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Processo n.º 573/13
3ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente A. e recorrido a Caixa Geral de Aposentações, a primeira vem reclamar para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da Decisão Sumária n.º 369/2013 de 29 de julho que não conheceu do objeto do recurso interposto pelo recorrente.
2. O teor da fundamentação da Decisão Sumária n.º 369/2013 é o seguinte:
“(…) a norma objeto do presente recurso é, tal como delimitada pela recorrente, a norma constante do artigo 27.º, n.º1, alínea i) do CPTA, “se for interpretada no sentido de não permitir o recurso que foi interposto em tempo”. Entende a recorrente que o Acórdão recorrido, ao rejeitar o recurso interposto, se conformou com uma interpretação do artigo 27.º, n.º1, alínea i) do CPTA que viola vários princípios constitucionais, como o princípio do Estado de Direito, o princípio da legalidade, o princípio da proibição de aplicação, pelos tribunais, de normas que infrinjam a Constituição, o princípio da universalidade do direito
Em primeiro lugar, há que sublinhar que não compete ao Tribunal Constitucional sindicar a interpretação e aplicação que a decisão recorrida faz, no caso concreto, do direito ordinário - na perspetiva de saber se é ou não a melhor interpretação dos preceitos aplicados – e, assim, saber se o recurso para o TCA foi ou não interposto a tempo - mas apenas decidir se a interpretação normativa desses preceitos pela qual optou a decisão recorrida é ou não compatível com a Constituição e, designadamente, com princípios e normas invocados pela recorrente.
3. Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que o recurso previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70º da LTC pressupõe, designadamente, que a decisão recorrida tenha aplicado norma ou interpretação normativa arguida de inconstitucional como ratio decidendi no julgamento do caso. Importa, por isso, no presente caso, determinar a exata interpretação normativa artigo 27.º, n.º1, alínea i) do CPTA que foi aplicada pelo Acórdão recorrido.
Invoca a recorrente que o Acórdão recorrido se baseou numa interpretação do referido artigo 27.º, n.º1, alínea i) do CPTA de acordo com a qual um recurso interposto a tempo não deveria ser admitido.
Ora, colocada a questão nestes termos, a verdade é que não foi nessa interpretação normativa que o artigo 27.º, n.º1, alínea i) do CPTA foi efetivamente aplicado, como ratio decidendi, pela decisão recorrida. Com efeito, o que nesta se considerou, é que o recurso não tinha sido interposto a tempo. Entendeu o Tribunal a quo que da decisão proferida em formação singular pelo TAC cabia reclamação para a conferência, nos termos do artigo 27.º, n.º2 do CPTA, e, apesar de existir a possibilidade de convolação oficiosa de recurso interposto em reclamação para a conferência, os requisitos para isso suceder não se encontravam verificados, por intempestividade.
Nesse sentido, lê-se expressamente naquela decisão “Cumpre aduzir que não é possível o recurso ao mecanismo da convolação porque o prazo contínuo de 10 dias mostra-se ultrapassado (vd. Artºs. 144, nº1 CPC); efetivamente, notificado o ora recorrente da sentença por ofício de 03.11.2008, 2ª feira (fls. 72 dos autos) e presumindo-se notificado no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte, 5ª feira (artº 254º nº 3 CPC) o meio adjetivo de recurso interposto deu entrada no TAF de Lisboa em 10.12.2008 (fls. 79 dos autos) muito para além dos citados 10 dias”. E assim, concluiu que “[…] não se admite o recurso interposto porque da sentença proferida cabia reclamação para a conferência por recurso expresso ao regime do artº 27º nº1 al i) CPTA (…) não sendo possível convolar o recurso para a reclamação devida por se mostrar ultrapassado o prazo adjetivo de 10 dias aplicável para o efeito (…)”.
Assim, a norma imputada de inconstitucional pela recorrente – delimitada como sendo a resultante do art. 27.º, n.º1, alínea i) CPTA, interpretada no sentido de que um recurso interposto a tempo não deveria ser admitido -, não corresponde à ratio decidendi do tribunal a quo. O referido tribunal não considerou, como pretende a recorrente, que o recurso, muito embora tenha sido interposto a tempo, deveria ser rejeitado. Muito pelo contrário, o tribunal considera que o recurso, pura e simplesmente, não foi interposto a tempo, por aplicação dos artigos 27.º, n.º1, i) e 27.º, n.º2 do CPTA. Daqui se vê, assim, que não há correspondência entre a norma imputada de inconstitucional pela recorrente e a norma que que constituiu a ratio decidendi do Acórdão recorrido.
