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Processo n.º 513/2013
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso com os seguintes fundamentos:
(…) O presente recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo da alínea b), c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional: LTC).
Nos termos do disposto pelo artigo 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição, e pelo artigo 70.º n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, cabe recurso para este último das decisões dos tribunais que tenham aplicado norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo.
Compulsados aos autos, chega-se à conclusão que durante o processo não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma ou segmento de norma. Na reclamação apresentada pelo arguido ao Supremo Tribunal de Justiça, que se deu acima por transcrita, o que se põe em causa é a constitucionalidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, não se impugnado a validade de nenhuma norma, com fundamento na violação da Constituição.
Semelhante conclusão confirma-se no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, onde se diz que como: o recorrente continua inconformado com a decisão proferida (…) vem agora (…) interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
Ora, inexistindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objeto não uma questão de constitucionalidade normativa mas a própria decisão judicial.
Tanto basta para que, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, se não possa conhecer do presente recurso de constitucionalidade.
(…) O recorrente vem ainda interpor o presente recurso ao abrigo das alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Quando a via de recurso para o Tribunal Constitucional é aberta através destas formas processuais, o que se pretende é que se aprecie a eventual ilegalidade, por violação da lei de valor reforçado, de norma aplicada ou desaplicada pelas instâncias, o que não acontece no caso em apreço. Portanto, também ao abrigo destas formas processuais se não pode conhecer do objeto do recurso.
2. Notificado dessa decisão, A. veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), com os seguintes fundamentos:
1. Importa desde já salientar, que no presente recurso estão em causa direitos fundamentais de qualquer cidadão, mormente o direito à liberdade de cidadãos condenados em penas de prisão elevadíssimas.
2. Ora, por decisão sumaria n.º 1513/13 proferida a fls., e da qual ora se reclama, entendeu a Exma. Sr. Relatora dever rejeitar o recurso interposto pelo arguido.
3. Ora, não pode o ora Reclamante concordar com tal decisão porquanto tal decisão colide frontalmente com os princípios constitucionais da igualdade, previsto no artigo 13.º, n.º 1 da Constituição de Republica Portuguesa, da aplicação de lei penal mais favorável, previsto no artigo 29.º, n.º 4 da C.R.P., da mínima restrição dos direitos liberdades e garantias, previsto no artigo 18.º, n.º 2 e 3 da C.RP., e com os direitos de defesa do arguido em processo penal, in casu, o recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da C.R.P., este último visto em conjugação com o princípio de lei penal mais favorável da proibição da retroatividade desfavorável e imposição da retroatividade favorável, e com o princípio da igualdade.
4. As normas em discussão no presente caso – artigo 400.º e artigo 432.º - relativas ao recurso, são as vulgarmente designadas pela doutrina normas processuais materiais, que se caracterizam por serem normas que “condicionam a efetivação da responsabilidade ou contendem diretamente com direitos do arguido ou do recluso”.
5. E porque o são ensina TAIPA DE CARVALHO que à “sucessão das leis penais materiais sejam aplicados os princípios da irretroatividade de lei favorável e da retroatividade da lei favorável”, pois, deste “direito repressivo” e da consequente proibição da retroatividade das suas normas desfavoráveis são se excluem as normas processuais penais que se referem “aos atos de pura técnica processual”, valendo aqui, e só aqui, o princípio da aplicação imediata – tempus regist actum-, respeitando-se os atos praticados e não podendo ser postos em questão, na sequência de uma lei nova, quer esta seja ou não favorável à pessoa perseguida.
6. A aplicação dos artigos citados, na redação anterior à Lei n.º 48/2007, de 28 de agosto. Impõe-se ainda para total cumprimento do princípio da igualdade, entre nós, consagrado no artigo 13.º, n.º 1 da C.R.P.
7. Dispondo o referido preceito constitucional que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, sendo que o acórdão uniformizador acima referido, vem, salvo melhor opinião, colidir com este princípio.
8. A lei processual, no que concerne aos recursos, com a nova redação do artigo 400.º, n.º 1 alínea f), que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 28 de agosto, traduz um “agravamento sensível (...) da situação processual do arguido, nomeadamente mediante uma limitação do seu direito de defesa face à anterior redação que lhe permita o recurso ao STJ, que será “ainda evitável” mediante a aplicação daquelas normas na redação que lhes era dada anteriormente à alteração ao processo penal.
9. Assim, se temos que o texto da lei comporta apenas um sentido sempre terá de ser esse o sentido da norma.
10. Pelos motivos acima explanados, ao não se admitir o recurso em causa foram violados os artigos 13.º, 29.º e 32.º da Constituição.
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio dizer o seguinte:
1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 424/2013, não se conheceu do objeto do recurso interposto para o Tribunal Constitucional ao abrigo das alíneas b), c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
2º
Quanto á invocação daquela alínea b), parece-nos claro que “durante o processo” não foi suscitada e no requerimento de interposição do recurso não foi enunciada uma questão de inconstitucionalidade de natureza normativa, passível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade.
3º
Efetivamente, tendo a Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, alterado o regime dos recursos, o recorrente sustenta a aplicação do regime anterior às alterações e invoca a violação dos princípios constitucionais, se aplicado, no caso, o vigente.
4º
A inconstitucionalidade vem, assim, imputada à própria decisão, como se demonstra na douta decisão, ora reclamada.
5º
Quanto à invocação das alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, face à evidência da não verificação dos requisitos de admissibilidade, nada há a acrescentar ao que consta da Decisão Sumária.
6º
Na reclamação agora apresentada o recorrente não impugna verdadeiramente os fundamentos da decisão reclamada.
7.º
Nessa peça, no n.º 3, limita-se a discordar da decisão e a afirmar que a mesma viola alguns princípios constitucionais, que identifica.
8.º
Quanto aos restantes números, eles são a reprodução integral daquilo que já anteriormente afirmara quando reclamou para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 405.º do CPP (n.ºs 11 a 16, a fls. 4 e 5) e quando interpôs recurso para este Tribunal Constitucional (n.ºs 31 a 36, a fls. 158 e 159).
9.º
Naturalmente que para ser proferida a douta Decisão Sumária n.º 424/2013, aquelas afirmações foram tomadas em consideração.
10.º
Por tudo o exposto, deve indeferir-se a reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Através da decisão sumária ora reclamada, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do objeto do recurso com fundamento na sua inidoneidade, na medida em que o que o recorrente realmente pretende controverter é, em substância, o próprio juízo concretamente efetuado pelo tribunal recorrido.
Na reclamação apresentada, o reclamante vem tão só manifestar a sua discordância face à decisão de não conhecimento proferida, por entender que a mesma contendeu com determinados princípios constitucionais. Quanto aos demais argumentos, estes nada acrescentam ao que já foi dito perante esta instância e o próprio Supremo Tribunal de Justiça.
Ora, se é certo que a reclamação deve consubstanciar uma verdadeira impugnação devidamente fundamentada da decisão sumária proferida e, portanto, suscetível de revelar as razões de discordância quanto a ela, outra decisão não se poderia tomar senão a de indeferir a presente reclamação, pois na mesma não são chamados à colação quaisquer fundamentos que permitam contrariar a decisão ora reclamada.
III – Decisão
5. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 22 de outubro de 2013. – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.