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Processo n.º 255/2013
2ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I - RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclamou, em 18 de fevereiro de 2013 (fls. 89 a 92), ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da LTC, do despacho proferido pelo Juiz-Relator junto da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em 12 de fevereiro de 2013 (fls. 81), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 16 de janeiro de 2013 (fls. 77 e 78), seguido de despacho de convite ao aperfeiçoamento proferido por aquele Juiz-Relator, em 21 de janeiro de 2013 (fls. 79), com fundamento na intempestividade do requerimento de aperfeiçoamento, expedido em 11 de fevereiro de 2013 (fls. 87) e apenas entrado nos autos em 15 de fevereiro de 2013 (fls. 85 e 86).
Com efeito, o despacho reclamado determinou o seguinte:
«Na sequência do despacho que proferi em 21/01/2013 (fls. 79), não tendo o requerido (recorrente), no prazo que lhe foi concedido, observado o estatuído no artigo 75º-A, nºs 1, 2 e 5 da LOFPTC, indefiro o recurso por ele interposto para o Tribunal Constitucional, nos termos do artº 76º, nº 2 do citado diploma legal.» (com sublinhado nosso)
2. Os termos da reclamação deduzida, que ora se resumem, são os seguintes:
«O Tribunal a quo entende que “O Recurso para o Tribunal Constitucional não é admissível pois não foi observado o estatuído no art.° 75°-A nºs 1, 2 e 5 da LOFPTC, ou seja não foram indicadas as normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada e a norma ou princípio constitucional que se considera violado”.
Sucede que, o arguido veio indicar o preceito constitucional que no seu entender se mostra violado no douto acórdão em crise, como sendo a norma constante do art. 32° da C.R.P..
Mais referiu que de acordo com o Douto Acórdão n.°422/2005 do Tribunal Constitucional de 17 de agosto, para se respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no n.°1 do art.°32° CRP, a possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efetiva e não meramente fictícia.
Acrescentou ainda que são inconstitucionais as normas dos artigos 373.°, nº 3, e 113.°, nº 9, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor.
Finalmente mais referiu que tal questão de inconstitucionalidade e violação dos art.° 32° CRP e art.s 373.°, nº 3, e 113.°, nº 9, do Código de Processo Penal foi já suscitada nas Motivações de Recurso apresentadas em primeira instância e posteriormente nas Motivações de Recurso da Relação para o Digníssimo Supremo Tribunal de Justiça.
Se o recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades resultantes da interpretação e aplicação das normas feitas pelos Tribunais Superiores (Relação ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do Tribunal Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da constitucionalidade que cabe a esse alto tribunal.
Como é óbvio, também nesta particular questão o arguido/recorrente não podia pressupor, intuir, que o Digno Tribunal da Relação, agiria como agiu, e interpretaria as normas do Código Penal e da própria Constituição como interpretou e aplicou.
É com a prolação da Decisão, e só nessa altura, que se tornam patentes os vícios e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, afrontando de maneira gritante e inadmissível o Estado de Direito e processo Democrático, pondo em causa princípios que deviam estar mais do que consolidados na ordem jurídica portuguesa:
Assim sendo, o recorrente tem o Direito a ver apreciado o Recurso interposto para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade:
a) Ora, entendermos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do feita, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, ao não admitir o recurso em causa constitui uma violação dos artigos 29° e 32° da Constituição da República Portuguesa, assim como são inconstitucionais as normas dos artigos 373.°, nº 3, e 113.°, nº 9, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor, inconstitucionalidades essas invocadas previamente na sua reclamação para o Tribunal da Relação de Guimarães.
É, pois, um vício que se regista somente na Decisão, que se pretende seja analisado à luz das normas da Constituição.
Desta forma, tem o recorrente o direito a ver apreciado o Recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Pede e espera deferimento.» (fls. 90 a 92)
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se nos termos que ora se resumem:
«1. Em 1.ª instância, A. foi condenado na pena de cinco anos de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto e punido pelo artigo 145.º, n.º 1, alínea b), com referência ao artigo 144.º, alínea b) e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), todos do Código Penal.
2. Do acórdão condenatório, o arguido interpôs recurso para a Relação de Guimarães.
3. O recurso não foi admitido por extemporaneidade.
4. Considerou-se no despacho de não admissão que o prazo para a interposição do recurso se contava da data da leitura e depósito da sentença, uma vez que, apesar de o arguido não estar presente, teve conhecimento da data da leitura e encontrava-se presente a sua defensora (artigo 343.º, n.º 3, do CPP).
Contando-se o prazo para interposição do recurso dessa forma, quando o mesmo foi apresentado, há muito que esse prazo havia sido ultrapassado.
