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Processo n.º 167/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A. interpôs dois recursos de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida simplesmente como “LTC”) do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1 de junho de 2011 que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogou o acórdão da 2ª Vara Criminal do Porto, de 27 de setembro de 2010 (fls. 119 a 385), pelo qual o ora recorrente, conjuntamente com outros arguidos, foi absolvido da prática dos seguintes crimes, correspondentes a condutas visando garantir o afastamento de determinados jovens da frequência do Serviço Militar Obrigatório, através da sua ilegítima classificação como inaptos para a prestação de serviço militar, de que vinha acusado: 90 crimes de corrupção passiva para ato ilícito, previsto e punido pelo artigo 372.º, n.º 1, do Código Penal; 70 crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, n.ºs 1, alínea b), e 4, também do Código Penal; e 1 crime de associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 299.º, n.ºs 1 e 3, do mesmo Código.
Pelo despacho de fls. 70 e 71, proferido em 19 de outubro de 2011, a desembargadora relatora no Tribunal da Relação do Porto rejeitou os dois recursos de constitucionalidade com os seguintes fundamentos:
« A fls. 11624 veio o recorrente A. interpor recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma do nº 3 do art. 126 do CPP com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida, ou seja, que a nulidade da referida norma é sanável por ausência da sua arguição pelo titular do direito devassado [requerimento correspondente a fls. 107 e 108 dos presentes autos]
A fls. 11627 veio o mesmo recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional com vista à apreciação da inconstitucionalidade da norma do art. 684º-A do CPC e art. 40 [rectius artigo 4.º] do CPP com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida, de que ao processo penal não é aplicável o art. 684-A do CPC e por isso não é possível a ampliação do objeto do recurso pretendida pelos recorridos [requerimento correspondente a fls. 68, frente e verso, dos presentes autos].
A fls. 11635 veio o recorrente B. interpor recurso para o Tribunal Constitucional pretendendo ver apreciada a mesma questão da constitucionalidade das normas dos artigos 4º do CPP e 684-A do CPC, com a interpretação de que é inadmissível a ampliação do objeto do recurso pelo recorrido absolvido das acusações.
Porém, da leitura das motivações de recurso resulta claro que a inconstitucionalidade de tais normas não foi suscitada pelos recorrentes ao longo do processo, nem em sede de recurso, não sendo nossa opinião que quanto ao art. 684º-A do CPC, se possa considerar uma decisão surpresa, porquanto, a questão está em harmonia com o que foi decidido a propósito dos recursos subordinados em processo penal.
Assim, e não tendo os recorrentes dado cumprimento ao ónus de suscitar a questão da constitucionalidade previamente ao recurso, como lhes incumbia face ao teor do art. 72º nº 2 da LTC, decidimos indeferir os supra referidos requerimentos de recursos para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no art. 76 nº 2 da LTC.»
Inconformado, o recorrente vem agora reclamar, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LTC, nos termos seguintes:
Quanto à rejeição do recurso interposto a fls. 107 e 108 dos presentes autos (correspondente ao recurso de fls. 11624 dos autos principais) – reclamação de fls. 1 a 5:
« Resumidamente e com interesse para a presente reclamação, constata-se dos presentes autos e das certidões que instruem a presente reclamação que:
a fls. … foi proferido douto Acórdão em 1ª Instância que absolveu o arguido, ora reclamante, da prática de todos os crimes de que vinha acusado.
O Ministério Público recorreu de tal decisão.
O ora reclamante respondeu à motivação daquele recurso do Ministério Público e, para além do mais, (fls. 3 da sua resposta ao recurso) mencionou a 'violação do princípio de constitucionalidade consagrado, segundo o qual, são nulas as provas obtidas, mediante abusiva intromissão na vida privada - artigo 32º, n.º 8 da C.R.P., artigo 126º, n.º 3 do C.P.P.”
Já na contestação apresentada em 1ª instância, o arguido referiu nos seus artigos 25º e seguintes que 'Retira-se do n.º 4 do artigo 32º da CRP que a prática dos actos instrutórios que se prendam diretamente com direitos fundamentais não pode ser praticada senão por Juiz, e tal reserva de competência é absoluta, por indelegável.
Igualmente, estipula o número 8 do mesmo artigo 32º da CRP que são nulas todas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada.
Igualmente o n.º 4 do artigo 35º da CRP, conjugado com o n.º 7 do mesmo normativo legal, estabelece que é proibido o acesso aos dados pessoais de terceiros, mesmo que constantes de ficheiros manuais, salvo em casos excepcionais estabelecidos na lei'.
Já no artigo 30º daquela contestação, referiu o arguido: 'Do que resulta inelutavelmente a nulidade da prova assim recolhida, por violação das normas do CPP acima referidas, e dos artigos 26º, 32º, n.º 4 e 35º, nrs. 4 e 7 da Constituição da República Portuguesa, constitucionalidade e nulidade essa que contamina toda a prova de acusação e o processo em si mesmo, que expressamente se argui e requer seja declarado.
O Douto Tribunal da Relação do Porto veio a decidir quanto a tal questão que:
'Tudo visto, temos de concluir que assiste razão ao recorrente e que não tendo os titulares dos direitos devassados suscitado a questão da invalidade da prova obtida, sem o respectivo consentimento, em tempo útil, - (já que a mesma apenas foi suscitada por arguidos não mancebos) - o vício sanou-se e o Tribunal de julgamento não deveria da mesma ter tomado conhecimento'.
Por último e concluindo aquele Tribunal da Relação do Porto decidiu: 'revogar a decisão objecto do presente recurso decidindo reenviar o processo para novo julgamento, ao abrigo do disposto no art. 426º do C.P.P., a fim de no mesmo ser valorada e apreciada a prova documental entregue pelo Exército Português...'.
O reclamante, face a tal decisão, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional para 'ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 126º do Código de Processo Penal, com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida, isto é, que a nulidade da referida norma é sanável por ausência da sua arguição pelo titular do direito devassado'.
O Tribunal da Relação do Porto veio a proferir decisão de não admitir o supra referido recurso por 'da leitura das motivações de recurso resulta claro que a inconstitucionalidade de tais normas não foi suscitada pelos recorrentes ao longo do processo, nem em sede de recurso, não sendo nossa opinião que quanto ao art. 684º-A do C.P.C., se possa considerar uma decisão surpresa, porquanto, a questão está em harmonia com o que foi decidido a propósito dos recursos subordinados em processo penal. Assim, e não tendo os recorrentes dado cumprimento ao ónus de suscitar a questão da constitucionalidade previamente ao recurso, como lhes incumbia face ao teor do art. 72º, n.º 2 da LTC, decidimos indeferir os supra referidos requerimentos de recursos para o Tribunal Constitucional.
Como facilmente se vislumbra, a questão da constitucionalidade, foi arguida pelo reclamante, quer na contestação em 1ª Instância, quer na resposta ao recurso.
Olvida-se, todavia, o Tribunal da Relação do Porto que, o indeferimento nos termos do n.º 2 do art. 76º da LCT pressupõe a possibilidade do suprimento previsto no n.º 5 do art. 75º-A do mesmo diploma.
Quer isto dizer que, caso existissem dúvidas sobre o cumprimento de indicar todos os elementos previstos no artigo 75º-A da LCT, no caso - n.º 2 daquele art. 75º-A, deveria, nos termos do n.º 5 daquele artigo, o Tribunal convidar 'o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias'.
Todavia, o reclamante expressamente referiu no último parágrafo do seu requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional que: 'A inconstitucionalidade da norma foi suscitada pelo recorrente na resposta, por si apresentada, às alegações do recurso interposto pelo Ministério Público e ainda no próprio Acórdão proferido em primeira instância'.
Para além da resposta ao recurso, também na contestação apresentada em lª Instância, corno se disse, o arguido arguiu a inconstitucionalidade de interpretação de tal norma - n.º 3 do artigo 126º - no sentido de que apenas é sanável por ausência da sua arguição pelo titular do direito devassado, ou, por outro lado, que alguma vez seja sanada sem o consentimento do seu titular!
Ora, conforme já douto entendimento do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 129/08, poderá o reclamante suprir, na própria reclamação, as omissões ou deficiências de que se enfermava o requerimento de recurso, caso, assim, se entenda.
Assim, para aqueles efeitos, a reclamante expressamente indica a referência à inconstitucionalidade de interpretação da referida norma efetuada na contestação apresentada em lª Instância, para além da já referida no requerimento de recurso, isto é, na resposta às alegações do recurso instaurado pelo M.P.
Assim, deve ser admitido o requerimento de recurso instaurado a fls, 11624 para o Tribunal Constitucional.»
Quanto à rejeição do recurso interposto a fls. 95, frente e verso, dos presentes autos (correspondente ao recurso de fls. 11627 dos autos principais) – reclamação de fls. 6 a 11:
« Resumidamente e com interesse para a presente reclamação, constata-se dos presentes autos e das certidões que instruem a presente reclamação que:
a fls. … foi proferido douto Acórdão em 1ª Instância que absolveu o arguido, ora reclamante, da prática de todos os crimes de que vinha acusado.
O Ministério Público recorreu de tal decisão.
O ora reclamante respondeu à motivação daquele recurso do Ministério Público e, para além do mais, prevenindo a procedência deste, requereu a ampliação do âmbito do recurso nos termos do artigo 684º-A do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente – art. 4º do C.P.P.
Terminou a sua resposta concluindo no seu ponto 10) que “caso venha a proceder o fundamento do recurso intentado pelo M.P., o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se admite, tem que ser facultado ao respondente possibilidade de recorrer da matéria de facto, concretamente da prova testemunhal produzida em audiência e ainda de todas as restantes questões de direito que fundamentem suposta condenação, sob pena de violação do direito ao recurso previsto no artigo 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa” – sublinhado é, agora, nosso.
O douto Tribunal da Relação do Porto veio, pronunciando-se sobre a questão da ampliação, a decidir: “Sobre esta matéria decidiu o Ac. do Tribunal Constitucional 284/2006 que não é inconstitucional a interpretação do art. 404º do C.P.P., no sentido de que não é admissível recurso subordinado em matéria penal (o que não é no nosso caso!)
“Pela mesma ordem de razões não é aplicável ao processo penal o disposto no art. 684º-A do CPC que visa o conhecimento pelo Tribunal superior do fundamento em que a parte vencedora decaiu.
Na verdade, em processo penal o caso julgado forma-se quanto aos factos considerados assentes e não quanto aos fundamentos.
Neste sentido vejam-se, por todos, os Acórdãos da Relação do Porto de 14/01/2004, relatado por António Gama e da Relação de Lisboa de 28/05/2008, relatado por Alberto Mira: «O que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um Tribunal. Isto significa que todos os factos praticados pelo arguido até à decisão final que diretamente se relacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam a aludida unidade de sentido, ainda que efetivamente não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo Tribunal, não podem ser posteriormente apreciados».
(...) face aos argumentos expendidos concluímos pela não aplicação ao processo penal do disposto no art. 684º-A do CPC, motivo pelo qual, se indefere a requerida ampliação do objeto do recurso pretendida pelos recorridos supra indicados”.
Por último e concluindo, aquele Tribunal da Relação do Porto decidiu: “Revogar a decisão objeto do presente recurso decidindo reenviar o processo para novo julgamento, ao abrigo do disposto no art. 426º do C.P.P., a fim de no mesmo ser valorada e apreciada a prova documental entregue pelo Exército Português...”.
O reclamante, face a tal decisão, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional para “ver apreciada a inconstitucionalidade da norma 684º-A do Código de Processo Civil e 4º do Código de Processo Penal, com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida, isto é, que não é aplicável ao Processo Penal o disposto no artigo 684º-A do C.P.C. e que, concomitantemente, não é possível a «ampliação do objeto do recurso pretendida pelos recorridos» ”.
O Tribunal da Relação do Porto veio a proferir decisão de não admitir o supra referido recurso por “da leitura das motivações de recurso resulta claro que a inconstitucionalidade de tais normas não foi suscitada pelos recorrentes ao longo do processo, nem em sede de recurso, não sendo nossa opinião que quanto ao art. 684º-A do C.P.C., se possa considerar uma decisão surpresa, porquanto, a questão está em harmonia com o que foi decidido a propósito dos recursos subordinados em processo penal (!). Assim, e não os recorrentes dado cumprimento ao ónus de suscitar a questão da constitucionalidade previamente ao recurso, como lhes incumbia face ao teor do art. 72º, n.º 2 da LTC, decidimos indeferir os supra referidos requerimentos de recursos para o Tribunal Constitucional.”
Como é bom de ver, a questão da constitucionalidade, apesar de desnecessária por se entender de decisão surpresa, até foi preventivamente arguida.
Olvida-se, todavia, o Tribunal da Relação do Porto que, o indeferimento nos termos do n.º 2 do art. 76º da LCT pressupõe a possibilidade do suprimento previsto no n.º 5 do art. 75º-A do mesmo diploma.
Quer isto dizer que, caso existissem dúvidas sobre o cumprimento de indicar todos os elementos previstos no artigo 75º-A da LCT, no caso – n.º 2 daquele art. 75º-A, deveria, nos termos do n.º 5 daquele artigo, o Tribunal convidar “o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias”.
Todavia, o reclamante expressamente referiu no último parágrafo do seu requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional que: “A inconstitucionalidade da norma foi suscitada pelo recorrente na resposta, por si apresentada, às alegações do recurso interposto pelo Ministério Público” como se disse, tal inconstitucionalidade na interpretação de que não é aplicável o regime do art. 684º-A do C.P.C. ao processo penal foi arguida à cautela e preventivamente.
