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Processo n.º 1010/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A., Ld.ª e reclamados B., Ld.ª e C. B.V., a primeira reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 11 de julho de 2013 que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional.
2. A reclamante interpôs recurso de revista excecional, ao abrigo do artigo 721.º-A, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil. Em 8 de maio de 2013, o Supremo Tribunal de Justiça acordou em não admitir tal recurso (fl. 1622 e ss.).
Desta decisão foi interposto recurso de constitucionalidade, através de requerimento onde se pode ler o seguinte:
«II.
Na realidade, foi com surpresa que a ora Recorrente veio a ser confrontada com a interpretação dada no Acórdão do STJ de que se recorre ao disposto no art. 721º-A, nº 1, al. c) do CPC— onde se refere que a Recorrente deve juntar…cópia do acórdão - fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição…” - de que a Recorrente devia ter procedido à junção de certidão do Acórdão.
(…)
III.
Salvo o devido respeito, não pode o art. 723º, nº 1, alínea c) do CPC ser interpretado no sentido de estar a Recorrente obrigada a juntar uma certidão do Acórdão - fundamento com o qual o Acórdão recorrido se encontra em oposição, pelas razões que se passam a expor:
1. O Acórdão ora em apreço não admitiu o recurso de revista excepciona1, concluindo do seguinte modo:
“I - Relativamente ao fundamento de revista excecional previsto na al c) do nº1 do art.. 721º-A do CP Civil, estabeleceu o legislador duas exigências, cujo ónus de cumprimento recai sobre a recorrente, a saber: (i) indicação dos aspetos de identidade que determinam a contradição alegada (ii)junção de cópia do acórdão fundamento com o qual o acórdão recorrido esteja em contradição.
II - Ao recorrente que invoca como pressuposto do recurso excecional a al. c), do n.º 1, do art 721º-A, do CPCivil — contradição de julgados — compete fazer a prova dos requisitos que configuram esse pressuposto, concretamente a prova de que o acórdão em contradição existe e que transitou, sendo que tal prova só por certidão pode fazer-se, sob pena de rejeição do recurso”».
(…)
3. Ora – salvo o devido respeito do supra citado preceito legal, ao contrário do decidido por esse Colendo Tribunal, não constitui requisito para aferição da admissibilidade do recurso a junção, por parte da Recorrente, da certidão do Acórdão já transitado em julgado com o qual o acórdão recorrido esteja em contradição.
4. Na realidade, resulta da supra citada norma a necessidade de juntar, isso sim, uma cópia e não uma certidão do Acórdão.
5. Sendo certo que, se houvesse necessidade de juntar certidão do acórdão – fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição, havia de constar do corpo do preceito menção expressa nesse sentido, o que, como vimos, não sucede.
Aliás – sempre salvo o devido respeito – não faz o menor sentido que para a interposição de um recurso de Revista se tivesse que juntar uma certidão do Acórdão quando, para efeitos de recurso destinado à fixação de jurisprudência, basta invocar-se Acórdão “... presumindo-se a data do trânsito.” (cfr. art. 763º, n. 2 do CPC)...
7. Mas mesmo que assim se entendesse – o que não se concede – podia esse COLENDO TRIBUNAL ter proferido despacho convidando a parte a suprir a falta desse requisito formal, ou seja, a juntar aos autos a aludida certidão do Acórdão (cf. art. 156º, n.º 4, do CPC).
(…)
17. Pelas razões aduzidas, é inconstitucional a interpretação dada ao art. 723º, nº 1, al. c), do CPC, porquanto se exige ao Recorrente algo que está para além da Lei, ou seja, a junção aos autos da certidão dos Acórdãos mencionados nas suas alegações, quando do disposto no art. 721º-A, n.º 2, al. c), do CPC resulta apenas a necessidade de juntar uma cópia dos mesmos».
