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Proc. nº 581/2001
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal Central Administrativo, em que figuram como recorrentes A e outros e como recorrido B, a Relatora proferiu Decisão Sumária ao abrigo do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, em virtude de a questão de constitucionalidade suscitada perante o tribunal recorrido não se referir a dimensão normativa aplicada nos autos, de a questão de constitucionalidade mencionada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, sendo diferente da questão suscitada anteriormente, também não se referir a norma aplicada nos autos e de a dimensão normativa aplicada pelo tribunal recorrido não ter sido impugnada durante o processo.
Os recorrentes reclamaram da Decisão Sumária, ao abrigo do artigo
78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, afirmando o seguinte:
(...)
3. Com efeito, e relativamente ao primeiro argumento de não conhecimento do recurso, cumpre salientar que a sentença proferida na primeira instância já tinha aceite, por um lado, que estava em causa a violação de normas de Direito Administrativo por uma concessionária, e, por outro, que a violação de tais normas poderia gerar a lesão de direitos e interesses legítimos dos requerentes. Assim, estando preenchidos aqueles requisitos, deveria o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, no entendimento expresso pelos ora recorrentes nas instâncias, ter aplicado o regime da intimação para um comportamento em termos que não comportassem restrição de um meio processual concretizador do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, ou seja, que não esvaziassem de conteúdo útil o instituto. Tal não veio, porém, a suceder. Com efeito, através da interpretação adoptada, no sentido da aplicabilidade da intimação para um comportamento exclusivamente a actividade totalmente vinculada, com o argumento da adstrição dos concessionários à prestação de um serviço público, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa esvaziou o meio processual em termos que se consideram equivalentes à sua pura e simples não aplicação, sendo tal interpretação, nessa medida, inconstitucional, por violação dos arts. 2°, 20°, n° 4 e 268°, n° 4 da Constituição. Assim sendo, e ao contrário do referido na douta decisão sumária, a interpretação adoptada pela primeira instância, consubstanciando um verdadeiro esvaziamento do alcance útil do instituto da intimação para um comportamento, equivalente ao seu prático afastamento, impugnada perante o Tribunal Central Administrativo e posteriormente perante o Tribunal Constitucional por desconformidade com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, reporta-se, naturalmente, à dimensão normativa que constituiu a ratio decidendi do acórdão ora recorrido.
4. Por outro lado, e relativamente ao segundo argumento invocado pela douta decisão sumária para não conhecer do objecto do recurso, o que sempre esteve em causa, quer na invocação perante o Tribunal Central Administrativo, quer na invocação perante o Tribunal Constitucional, foi a interpretação e aplicação no caso concreto das normas relativas à intimação para um comportamento (arts. 86°, n° 1 e 88°, n° 1 da LPTA), com fundamento em que, consubstanciando um esvaziamento da aplicabilidade da intimação para um comportamento a concessionários, com consequências equivalentes à não aplicação pura e simples das referidas normas, a interpretação adoptada pelas instâncias é contrária ao princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos arts.
20° e 268°, n° 4 da Constituição. Assim, e como resulta claramente dos pontos 25, 26, 27 e alínea J) das conclusões das alegações apresentadas perante o Tribunal Central Administrativo, os recorrentes, com base no princípio da tutela jurisdicional efectiva, impugnaram a restrição injustificável à aplicação do meio de intimação para um comportamento, traduzida na interpretação normativa efectuada pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa no sentido da impossibilidade de intimar a concessionária para a adopção dos comportamentos concretos constantes do requerimento. Perante o Tribunal Constitucional a questão de constitucionalidade foi equacionada nos mesmos termos acima referidos, a saber, os recorrentes, com base no princípio da tutela jurisdicional efectiva, impugnaram a restrição injustificável à aplicação do meio de intimação para um comportamento, traduzida na interpretação normativa efectuada pelo Tribunal Central Administrativo no sentido da impossibilidade de intimar concessionários para a adopção de 'medidas de carácter concreto no âmbito da actividade de exploração concedida', isto é, os comportamentos concretos constantes do requerimento.
5. Razão pela qual entendem os recorrentes que a questão da inconstitucionalidade invocada perante o Tribunal Constitucional está perfeitamente identificada e delimitada, sendo a mesma que fora invocada perante o Tribunal Central Administrativo, e sendo tal invocação decisiva para o resultado do processo.
A recorrida pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre decidir.
2. Nas alegações de recurso perante o Tribunal Central Administrativo os recorrentes (ora reclamantes) impugnaram na perspectiva da constitucionalidade a interpretação segundo a qual a intimação para um comportamento não pode ser requerida contra concessionários.
O Tribunal Central Administrativo considerou, porém, remetendo para a fundamentação da decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de
15 de Junho de 2001, que a intimação para um comportamento pode ser requerida contra concessionário, só podendo, contudo, ser requerida para a prática de actos legalmente devidos, ou seja, para a prática de actos que a Administração pratica no uso de poderes estritamente vinculados.
Os recorrentes, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade submeteram à apreciação do Tribunal Constitucional as normas dos artigos 86º, nº 1, e 88º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, no sentido de o tribunal não poder intimar concessionários a adoptar medidas de carácter concreto no âmbito da actividade de exploração concedida.
Na presente reclamação, os reclamantes sustentam que 'através da interpretação adoptada, no sentido da aplicabilidade da intimação para um comportamento exclusivamente a actividade totalmente vinculada (...), o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa esvaziou o meio processual em termos que se consideram equivalentes à sua pura e simples não aplicação'.
Os reclamantes afirmam ainda que 'a interpretação adoptada pela primeira instância, consubstanciando um verdadeiro esvaziamento do alcance útil do instituto da intimação para um comportamento [é] equivalente ao seu prático afastamento'.
Ora, desde logo, esta argumentação não identifica por si qualquer dimensão normativa, mas apenas afirma que o resultado de uma certa interpretação que não é, explicitada, se traduz no afastamento prático da intimação para um comportamento. Por outro lado, a dimensão normativa que subjaz à argumentação anterior, tal como foi impugnada no processo, segundo a qual a intimação para um comportamento não pode ser requerida contra concessionários, não é equivalente à interpretação segundo a qual o tribunal só pode intimar um concessionário para a prática de actos legalmente devidos adoptada pelo tribunal recorrido. Com efeito, a primeira exclui, em absoluto, a possibilidade de o concessionário poder ser intimado pelo tribunal para a prática de quaisquer actos. Ao invés, a dimensão normativa indicada em segundo lugar admite tal possibilidade, restringindo-a, porém, em função dos actos cuja prática se pretende (só pode ser requerida a intimação para a prática de actos legalmente devidos).
Resulta com clareza dos elementos constantes do processo, e os próprios reclamantes o admitem, que o tribunal a quo apenas considerou que a intimação só pode ser requerida contra concessionários para a prática de actos legalmente devidos. Uma vez que os actos pretendidos in casu não se enquadram, na perspectiva do tribunal recorrido, na noção de actos legalmente devidos, a intimação para um comportamento foi indeferida. No entanto, em momento algum o Tribunal Central Administrativo considerou que a intimação para um comportamento não pode ser requerida contra concessionários.
Assim, e uma vez que os reclamantes impugnaram perante o Tribunal Central Administrativo apenas a dimensão normativa segundo a qual a intimação para um comportamento não pode ser requerida contra concessionários, verifica-se que a dimensão normativa impugnada não coincide com a dimensão normativa aplicada, como se sublinhou na Decisão Sumária impugnada. Um eventual juízo de inconstitucionalidade da norma segundo a qual a intimação não pode ser requerida contra concessionários não implica, do ponto de vista lógico e jurídico, a inconstitucionalidade da norma segundo a qual a intimação só pode ser requerida para a prática de actos legalmente devidos. Nessa medida, não existe equivalência, para efeito de recurso de constitucionalidade, entre a dimensão impugnada e a dimensão efectivamente aplicada pela decisão recorrida.
Se é verdade que no caso concreto a aplicação de uma ou outra dimensão normativa levaria sempre (tendo presente o entendimento do tribunal recorrido) à mesma solução prática, ou seja ao indeferimento da intimação requerida, porém, a circunstância de a aplicação de duas dimensões normativas terem na prática e num caso concreto os mesmos efeitos não impõe que se conclua que têm o mesmo conteúdo normativo. Na verdade, não é legítimo confundir efeitos práticos da aplicação de normas com critérios normativos e o Tribunal Constitucional apenas aprecia a conformidade à Constituição de normas jurídicas e não a constitucionalidade dos resultados práticos da aplicação das normas. Não tem, assim, qualquer procedência a argumentação que confunde a dimensão normativa impugnada com um eventual efeito de restrição de um meio processual concretizador do direito à tutela jurisdicional efectiva. Confunde-se, claramente, uma hipotética violação da Constituição com o seu fundamento normativo. Uma norma não se identifica pela restrição ou negação de uma outra norma (neste caso, a norma constitucional).
3. Por outro lado, os reclamantes afirmam que 'impugnaram a restrição injustificável à aplicação do meio de intimação para um comportamento, traduzido na interpretação normativa efectuada pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa no sentido da impossibilidade de intimar o concessionário para a adopção dos comportamentos concretos constantes do requerimento'.
Os reclamantes afirmaram ainda que perante o Tribunal Constitucional impugnaram a interpretação segundo a qual não é possível '’intimar concessionários para a adopção de medidas de carácter concreto no âmbito da actividade de exploração concedida’, isto é, os comportamentos concretos constantes do requerimento'.
Ora, nos nºs 25, 26 e 27 das alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo (invocados pelos reclamantes na presente reclamação), os recorrentes, interpretando a decisão então recorrida, consideraram que constituiu entendimento do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa ser impossível que a intimação para um comportamento fosse requerida contra concessionários (cf. parte final do nº 25 e parte inicial do nº 26). É esta interpretação que no nº 27 é impugnada na perspectiva da constitucionalidade.
Porém, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, os reclamantes submeteram à apreciação do Tribunal Constitucional os artigos 86º, n º 1, e 88º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretados no 'sentido de que, em processos de intimação para um comportamento, o tribunal não pode intimar concessionários a adoptar medidas de carácter concreto no âmbito da actividade de exploração concedida'.
Esta dimensão normativa, indicada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, não foi mencionada em momento algum das alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo [nem mesmo nos pontos 25, 26 e 27 ou na alínea J) das conclusões].
Por outro lado, e ao contrário do que os reclamantes sustentam, esta dimensão normativa não se confunde com a interpretação segundo a qual o tribunal não pode intimar um concessionário para a prática dos actos concretamente pretendidos nos presentes autos. Com efeito, a impossibilidade de intimação para a prática do conjunto concreto de actos pretendidos nos presentes autos não significa necessariamente que o tribunal não possa, em geral, proceder à intimação para a prática de actos concretos. A primeira impossibilidade alegada nem sequer identifica uma dimensão normativa, mas apenas se reporta a uma concreta subsunção.
Por último, o tribunal recorrido não partiu do entendimento segundo o qual a intimação não podia ser requerida para a prática de actos concretos. O que o tribunal entendeu, como já se referiu, foi que a intimação in casu não podia ser deferida porque não se reportava a actos legalmente devidos.
Não se verificam, pois, de modo manifesto os pressupostos processuais do recurso interposto, como se demonstrou na Decisão Sumária sob reclamação.
4. Há, pois, que concluir pela improcedência da presente reclamação.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação da decisão de não conhecimento do objecto do recurso, confirmando consequentemente a Decisão Sumária reclamada.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs por cada recorrente. Lisboa,5 de Dezembro de 2001 Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa