescreve nas disposições combinadas dos artigos 127º, números 1, alínea c), e 2, e 122º, nº 1, alínea g), ambos do Código de Processo Civil, resulta que a pendência de causa criminal na qual seja arguido o juiz por factos praticados no exercício das suas funções, e em processo no qual ainda não tenha sido deduzida a acusação, pode levar as
«partes» a opor-lhe suspeição. Por outro lado, determina-se no nº 3 do aludido artº 127º que nos casos das alíneas c) e d) do nº 1 é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam de que a acção foi proposta [sendo que nesta se haverão de abranger as causas criminais quando o juiz nelas seja arguido – cf. mencionado nº2 desse artigo] ... para se obter o motivo de recusa do juiz. Independentemente da questão de saber se, em face da estatuição literal do nº 2 do artigo 127º, a mera apresentação de denúncia crime, antes da constituição do juiz como arguido, poderá permitir às «partes» oporem suspeição àquele, o que é certo é que a situação que resulta do relato acima efectuado – onde avulta a circunstância de o ora oponente ter desencadeado incidente semelhante ao ora em apreço em vários outros processos, por forma a obter a suspeição de outros juízes que não os ora intervenientes nas decisões tomadas nestes autos – aponta inequivocamente para que é desiderato do oponente obter, ao lançar mão do incidente de suspeição, a impossibilidade dos Juízes do Tribunal Constitucional
(ou, ao menos a sua maioria, o que redundaria na impossibilidade de se obter quorum legal de funcionamento) poderem intervir nos processos em que o oponente figura como «parte». E isto tanto mais que, tendo em conta o modo como constitucional e legalmente é estabelecido o modo de escolha dos juízes deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, julgada que fosse procedente a suspeição, isso implicaria, na prática, que, enquanto perdurasse o actual mandato dos Juízes em exercício, fosse impossível obter uma decisão nas causas em que o oponente assumisse posição de «parte». Releva ainda, por outro lado, a circunstância de se entender que a actividade dos Juízes levada a efeito nos presentes autos ter sido pautada exclusivamente por critérios de imparcialidade e de estrita obediência aos ditames legais e constitucionais, pelo que, de todo em todo, na perspectiva que agora assume este Tribunal, não se poderia desenhar a prática de actos que pudessem ser indiciariamente subsumidos ao cometimento dos crimes de denegação de justiça e de prevaricação. Deverá, desta arte, concluir-se que o incidente de suspeição ora oposto não assenta em qualquer substracto fáctico com um mínimo de consistência com vista a se atingirem as garantias de imparcialidade que devem ser apanágio dos juízes, antes tendo por única finalidade obter a mera recusa dos Juízes intervenientes nestes autos, por forma a que as causas onde o oponente seja «parte» não venham a obter decisão por banda do Tribunal Constitucional.
6. – Em face do exposto, ponderado o prescrito no nº 3 do artº 127º do Código de Processo Civil, julga-se sem necessidade de proceder a qualquer diligência de prova, o que consequentemente, acarreta o indeferimento do solicitado na parte final do requerimento inicializador do presente pedido – improcedente a oposição ora deduzida, condenando-se o oponente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em dez unidades de conta. Ponderando o que acima se disse e o que se consagra na parte final do nº3 do artigo 130º do Código de Processo Civil, porque se afigura ao Tribunal inquestionável que a actuação do ora oponente consistente na dedução do incidente ora decidido teve por único móbil um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a obter um objectivo ilegal, qual seja o de entorpecer ou protelar a acção decisória por parte deste Tribunal, nos termos da parte final do nº 3 do artigo 130º do Código de Processo Civil, conexionado com o nº 3 do artº 29º da Lei nº 28/82, condena-se o mesmo oponente como litigante de má fé em dez unidades de conta.
Lisboa, 27 de Junho de 2001 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa