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Processo n.º 886/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, com o n.º 886/12, a autora A., S.A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, 15 de novembro (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 16 de outubro de 2012.
2. Pela decisão sumária n.º 48/2013 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
«5. Sabido que a decisão que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional - LTC) e, entendendo-se que, no caso em apreço, o recurso não pode ser conhecido, por ausência de pressupostos, cumpre proferir decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
6. No sistema português, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade têm necessariamente objeto normativo, versando a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, e não desconformidades com a Constituição imputadas pelo recorrente às decisões judiciais, em si mesmas consideradas, atenta a inexistência no nosso ordenamento jurídico-constitucional da figura do “recurso de amparo” contra atos concretos de aplicação do Direito. Para além disso, tais recursos têm sempre caráter instrumental, devendo a solução da questão da inconstitucionalidade normativa, submetida à apreciação do Tribunal Constitucional, poder repercutir-se, de forma útil e efetiva, na decisão a proferir pelo tribunal recorrido sobre o caso concreto.
7. Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, como ocorre no presente caso, a jurisprudência constitucional vem entendendo, de modo reiterado e uniforme, que são pressupostos específicos deste tipo de recurso a efetiva aplicação, expressa ou implícita, da norma ou interpretação normativa, em termos de a mesma constituir “ratio decidendi” ou fundamento jurídico da decisão proferida no caso concreto, pressuposto decorrente da instrumentalidade da fiscalização concreta; a suscitação pelo recorrente da questão de inconstitucionalidade “durante o processo” e “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional) e o esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam.
8. No caso presente, como decorre do requerimento de interposição de recurso, a recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade constitucional de norma que formula por referência ao seu efeito jurídico-processual: absolvição da instância por verificação de exceção dilatória quando interpretada no sentido de que um pedido de simples apreciação constitui uma exceção dilatória inominada de consumpção atípica, verificando-se falta de interesse processual. Evoca, para fundar a ilegitimidade constitucional de tal interpretação, a violação do disposto no artigo 20.º da Constituição.
9. Nota-se, desde logo, que a recorrente não aponta qualquer preceito legal (ou articulação de preceitos legais), do qual seja extraído o sentido normativo apontado. Admite-se, todavia, e para efeito de cotejar esse sentido normativo com a decisão recorrida, que a “norma que consagra a absolvição da instância por verificação de exceção dilatória” seja a constante dos artigos 493.º, n.º 1 e 2 (que nos dá a noção de exceção dilatória) e 494.º (que enumera, declaradamente com caráter exemplificativo, as exceções dilatórias), ambos do Código de Processo Civil, aplicados na decisão recorrida (aos quais acresce o artigo 288.º, n.º 1, alínea e) do mesmo diploma).
10. Ora, percorrendo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que este em momento algum, expressa ou implicitamente, acolhe ou afirma a interpretação recortada pela recorrente como objeto do presente recurso de constitucionalidade.
Na verdade, e como resulta claramente do segmento da decisão recorrida supra transcrito, o Supremo Tribunal de Justiça considerou, sim, verificada a falta do pressuposto processual de interesse processual ou de interesse em agir da autora, integrador de exceção dilatória conducente à absolvição do réu da instância, em virtude de, no caso, não se encontrar demonstrado um estado de incerteza objetivo e grave, como exigido nas ações declarativas de simples apreciação, mas antes um estado de incerteza subjetivo, dispondo a autora de forma de tutela jurisdicional mais efetiva para fazer vingar a sua tese.
Por consequência, qualquer que fosse a decisão do Tribunal Constitucional sobre a questão colocada, sempre subsistiria intocado o fundamento da decisão recorrida, o que veda, em obediência à natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, a apreciação do recurso.
Face ao exposto, ausente o pressuposto de efetiva aplicação do critério questionado como “ratio decidendi” da decisão recorrida, decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, o recurso não pode ser conhecido.
11. Fica, assim, prejudicada a apreciação, como fundamento autónomo de não conhecimento do recurso, da ausência de colocação de questão normativa de constitucionalidade, pondo em crise, perante a Constituição, critério ou padrão normativo, independente das especificidades do caso, como se denota da inscrição na questão colocada do segmento conclusivo: “ interesse processual [...] patente nos presentes autos”. A correção da operação de subsunção dos factos ao direito infraconstitucional efetuada na decisão recorrida não integra objeto admissível do recurso de constitucionalidade.»
3. Inconformada, a recorrente reclamou da decisão sumária para a conferência, nos seguintes termos:
«1. Em sede dos presentes autos foi interposto recurso para o Douto Tribunal Constitucional ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 70º da LOTC, por ter sido aplicada uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
2. Mormente foi suscitada a inconstitucionalidade da norma que consagra a absolvição da instância por verificação de exceção dilatória interpretada no sentido do pedido de simples apreciação constituir uma exceção dilatória inominada de consumpção atípica por falta de interesse processual.
3. Interposto recurso para o Douto Tribunal Constitucional foi o mesmo objeto da Douta Decisão Sumária ora notificada, a qual decidiu não conhecer do recurso interposto.
4. Não podendo a Recorrente conformar-se com a Douta Decisão reclama para a Conferência.
5. Porquanto o Recurso interposto deverá ser apreciado, reiterando-se integralmente o teor do requerimento de interposição de recurso e a violação frontal do principio constitucional do Direito e Acesso à Justiça, previsto no art. 20º da CRP, patente na interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça à norma constante dos art. 288 nº 1 al. e), art. 493 nº 1 e art. 494 todos do CPC aplicados no sentido da verificação de uma exceção dilatória inominada de consumpção atípica conducente a falta de interesse processual.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. Como decorre do relatado, a recorrente vem reclamar da decisão sumária proferida através de requerimento em que se limita a reiterar o requerimento de interposição de recurso. Sobre os fundamentos da decisão sumária proferida, encontra-se apenas a conclusão de que o recurso deverá ser apreciado.
Assim sendo, verifica-se que a recorrente procura apenas a reapreciação da sua pretensão, agora pela Conferência, sem o menor acrescento ou esforço argumentativo, no sentido de postergar o fundamento em que assentou a decisão singular e que na ausência de identidade entre o concreto fundamento decisório acolhido na decisão recorrida e o sentido normativo enunciado pelo recorrente.
5. Ora, como se decidiu na decisão sumária, independentemente da sua qualificação como questão normativa de constitucionalidade, ou de questão dirigida a questionar o ato de julgamento, em si mesmo considerado, na aplicação silogística do quadro normativo infraconstitucional pertinente às particularidades do caso em apreço – apreciação que não cabe nas competência de fiscalização das decisões judiciais atribuídas ao Tribunal Constitucional no artigo 280.º da Constituição -, verifica-se que a interpretação questionada não se mostra conforme com aquela efetivamente aplicada na decisão recorrida, o que sempre torna inútil o conhecimento do recurso para a reversão do decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
6. Assim, por acertada, cumpre confirmar a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
7. Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada pela recorrente A., S.A.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pela reclamante.
Notifique.
Lisboa, 20 de março de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.