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Processo n.º 1/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e recorrido B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 27 de Setembro de 2012.
2. A recorrente foi convidada, ao abrigo do disposto no artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, a indicar, com precisão, a norma cuja apreciação pretendia. A resposta foi enviada através de correio eletrónico (cf. fl. 101 e s.).
Foi, então, proferido o seguinte despacho:
«Julgo deserto o recurso interposto, ao abrigo do disposto nos artigos 75.º-A, n.º 7, e 78.º-B, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
Convidada a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso (artigo 75.º-A, n.º 6 da LTC), a recorrente respondeu através de correio eletrónico (fl. 101 e s.), não observando o disposto no artigo 150.º do Código de Processo Civil (Apresentação a juízo dos atos processuais), aplicável por força do artigo 69.º da LTC».
3. Notificada deste despacho, a recorrente vem arguir a nulidade do mesmo, nos termos e com os fundamentos seguintes:
«1. Estabelece o art. 150º,n.º 1, do CPC, na redação introduzida pelo DL 303/07, de 24-08, que “os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados em juízo preferencialmente por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos por Portaria prevista no n. º1 do art. 138º A, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição”.
No n.º 2 deste preceito consagram-se outras formas de apresentação em juízo de atos processuais.
2. Por sua vez, o art. 138ºA do CPC estatui que: “1- A tramitação dos processos efetuada eletronicamente em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça, devendo as disposições processuais relativas a atos dos magistrados e das secretarias, se, objeto das adaptações práticas que se revelem necessárias”.
3. Resulta do art. 150º do CPC que o legislador prefere como forma de comunicação e apresentação dos atos processuais a transmissão eletrónica de dados, permitindo, também, que os mesmos cheguem ao processo pelas vias indicadas nas alíneas do seu n.º 2.
4. E nos termos do art. 2º, al. a), da Portaria 114/2008, de 6/02, o disposto na presente portaria aplica-se à tramitação eletrónica “das ações declarativas cíveis, procedimentos cautelares e notificações judiciais avulsas, com exceção dos processos de promoção e proteção das crianças e jovens em perigo e dos pedidos de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal”.
5. A Portaria 114/2008, com as alterações introduzidas pela Portaria 457/2008, de 20-06, revogou a Portaria n.º 642/04, de 06-06, aboliu o correio eletrónico como meio de transmissão eletrónica de dados para a prática de atos nas situações atrás referidas (ações declarativas cíveis, procedimentos cautelares e notificações judicias avulsas).
6. Excluindo-se as situações em que não é possível a apresentação, em juízo, por escrito, dos atos processuais através da transmissão eletrónica de dados.
7. Sendo certo que, entre essas situações está a prática de atos processuais no processo penal e nos Tribunais Superiores.
8. Quer no caso penal, quer nos tribunais superiores (Relação, STJ e Tribunal Constitucional) não é possível a prática de atos processuais, por escrito, através da transmissão eletrónica de dados.
9. O que significa que quanto à prática de atos processuais, por escrito, no processo penal e nos Tribunais Superiores, continua em vigor a Portaria n.º 642/2004, de 06 de Junho.
10. Até porque, o art. 1º da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro, não deixa dúvidas quanto ao âmbito da sua aplicação, restringindo-a à tramitação eletrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1ª instância.
11. Termos em que, se nos afigura nulo o despacho que considerou deserto o recurso interposto.
12. De mais, o CPC não estabelece qualquer sanção ou cominação para a violação do art. 150º,n.º 1 e 2, do mesmo diploma.
13. Não existe qualquer disposição legal que comine expressamente com invalidade tal incorreção procedimental.
14. Ainda, sendo o espírito do legislador que o processo civil caminhe no sentido da desmaterialização e de uma tramitação cada vez mais eletrónica dos processos judiciais, como expressamente se referiu no preâmbulo da Portaria 1538/2008, de 30/12, retirar a prática dos atos processuais através do correio eletrónico de dados, seria incompreensível e contraditório, quando não se pode praticar o ato através da transmissão eletrónica de dados. Neste sentido pode ver-se o Acórdão do ST.J, de 18-01-2011, proficientemente relatado pelo Ex.mo Senhor Conselheiro Garcia Calejo, disponível em www.dsi.pt.
15. Assim, o despacho não está fundamentado de Direito.
16. Ora, os despachos devem ser fundamentados de facto e de Direito, o que não sucede no acaso “subjudice”– art. 158º, n.º 1, do CPC.
A falta de fundamentação leva à sua nulidade – art. 668º, n.º 3, do CPC».
5. Notificado deste requerimento, o recorrido não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Nos presentes autos foi proferido despacho a julgar deserto o recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto nos artigos 75.º-A, n.º 7, e 78.º-B, n.º 1, da LTC.
É agora arguida a nulidade do mesmo, por falta de fundamentação, convocando-se, para o efeito, os artigos 158.º e 668.º do Código de Processo Civil. Sem razão, sendo manifesto que o despacho em causa especifica os fundamentos que justificam a decisão: o recurso de constitucionalidade interposto foi julgado deserto, ao abrigo do disposto nos artigos 75.º-A, n.º 7, e 78.º-B, n.º 1, da LTC, por a recorrente, convidada a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, ter respondido através de correio eletrónico e esta não ser uma forma legalmente admissível de apresentação a juízo de atos processuais, segundo o disposto no artigo 150.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da LTC.
A argumentação da requerente é, afinal, significativa da sua discordância quanto às razões do decidido quanto à forma de apresentação de atos processuais a este Tribunal, o que cumpre apreciar e decidir, nos termos do disposto no artigo 78.º-B, n.º 2, da LTC.
2. Sobre a apresentação de atos processuais através de correio eletrónico, lê-se no Acórdão n.º 79/2011 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) o seguinte:
«(…) o que está em causa é apenas a forma da apresentação a juízo do ato processual.
E sobre esta passou a dispor o artigo 150º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, ou seja, através do sistema informático CITIUS (artigo 4.º da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro). Acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito que os atos processuais também podem ser apresentados por entrega na secretaria judicial, remessa pelo correio, sob registo, ou envio através de telecópia. Isto é, a lei deixou de prever o envio por correio eletrónico com aposição de assinatura eletrónica avançada (artigo 150.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil, na redação anterior)».
É este entendimento que agora se reitera (no mesmo sentido, Acórdãos n.ºs 198/2011, 264/2011 e 369/2012, disponíveis no mesmo sítio). O artigo 150.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 69.º da LTC, é a disposição legal que define – taxativamente – as formas de apresentação a juízo de ato processual. Não procede, por isso, o argumento de que, no processo penal e nos Tribunais Superiores, continua em vigor a Portaria n.º 642/2004, de 6 de Junho, a qual foi, de resto, expressamente revogada pela Portaria n.º 114/2008 (alínea a) do artigo 27.º). Tão-pouco procede a referência ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2012, uma vez que esta decisão versa sobre notificação entre mandatários através da aplicação CITIUS, resultando desta aplicação que tal notificação se pode concretizar através de correio eletrónico.
Há que indeferir, pois, a presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação, confirmando-se o despacho reclamado.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 21 de maio de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.