5. Inconformado, o arguido reclamou para o Senhor Presidente da Relação de Guimarães, que, por decisão de 20 de dezembro, indeferiu a reclamação.
6. Desta decisão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional mas, como o requerimento não cumpria as exigências legais, após notificação para suprimento das deficiências, foi apresentado um requerimento complementar.
7. Não tendo o recurso sido admitido, reclamou o arguido para este Tribunal Constitucional.
8. No segundo requerimento apresentado (vd. n.º 6), o arguido enuncia a seguinte questão de inconstitucionalidade:
“Acresce que são inconstitucionais as normas dos artigos 373.º, n.º 3, e 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor.”
9. Como o recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, um dos requisitos de admissibilidade consiste em a questão de inconstitucionalidade ser suscitada durante o processo e de forma adequada.
10. Tendo o recurso sido interposto da decisão do Senhor Presidente da Relação de Guimarães que indeferiu a reclamação (vd. n.ºs 4 e 5), o momento processual próprio para a suscitação da questão era precisamente o da reclamação.
11. Vendo tal peça processual, ali não vem mencionada sequer qualquer questão de inconstitucionalidade, nem a referência a qualquer princípio ou preceito constitucional.
12. O que o reclamante, na altura, alegou, invocando e transcrevendo o artigo 113.º, n.º 9, do CPP, foi que não tendo estado presente na leitura do acórdão e tendo sido, posteriormente, pessoalmente notificado dele, o prazo para interposição do recurso devia contar-se da data da notificação pessoal.
13. Por outro lado, a decisão do Senhor Presidente da Relação nada tem de inovador quanto aos fundamentos para a não admissão do recurso, antes sendo de concordância integral com a decisão proferida na 1.ª instância, a decisão então reclamada.
14. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.» (fls. 93).
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Com efeito, nem o reclamante impugna diretamente o fundamento que presidiu ao despacho que rejeitou admitir o recurso de constitucionalidade interposto, nem o próprio visto do Ministério Público aborda o tema. Ora, conforme já se demonstrou – mediante transcrição do despacho reclamado –, o mesmo repousa exclusivamente na circunstância de o ora reclamante não ter respondido, “no prazo que lhe foi concedido” (fls. 81), ao convite de aperfeiçoamento formulado pelo Juiz-Relator junto do Tribunal recorrido. Aliás, diga-se que, nos termos do n.º 7 do artigo 75º-A da LTC, a falta de resposta atempada a esse convite implica a automática deserção do recurso.
Com efeito, o despacho de convite ao aperfeiçoamento (fls. 79) foi notificado ao ora reclamante por notificação expedida em 21 de janeiro de 2013 (fls. 80), o que significa que o mesmo se considera notificado em 24 de janeiro de 2013, nos termos do n.º 3 do artigo 254º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável “ex vi” artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC). Conforme resulta da aplicação do prazo supletivo de 10 (dez) dias, nos termos do artigo 153º do CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC – e expressamente referido no despacho de convite –, o ora reclamante deveria ter apresentado o requerimento de aperfeiçoamento até 04 de fevereiro de 2013, eventualmente acrescido de 3 (três) dias úteis, mediante pagamento de multa, ao abrigo do n.º 5 do artigo 145º do CPC, igualmente aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC; ou seja, no limite, até 07 de fevereiro de 2013.
Sucede que o requerimento de aperfeiçoamento apenas deu entrada nos autos recorridos em 15 de fevereiro de 2013 (fls. 85), ainda que deva considerar-se a sua data de expedição por via postal, em 11 de fevereiro de 2003 (conforme se comprova pelo carimbo aposto no envelope, que consta de fls. 87). Como tal, o despacho ora reclamado mais não fez que constatar a manifesta intempestividade do requerimento de aperfeiçoamento do recurso. Tal ausência de (tempestivo) aperfeiçoamento do requerimento originário de interposição de recurso origina não só o não preenchimento dos requisitos processuais exigidos pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 75º-A da LTC, como a deserção do recurso, nos termos do n.º 7 do mesmo preceito legal.
Assim sendo, mais não resta do que confirmar o despacho reclamado.
Por fim, refira-se apenas que não se aprecia sequer a questão da não suscitação processualmente adequada da questão de inconstitucionalidade normativa – suscitada no visto do Ministério Público –, na medida em que a deserção do recurso implica a automática extinção da instância, sem necessidade de apreciação dos demais fundamentos de não conhecimento. Só por essa razão não se procedeu à notificação ao reclamante para que se pronunciasse sobre esse novo fundamento, conforme determina o n.º 2 do artigo 703º e o n.º 2 do artigo 704º, ambos do CPC, aplicáveis “ex vi” artigo 69º da LTC, por aquela constituir um ato processualmente inútil.
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 10 de maio de 2013. – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.