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Processo nº 663/08
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1. Em 7 de Outubro de 2008 foi proferida decisão sumária (fls. 159) em que se 
 entendeu não poder o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso 
 interposto para o Tribunal por A., S.A.
 A decisão assentou, em síntese, nos seguintes fundamentos (transcreve-se apenas 
 a parte essencial da decisão): 
 
  
 
 (…) do cotejo dos autos verifica-se que a norma cuja inconstitucionalidade é 
 suscitada, na dimensão normativa invocada pela ora recorrente, não corresponde, 
 na verdade, à dimensão normativa aplicada no acórdão do Supremo Tribunal 
 Administrativo.
 
 É que, conforme refere de forma particularmente clara aquele Supremo Tribunal, a 
 decisão de que ora se recorre não se baseou numa dimensão normativa do artigo 
 
 278.º do CPPT, segundo a qual este normativo estabelece um elenco taxativo dos 
 casos que justificam a subida imediata das reclamações em sede de execução 
 fiscal.
 A ratio decidendi da decisão foi, ao invés, a circunstância de a recorrente não 
 ter  alegado e demonstrado quaisquer factos integradores da ocorrência de 
 prejuízo irreparável.
 Verifica-se, pois, que a razão de decidir se prendeu não com a taxatividade da 
 norma sub judice (questão que enforma o objecto do presente recurso) mas antes 
 com a não alegação, por parte da recorrente, de factos que preenchessem a 
 existência de prejuízo irreparável (conforme, aliás, se torna patente no 
 seguinte excerto da decisão recorrida que se retranscreve:
 
  
 Como se alcança deste extracto da sentença recorrida, a decisão proferida não 
 assentou numa dimensão normativa do artigo 278.° do CPPT de acordo com a qual a 
 subida imediata das reclamações se restringe aos casos taxativamente previstos 
 nos seus n° 3 e 5, ao invés do que vem referido pela recorrente na sua conclusão 
 
 1ª.
 Antes a sentença julgou não ser o momento para conhecer o mérito da reclamação 
 deduzida com base no facto de não ter sido alegado “quaisquer factos 
 integradores da ocorrência de prejuízo irreparável”. 
 Na verdade, em parte alguma da sentença se rejeita a possibilidade da subida 
 imediata da reclamação com fundamento na circunstância dos eventuais prejuízos 
 ocasionados pelo acto reclamado não resultarem das ilegalidades elencadas no n.° 
 
 3.° do artigo 278.° do CPPT, e isto desde logo porque nenhuns factos foram 
 alegados susceptíveis de integrarem o conceito de prejuízos irreparáveis.). 
 
  
 
 É, pois, inequívoco que a dimensão ou entendimento normativo impugnado pelo 
 recorrente não foi aplicada pelo Supremo Tribunal Administrativo. 
 Quer isto dizer que uma decisão do Tribunal Constitucional que responda ao 
 pedido formulado pela recorrente será, sempre, inútil, porquanto não havendo 
 identidade entre o objecto do pedido de recurso de constitucionalidade e a ratio 
 decidendi da decisão proferida pelo Tribunal a quo, sempre se manterá inalterado 
 o sentido da decisão proferida pelo tribunal recorrido.
 
  
 
  
 
 2.  Notificada desta decisão, A., S.A. veio reclamar para a conferência, 
 concluindo da seguinte forma: 
 
             I.   O acórdão recorrido faz uma efectiva aplicação do art. 278.° do 
 CPPT na dimensão normativa segundo a qual a subida imediata das reclamações do 
 
 órgão da administração fiscal se restringe aos casos taxativamente previstos nos 
 n.° 3 e n.° 5; 
 
            II.   Estão preenchidos os requisitos para que o Tribunal 
 Constitucional conheça do objecto do recurso, designadamente, que aprecie as 
 invocadas inconstitucionalidade orgânica e material; 
 
          III.   Ainda que se considere que o Supremo Tribunal Administrativo não 
 se baseou numa dimensão normativa do art. 278.° CPPT segundo a qual a subida 
 imediata das reclamações só acontece nos casos aí taxativamente previstos, mas, 
 ao invés, e nos termos da decisão sumária proferida por este Tribunal, na 
 
 “circunstância de a recorrente não ter alegado e demonstrado quaisquer factos 
 integradores da ocorrência de prejuízo irreparável”, a verdade é que tal 
 interpretação por si só está ferida de inconstitucionalidade orgânica, que, em 
 consequência, e porque oportunamente invocada, deveria ser apreciada por este 
 Tribunal.
 
  
 O recorrido Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP, I.P.), 
 nada disse quanto à reclamação apresentada.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 5.  A reclamante aventa, na sua reclamação, duas principais razões que, no seu 
 entender, determinariam que o Tribunal conhecesse do recurso de 
 constitucionalidade por si interposto.
 São estas: “tanto a sentença como o acórdão fazem, efectivamente, uma aplicação 
 do art. 278 do CPPT que restringe o conhecimento imediato das reclamações aos 
 casos taxativamente previstos no n.º 3 do mencionado preceito” (fls 169) e, sem 
 conceder, “o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal de todos os 
 actos lesivos vem afirmado pelo art. 95.º, n.º 1 e n.º 2, al. j) e 103.º, n.º 2 
 da LGT. Pelo que, reconhecida a supremacia da LGT sobre o CPPT, não pode este 
 afastar a possibilidade de reclamação para o juiz em todos os casos em que o 
 acto praticado pelo órgão da administração fiscal seja potencialmente lesivo”.
 A reclamante alega, porém, sem razão.
 Vejamos:
 
  
 
 6.  Conforme ficou já relatado na Decisão Sumária objecto da presente 
 reclamação, é requisito específico do recurso de constitucionalidade interposto 
 ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, além da suscitação, de forma clara e perceptível, da 
 inconstitucionalidade da norma durante o processo e do esgotamento dos recursos 
 ordinários que no caso cabiam, que a norma (ou dimensão normativa) impugnada 
 tenha efectivamente sido aplicada pelo tribunal a quo, na decisão recorrida, 
 como verdadeira ratio decidendi.
 A razão de ser deste requisito, repete-se, não se resume a uma mera questão de 
 forma. Tem a ver, sim, com a natureza do Tribunal Constitucional que, neste tipo 
 de recurso, é um verdadeiro tribunal de recurso a quem compete proferir a última 
 palavra quanto à questão de constitucionalidade (última palavra porque depende 
 de uma primeira pronúncia do tribunal a quo quanto à questão de 
 constitucionalidade em juízo e última palavra também porque a decisão do 
 Tribunal é definitiva no que respeita à questão de constitucionalidade 
 suscitada).
 Ora, este requisito processual só se torna verdadeiramente operante quando a 
 
 última palavra proferida pelo Tribunal assume um sentido útil no âmbito do 
 processo que corre termos junto do tribunal a quo.
 Por isso mesmo se tem dito, de forma unânime e reiterada, que o Tribunal não se 
 deve pronunciar, em sede de fiscalização concreta, quando, qualquer que seja o 
 sentido da decisão que recaia sobre a questão de (in)constitucionalidade, se 
 mantenha inalterado o decidido pelo tribunal recorrido (veja-se, neste sentido, 
 os Acórdãos do Tribunal n.ºs 454/91, 337/94, 608/95, 577/95, 1015/96, 196/97 e 
 
 508/98, publicados os três primeiros no Diário da República, II série, 
 respectivamente de 24 de Abril de 1992, 4 de Novembro de 1994 e 19 de Março de 
 
 1996).
 
  
 
 7.  Atentos os autos, verifica-se que a norma cuja inconstitucionalidade é 
 suscitada é a norma ínsita ao artigo 278.º, n.º 3 e 5 do CPPT na dimensão 
 normativa segundo a qual a subida imediata das reclamações se restringe aos 
 casos taxativamente previstos nos seus números 3 e 5.
 Este é o objecto do pedido no âmbito do presente recurso de constitucionalidade, 
 conforme claramente decorre das conclusões das alegações de recurso apresentadas 
 pela ora reclamante junto do Supremo Tribunal Administrativo (fls 110) e da 
 delimitação realizada pela ora reclamante no requerimento de interposição de 
 recurso de constitucionalidade (fls 147, ponto 2). Destaca-se, a este respeito, 
 a estrutura do recurso de constitucionalidade em que a reclamante apresenta, sob 
 o ponto 2, o pedido e, sob o ponto 3, a norma ou princípio constitucional que 
 considera ter sido violado.
 
  
 
 8.  Ora, conforme decorre do que dispõe o artigo 79.º-C da Lei do Tribunal 
 Constitucional, os poderes cognitivos do Tribunal restringem-se à apreciação da 
 norma que a decisão recorrida aplicou ou recusou aplicação, não se encontrando, 
 todavia vinculado à causa de pedir. Pedido e causa de pedir são, por isso,  
 caracterizados, na jurisprudência do Tribunal, como, quanto ao pedido, “a 
 solicitação para que se declare a inconstitucionalidade (…) de uma ou de várias 
 normas determinadas de direito ordinário” e, quanto à causa de pedir, “as normas 
 ou princípios constitucionais que o requerente considera terem sido violadas” 
 
 (cfr. Acórdão n.º 25/84, de 29 de Novembro de 1983, in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 1º Vol., 1983).
 Atento o teor do recurso de constitucionalidade apresentado junto do Tribunal, 
 sempre terá de se dizer que o objecto do recurso (o pedido) é delimitado sob o 
 ponto 2 do requerimento e a causa de pedir é delimitada sob o ponto 3 do 
 requerimento.
 
