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Proc. nº 100/01 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – Pela decisão sumária proferida a fls. 1138 e segs. não se tomou conhecimento do objecto dos recursos interpostos por T... e R... ao abrigo do artigo 70º nº. 1 alínea b) da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 1099 e segs.
Escreveu-se na referida decisão:
'1 – T... e R..., com os sinais dos autos, recorrem para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei nº 28/82 do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que, em recurso interposto pelo Ministério Público e por C... e mulher, M..., do acórdão proferido pelo Tribunal do Círculo Judicial do Pombal, os condenou, o primeiro, na pena de quatro anos e seis meses de prisão por cada um de três crimes de violação e em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos de prisão e o segundo na pena de cinco anos de prisão como autor de cada um dos mesmos crimes de violação e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão.
O primeiro recorrente diz pretender a declaração de inconstitucionalidade da norma do artigo 77º nº 1 do Código Penal por o STJ ter feito uma aplicação desta norma 'em claro desrespeito pelo princípio da legalidade' expresso nos artigos 1º nº 3 do Código Penal e 29º e 32º da CRP. Isto porque o STJ teria condenado o arguido 'não pela matéria provada, mas por presunções e analogias', ao concluir que 'os arguidos se comportaram como já fossem adultos não havendo nenhuma circunstância que diferenciasse as suas condutas de qualquer adulto que tivesse executado a infracção referindo ainda não ter havido 'uma palavra de desculpa, nem arrependimento'.
E conclui o seu requerimento nos seguintes termos:
'O douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ao aplicar os artigos 164º e 77º do Código Penal, condenando o arguido T... na pena de 5 anos de prisão efectiva, viola claramente os direitos humanos do cidadão, pois baseia-se em meras presunções e analogias, pelos motivos supra apontados, que são inconstitucionalmente inadmissíveis no nosso sistema jurídico e vai contra os princípios e fins das penas que consistem em visar a reinserção social dos arguidos'.
Por seu turno, o recorrente R... pretende ver apreciada a constitucionalidade do artigo 4º do DL nº 401/82, de 23 de Setembro 'na interpretação dada pelo douto acórdão recorrido' que diz violar o artigo 32º da CRP e 'fere os grandes princípios da política criminal: princípio da culpa, princípio da necessidade da pena, princípio da legalidade e da jurisdicionalidade de aplicação do direito penal e princípio da igualdade'.
Acrescenta não ter suscitado anteriormente a questão de inconstitucionalidade dessa interpretação 'porque, face aos elementos constantes do processo, nunca pensou que o S.T. Justiça lhe aplicasse pena tão severa e entendesse não aplicar ao caso sub judice a lei especial dos jovens delinquentes, como foi feito na primeira instância'.
Cumpre decidir, o que se faz nos termos do artigo 78º-A nº 1 da Lei nº 28/82.
2 – Ambos os recursos foram admitidos no STJ, mas tal decisão não vincula este Tribunal, como dispõe o artigo 76º nº 3 da Lei nº 28/82.
E a verdade é que, nem um nem outro deveriam ter sido admitidos como se passa a demonstrar.
No que concerne ao recurso interposto por R... por a questão não ter sido suscitada durante o processo, perante o tribunal recorrido (artigos 70º nº
1 alínea b) e 72º nº 2 da Lei nº 28/82), não se tratando, claramente, de um decisão-surpresa.
Na verdade, não caracteriza uma tal decisão o facto de a parte não ter pensado que o regime previsto no DL nº 401/82 não viesse a ser aplicado em contrário do que acontecera na condenação proferida em 1ª instância.
A 'imprevisibilidade' das decisões judiciais que tem conduzido este Tribunal a uma jurisprudência reiterada no sentido da admissibilidade do recurso de constitucionalidade sem prévia suscitação da questão deve ser entendida em termos 'objectivos', muito embora considerando as circunstâncias do caso e a estratégia de defesa do recorrente.
Ora, no caso, era exigível que o recorrente admitisse como possível a não aplicação do regime estabelecido no DL nº 401/82, nomeadamente pela aplicação aos factos do disposto no artigo 4º deste diploma legal..
Isto pela simples razão de os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelos assistentes visarem, essencialmente, a não aplicação daquele regime.
Deveria, assim, o recorrente, na resposta que deduziu àqueles recursos, suscitar a questão de constitucionalidade que agora submete ao Tribunal Constitucional, isto mesmo sem qualquer compromisso relativamente à questão de saber se, em bom rigor, ela é de constitucionalidade normativa ou se se reporta à própria decisão judicial.
No que respeita ao recurso interposto por T... (rectificação operada por despacho de fls. 1155 e segs.), a questão suscitada só aparentemente é de constitucionalidade normativa, sendo certo, e como é sabido, que o Tribunal Constitucional só destas cura – o Tribunal não aprecia a constitucionalidade das decisões judiciais.
Ora, o que o recorrente põe claramente em causa é a valoração que o STJ fez de determinadas circunstâncias para não aplicar o regime previsto no DL nº 401/82 por não haver 'sérias razões' (artigo 4º do diploma) para o fazer, circunstâncias essas que o recorrente qualifica de 'presunções e analogias'.
Não está, assim, em questão nenhum problema de interpretação normativa – de interpretação do artigo 77º nº 1 do Código Penal - mas apenas e estritamente a subsunção dos factos àquela norma.
Na verdade, a norma ínsita naquele preceito estabelece uma regra de punição do concurso de crimes – condenação numa única pena – mandando atender na medida da pena aos factos e à 'personalidade do agente'.
Do que o recorrente discorda é do resultado da ponderação da sua personalidade feita no acórdão impugnado, que levou quer ao afastamento do regime previsto no DL nº 401/82, quer à não suspensão da pena que havia sido decretada em 1ª instância, o que nada tem que ver com a interpretação da referida norma
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não tomar conhecimento do objecto dos recursos.
Custas por cada um dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em
6 Ucs.'
Desta decisão, vem o recorrente, R..., reclamar para a conferência, com os seguintes fundamentos:
'1. A douta decisão sumária recorrida entende que o recorrente discorda do resultado da ponderação da sua personalidade feita no acórdão do Círculo Judicial de Pombal, como autores, cada um, de três crimes de violação, p. e p. pelos artigos 164º, nº. 1, 177º, nºs. 1 e 4 e 73º, nº. 1, als. a) e b) do C. Penal, 1º, nº. 1 e 2 e 4º do DL nº. 401/82 de 23/9, na pena de dezoito meses de prisão por cada um desses crimes, e, em cúmulo jurídico, cada um destes arguidos na pena única de três anos de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de cinco anos.
2. Salvo o devido respeito não é esse o entendimento que o recorrente tem do seu recurso.
3. Entende isso sim que é inconstitucional a interpretação dada
àquela norma, artigo 4º do DL nº. 401/82 de 23 de Setembro, pelo douto acórdão recorrido, porque viola o artigo 32º da CR, fere os grandes princípios da política criminal: princípio da culpa, princípio da necessidade da pena, princípio da legalidade e da jurisdicionalidade de aplicação do direito penal e princípio da igualdade.
4. Ao ora recorrente foi negada a aplicação da lei especial para jovens delinquentes, sendo certo e tal constar do processo, o seu arrependimento, a sua reinserção social e boa conduta, apenas interrompida por aquele crime, fruto da pouca idade (limiar da imputabilidade) e ocasião favorável.
5. Ora a interpretação dada àquela norma, artigo 4º do D. Lei nº.
401/82 de 23 de Setembro, viola, como se disse, o princípio da igualdade (artigo
13º da CRP), princípio da tutela jurisdicional efectiva (nº. 4 do artigo 20º da CRP), os grandes princípios da política criminal: princípio da culpa, princípio da necessidade da pena; princípio da legalidade, e consequentemente a própria norma assim interpretada.'
Por seu turno, o recorrente, T..., vem reclamar para a conferência, da decisão sumária supra citada, nos seguintes termos:
'1. A douta decisão recorrida entende que o recorrente na resposta que deduziu ao recurso interposto perante o Supremo Tribunal de Justiça, deveria ter suscitado a questão de constitucionalidade normativa.
2. Salvo o devido respeito, mas não é esse o entendimento que o recorrente tem do seu recurso.
3. Muito embora, o recorrente pudesse ter suscitado essa questão que agora submete ao Tribunal Constitucional, - o facto de o não ter invocado anteriormente, não é motivo suficiente para não conhecer do objecto do recurso. Aliás, a não invocação anterior da questão da inconstitucionalidade explica-se porque face aos elementos constantes do processo, nunca seria previsível na tese do recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça aplicasse pena tão severa. Nunca passou pelo pensamento do recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça, bem sabendo a idade do recorrente à prática dos factos (16 anos), não tivesse aplicado o artigo 4º do Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro. Daí a questão da inconstitucionalidade normativa só ter sido suscitada posteriormente.
O recorrente entende que, ainda está em tempo de 'levantar a questão da inconstitucionalidade normativa'.
4. No entendimento do recorrente o Supremo Tribunal de Justiça efectuou uma aplicação da norma em claro desrespeito pelo princípio da legalidade, expresso nos artigos 1º nº. 3 do Código Penal e 29º e 32º da Constituição da República Portuguesa, condenando o arguido não pela matéria provada, mas por presunções e analogias, e fere inclusive os grandes princípios da política criminal: princípio da culpa; princípio da necessidade da pena; princípio da legalidade e da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal e da igualdade.'
O Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da manifesta improcedência das reclamações, sustentando que os recursos interpostos pelos recorrentes não tiveram como objecto uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa.
Cumpre apreciar e decidir.
2 – A reclamação para a conferência de uma decisão sumária é o meio processual idóneo para os reclamantes exporem as suas razões de discordância relativamente ao decidido.
No que ao reclamante R... respeita, resulta claramente como fundamento da decisão sumária o facto de o recorrente não ter suscitado atempadamente a questão de constitucionalidade, não ocorrendo, no caso, qualquer decisão-surpresa, - era sempre de admitir a possibilidade da não aplicação do regime estabelecido no DL nº. 401/82, já que era esta uma das pretensões do Ministério Público e dos assistentes, nos recursos que haviam interposto.
Ora, a verdade é que o recorrente, na sua reclamação, não dirige a mínima censura a um tal fundamento limitando-se a afirmar a inconstitucionalidade da 'interpretação' dada, no acórdão recorrido, ao artigo
4º do DL 401/82, que se traduziria na violação de 'grandes princípios de política criminal'.
Quanto ao reclamante, T..., o fundamento do não conhecimento do objecto do recurso foi tão-só o de se não questionar uma 'interpretação normativa' do artigo 77º nº. 1 do Código Penal, mas 'apenas e estritamente a subsunção dos factos àquela norma', o que configura a imputação de inconstitucionalidade à própria decisão judicial.
Acontece, porém, que na sua reclamação, limitou-se a afirmar a tempestividade da suscitação da questão de constitucionalidade, razão que, em parte alguma, foi posta em causa para não conhecer do objecto do recurso por ele interposto.
De todo o modo, reafirma-se que a questão suscitada se não configurava como uma questão de inconstitucionalidade normativa.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir as reclamações.
Custas por cada um dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em
15 Ucs.
Lisboa, 27 de Junho de 2001- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa