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Processo n.º 458/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, com o n.º 458/13, a ré A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei 28/82, 15 de novembro (LTC), da sentença do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, proferida em 24 de janeiro de 2013, que a condenou a pagar à autora a quantia de € 2.330,75.
2. Pela decisão sumária n.º 309/2013, proferida ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«2. O presente recurso foi interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC. Só tem legitimidade para este tipo de recurso a parte que tiver suscitado a questão de inconstitucionalidade que quer ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
A recorrente reconhece que não suscitou a questão de constitucionalidade antes de proferida a sentença que conheceu do mérito da causa. Alega, porém, que o fez no requerimento de reforma da sentença e que não é exigível que o tivesse feito em momento anterior, quer atendendo ao caracter insólito da interpretação adotada pelo tribunal a quo, quer por não ter tido oportunidade processual para tanto, atendendo à tramitação própria do processo.
3. Não é exato que a recorrente não tenha disposto de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade em decorrência da tramitação legal das ações emergentes de procedimento de injunção. Na concreta tramitação adotada, - e, num entendimento funcional do referido ónus, é isso que para o efeito releva - a recorrente teve oportunidade para suscitar a questão de constitucionalidade quando foi chamada a responder ao articulado de concretização dos factos apresentado pela Autora, na sequência do despacho de fls. 32.
E, mesmo admitindo-se que ainda pudesse estar em tempo, por se tratar de interpretação insólita ou imprevisível, também não o fez, de modo processualmente adequado, no requerimento de reforma da sentença. Com efeito, o que aí se criticou foi a decisão judicial. A recorrente não colocou uma questão de constitucionalidade normativa, em termos de o tribunal estar obrigado a dela conhecer. Para tanto não basta a afirmação contida no art.º 62 do pedido de reforma, visto que não se identifica uma concreta dimensão normativa, continuando o desrespeito dos 'mais basilares princípios constitucionais' a ser imputado à decisão judicial, em si mesmo considerada.»
3. Inconformada, a recorrente reclama da decisão sumária para a conferência, alegando, no essencial, o seguinte:
«(…) a Recorrente invocou que competia à Autora a prova do seu direito, contratual por se tratar de uma empreitada, e que não competia à Ré, como se concluiu na sentença, a prova da relação contratual que a Autora estabeleceu com terceiros (Presidente da Junta de Freguesia), uma vez que foi a Autora que no artigo 2º da petição corrigida invocou o contrato com esse terceiro.
Invocou que os factos alegados pela Autora eram constitutivos do seu direito, cabendo à Autora provar o vínculo contratual.
Mais invocou que a Autora não logrou provar o vínculo contratual e até suscitou serem as questões que a sentença refere desconhecidas - 'desconhecendo-se a forma de contratação e escolha do empreiteiro, e que mesmo após a entrega do dinheiro da segurança social as mesmas [obras] continuaram' - como constitutivas do direito da Autora, concluindo que a falta de prova devia conduzir à absolvição do pedido.
Também suscitou, quanto à questão da decisão da matéria de facto, que os fundamentos estão em total contradição com a decisão.
Deram-se como provados os dois únicos quesitos, acima transcritos, com base, exclusivamente, em três depoimentos que a própria sentença reconhece retratarem que mais tarde se iriam acertar as condições e valores a pagar.
Invocou-se que se assim se compreendeu a expressão, ela não é idónea para assacar à Ré uma obrigação concreta de pagamento do preço restante.
A dimensão normativa do princípio da repartição do ónus da prova foi prodigamente suscitada.
Também se invocou a obrigatoriedade das decisões judicias assegurarem os interesses legalmente protegidos dos cidadãos que recorrem a juízo, como princípio constitucional que não foi respeitado.
Quanto à alusão que a sentença faz ao enriquecimento da ré à custa do património da autora, invocou-se como norma infraconstitucional o artigo 3º do Código de Processo Civil, referiu-se que não foi peticionado tal direito, nem objeto de contraditório, e ainda a dignidade constitucional do princípio do contraditório.
Temos consciência que a questão em apreço pode parecer de diminuta importância atento o valor em jogo, mas para a Recorrente esse valor é muito elevado. E o certo é que, o cidadão não confia na Justiça porque não compreende decisões como a presente.
Alguém que nada contratou, que viu serem-lhe impostas administrativamente obras em casa ao abrigo do programa de reinserção social, não pode ser obrigado a pagar as obras que não encomendou, que não contratou, e que não se comprometeu a pagar.
Os direitos que se pretendem ver garantidos têm efetivamente proteção constitucional e os caminhos e atalhos tomados cumpriram os ritos processuais de admissibilidade de um recurso deste jaez.
Finalmente, quanto à questão da oportunidade de suscitar a questão durante o processo, como se concluiu na decisão sumária, importa reiterar, como se deixou expresso no requerimento de interposição de recurso, que só após a sentença a recorrente foi confrontada com, por um lado, a decisão da matéria de facto e, por outro, a questão do ónus da prova.
Não podia a recorrente na resposta à petição corrigida sequer pesar a possibilidade de se darem como provados dois factos - essenciais - ao arrepio da respetiva fundamentação; nem que o julgador atribuísse à recorrente o ónus da prova de factos alegados pela Autora (parte contrária).
A questão da constitucionalidade é uma questão incidental em estreita relação com o feito submetido a julgamento e a recorrente confrontou, em tempo, o tribunal que decide a causa com a controversa validade constitucional das normas convocáveis (Acórdão nº 15/95).
De tal forma que o Tribunal de 1ª instância admitira o recurso.
A decisão sumária olvidou o que se invocou junto do Tribunal que proferiu a decisão, designadamente, a apontada dimensão normativa do artigo 342º nº 1 do Código Civil, sendo manifesto que se pretendeu impugnar a decisão da matéria de facto, precisando-se as respetivas razões - total contradição entre a fundamentação e a decisão - e apelando-se aos princípios constitucionais pertinentes.»
4. Em virtude da cessação de funções neste Tribunal do anterior Relator, os autos foram redistribuídos.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. A recorrente A. reclama para a conferência da decisão sumária que não conheceu do recurso que apresentou, com assento em dois fundamentos, cada um deles capaz de determinar a decisão proferida, a saber, ausência de suscitação da questão colocada em termos tempestivos, bem como em termos procedimentalmente adequados, ambos conducentes à ilegitimidade da recorrente.
Afirme-se, desde já, que a reclamação, limitando-se a reiterar os elementos já presentes no requerimento de interposição de recurso, não permite afastar qualquer desses fundamentos e reverter a decisão de não conhecimento do recurso.
6. De facto, no caso, era exigível à recorrente, e esta para tal dispôs de oportunidade processual, a suscitação da questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida, já que, tendo sustentado, na resposta que apresentou ao articulado da autora de concretização dos factos alegados, a “confissão” desta de que havia sido contactada pelo Presidente da Junta de Freguesia de Santiago de Besteiros, no ano de 2007, com vista à realização de obras na casa propriedade da ré, que seriam custeadas pela Segurança Social, no âmbito de programa de rendimento social de inserção, não se encontra quadro de imprevisibilidade ou de inexigibilidade justificativo da inobservância pela recorrente da suscitação nessa peça processual de todas as consequências jurídicas desse facto, na sua perspetiva, incluindo na vertente da desconformidade constitucional que agora pretende colocar.
7. De qualquer modo, independentemente de tal fundamento, no requerimento de reforma da sentença a recorrente não colocou qualquer questão de inconstitucionalidade de forma procedimentalmente adequada. Com efeito, aí não foi especificado qualquer critério ou padrão normativo da decisão, enquanto regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica; pelo contrário, a recorrente limitou-se a sindicar o ato de julgamento, em si mesmo considerado, quer quanto ao concreto e específico ato judicativo sobre os factos, quer no plano da definição e aplicação do direito infraconstitucional, apreciação que não cabe de fiscalização das decisões judiciais cometida ao Tribunal Constitucional no artigo 280.º, n.º 1, al. b) da Constituição.
Cumpre, assim, confirmar a decisão sumária que, com fundamento na ilegitimidade da recorrente, não conheceu do recurso interposto.
III. Decisão
8. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada; e
b) Condenar a reclamante nas custas, fixando-se em 20 (vinte) Ucs a taxa de justiça devida, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pelo reclamante.
Lisboa, 22 de outubro de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.