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Processo n.º 76/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Pela Decisão Sumária n.º 107/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que não se pode dar por verificado nos presentes autos.
O recorrente pretende a apreciação «do art.º 118 do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, quando interpretada no sentido de permitir que o Juiz mantenha e ordene a emissão de mandado de detenção e condução a estabelecimento prisional, se, para efeitos de modificação da pena, tiverem sido invocadas, antes da detenção e condução ao estabelecimento prisional, razões de saúde, devendo a mesma ser considerada inconstitucional».
Sucede, porém, que o tribunal recorrido não aplicou tal norma, no acórdão de 5 de novembro de 2012, quando julgou o recurso improcedente, por inexistir fundamento de suspensão do cumprimento do mandado de condução do arguido ao Estabelecimento Prisional para início do cumprimento efetivo da prisão em que foi condenado, até ser apreciado e decidido pelo Tribunal de Execução de Penas o pedido de alteração da execução da pena para o regime de permanência na habitação.
O artigo 118.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade foi convocado estritamente para afirmar a competência do Tribunal de Execução das Penas quanto à modificação da execução da pena de prisão, fora da hipótese contemplada no artigo 122.º do mesmo Código, concluindo o tribunal recorrido pela inexistência de disposição legal que regule expressamente o regime deste pedido de modificação na fase anterior ao início do cumprimento da pena. Na falta de tal preceito, o Tribunal da Relação de Guimarães entendeu que os princípios da celeridade e economias processuais e o objetivo da segurança jurídica impõem que o início do cumprimento efetivo da pena de prisão se deve sempre seguir de imediato ao trânsito em julgado da sentença que a aplicou, não devendo ter lugar, por conseguinte, a suspensão da execução dos mandados de condução do condenado ao estabelecimento prisional. Em bom rigor, o tribunal recorrido aplicou, como razão de decidir, norma por referência aos artigos 467.º, n.º 1, e 478.º do Código de Processo Penal, nos termos dos quais as decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva, dando entrada no estabelecimento prisional, por mandado do juiz competente, os condenados em pena de prisão. Além do mais, o artigo 118.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade não comporta sequer a dimensão interpretativa especificada pelo recorrente, uma vez que dispõe apenas sobre os beneficiários da modificação da execução da pena de prisão e sobre os pressupostos materiais da mesma.
A norma objeto do presente recurso também não foi aplicada, como ratio decidendi, no acórdão de 18 de dezembro de 2012. Neste acórdão, o tribunal recorrido aplicou somente normas relativas à aclaração e à correção de sentença.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, com os seguintes fundamentos:
«A quando da interposição do recurso, requereu o arguido que, após a admissão do recurso lhe seja concedido prazo para a apresentação das alegações, de acordo com o disposto no art.º 79º, nº 1 e 2 da Lei 28/82 de 15.11.
E (seria) em sede de tais alegações que o arguido/recorrente explanaria a sua motivação para o que alega, bem como as normas violadas que implicam as inconstitucionalidades suscitadas. Ao contrário do, sumariamente decidido, entende o arguido que se verifica a suscitada inconstitucionalidade.
Na verdade, é entendimento do recorrente que a Douta decisão recorrida enferma de violação dos preceitos constitucionais e que foi suscitada pelo Tribunal recorrido.
Quer em sede de requerimento junto das Varas Mistas do Tribunal de Guimarães, quer no recurso interposto para o Tribunal da Relação o arguido invocou razões de saúde para requerer a modificação da execução da pena, tendo requerido a realização dos relatórios legais.
Referindo: “Salvo o devido respeito, atentos os motivos invocados (de saúde), crê o arguido que deverá ao mesmo ser conferido efeito suspensivo, devendo a emissão dos mandatos de detenção e condução ao estabelecimento prisional serem dados sem efeito. Entendimento diverso, constituirá uma violação do direito à saúde previsto no art. 64 da CRP, bem como dos direitos previstos no art. 32 da mesma CRP”.
Continuando:
“O requerido a fls...visa salvaguardar a saúde do arguido, designadamente evitar risco de infeções que lhe poderiam levar a complicações de saúde, atento o cancro com que foi vitimado”.
A situação em apreço visa pois suscitar uma questão concreta: a de que o episódio nos autos a concretizar-se – concretização dos mandatos - constitui uma violação do direito à saúde previsto no art.º 64 da CRP, bem como dos direitos previstos no art.º 32 da mesma CRP.
E o próprio Tribunal da Relação de Guimarães que admite a inexistência de disposição legal que regule a expressamente o regime deste pedido de modificação na data anterior ao início da pena, o que quer dizer que o facto de se ordenar a detenção nos moldes em que foi ordenado constitui uma violação da Constituição da República. Ora é isso mesmo que se pretende apurar no caso concreto.
Era em sede de alegações que o arguido iria expor a sua motivação e as normas violadas que levaram as suscitadas inconstitucionalidade.
O arguido tem o direito constitucional de apresentar a quem de direito – Venerando Tribunal Constitucional – a sua argumentação, expressa nas alegações de recurso que pretende apresentar, sendo após essa apresentação e sucessiva análise, que se deve ter verificar se de deve tomar ou não conhecimento do objeto do recurso.
Salvo o devido respeito, decisão contrária, implica a violação dos direitos fundamentais do arguido previstos nos artigos 18º, n.º 2, 32.º, n.º 1 e 8 e 34.º n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, o que implica a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Por essa razão e sempre como devido respeito por opinião contrária, tem o arguido, aqui reclamante, o direito de ver o recurso apresentado admitido e apreciado pela mais alta instância judicial do nosso País, devendo qualquer interpretação em sentido contrário, ser considerada inconstitucional».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público veio dizer o seguinte:
«4º
Ora, a argumentação do ora reclamante apenas confirma o acerto da Decisão Sumária ora reclamada, uma vez que se o Tribunal da Relação de Guimarães “admite a inexistência de disposição legal que regule expressamente o regime deste pedido de modificação na data anterior ao início da pena”, não poderia, naturalmente, estar a aplicar o art. 118º do Código de Execução de Penas, uma vez que tal disposição se reporta à situação de penas de prisão já em execução, o que não é o caso.
5º
Acresce que a argumentação do ora interessado, se levada às últimas consequências, poderia conduzir à impossibilidade de fazer executar uma pena de prisão relativamente a uma pessoa, bastando a esta invocar um qualquer problema de saúde.
Não se percebendo tal argumentação, quando a própria Direção-Geral dos Serviços Prisionais dispõe de instalações hospitalares e recorre, sempre que necessário, ao Serviço Nacional de Saúde, em relação a detidos que se encontrem sob a sua guarda.
Procedendo, aliás, na altura da admissão, em caso de necessidade, a um exame de saúde às pessoas que dão entrada nos estabelecimentos prisionais, tendo em vista o acompanhamento médico posterior dos mesmos reclusos.
6º
Crê-se, pelas razões apontadas, que a presente reclamação para a conferência não deverá merecer acolhimento por parte deste Tribunal Constitucional, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 107/13, de 20 de fevereiro, que determinou a respetiva apresentação.».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por não se poder dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação foi requerida – o «art.º 118 do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, quando interpretada no sentido de permitir que o Juiz mantenha e ordene a emissão de mandado de detenção e condução a estabelecimento prisional, se, para efeitos de modificação da pena, tiverem sido invocadas, antes da detenção e condução ao estabelecimento prisional, razões de saúde».
O reclamante em nada contraria o fundamento da decisão que é agora objeto de reclamação. Sustenta, por um lado, que a concretizar-se o mandado de detenção e condução ao estabelecimento prisional tal constituirá uma violação do direito à saúde previsto no artigo 64.º da Constituição, o que é absolutamente estranho à tarefa de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas. E argumenta, por outro, que em sede de alegações é que iria expor a sua motivação e as normas violadas que levaram às suscitadas inconstitucionalidades. Entende que é após a apresentação das alegações que deve verificar-se se deve ou não tomar-se conhecimento do objeto do recurso.
Este argumento é totalmente improcedente. De acordo com o artigo 78.º-A, n.º 1, primeira parte, da LTC, o relator profere decisão sumária, quando entenda, em exame preliminar, que não pode conhecer-se do objeto do recurso interposto. Se entender, em tal exame, que se podem dar por verificados os requisitos do recurso de constitucionalidade interposto, então sim é que são produzidas alegações quanto à questão de constitucionalidade posta no requerimento de interposição de recurso, a peça processual onde o recorrente define o objeto do recurso, indicando, entre o mais, a norma cuja apreciação pretende (artigos 78.º-A, n.º 1, primeira parte, e 79.º da LTC). O que, manifestamente, não implica a violação de direitos fundamentais, uma vez que o recorrente pode sempre reclamar para a conferência da decisão sumária do relator que não conheça do objeto do recurso (artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC).
Reiterando o entendimento de que o tribunal recorrido não aplicou, como razão de decidir, a norma indicada no requerimento de interposição de recurso, há que confirmar a decisão reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 9 de abril de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.