4. Assim sendo, resta apenas concluir pela impossibilidade de conhecer do objeto do recurso, por falta de um dos pressupostos legais de admissibilidade, a saber: ter a decisão recorrida aplicado, como ratio decidendi, a exata interpretação normativa do 27.º, n.º1, alínea i) do CPTA cuja constitucionalidade a recorrente pretendia ver apreciada”.
3. O recorrente reclamou para a conferência com os fundamentos seguintes:
“O Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, que não admitiu o recurso, interposto da sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do T.A.C.L, merece que, sobre ele, este TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pronuncie um juízo de inconstitucionalidade, nos termos do disposto nos artigos, 70º, nº s, 1, alíneas, b) e c), 2, 4 (Decisões de que pode recorrer-se), 72º, nº 1, al. b) (Legitimidade para recorrer), 75º, nº s, 1 e 2 (Prazo), 76º (Decisão sobre a admissibilidade) e 79º (Alegações), todos da L.T.C., conforme foi invocado no requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta da inconstitucionalidade.
1) Com efeito, o Acórdão, do Tribunal Central Administrativo do Sul, ora recorrido, aplicou o art. 27º, nº 1, al. i), do CPTA, ainda que tenha tomado conhecimento das Conclusões que a Recorrente formulou, em sede de Alegações de Recurso, já que as mesmas foram integralmente transcritas nesse mesmo Acórdão do T.C.A.S., na sua página 1, a fls. ... dos autos.
2) Ora, a Recorrente, alegou, precisamente, que a decisão do T.A.C.L., de que recorreu, está ferida de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade (art. 13º e 15º da CRP), já que, face ao regime previsto no D.L. 362/78, de 28 de novembro (aposentação de funcionários da Administração Pública do ex-ultramar), permitiu, ilegalmente, um tratamento menos favorável à Recorrente, ao arrepio jurisprudência consolidada, dos tribunais portugueses, incluindo os superiores, segundo a qual, os requerentes de pensões, no âmbito do D.L. 362/78, de 28 de novembro, apenas estão sujeitos aos requisitos de que tenham prestado serviço na Administração ultramarina portuguesa e que efetuado os inerentes descontos durante pelo menos 5 (cinco) anos.
3) Além disso, a Recorrente também alegou, relativamente à Sentença do T.A.C.L., violação de lei, nomeadamente do art. 9º do CPA., pelo que também é violado o princípio da legalidade.
4) Daqui resulta que, ainda assim, os Excelentíssimos, Senhora e Senhores Desembargadores, ao rejeitarem o recurso interposto, se conformaram com uma interpretação do art. 27º, nº 1, al. i), do CPTA que viola:
A) O princípio do Estado de Direito (art. 2º da CRP);
B) O princípio da legalidade (art. 3º, nº s 2 e 3, da CRP);
C) O princípio da proibição de aplicação, pelos tribunais, de normas que infrinjam a constituição (art. 204º, da CRP);
D) O princípio da universalidade do direito fundamental segurança social, pelo qual «todos», têm direito «à segurança social», assim consagrado no art. 63º da C.R.P. (inserido na respetiva, Parte I, Direitos de Deveres Fundamentais), pois, ao negar apreciar o recurso, nega a apreciação de tal direito fundamental, aliás, já também anteriormente negado pela Recorrida, C.G.A.
E) O princípio da justiça, em manifesta infração ao art. 20º da C.R.P. (Acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva).
5) Assim, entende a Recorrente que o art. 27º, nº 1, al. i), do CPTA é inconstitucional, se for interpretado no sentido de não permitir o recurso, o qual foi interposto dentro do prazo legal de recurso que é de 30 dias, isto se tivermos em consideração que o recurso foi interposto em 2008, quando ainda não se tinha formado qualquer jurisprudência maioritária, e, depois, fixação de jurisprudência, pelo S.TA., segundo a qual, nos casos em que, devendo a decisão ser praticada por tribunal coletivo, o juiz singular poderia praticar o ato se invocasse o art. 27º, nº 1, al. i), do CPTA, pois nesses casos, antes de recorrer tem de se reclamar para a Conferência do coletivo, pelo que estando preenchidos os pressupostos para admissibilidade do presente recurso de fiscalização concreta da inconstitucionalidade, para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, deve o mesmo ser admitido.
6) A não ser assim, fica em crise, manifestamente, também o PRINCÍPIO PRO ACTIONE, já que, em virtude de um vício meramente adjetivo, primeiro o Tribunal Central Administrativo rejeitou-o, e, depois, o Tribunal Constitucional, recusou apreciar o recurso e, assim, na prática, decidiu, denegar justiça...
7) É um facto que ao apresentar o recurso, em maio de 2013, o Advogado subscritor não foi feliz ao usar a expressão, passa-se a citar:
«entende a Recorrente que o art 27º, nº 1, al. i), do CPTA é inconstitucional, se for interpretado no sentido de não permitir o recurso que foi interposto em tempo, [sublinhado só agora]». Fim de citação.
8) Ora, se é um facto que se concede, reiterando, que não foi uma expressão feliz do Advogado subscritor, não é menos verdade que para um destinatário médio, um bonus pater familias, maximae alguém que, como o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator, tem conhecimentos jurídicos muito acima da média de um qualquer jurista, aquele modo de expressão não poderia querer significar que a Recorrente, ora Reclamante, tinha interposto, na perspetiva, do T.C.A.S., o recurso no tempo em que, segundo esse Tribunal de segunda instância, o devia ter implementado..., pois que, precisamente, a razão de ser do recurso foi, indubitavelmente, esse mesmo modo de o T.C.A.S. interpretar o art. 27º, nº 1, al. i), do CPTA... que entendeu que o que deveria ter acontecido era a Reclamação para a Conferência e não o recurso e que, ainda assim, já não era possível convolar, já que estava precludido o prazo para tal, pelo que, sem desrespeito, seria absurdo que o Advogado subscritor tivesse querido dizer isso, com esse alcance que lhe deu o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator.
9) O que a Recorrente, ora Reclamante, quis significar é que, o recurso interposto em 2008, o foi no prazo legal correto (que era e é de 30 dias), se, entretanto, mas muito depois, não se tivesse formado, primeiro, qualquer jurisprudência maioritária, e, depois, fixação de jurisprudência, pelo S.TA. (só em 2012), segundo a qual, nos casos em que, devendo a decisão ser praticada por tribunal coletivo, o juiz singular poderia praticar o ato se invocasse o art. 27º, nº 1, al. i), do CPTA, pois nesses casos, antes de recorrer tem de se reclamar para a Conferência do coletivo.
10) Aliás, em honra do aludido PRINCÍPIO PRO ACTIONE, o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator, deveria ter proferido despacho de aperfeiçoamento, entre outros do C.P.C, nos termos do art. 75º-A, nº s, 5 e 6, da LTC, caso entendesse que a expressão não era a correta ou introduzia dúvidas sobre o seu significado, quanto ao alcance do recurso interposto.
11) Acresce, ainda, afirmar que o facto é que, interposto o recurso, em 2008, o mesmo foi objeto de despacho, exarado pelo Mm.° Juiz do T.A.C.L., que transitou em julgado, segundo o qual (a fls. ...), o recurso foi admitido por a decisão ser recorrível e por estar em tempo e ter legitimidade, a parte que o interpôs...
12) É também totalmente relevante que na nossa jurisprudência ser reconhecido o já aludido PRINCÍPIO PRO ACTIONE, nomeadamente no Tribunal Central Administrativo do Norte, do qual aqui se trazem dois arestos:
12i) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 08-02-2013, Processo 00528/09.7BEAVR, (…)
l2ii) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28-02-2013. Processo 00141/12.1BEMDL (…)
13) De resto esse mesmo Tribunal Central Administrativo do Norte, tem proferido Acórdãos que, em casos em tudo semelhantes ao dos autos, vão no sentido da proclamação do princípio pro acione, mesmo com fundamento na acima aludida uniformização de jurisprudência, pelo S.TA. (só em 2012), ordenou fossem os autos remetidos à primeira instância, mas que, infelizmente, não estão publicados na Base de Dados da dgsi, pelo que apenas se pode indicar as datas respetivas e nº s de Processos:
• Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 14 de março de 2013, Processo Nº 603/11.8BECBR:
• Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 14 de março de 2013, Processo Nº 93/12.8BECBR;
• Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 5 de abril de 20 l3, Processo Nº 1130/07.6BEBRG;
14) É mister, também, aludir a que o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator, salvo o devido respeito, caiu em contradição formal, pois se, por um lado, a fls. …(página 5 da sua decisão), afirmou que, passa-se a citar:
«Em primeiro lugar, há que sublinhar que não compete ao Tribunal Constitucional sindicar a interpretação e aplicação que a decisão recorrida faz, no caso concreto, do direito ordinário - na perspetiva de saber se é a melhor interpretação dos preceitos aplicados - e, assim, saber se o recurso para o TCA foi ou não interposto a tempo - mas apenas decidir se a interpretação normativa desses preceitos pela qual optou a decisão recorrida é ou não compatível com a Constituição e, designadamente, com os princípios invocados pela recorrente.». Fim de citação.