Assim, na resposta apresentada pelo reclamante às alegações do recurso instaurado pelo Ministério Público, expressamente referiu o reclamante, como se disse, no ponto 10) daquelas conclusões: “caso venha a proceder o fundamento do recurso intentado pelo M.P., o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se admite, tem que ser facultado ao respondente possibilidade de recorrer da matéria de facto, concretamente da prova testemunhal produzida em audiência e ainda de todas as restantes questões de direito que fundamentem suposta condenação, sob pena de violação do direito ao recurso previsto no artigo 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa”.
Também entende o recorrente que a decisão do Tribunal da Relação do Porto se tratou de decisão surpresa, já que não subscreve o douto entendimento e analogia defendida no douto despacho que agora se reclama, de que “a questão está em harmonia com o que foi decidido a propósito dos recursos subordinados em processo penal”, pois, salvo melhor opinião, tratam-se de regimes claramente diferentes!
Daí que, quer por ter sido devidamente efetuada referência à inconstitucionalidade quer porque, sempre salvo o devido respeito por melhor opinião, a decisão de não admitir a ampliação do âmbito o recurso se trata de decisão surpresa, deve ser admitido o requerimento de recurso instaurado a fls. 11627 para o Tribunal Constitucional.»
2. No seu visto, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ambas as reclamações não deverem merecer provimento, uma vez que, conforme decidido pelo despacho reclamado, as questões de constitucionalidade, que o ora reclamante pretende ver apreciadas por este Tribunal Constitucional, não foram suscitadas de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de o mesmo estar obrigado a delas conhecer (cfr. os artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC).
Em especial, quanto à primeira reclamação – referida supra sob A) e atinente à questão da constitucionalidade do artigo 126.º, n.º 3, do Código Penal – diz o Ministério Público:
« [14.] A esta disposição, o ora reclamante dedicou uma parte significativa da sua resposta ao requerimento de recurso, do Ministério Público, para o Tribunal da Relação do Porto (cfr. fls. 64-68 dos autos).
No entanto, ao contrário do que se poderia pensar em face do requerimento da reclamação em apreciação, as referências a eventuais problemas de constitucionalidade, que em tal resposta se podem encontrar, são raras, debruçando-se o ora reclamante, sobretudo, sobre a análise das disposições pertinentes do Código de Processo Penal.
Com efeito, relativamente a questões de eventual inconstitucionalidade, que se prendam com o art. 126º, nº 3 do Código de Processo Penal, encontram-se, apenas, em tal resposta, as seguintes duas referências:
1) “A supra referida decisão fundamentou-se, tal como havia sido arguido pelo respondente, na violação do princípio constitucionalmente consagrado, segundo o qual, são nulas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada – artigo 32º, nº 8 da C.R.P., artigo 126º, nº 3 do C.P.P.” (fls. 64 verso dos autos).
2) “Não podem, o Ministério Público e alguns nossos Tribunais, aproveitarem-se repetidamente da distração e inação dos arguidos.
Impõe-se-lhes o cumprimento do princípio da legalidade!
Não pode o Ministério Público na fase de inquérito atuar conforme melhor entender na perseguição e investigação de um crime e aguardar pela inação dos arguidos para se convalidarem atos ilegalmente praticados.
Tal atitude, para além de violar direitos fundamentais dos arguidos, põe em causa princípios fundamentais universalmente aceites, que a nossa Constituição acolheu” (cfr. fls. 66 frente e verso dos autos).
Por outro lado, nas conclusões da referida resposta ao requerimento de recurso do Ministério Público, não há nenhuma referência, sequer, a uma questão de constitucionalidade relativa ao art. 126º, nº 3 do Código de Processo Penal.»
Quanto à segunda reclamação – referida supra sob B) e atinente à questão da inaplicabilidade do artigo 684.º-A.º do Código de Processo Civil no âmbito do processo penal – diz o Ministério Público:
« 8. Julga-se, todavia, que assiste razão à Ilustre Desembargadora Relatora, do Tribunal da Relação do Porto, quando considerou, “que a inconstitucionalidade de tais normas não foi suscitada pelos recorrentes ao longo do processo, nem em sede de recurso, não sendo nossa opinião que quanto ao art. 684º-A do CPC, se possa considerar uma decisão surpresa, porquanto, a questão está em harmonia com o que foi decidido a propósito dos recursos subordinados em processo penal.”
E, portanto, quando concluiu, que os mesmos recorrentes não deram “cumprimento ao ónus de suscitar a questão da constitucionalidade previamente ao recurso, como lhes incumbia face ao teor do art. 72º nº 2 da LTC.
9. O ora reclamante teve, com efeito, possibilidade de acautelar uma possível posição desfavorável do Tribunal da Relação do Porto, relativamente às duas questões de constitucionalidade que agora suscita, quando respondeu à motivação de recurso do Ministério Público para este tribunal superior.
Não o fez, porém, de forma adequada, tendo começado por referir o seguinte (cfr. fls. 63 verso-64 dos autos) (destaques do signatário):
“O Ministério Público termina as suas conclusões, e o seu pedido, requerendo que o acórdão recorrido seja «anulado, reenviando-se o processo para novo julgamento relativamente ao conhecimento e valoração das provas em destaque».
Só após a prolação, e caso venha a ser condenado, poderá o respondente atacar as restantes questões do douto acórdão proferido, isto é, só após a verificação de eventual condenação é que o recorrente obtém legitimidade para recorrer autonomamente e de todas as questões e fundamentações com que não se conforme.
Caso não tenha o recorrente possibilidade para recorrer das restantes questões, por o Tribunal «ad quem» entender validar a prova e decidir igualmente da decisão de todo o processo com eventual condenação do recorrente, tal implicará violação constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição – artigo 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa – já que ao recorrente apenas será possível recorrer dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça e este alto Tribunal, sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410º do CPP, apenas «visa exclusivamente o reexame de matéria de direito» - artigo 434º do CPP.
Quer isto dizer que ao respondente, caso tal viesse a ocorrer, seria vedado o exame (ou reexame) da matéria de facto o que violaria irremediavelmente os direitos de defesa do arguido e o direito ao recurso, constitucionalmente consagrado (nos termos do disposto na supra referida norma da Lei Fundamental).
De resto, foi igualmente esta a intenção do Digno Magistrado do Ministério Público ao balizar a questão suscitada no recurso interposto, devendo, assim, única e exclusivamente, caso o Tribunal «ad quem» venha a conceder provimento ao recurso interposto – o que não deverá ocorrer, conforme se procurará demonstrar - «reenviar o processo para novo julgamento relativamente ao conhecimento e valoração das provas em destaque» (o sublinhado é nosso).
Apesar do exposto e caso não seja este o entendimento de V. Exas., o que por mero dever de patrocínio se admite, o respondente requer, concomitantemente, ampliação do âmbito do recurso nos termos do artigo 684-A do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente.”
10. Mais adiante, refere, ainda, o ora reclamante sobre a eventual aplicação do art. 684º-A do Código de Processo Civil (cfr. fls. 69 dos autos) (destaques do signatário):
“Sem prescindir e apenas por mera cautela de patrocínio, admitindo que V. Exas. entendam que caberia ao recorrente ampliar o recurso, por existir aplicação do disposto no artigo 684º-A do CPC (aplicável subsidiariamente), entendimento que o recorrente não subscreve, atenta a literalidade do nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa (quando refere «o processo criminal», já que este não prevê ampliação do recurso e a aplicação do 684º-A do CPC é subsidiária àquele Processo Penal), o respondente vem requerer ampliação do recurso prevenindo a necessidade da sua apreciação.”
11. Foi, pois, o ora reclamante que suscitou expressamente o problema da eventual ampliação do objeto do recurso, fazendo apelo ao art. 684º-A do CPC.
Mais uma razão, por isso, para ter acautelado uma mais do que possível – tanto que aconteceu! – posição desfavorável, quanto a esta questão, do Tribunal da Relação do Porto. O que não fez!
No entanto, o ora reclamante não suscitou, relativamente a esta disposição, nenhuma questão de constitucionalidade normativa, que o mesmo Tribunal da Relação devesse conhecer, tanto que o problema da eventual aplicação do art. 684º do CPC nem sequer foi levado às conclusões da referida resposta ao requerimento de recurso do Ministério Público.
12. Não se poderá, pois, o ora reclamante admirar do facto de o mesmo Tribunal da Relação do Porto ter acabado por entender (cfr. fls. 92 e verso dos autos) (destaques do signatário):
“A primeira questão que importa decidir nestes autos é a de saber se deve ser admitida a ampliação do âmbito do recurso pretendido pelos recorridos B. e A. com base no disposto no art. 684-A do CPC.
Ora, constitui jurisprudência unânime do nosso Supremo Tribunal de Justiça que o âmbito do recurso e a delimitação do respetivo objeto é fixada pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo do dever de conhecimento das questões de natureza oficiosa.
Na verdade em processo penal e, no que diz respeito à matéria penal, nem sequer se admite o recurso subordinado que tem como pressuposto a existência de duas partes vencidas e se justifica para salvaguardar a posição daquele que aceita o vencimento, se a outra parte igualmente o aceitar.
Assim, justificando-se a admissibilidade do recurso subordinado pela circunstância de a outra parte não se ter conformado com a parte da decisão em que ficou vencida, forçoso é concluir que tal figura dificilmente se adapta ao processo penal, desde logo, porque o dever de objetividade na condução do processo que incumbe ao M. Público, lhe retira o estatuto de parte processual, em sentido estrito.
Sobre esta matéria decidiu o Ac. do Tribunal Constitucional 284/2006 que não é inconstitucional a interpretação do art. 404 do CPP, no sentido de que não é admissível recurso subordinado em processo penal.
Pela mesma ordem de razões não é aplicável ao processo penal o disposto no art. 684-A do CPC que visa o conhecimento pelo tribunal superior do fundamento em que a parte vencedora decaiu.
Na verdade em processo penal o caso julgado forma-se quanto aos factos considerados assentes e não quanto aos fundamentos.
Neste sentido vejam-se, por todos, os Acórdãos da Relação do Porto de 14/01/2004, relatado por António Gama e da Relação de Lx. de 28/05/08, relatado por Alberto Mira: «o que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um tribunal. Isto significa que todos os factos praticados pelo arguido até à decisão final que diretamente se relacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam a aludida unidade de sentido, ainda que efetivamente não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo tribunal, não podem ser posteriormente apreciados».
Ambos os Acórdãos estão disponíveis em www.dgsi.pt.
Face aos argumentos expendidos concluímos pela não aplicação ao processo penal do disposto no art. 684-A do CPC, motivo pelo qual, se indefere a requerida ampliação do objeto do recurso pretendida pelos recorridos supra indicados.”
13. Em face desta sólida argumentação, só dificilmente se poderá acolher a tese, do ora reclamante, de que tal Acórdão constituiu, para ele, uma decisão-surpresa.
A assim ser, só mesmo para ele, uma vez que havia jurisprudência aplicável que, pelo menos, apontava em sentido diferente da sua tese.
O que o deveria ter levado a usar das necessárias cautelas, invocando, desde logo, a possível inconstitucionalidade de posição adversa à sua, na resposta à motivação de recurso do Ministério Público.
O que, como se viu, não fez!»
Cumpre apreciar e decidir
II. Fundamentação
3. Em sede de reclamações de despachos de não admissão de recursos de constitucionalidade proferidos pelo tribunal recorrido, compete ao Tribunal Constitucional averiguar se se encontram reunidos os pressupostos necessários à admissão e conhecimento desses recursos.
No caso dos presentes autos, as reclamações são manifestamente improcedentes, pois verifica-se que o recorrente não suscitou em termos processualmente adequados as questões de inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional, conforme é justamente salientado pelo despacho reclamado e pelo Ministério Público junto deste Tribunal. Tal suscitação corresponde a um ónus cujo cumprimento, relativamente aos recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, como sucede in casu, é não só um requisito de legitimidade do recorrente (cfr. o disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC), como um requisito da própria recorribilidade da decisão em causa para o Tribunal Constitucional. Por isso mesmo, o tribunal recorrido também não apreciou nem decidiu – nem tinha de o fazer - as questões de constitucionalidade invocadas no recurso interposto do seu acórdão de 1 de junho de 2011.
Carecendo o requerente de legitimidade para o recurso de constitucionalidade ou não sendo aquela decisão sequer recorrível para este Tribunal, o tribunal recorrido, em relação a tais recursos, só podia proferir – como sucedeu in casu - uma decisão de indeferimento dos respetivos requerimentos de interposição (cfr. o artigo 76.º, n.º 2, da LTC).
Como se refere no Acórdão deste Tribunal n.º 560/94 (disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) – e constitui jurisprudência uniforme e constante:
«[7.] O recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica (ou de um seu segmento ou de certa interpretação dela) e que, não obstante a acusação de ilegitimidade constitucional que lhe foi feita, a decisão recorrida a tenha aplicado no julgamento do caso.
[…]
De facto, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal questão se coloca perante o tribunal recorrido a tempo de ele a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver - o que, obviamente, exige que quem tem o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e percetível.
Bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão de constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex novo.
A exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada - e processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é, pois – […]-, uma 'mera questão de forma secundária'. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade e para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão.»