  
 
 9.  Delimitado o objecto do recurso de constitucionalidade, ou melhor, 
 delimitado o pedido, é quanto a este que cumpre verificar, como o foi na Decisão 
 Sumária sub judice, se estão preenchidos os requisitos específicos de recurso 
 quanto o mesmo seja interpostos ao abrigo do que dispõe a alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional. 
 Ora, do cotejo dos autos verifica-se, sem margem para dúvidas, que a norma cuja 
 inconstitucionalidade é suscitada, na dimensão normativa invocada pela ora 
 reclamante, não corresponde à dimensão normativa aplicada no acórdão do Supremo 
 Tribunal Administrativo.
 Com efeito, e conforme refere de forma particularmente clara aquele Supremo 
 Tribunal, a decisão de que ora se recorre não se baseou numa dimensão normativa 
 do artigo 278.º do CPPT, segundo a qual este normativo estabelece um elenco 
 taxativo dos casos que justificam a subida imediata das reclamações em sede de 
 execução fiscal.
 
  
 
 10.  Improcedem, pois, as considerações da reclamante quando afirma que 
 
  
 Ora, perante esta conclusão do Tribunal Administrativo e Fiscal, a qual foi 
 expressamente acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativo quando negou 
 provimento ao recurso e aceitou a sentença proferida em 1ª instância nos exactos 
 termos em que havia sido proferida, dúvidas não podem subsistir de que tanto a 
 sentença como o acórdão fazem, efectivamente, uma aplicação do art. 278 do CPPT 
 que restringe o conhecimento imediato das reclamações aos casos taxativamente 
 previstos no n.° 3 do mencionado preceito. 
 
  
 
 É que no acórdão recorrido (que é o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal 
 Administrativo e não a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu) 
 lê-se:
 
  
 Como se alcança deste extracto da sentença recorrida, a decisão proferida não 
 assentou numa dimensão normativa do artigo 278.° do CPPT de acordo com a qual a 
 subida imediata das reclamações se restringe aos casos taxativamente previstos 
 nos seus n.° 3 e 5, ao invés do que vem referido pela recorrente na sua 
 conclusão 1ª. 
 Antes a sentença julgou não ser o momento para conhecer o mérito da reclamação 
 deduzida com base no facto de não ter sido alegado quaisquer factos integradores 
 da ocorrência de prejuízo irreparável”. 
 Na verdade, em parte alguma da sentença se rejeita a possibilidade da subida 
 imediata da reclamação com fundamento na circunstância dos eventuais prejuízos 
 ocasionados pelo acto reclamado não resultarem das ilegalidades elencadas no n.° 
 
 3.° do artigo 278.° do CPPT, e isto desde logo porque nenhuns factos foram 
 alegados susceptíveis de integrarem o conceito de prejuízos irreparáveis. 
 
 (sublinhado acrescentado)
 
  
 A ratio decidendi da decisão foi, contrariando o que alega o reclamante, a 
 circunstância de a recorrente não ter alegado e demonstrado quaisquer factos 
 integradores da ocorrência de prejuízo irreparável.
 Verifica-se, pois, que a razão de decidir se prendeu não com a taxatividade da 
 norma sub judice (questão que enforma o objecto do presente recurso) mas antes 
 com a não alegação, por parte da recorrente, de factos que preenchessem a 
 existência de prejuízo irreparável. 
 
  
 
 11.  Do que se deixou exposto retira-se ainda a resposta para a questão 
 adicional suscitada pelo reclamante na sua reclamação.
 
 É que o reclamante, na sua reclamação, refere ainda que:
 
  
 
                  Ainda que se considere que o Supremo Tribunal Administrativo 
 não se baseou numa dimensão normativa do art. 278.° CPPT segundo a qual a subida 
 imediata das reclamações só acontece nos casos aí taxativamente previstos, mas, 
 ao invés, e nos termos da decisão sumária proferida por este Tribunal, na 
 
 “circunstância de a recorrente não ter alegado e demonstrado quaisquer factos 
 integradores da ocorrência de prejuízo irreparável”, a verdade é que tal 
 interpretação por si só está ferida de inconstitucionalidade orgânica, que, em 
 consequência, e porque oportunamente invocada, deveria ser apreciada por este 
 Tribunal.
 Ora, tanto das conclusões da sua reclamação como das suas alegações, retira‑se 
 que o que o reclamante pretende é, neste momento, alargar o objecto do recurso 
 de constitucionalidade.
 Na verdade, o reclamante pretende agora que o Tribunal venha a conhecer da 
 inconstitucionalidade da norma ínsita ao artigo 278.º do CPPT na interpretação 
 segundo a qual a subida imediata das reclamações depende da alegação e 
 demonstração de factos integradores da ocorrência de prejuízo irreparável.
 Ao Tribunal não escapa pois a lógica da argumentação do reclamante que, sob a 
 capa de uma pretensa alteração da causa de pedir (a inconstitucionalidade 
 orgânica da norma em questão) vem, no fundo, alterar o objecto do recurso.
 Alteração esta que, nos termos do que dispõe o artigo 71.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, não se poderá admitir.  
 
  
 Assim sendo, não podem dar-se como verificados os pressupostos processuais do 
 tipo de recurso interposto.
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a 
 presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
 
  
 Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 10 de Dezembro de 2008 
 
  
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão