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Processo n.º 102/2001 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A empresa S..., LDª, na acção emergente de contrato de trabalho proposta contra si por M..., interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho do Juiz do Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis, de 5 de Dezembro de 2000, para apreciação da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 55º e 56º do Código de Processo do Trabalho, interpretados – conforme esclareceu na resposta ao convite que o relator lhe fez – 'no sentido de que, sendo dada oportunidade à ré para responder na audiência de partes, nos termos do artigo 55º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, frustrando-se a conciliação de partes e tornando-se manifesta a simplicidade da análise jurídica, o prosseguimento do processo torna-se inútil e não se justifica a notificação da ré para contestar [nos termos do artigo 56º, alínea a)], podendo logo ser proferida sentença'.
O relator, por entender que a recorrente não suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma do artigo 56º do Código de Processo do Trabalho, lançou parecer nos autos, dizendo que o recurso não pode ter tal norma por objecto, e mandou ouvir sobre ele a recorrente, advertindo-a de que, vendo nisso conveniência, podia pronunciar-se na alegação sobre essa questão. A RECORRENTE – depois de dizer que a 'questão jurídica' por si levantada abrange as normas dos artigos 55º e 56º do Código de Processo do Trabalho, pois foi 'o procedimento' do juiz a quo, 'no âmbito da audiência de partes, que foi questionado', tendo ela sustentado, desde início, que, na dita audiência, 'não pode ser imediatamente proferida sentença (seja em que condições for), mas, no caso de não conciliação, deve ser ordenada a notificação da ré para contestar, como é seu direito constitucional (artigo 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), nos termos do artigo 56º' – concluiu a sua alegação como segue:
1. O despacho recorrido interpretou os artigos 55º e 56º do Código de Processo do Trabalho no sentido de que, sendo dada oportunidade à ré para responder na audiência de partes, nos termos do artigo 55º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho (CPT), frustrando-se a conciliação das partes e tornando-se manifesta a simplicidade da análise jurídica, o prosseguimento do processo torna-se inútil e não se justifica a notificação da ré para contestar [nos termos do artigo 56º, alínea a)], e a fixação da data da audiência final [nos termos do artigo 56º, alínea c)], podendo desde logo ser proferida sentença.
2. Na realidade, na audiência de partes prevista no artigo 55º do Código de Processo do Trabalho, o senhor juiz a quo ouviu as partes, procurou conciliá-las e, não [o] tendo conseguido, proferiu imediatamente sentença.
3. É contra este procedimento do senhor juiz a quo que a ré recorrente se insurge, por entender que, s. m. o., esta forma de actuação e de aplicação do artigo 55º (e do artigo 56º) do Código de Processo do Trabalho é violadora do princípio do contraditório (artigo 3º do Código de Processo Civil) e do direito constitucional de defesa (de apresentar a contestação) e de acesso à justiça e aos tribunais e a obter uma solução jurídica de um conflito (artigo 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e não se coaduna com a intenção com que foi criada a figura da audiência de partes (cf. preâmbulo do diploma que aprovou o Código).
4. A ré recorrente foi notificada para uma audiência de partes, nos termos do artigo 55º do Código de Processo do Trabalho, e não para se defender da acção
(apresentar contestação) ou para julgamento (ou audiência final) ou sequer para prestar depoimento de parte ou para confessar a acção.
5. Tinha o direito de não se conciliar e o direito subsequente de apresentar a sua contestação, pelo que, em caso de não conciliação, a ré deveria ter sido notificada para contestar, nos termos do artigo 56º do Código de Processo do Trabalho, fixando-se a data da audiência final.
6. Não havia lugar nem fundamento para a imediata prolação da sentença, pois que o artigo 55º (e o 56º) do Código de Processo do Trabalho não o permite, nestas condições (ou noutras quaisquer), sob pena de violação da garantia constitucional do artigo 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
7. É este procedimento e esta questão jurídica que está em causa e que se considera inconstitucional, nos termos expostos, e é sobre ela que se pede que o Tribunal Constitucional tome posição. Nestes termos, deve o recurso merecer provimento, com as consequências legais.
A RECORRIDA não alegou.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. O objecto do recurso: Na acção de que emergiu o recurso, a autora (aqui recorrida) pediu que a ré (ora recorrente) fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 89.443$00, acrescida de juros de mora desde a data da citação até ao integral pagamento, quantia que – disse – ela lhe deve, em virtude de, relativamente às férias, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado em 1999
(42.038$00, 42.038$00 e 47.367$00, respectivamente), apenas lhe ter pago
42.000$00. Na audiência de partes (prevista pelo artigo 55º do Código de Processo do Trabalho de 1999), a ora recorrente, representada pelo seu sócio gerente JOSÉ DE PINHO, que estava desacompanhado de advogado, 'confessou os factos alegados pela autora' e justificou 'o não pagamento do reclamado pela autora pelo facto de não ter capacidades financeiras para o efeito' (cf. a respectiva acta).
Face à confissão dos factos alegados pela autora, feita pela ré, o Juiz a quo, invocando o disposto no artigo 57º do mencionado Código de Processo do Trabalho, proferiu sentença, condenando a ora recorrente a pagar à aqui recorrida a quantia de 89.443$00, 'com juros de mora à taxa de 7% desde 20 de Julho de 2000 até integral pagamento'.
A ora recorrente (desta vez representada por advogado) foi, então, arguir a nulidade que, em seu entender, se cometeu com a prolação da sentença condenatória sem se lhe dar oportunidade de defesa, uma vez que – contrariamente ao que devia ter sido feito – ela não foi notificada para contestar. Disse, na oportunidade, que 'o artigo 55º do Código de Processo do Trabalho não permite a realização do julgamento e a prolação de sentença na audiência das partes, no caso de a conciliação se frustrar (artigo 56º), independentemente da posição que as partes tomarem na audiência de partes, mormente no caso de haver qualquer tipo de confissão', pois, 'com esse entendimento', tal norma [a do referido artigo 55º] 'não pode deixar de ser considerada inconstitucional'. Isto disse, depois de ter sublinhado que 'a ré tinha o direito de contestar, no prazo de dez dias, como corolário do princípio do contraditório (artigo 3º do Código de Processo Civil) e do direito constitucional de acesso à justiça e aos tribunais e a obter uma solução jurídica de um conflito (artigo 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa)'.
O Juiz a quo, no despacho de 5 de Dezembro de 2000, que é o despacho recorrido, indeferiu a nulidade invocada. Disse, na oportunidade, que, 'limitada a audiência das partes e limitado o proferimento da sentença aos termos supra exarados (a maioria dos casos são de prosseguimento do processo: constituição obrigatória de advogado, não manifesta simplicidade da causa e invocada necessidade de análise jurídica, entre outros), a interpretação supra exarada dos artigos 54º a 57º do Código de Processo do Trabalho não é inconstitucional'. Tal afirmou, depois de ter sublinhado que, 'sendo manifesta a simplicidade da análise jurídica, nos termos do artigo 57º do Código de Processo do Trabalho, o prosseguimento do processo é inútil'; que 'não foi invocada a necessidade de qualquer contraditório ao nível jurídico'; que, 'não sendo obrigatória a constituição de advogado (não é admitido recurso independentemente do valor), não sendo invocada a necessidade de a ele recorrer, sequer a sua existência ou o interesse em que algum deles se pronuncie, cabia à ré defender-se ou invocar aquela necessidade ou interesse'; que, «para a ré a situação apresentou-se simples (não pagou os salários 'proporcionais' do tempo de trabalho no ano da cessação do contrato porque não tinha capacidade financeira para o efeito) e o tribunal tirou todas as consequências dessa simplicidade». Por último, disse que
'foi concedida à ré a possibilidade de se defender'; e que 'foram explicadas à ré as consequências exaradas na acta em questão'.
Do que se disse resulta que, no despacho recorrido, a lei foi interpretada no sentido de que, na audiência de partes prevista no artigo 55º do Código de Processo do Trabalho, frustrada a conciliação das partes, o juiz, afigurando-se-lhe manifesta a simplicidade da análise jurídica, pode logo proferir sentença, sem necessidade de, previamente, ordenar a notificação da ré para contestar, nem de fixar data para a audiência final.
Este artigo 55º (relativo à audiência das partes) dispõe como segue:
1. Declarada aberta a audiência, o autor expõe sucintamente os fundamentos de facto e de direito da sua pretensão.
2. Após a resposta do réu, o juiz procurará conciliar as partes, nos termos e para os efeitos dos artigos 51º a 53º.
Se o juiz, na audiência prevista neste artigo 55º - para a qual o réu é citado para comparecer pessoalmente ou para se fazer representar por mandatário judicial 'com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir', no caso de estar impossibilitado de o fazer; e citado, bem assim, com advertência de que, se a ela faltar sem justificação, fica sujeito às sanções previstas no Código de Processo Civil para a litigância de má fé (cf. artigo 54º, nºs 3 e 5)
–, não conseguir a conciliação das partes – e, assim, se ao litígio se não puser termo 'mediante acordo equitativo' (cf. o artigo 51º, n.º 1) –, tal audiência prossegue, para o efeito de o juiz:
(a). ordenar a notificação imediata do réu para contestar no prazo de dez dias;
(b). determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações, depois de ouvidas as partes;
(c). fixar a data da audiência final, com observância do disposto no artigo 155º do Código de Processo Civil (cf. o artigo 56º do Código de Processo do Trabalho).
De sua parte, o artigo 57º prescreve, no seu n.º 1, que, caso o réu não conteste, 'tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito'. E, no seu n.º 2, acrescenta que, 'se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado'; e que, 'se os factos confessados conduzirem à procedência da acção, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor'.
É, pois, o artigo 55º do Código de Processo do Trabalho, que atrás se transcreveu, interpretado como se deixou dito, que constitui objecto do recurso. E é ele que, nessa interpretação, há que apreciar sub specie constitutionis. E essa apreciação tem que fazer-se no quadro legal em que tal normativo se inscreve.
Só esta norma constitui objecto do recurso, e não também a que consta do artigo
56º do mesmo Código: é que, como se sublinhou no parecer do relator, a recorrente não suscitou a inconstitucionalidade deste último normativo. Do que disse no requerimento de arguição de nulidade apenas pode concluir-se haver ela sustentado que o juiz, ao proferir sentença sem ter ordenado a sua notificação para contestar a acção, violou o dito artigo 56º. Irrelevante é, por isso, que 'a questão jurídica levantada' pela recorrente respeite (ou abranja) as normas de ambos os preceitos legais: a do artigo 55º e as do artigo 56º. Do mesmo modo que é irrelevante ter ela questionado 'o procedimento do juiz a quo no âmbito da audiência de partes': até porque, no recurso, o Tribunal apenas pode julgar a inconstitucionalidade de normas, e não a de um determinado procedimento judicial.
Há, então, que afrontar a questão de constitucionalidade que se deixou identificada, ou seja, a questão de saber se é (ou não) inconstitucional o artigo 55º do Código de Processo do Trabalho, interpretado no sentido de que, na audiência de partes prevista nesse preceito legal, frustrando-se a conciliação das mesmas, o juiz pode logo proferir sentença, sem necessidade de, previamente, ordenar a notificação da ré para contestar, nem de fixar data para a audiência final, desde que se lhe afigure manifesta a simplicidade da análise jurídica.
4. A questão de constitucionalidade:
4.1. Como este Tribunal tem repetidamente sublinhado [cf., por último, o acórdão n.º 259/2000 (publicado no Diário da República, II série, de 7 de Novembro de
2000)], o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório [cf. o acórdão n.º 86/88
(publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 11º, páginas 741 e seguintes)]. Tal como se sublinhou no acórdão n.º 358/98 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no acórdão n.º 249/97 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Maio de 1997), o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, n.º 1, da Constituição, que prescreve que 'a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos'.
A ideia de que, no Estado de Direito, a resolução judicial dos litígios tem que fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o Tribunal a tinha posto em relevo no acórdão n.º 404/87 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 10º, páginas 391 e seguintes). E, no acórdão n.º 62/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 18º, páginas 153 e seguintes) sublinhou-se que o princípio da igualdade das partes e o princípio do contraditório 'possuem dignidade constitucional, por derivarem, em última instância, do princípio do Estado de Direito'.
As partes num processo têm, pois, direito a que as causas em que intervêm sejam decididas 'mediante um processo equitativo' (cf. o n.º 4 do artigo 20º da Constituição), o que – tal como se sublinhou no acórdão n.º 1193/96 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 35º, pagina 529 e seguintes) – exige não apenas um juiz independente e imparcial (um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio, e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência), como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça, pois, criando-se uma situação de indefesa, a sentença só por acaso será justa.
O processo civil tem uma estrutura dialéctica ou polémica: ele reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars), sendo o juiz uma instância passiva. Nele – insiste-se –, o juiz não pode tomar qualquer providência contra determinada pessoa, sem que ela seja ouvida. E mais: essa audição tem, em regra, que preceder o decretamento da providência. Só excepcionalmente, quando haja razões de eficácia e de celeridade que imponham o seu diferimento e que este não limite ou restrinja, de forma intolerável, o direito de defesa, ela pode ser diferida para momento ulterior, pois só então se justifica que a audição da parte não seja prévia.
4.2. No presente caso, a ré foi condenada sem que se lhe desse efectiva oportunidade de defesa. Com efeito, a condenação foi proferida na sequência da confissão, por parte da ré, dos factos alegados pela autora, não obstante esta confissão ter sido feita numa audiência (a audiência de partes prevista no artigo 55º aqui sub iudicio) que a lei define como destinada a que o juiz tente conciliar as partes, para, desse modo, se 'pôr termo ao litígio mediante acordo equitativo'. Ou seja: a condenação foi proferida sem se dar à ré real oportunidade de se defender do pedido contra si formulado (é dizer: sem se lhe permitir que o contestasse, designadamente para expor as suas razões de direito), porque o juiz entendeu que, não tendo ela invocado 'a necessidade de qualquer contraditório ao nível jurídico' e sendo 'manifesta a simplicidade da causa', se impunha sua imediata condenação no pedido, uma vez que ela confessara os factos.
Pois bem: embora a ré não tenha invocado 'a necessidade de qualquer contraditório ao nível jurídico', cumpria ao juiz dar-lhe a oportunidade de se defender, já que é a ele que cumpre assegurar o contraditório. E isso passa sempre pela observância estrita da regra audiatur et altera pars. Só assim o juiz surgirá como quem deve sempre ser: um tertium inter partes – ou seja: um terceiro independente e imparcial. E só desse modo também o processo será um processo equitativo e leal (a due process of law).
A confiança dos cidadãos na jurisdição não se basta com que os juízes sejam realmente independentes e imparciais. Necessário é também que eles dêem de si à comunidade em nome de quem administram a justiça essa imagem de independência e de imparcialidade – é dizer, de neutralidade. Não basta, na verdade, fazer justiça; é preciso que se veja que se faz justiça. Numa formulação conhecida: justice must not only be done; it must be seen to be done.
É que, no Estado de Direito, as aparências também contam para que o processo surja aos olhos do público como um processo equitativo e leal [Sobre o valor das aparências, designadamente na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, cf. o acórdão n.º 345/99 (publicado no Diário da República, II série, de
17 de Fevereiro de 2000)].
Pois bem: há-de convir-se que não é um processo equitativo e leal, por não dar ao réu efectiva oportunidade de defesa, aquele em que, com o fundamento de que é
'manifesta a simplicidade da causa', o dito réu é condenado numa audiência destinada a tentar a conciliação das partes, sem se lhe dar oportunidade de se defender de direito, apenas porque ele, interpelado sobre os factos alegados pelo autor, os confessou e não manifestou 'a necessidade de qualquer contraditório ao nível jurídico'. Esse processo, mesmo explicando o juiz ao réu
'as consequências' que ia extrair da sua confissão dos factos, não surge, pelo menos aos olhos do cidadão, como a due process of law. Ora, como se viu, num Estado de Direito, é essencial não apenas que o processo seja equitativo, como que ele se apresente como tal.
4.3. Em conclusão, pois: a norma constante do artigo 55º do Código de Processo do Trabalho, interpretada no sentido de que, na audiência de partes nele prevista, frustrada a conciliação das partes, o juiz, afigurando-se-lhe manifesta a simplicidade da análise jurídica, pode logo proferir sentença, sem necessidade de, previamente, ordenar a notificação da ré para contestar, nem de fixar data para a audiência final, é inconstitucional: ela viola o artigo 20º, nºs 1 e 4, da Constituição (ou seja, o direito de acesso aos tribunais, e, especificamente, o direito a um processo equitativo).
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). julgar inconstitucional – por violação do disposto no artigo 20º, nºs 1 e
4, da Constituição (ou seja: do direito de acesso aos tribunais, e, especificamente, do direito a um processo equitativo) – a norma constante do artigo 55º do Código de Processo do Trabalho, interpretada no sentido de que, na audiência de partes nele prevista, frustrada a conciliação das partes, o juiz, afigurando-se-lhe manifesta a simplicidade da análise jurídica, pode logo proferir sentença, sem necessidade de, previamente, ordenar a notificação da ré para contestar, nem de fixar data para a audiência final;
(b). conceder provimento ao recurso; e, em consequência, revogar o despacho recorrido, que deve ser reformado em conformidade com o aqui decidido sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 10 de Julho de 2001 Messias Bento José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos de declaração junta) Declaração de Voto
Votei vencida, no essencial, por duas razões: Em primeiro lugar, porque discordo da delimitação do objecto do recurso, pois que entendo Ter sido determinante para a sentença proferida a interpretação feita do artigo 57º do Código de Processo do Trabalho, tendo em conta o relevo concedido à confissão de não pagamento feita pelo representante da ré.
Esse objecto teria, pois, de ser construído recorrendo à conjugação, pelo menos, entre este preceito e o artigo 55º do mesmo Código – sendo certo que a recorrente não o definiu correctamente.
Em segundo lugar, porque não considero violadora do princípio do contraditório, ou do direito a um processo equitativo, a norma (o complexo normativo resultante da conjugação indicada) tal como foi interpretada pelo tribunal recorrido. Com efeito, a recorrente teve a oportunidade de responder, como respondeu, na audiência, através do seu representante. Tendo ele, aliás, confessado o não pagamento das quantias exigidas pela autora da acção, não se vê que vantagem exista, do ponto de vista deste princípio, de uma posterior contestação. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida ( vencido, por entender que não ofende o princípio do processo justo e equitativo a possibilidade de condenação, antes da contestação, quando tenha existido 'resposta' do réu, nos termos do nº 2 do artº 55º do CPT, em que este tenha confessado todos os factos articulados, desde que seja tido como simples a análise jurídica do caso; se é isso que actualmente se estabelece na norma invocada é questão que não cumpre a este Tribunal decidir). Luís Nunes de Almeida