Por outro lado, e contrariamente ao que parece subentendido nas duas reclamações, o ónus em apreço é independente das exigências formais a que deve obedecer o próprio requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade. Diferentemente, e como mencionado, o cumprimento de tal ónus é um requisito positivo da recorribilidade da decisão proferida no processo-base e um requisito de legitimidade do requerente (cfr. os artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC), pelo que não é suprível por via de resposta a um despacho convite proferido nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5, da mesma Lei. De resto, a falta de legitimidade do requerente constitui um fundamento autónomo para indeferir o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, em paralelo com as deficiências formais do próprio requerimento (cfr. o artigo 76.º, n.º 2, da LTC). Por isso, a verificar-se a omissão de suscitação da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, este último não pode proferir um despacho a convidar o requerente a “indicar” os elementos em falta no requerimento de interposição de recurso; aliás, verificando-se a aludida omissão, o problema não reside no requerimento, mas no próprio impulso recursório.
É, por conseguinte, errónea a afirmação do recorrente de que “o indeferimento nos termos do n.º 2 do art. 76º da LCT pressupõe a possibilidade do suprimento previsto no n.º 5 do art. 75º-A do mesmo diploma”. Tal só será assim nos casos em que estejam em causa apenas deficiências do próprio requerimento de interposição de recurso – o que, como resulta do despacho reclamado, não é o caso nos presentes autos.
4. No que se refere à primeira reclamação, que tem por objeto a alegada questão da constitucionalidade do artigo 126.º, n.º 3, do Código Penal, ressalta do respetivo teor e, bem assim, das peças processuais para que a mesma remete, que o recorrente se limita a discutir a correção da decisão concreta de aplicação daquele preceito.
Assim, nas conclusões da resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público da decisão proferida na primeira instância pode ler-se:
« 3) Nos casos do n.º 3 do artigo 126.º do C.P.P. os métodos proibidos de prova podem ser sanados se o respetivo titular consentir, isto é, a referida invalidade é sanável mediante ação (nomeadamente o consentimento expresso) e a nulidade do regime do artigo 120.º do C.P.P. é sanável mediante omissão (pela não arguição tempestiva da nulidade) ou nos casos do artigo 121.º.
4) A invalidade das provas obtidas mediante intromissão na vida privada, sem o consentimento do respetivo titular é de conhecimento oficioso e não fica sanada com o trânsito em julgado da decisão, atento o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do C.P.P.» (sublinhados no original)
E no texto da mesma resposta encontram-se as referências transcritas no visto do Ministério Público junto deste Tribunal e que se reportam exclusivamente à situação concreta.
No seu acórdão de 1 de junho de 2011, o tribunal ora recorrido decidiu (cfr. fls. 93, verso, e 94):
« Tudo visto, temos de concluir que assiste razão ao recorrente e que não tendo os titulares dos direitos devassados suscitado a questão da invalidade da prova obtida, sem o respetivo consentimento, em tempo útil, - (já que a mesma apenas foi suscitada por arguidos não mancebos) -, o vício sanou-se e o tribunal de julgamento não deveria da mesma ter tomado conhecimento.
O Acórdão enferma, pois, do vício de erro notório na apreciação da prova, subsumível ao art. 410º nº 2 al. c) do CPP, que é do conhecimento oficioso deste tribunal, porquanto, partindo de pressupostos errados, não apreciou nem valorou parte substancial da prova documental junta aos autos pela acusação.
3. Decisão
Tudo visto e ponderado, com base nos argumentos que ficaram aduzidos, acordam os Juízes neste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso do M. Público, ainda que por diverso fundamento, e em consequência, revogar a decisão objeto do presente recurso decidindo reenviar o processo para novo julgamento, ao abrigo do disposto no art. 426 do CPP, a fim de no mesmo ser valorada e apreciada a prova documental entregue pelo Exército Português, nomeadamente, listagens de mancebos e militares, processos individuais de classificação militar de mancebos, exames médicos, registos clínicos e demais documentos com dados pessoais de mancebos ou militares (do CCSP, HMP e de JHI), constante dos apensos 5 e 7 e de fls. 1473 a 1476, 5416 a 5454, 5459 a 5503 e 5556 a 5567 dos autos.»
No requerimento de recurso de constitucionalidade, referente à questão ora em análise, que interpôs deste acórdão, o ora reclamante invocou “a inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal, com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida, isto é, que a nulidade da referida norma é sanável por ausência da sua arguição pelo titular do direito devassado” (fls. 107). Porém, e como referido, não decorre do que o ora reclamante consignou na sua resposta ao recurso do Ministério Público, em especial das conclusões 3) e 4) acima transcritas, que aquele preceito legal tenha sido questionado em tal dimensão, mas antes na perspetiva da correção da sua aplicação ao caso dos autos, a partir do ponto de vista do próprio direito infraconstitucional. Acresce que as referências diretas ao parâmetro constitucional, como bem sublinha o Ministério Público junto deste Tribunal, além de não terem sido levadas às conclusões da resposta, reportam-se imediatamente à decisão concreta adotada na primeira instância.
Consequentemente, não pode considerar-se nem que a questão de constitucionalidade em causa tenha sido suscitada de modo processualmente adequado nem que o Tribunal da Relação do Porto estivesse obrigado a dela conhecer (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC). E, da omissão da suscitação da questão de constitucionalidade nos termos devidos, resulta a irrecorribilidade para este Tribunal do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1 de junho de 2011.
5. Quanto à segunda reclamação, que tem por objeto a questão de constitucionalidade conexa com a não aplicação do artigo 684.º-A.º do Código de Processo Civil pelo acórdão recorrido, o recorrente sustenta que não só a suscitou em termos processualmente adequados, como aquela aplicação constitui uma «decisão surpresa»: “como é bom de ver, a questão da constitucionalidade, apesar de desnecessária por se entender de decisão surpresa, até foi preventivamente arguida” e “daí que, quer por ter sido devidamente efetuada referência à inconstitucionalidade quer porque […] a decisão de não admitir a ampliação do âmbito o recurso se trata de decisão surpresa, deve ser admitido o requerimento de recurso instaurado a fls. 11627 para o Tribunal Constitucional” (cfr. fls. 9 e 10).
Porém, se a questão pôde ser «prevenida», não pode falar-se de «surpresa»: só se previne aquilo que se teme… De resto, a tese da «decisão surpresa» só surge na reclamação (cfr. a transcrição supra no n.º 2, sob B), pois no pertinente requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade o ora reclamante limitou-se a dizer o seguinte (fls. 95):
« Pretende o recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade da norma 684ºA do Código de Processo Civil e 4º do Código de Processo Penal, com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida, isto é, que não é aplicável ao Processo Penal o disposto no artigo 684º-A do CPC e que, concomitantemente, não é possível a «ampliação do objeto do recurso pretendida pelos recorridos.»
E, na resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público do acórdão proferido em primeira instância, o ora reclamante afirmou textualmente (fls. 68 e 69):
« II – Da Ampliação do Recurso nos termos do Artigo 684-A do C.P.C.
Sem prescindir e apenas por mera cautela de patrocínio, admitindo que V. Exas. entendam que caberia ao recorrente ampliar o recurso, por existir aplicação do disposto no artigo 684º-A do CPC (aplicável subsidiariamente), entendimento que o recorrente não subscreve, atenta a literalidade do nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa (quando refere «o processo criminal», já que este não prevê ampliação do recurso e a aplicação do 684º-A do CPC é subsidiária àquele Processo Penal), o respondente vem requerer ampliação do recurso prevenindo a necessidade da sua apreciação.» (itálico aditado)
Isto é: o próprio recorrente declara na resposta que dá à motivação do recurso interposto pelo Ministério Público que o artigo 684.º-A do Código de Processo Civil, por força do disposto na Constituição, não deve ser aplicado no âmbito processual penal, antecipando – ou podendo antecipar - desse modo, o sentido em que a questão da aplicação do citado preceito ao caso dos autos seria decidida pelo Tribunal da Relação do Porto. Como, na realidade, veio a suceder (cfr. fls. 92, frente e verso, acima transcrita no visto do Ministério Público – supra n.º 2 – a propósito da «questão prévia» levantada pelo então respondente).
Em suma, no caso vertente não pode o recorrente invocar qualquer surpresa quanto à decisão adotada pelo tribunal recorrido de não aplicar o artigo 684.º-A do Código de Processo Civil.
6. Por outro lado, o recorrente também não suscitou na resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação do Porto qualquer questão de constitucionalidade normativa relativamente à mesma disposição que aquele Tribunal devesse conhecer. Como justamente observa o Ministério Público no Tribunal Constitucional, “o problema da eventual aplicação do art. 684º do CPC nem sequer foi levado às conclusões da referida resposta ao requerimento de recurso do Ministério Público”. Com efeito, na conclusão 10) – a única de algum modo conexionada com «questão prévia» levantada pelo recorrente na sua resposta à motivação do recurso da decisão de primeira instância interposto pelo Ministério Público) – da resposta lê-se apenas (fls. 74):
« Caso venha a proceder o fundamento do recurso intentado pelo M.P., o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se admite, tem que ser facultado ao respondente possibilidade de recorrer da matéria de facto, concretamente da prova testemunhal produzida em audiência e ainda de todas as restantes questões de direito que fundamentem suposta condenação, sob pena de violação do direito ao recurso previsto no artigo 32º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.»
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento à presente reclamação, confirmando o despacho reclamado que não admitiu os recursos de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC, ponderados os critérios estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 29 de maio de 2013. – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro.