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Processo 661/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acórdão, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., Juíza de Direito, recorrente nos presentes autos, notificada do acórdão n.º 9/2013 que indeferiu reclamação de decisão sumária de não conhecimento do recurso por si interposto, apresentou requerimento em que:
a) arguiu a nulidade do processado, por não ter sido ouvido o Ministério Público antes de ter sido decidida a reclamação da decisão sumária;
b) arguiu a nulidade do acórdão, nos termos dos artigos 666º, nº 2 e 668º, nºs 1, als. b), c) e d) e 4 e 716º, todos do Código de Processo Civil;
c) requereu a aclaração do acórdão e consequente reforma do mesmo, nos termos dos artigos 666º, nº 2, 669º, nº 1, al. a), 670º e 716º, do CPC, aplicável por força do artigo 69º da Lei nº 28/82, de 15.11 ( LTC)
Não houve resposta.
2. Arguição da nulidade do processado
Considera a recorrente que ocorreu omissão de um ato legalmente prescrito (Art. 201.º do CPC), consistiria em não ter sido ouvido o Ministério Público sobre a matéria da reclamação, o que deve considerar-se imposto para que possa exercer as atribuições que lhe competem de defesa da legalidade.
Sem razão.
À tramitação dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade é aplicável o regime especial da LTC e, subsidiariamente, as normas do processo civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação (art.º 69.º da LTC). Assim, à reclamação para a conferência a que se refere o art.º 78.º-A da LTC é aplicável o que neste preceito se dispõe e, subsidiariamente, o preceituado no n.º 3 do art.º 700.º do CPC. O contraditório decorre entre o reclamante e quem no processo ocupa a posição de “parte contrária”, nos termos gerais. Foi o que no caso se verificou, chamando-se a intervir o Conselho Superior da Magistratura. Em nenhum lugar está prevista a intervenção necessária do Ministério Público, a título principal ou acessório, na fase de reclamação da decisão sumária proferida em recurso de constitucionalidade do processo em que não é nem representa a parte.
Consequentemente, não foi omitida a prática de qualquer ato processual legalmente prescrito, pelo que se indefere a correspondente arguição de nulidade processual.
3. Arguição de nulidade do acórdão
O acórdão contém, mediante remissão a que procede para a decisão sumária e no que acrescenta em resposta à reclamação, a explicitação concretizada das razões pelas quais se entendeu não estarem reunidos os pressupostos do recurso de constitucionalidade interposto, designadamente, quanto ao não cumprimento do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, que foi o fundamento determinante do não conhecimento do objeto do recurso. Um destinatário normal e de boa fé da decisão pode discordar ou considerar de pouco mérito a fundamentação aduzida, mas não pode deixar de ter compreendido o que se decidiu e porque se decidiu naquele sentido.
Em nenhum lugar do acórdão se admitiu ou pressupôs que os atos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura tenham a natureza de atos jurisdicionais. O que se disse é que não pode considerar-se insólita ou inesperada a interpretação acolhida pelo acórdão recorrido, nem afirmar que a recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade. Disse-se e mantém-se que, comportando o recurso contencioso uma fase de alegações posteriormente à resposta da autoridade recorrida (cfr. art. 176.º do EMJ) - ritualismo que, no caso, foi cumprido -, pelo menos nesse momento, a recorrente dispunha de todos os elementos para suscitar as questões de inconstitucionalidade que quer ver apreciadas, agindo como um interessado normalmente previdente e informado. O ónus de suscitação da questão de constitucionalidade não existe, apenas, em fase de recurso jurisdicional perante a aplicação de uma norma inconstitucional (ou com esse sentido inconstitucional) por uma decisão jurisdicional. Para que possa recorrer-se da decisão tomada em qualquer grau de jurisdição, tem que colocar-se o tribunal que profere a decisão de que se pretende recorrer perante a pretensão de que recuse aplicação a determinada norma (ou a determinada interpretação) com fundamento em inconstitucionalidade.
Por outro lado, o acórdão tinha de apreciar a verificação dos pressupostos do recurso, perante o que se dissera na decisão sumária e o teor da reclamação, e foi isso que fez, não se compreendendo o que pretende a recorrente significar quando invoca a nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC. A argumentação da recorrente contra o decidido pelo relator restringiu-se a uma das questões de constitucionalidade que pretendia ver apreciada e foi isso mesmo que se salientou no acórdão, em ordem a tornar claro que, quanto a essas questões sobre as quais não incidia a reclamação se considerava a situação processual estabilizada. O acrescentamento de que, de todo o modo, nessa outra parte o recurso não incidia sequer sobre norma aplicada pelo acórdão recorrido não interfere com a ratio decidendi do acórdão.
Finalmente, não há contradição, antes se verifica rigorosamente coerência entre os fundamentos e a decisão. Não tendo a recorrente suscitado a questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigada a dela conhecer, e tendo-se considerado que não se verificava uma daquelas situações em que, num entendimento funcional do referido ónus, não se justifica a sua imposição, tinha de julgar-se, como se julgou, não verificado o pressuposto específico estabelecido na al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC.
4. Pedido de aclaração
Igualmente, improcede o pedido de aclaração do acórdão. É perfeitamente inteligível e não enferma de qualquer obscuridade ou ambiguidade a afirmação de que, comportando a tramitação do recurso contencioso, além da fase de petição e resposta, uma fase sucessiva de alegações, pelo menos nessa fase a recorrente estava em condições de arguir as inconstitucionalidades que entendesse procederem contra a interpretação defendida pela autoridade recorrida, no ato impugnado e na resposta ao recurso e que vieram a coincidir com as adotadas pelo acórdão recorrido. As alegações de recurso contencioso a que se refere o art.º 176.º do EMJ constituem uma fase processual perfeitamente idónea e adequada a que o recorrente coloque o tribunal perante a pretensão de que recuse aplicação à norma ou sentido normativo que a parte contrária lhe contrapôs na resposta à petição de recurso.
5. Pedido de reforma
A reforma do acórdão tem lugar quando se verifiquem algumas das situações previstas no nº 2 do art. 669.º do CPC. Ora, como decorre de tudo o que antecede, nenhuma dessas situações se verifica no caso presente, tudo se resumindo à discordância da recorrente com o decidido.
6. Decisão
Pelo exposto, indefere-se na totalidade o requerido pela recorrente (arguição de nulidade processual, arguição de nulidade e pedidos de aclaração e reforma do acórdão).
Custas pela recorrente com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.
Lisboa, 11 de abril de 2013.- Vítor Gomes – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.