15) Por outro lado, a fls. ... (página 6 da sua decisão), o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator, escreveu, preparando-se para exarar a sua decisão, passa-se a citar:
«Assim, a norma imputada de inconstitucional pela recorrente - delimitada como resultante do art. 27º, nº 1, alínea i), do CPTA, interpretada no sentido de um recurso admitido a tempo não deveria ser admitido - não corresponde à ratio decidendi do tribunal a quo. O referido tribunal não considerou, como pretende a recorrente, que o recurso, muito embora tenha sido interposto a tempo, deveria ser rejeitado. Muito pelo contrário, o tribunal considera que o recurso, pura e simplesmente, não foi interposto a tempo, por aplicação dos artigos 27º, nº 1, i) e 27º, nº 2 do CPTA.». Fim de citação.
16) A terminar, sempre se aduz que além de ter sido foi admito por despacho do Meritíssimo Juiz do T.A.C.L., sem que este tenha colocado, aí, a questão da pretensa reclamação para a Conferência, como também, nas suas alegações, a Recorrida, C.G.A., não se opôs com esse fundamento e, ainda, mas não menos importante, já no T.A.C.S., no seu Parecer, de 3 e março de 2009, de fls. ..., a Digníssima Procuradora Geral Adjunta, Clara Rodrigues, não só não se pronunciou pela rejeição do recurso, como até foi eloquente, na manifestação do seu entendimento de que a pretensão da Recorrente, Autora, era de atender, devendo a sentença recorrida ser revogada, e substituída por decisão que condene a C.G.A., a praticar o ato administrativo pedido em 1980, concedendo a pensão de aposentação, nos termos do DL 362/78, até por vício de violação de lei e por infração do princípio constitucional da igualdade (art. s. 13º e 15º, da C.R.P.).
Assim, entende a Recorrente que o art. 27º, nº 1, al. i), do CPTA é inconstitucional, se for interpretado no sentido de não permitir nem o recurso, o qual foi interposto dentro do prazo legal de recurso que é de 30 dias, nem a convolação em reclamação, nem a remessa ao Tribunal de 1ª instância para que se pronuncie, isto se tivermos em consideração que o recurso foi interposto em 2008, quando ainda não se tinha formado qualquer jurisprudência maioritária, e, muito menos, uniformização de jurisprudência, pelo S.TA. (só em 2012), segundo a qual, nos casos em que, devendo a decisão ser praticada por tribunal coletivo, o juiz singular poderia praticar o ato se invocasse o art. 27º, nº 1, al. i), do CPTA, pois nesses casos, antes de recorrer tem de se reclamar para a Conferência do coletivo, pelo que estando preenchidos os pressupostos para admissibilidade do presente recurso de fiscalização concreta da inconstitucionalidade, para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, deve o mesmo ser admitido, sob pena de, não o fazendo, se estar a denegar justiça, o que requer a Vossas Excelências, Senhoras e Senhores Conselheiros, reunidos em Conferência, cuja também requer seja admitida”.
II – Fundamentação
4. O recorrente reclama para a conferência da Decisão Sumária n.º 369/2013 por discordar do já decidido quanto ao não conhecimento do objeto do recurso interposto para este Tribunal.
Alega, inter alia, que o “Relator deveria ter proferido despacho de aperfeiçoamento, entre outros do C.P.C, nos termos do art. 75º-A, nº s, 5 e 6, da LTC, caso entendesse que a expressão não era a correta ou introduzia dúvidas sobre o seu significado, quanto ao alcance do recurso interposto”. No entanto, como decorre do teor da norma ora invocada pela reclamante, o Relator apenas tem a obrigação de convidar o requerente a aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso quando este não contiver alguns dos elementos previstos no n.º1 dessa norma, a saber: a alínea do n.º1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto, a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie, a norma ou princípio constitucional que se considera violado e a peça processual em que o recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade. Ora, como decorre do teor da decisão sumária ora reclamada, na mesma decidiu-se não tomar conhecimento do presente recurso, não pode falta de indicação destes elementos, mas porque, em substância, o recurso em causa não cumpria os requisitos necessários para se poder conhecer do mérito do mesmo.
5. Na decisão sumária ora reclamada, o Tribunal Constitucional sublinhou, em primeiro lugar, que não lhe competia discutir a bondade da decisão recorrida (no sentido de se saber se o recurso interposto pela recorrente para o TCA havia ou não sido interposto a tempo) e, em segundo lugar, que a norma objeto do recurso, tal como formulada pelo recorrente, não havia constituído a ratio decidendi da decisão recorrida.
Neste contexto, importa sublinhar que, contrariamente ao que a ora reclamante vem alegar, o Tribunal Constitucional não entrou em contradição nas passagens assinaladas. De facto, uma coisa é afirmar, que não compete ao Tribunal Constitucional sindicar a decisão concreta tomada pelo tribunal a quo, i.e., discutir a interpretação dada às normas infraconstitucionais e à subsunção do caso concreto numa determinada norma. Outra coisa, diferente, é considerar que não há coincidência entre o fundamento normativo da decisão do tribunal a quo e a norma imputada de inconstitucional pela recorrente no requerimento de interposição de recurso.
6. A decisão sumária ora reclamada decidiu não conhecer do objeto do recurso porque o mesmo, tal como delineado no requerimento de interposição do recurso, não coincidia com a norma que tinha constituído a ratio decidendi usada pelo tribunal a quo. Como aí se referiu, um dos pressupostos do conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC é, atento o caráter instrumental desse mesmo recurso, a existência de uma perfeita coincidência entre a norma – ou dimensão normativa – imputada de inconstitucional no requerimento de interposição do recurso, e a norma – ou dimensão normativa – que foi efetivamente aplicada pelo tribunal a quo para fundamentar a decisão final.
A ora reclamante discorda dessa decisão. E fá-lo numa sequência de dois argumentos diferentes.
Num primeiro momento, vem confirmar que não invocou devidamente a questão de constitucionalidade de acordo com a ratio decidendi que fundou a decisão recorrida, tendo usado, nesse respeito, “uma expressão pouco feliz”, mas que incumbiria ao Relator ter apreendido o sentido normativo que pretendia ver sindicado.
Num segundo momento vem reformular a questão de inconstitucionalidade, referindo que o que a “ora Reclamante, quis significar é que, o recurso interposto em 2008, o foi no prazo legal correto (que era e é de 30 dias), se, entretanto, mas muito depois, não se tivesse formado, primeiro, qualquer jurisprudência maioritária, e, depois, fixação de jurisprudência, pelo S.TA. (só em 2012), segundo a qual, nos casos em que, devendo a decisão ser praticada por tribunal coletivo, o juiz singular poderia praticar o ato se invocasse o art. 27º, nº 1, al. i), do CPTA, pois nesses casos, antes de recorrer tem de se reclamar para a Conferência do coletivo”.
6.1. Ora, em primeiro lugar, importa sublinhar que incumbia à recorrente formular de forma correta a norma objeto do recurso. O Tribunal Constitucional não se pode substituir nessa tarefa de definição do objeto do recurso, transformando a norma imputada de inconstitucional em algo diferente do pedido. É certo que o Tribunal Constitucional pode limitar o objeto de conhecimento do recurso em determinadas circunstâncias, a determinada dimensão normativa da norma objeto do mesmo. No entanto, esse exercício era imprestável no presente caso, já que a norma objeto deste recurso possuía um sentido completamente oposto ao da norma efetivamente aplicada pelo tribunal a quo. Assim, recorde-se que a ora reclamante invocava a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 27.º, n.º1, alínea i) do CPTA, “interpretada no sentido de não permitir o recurso que foi interposto em tempo” (sublinhado nosso), quando, muito pelo contrário, o tribunal recorrido aplicou o artigo 27.º, n.º1, alínea i) do CPTA interpretado no sentido de o recurso não ter sido interposto a tempo. Como não incumbe ao Tribunal Constitucional imiscuir-se no exercício interpretativo e subsuntivo do tribunal a quo, nem, por outro lado, alterar o próprio sentido do objeto do recurso, restava-lhe fazer, como fez, considerar que não se verificava a perfeita correspondência entre a norma objeto do presente recurso e a norma efetivamente aplicada pelo tribunal a quo.
6.2. Apesar de considerar que o objeto do presente recurso se encontrava bem delineado, de tal forma que incumbiria ao Relator interpretar o que a ora reclamante “pretendia significar”, a mesma não prescinde de reformular o objeto do presente recurso na reclamação agora apresentada.
Ora, sobre este ponto, há que sublinhar que este momento é manifestamente extemporâneo para reformular o objeto do presente recurso. O recurso de fiscalização da constitucionalidade é fixado no requerimento de interposição de recurso e a partir de então torna-se inalterável.
III – Decisão
7. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, nos termos dos artigos 7.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 21 de novembro de 2013. – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.