3. Foi então proferido despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, com a seguinte fundamentação:
«Não foi suscitada durante o processo a questão da inconstitucionalidade da interpretação da norma do n.º 2, al. c) do art. 721.A do CPC. Que de há muito uniformemente vem sendo decidida no sentido aplicado, não podendo, de modo algum, surpreender o recorrente.
Assim, não se admite o recurso».
4. Contra tal decisão foi apresentada a presente reclamação, onde se lê, entre o mais, o seguinte:
«1 - A presente reclamação vem apresentada na sequência do despacho proferido pelo STJ a fls. 1657 dos presentes autos, que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional e cujo teor é o seguinte:
(…)
2 - Não pode, porém, a ora Recorrente conformar-se com o teor do aludido despacho, pelas razões que se passam a expor.
3 - Ao contrário do que se refere no despacho de que ora se reclama, foi com surpresa que o ora Recorrente veio a ser confrontada com a interpretação dada no Acórdão do STJ — sobre o qual incide o presente recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL - ao disposto no art. 721º-A, nº 2-a1. c) do CPC, no sentido de que a ora Recorrente devia ter procedido à junção de certidão do Acórdão - fundamento com o qual o Acórdão recorrido se encontra em oposição.
4 - Tal surpresa advém do facto de o art. 721º-A, nº 2, al c), do CPC fazer referência à necessidade de junção de cópia e não de certidão.
5 - Na realidade, dispõe-se no n. 2, al c) do supra citado preceito legal expressamente o seguinte:
(…)
6 - Ora - sa1vo o devido respeito -, resulta do supra citado preceito legal - ao contrário do que decidiu o STJ -, não constituir requisito para aferição da admissibilidade do recurso a junção, por parte da Recorrente, da certidão do Acórdão já transitado em julgado com o qual o Acórdão recorrido esteja em contradição.
7 - Na realidade, resulta da supra citada norma a necessidade de juntar, isso sim, uma cópia e não uma certidão do Acórdão.
8 - Sendo certo que, se houvesse necessidade de juntar certidão do Acórdão - fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição, havia de constar do corpo do preceito menção expressa nesse sentido, o que - como vimos - não sucede.
9 - Acresce, aliás, que - sempre salvo o devido respeito - não faria o menor sentido que para a interposição de um recurso de revista houvesse a necessidade de juntar uma certidão do Acórdão com a indicação da data do trânsito quando a interposição de um recurso destinado à fixação de jurisprudência se basta com a invocação do Acórdão “…presumindo-se a data do trânsito…”
(…)
12 - Pe1as razões aduzidas, não pode deixar de entender-se que a decisão proferida pelo STJ, “rectius” , a interpretação por este dada à norma contida no art. 721º-A, n. 2, al. c), do CPC, colheu com surpresa a ora recorrente.
13 - É a interpretação dada no despacho que não admitiu a Revista, e não a norma, que se entende ser inconstitucional».
5. Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, dizendo, entre o mais, o seguinte:
«8. Por outro lado, apesar de no pedido de reforma e no requerimento de interposição do recurso se mencionar a violação de princípios constitucionais, parece-nos que em nenhuma das peças se enuncia com o mínimo de clareza uma questão de inconstitucionalidade normativa.
9. O que mais se aproxima de uma tal enunciação é a afirmação que consta da parte do requerimento que anteriormente transcrevemos (nº 4) ainda que, em nossa opinião, seja insuficiente, uma vez que, essencialmente, o que se questiona é uma “errada” interpretação.
10. Registe-se ainda que, apesar de o mencionar ao de leve no ponto 7 do requerimento de interposição do recurso (como já havia procedido no pedido de reforma), a recorrente não leva à questão de inconstitucionalidade um aspeto relevante: rejeição liminar do recurso, não dando a possibilidade ao recorrente de suprir a deficiência.
11. Faltam, pois, esses os dois requisitos de admissibilidade do recurso, pelo que, ainda que com fundamento diferente daquele que consta da decisão reclamada – como a seguir veremos -, a reclamação deve ser indeferida».
6. Notificada deste parecer, a reclamante respondeu, sustentando, nomeadamente, o seguinte:
«5 – Também ao contrário do que vem mencionado no Parecer do Ministério Público, que no esclarecimento aludido no ponto 6 supra, quer, mais concretamente, no recurso interposto do Acórdão proferido pelo STJ vem explanada, salvo o devido respeito, com toda a clareza, a questão da inconstitucionalidade, fundamentada, além do mais, na parte III das suas alegações de recurso, veementemente sublinhada nomeadamente nos pontos 17 e seguintes dessa mesma parte III, recurso esse que, para o efeito, aqui se dá por integralmente reproduzido, como, aliás, o Ilustre Parecer a que ora se responde acaba por vir demonstrar...
6 – Vejam-se, a este propósito, os pontos 13 a 16 desse mesmo Parecer, mais concretamente, ainda, o ponto 16 do mesmo, onde se refere expressamente que no Acórdão n. 620/2013 se “... julgou inconstitucional a norma constante do art. 721º-A, n.1, al. C) e n. 2, a1. C), do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de que o recurso de revista excecional cabe ao recorrente juntar certidão do acórdão - fundamento, com o requerimento de interposição de recurso, sob pena deste ser liminarmente rejeitado.”».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O despacho reclamado tem com fundamento a não suscitação prévia da questão de constitucionalidade relativa ao artigo 721.º-A, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de ao recorrente que invoca como pressuposto do recurso excecional a alínea c) do n.º 1 do artigo 721.º-A, do Código de Processo Civil — contradição de julgados — competir fazer a prova dos requisitos que configuram esse pressuposto, concretamente a prova de que o acórdão em contradição existe e que transitou, sendo que tal prova só por certidão pode fazer-se, sob pena de rejeição do recurso.
Sucede, porém, que esta norma não foi indicada no requerimento de interposição de recurso quando a recorrente pretendeu satisfazer os requisitos do artigo 75.º-A da LTC. Nesta peça processual, que define o objeto do recurso de constitucionalidade, a recorrente, além de ter defendido a interpretação que reputa correta, sustentou apenas que «é inconstitucional a interpretação dada ao art. 723º, nº 1, al. c), do CPC». Não identificou tal interpretação, alegando somente a razão que a levou a considerá-la inconstitucional – “porquanto se exige ao recorrente algo que está para além da Lei, ou seja, a junção aos autos de certidão dos acórdãos mencionados nas suas alegações, quando no disposto no artigo 721.º-A, n.º 2, alínea c), do CPC, resulta apenas a necessidade de juntar uma cópia dos mesmos.”.
A indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie é um ónus que a lei faz impender exclusivamente sobre o recorrente, decorrendo também da lei que tal ónus deve ser satisfeito no requerimento de interposição de recurso (artigo 75.º-A, n.º 1, segunda parte, da LTC). Mesmo para quem entenda que este pode ser aperfeiçoado na reclamação deduzida ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da LTC, será sempre de concluir que nesta peça processual não foi especificada a dimensão interpretativa em causa (a que o tribunal recorrido aplicou como razão de decidir). A reclamante refere apenas «a interpretação dada no Acórdão do STJ (…) ao disposto no art. 721º-A, nº 2-al. c) do CPC, no sentido de que a ora Recorrente devia ter procedido à junção de certidão do Acórdão - fundamento com o qual o Acórdão recorrido se encontra em oposição». Seguindo o parecer do Ministério Público, é de concluir que a reclamante «não leva à questão de inconstitucionalidade um aspeto relevante: rejeição liminar do recurso, não dando a possibilidade ao recorrente de suprir a deficiência».
Há que confirmar, pois, o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, ainda que com um fundamento diverso do que sustenta esta decisão.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 25 de novembro de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.