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Processo n.º 929/2012
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
(Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros)
Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Por sentença proferida em 23 de abril de 2012, no 5.º Juízo Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, foram condenados:
- A., S.A., pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos artigos 105.º, n.os 1 e 5 e 7.º, n.os 1 e 3 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), em cúmulo jurídico, em 200 dias de multa à taxa de 5 euros;
- B., pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal, previstos e punidos pelo artigo 105.º, n.os 1 e 4 do RGIT, em cúmulo jurídico, na pena de quatro meses de prisão, substituídos por igual número de dias de multa à taxa diária de dois euros;
- C., pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal, previstos e punidos pelo artigo 105.º, n.os 1 e 4 do RGIT, em cúmulo jurídico, na pena de quatro meses de prisão, substituídos por igual número de dias de multa à taxa diária de dois euros.
Depois de fixar a pena global de multa imposta à pessoa coletiva, mais se pode ler na referida sentença que pela mesma «responderá exclusivamente a massa insolvente atenta a inconstitucionalidade material de que a nosso ver padece o nº 7 do artigo 8º do RGIT quando interpretado na aceção de que os arguidos respondem solidariamente por tais quantias enquanto obrigação solidária de pagamento de multa criminal por via dos princípios da culpa, da intransmissibilidade da responsabilidade criminal e da proibição de ne bis in idem por violação dos princípios da culpa (art. 1º e 27º nº 1, da CRP), da igualdade (art. 13º) e da proporcionalidade (arts 2º e 18º), razão pela qual desaplicamos esta mesma norma, por imposição do art. 204º da mesma CRP».
Desta decisão, na parte em que, com fundamento em inconstitucionalidade, não aplicou a norma do n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, foi pelo Ministério Público interposto recurso (obrigatório) para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC.
No seguimento do processo, o recorrente apresentou alegações, concluindo que «a norma do n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, quando aplicável a administrador de uma pessoa coletiva que foi igualmente condenada a título pessoal pela prática de uma infração tributária, é inconstitucional por violar o princípio do non bis in idem, consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição.»
Notificados para contra-alegar, os recorridos nada disseram.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. A decisão recorrida recusou a aplicação do artigo 8.º, n.º 7 do RGIT, quando interpretado no sentido de que os arguidos respondem solidariamente pelo pagamento de multa criminal por violação dos princípios da intransmissibilidade da responsabilidade criminal e da proibição do ne bis in idem, bem como por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade inscritos na Constituição da República Portuguesa.
O Tribunal Constitucional já apreciou a norma cuja aplicação foi recusada pelo tribunal recorrido.
Com efeito, o acórdão n.º 297/13 (acessível in www.tribunalconstitucional.pt), proferido no processo nº 495/2011 - 1ª Secção, decidiu julgar inconstitucional a norma constante do artigo 8.º, n.º 7 do RGIT, quando aplicável a gerente de uma pessoa coletiva que foi igualmente condenado a título pessoal pela prática da mesma infração tributária, por violação do disposto no artigo 30.º, n.º 3 da Constituição.
Reiterando o entendimento que se extrai desta decisão, há que retomar a referida solução de inconstitucionalidade no presente caso.
III – Decisão
3. Termos em que se decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 8.º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na parte em que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração tributária pelas multas aplicadas à sociedade.
b) Negar provimento ao recurso
Sem custas
Lisboa, 27 de junho de 2013. – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Maria João Antunes (reiterando a declaração de voto aposta ao Acórdão nº 297/13) – Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida nos termos da declaração de voto no Acórdão 297/13) – Joaquim de Sousa Ribeiro.