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Processo nº 40/2001 Conselheiro Sousa e Brito
(Cons. Messias Bento)
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
Recorrente(s): J... Recorrido(s): Almirante Chefe do Estado Maior da Armada
I. Relatório:
1. O presente recurso foi interposto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de Novembro de 2000, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, dizendo o recorrente 'indica-se a violação do princípio constitucional da igualdade na não aplicação do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio'. Convidado o recorrente a vir indicar a norma legal (ou a respectiva interpretação), que pretende ver apreciada sub specie constitutionis, e, bem assim, o ponto específico da contra-alegação para o Supremo Tribunal Administrativo em que suscitou a inconstitucionalidade dessa norma (ou dessa interpretação), veio ele dizer, o seguinte:
'O recorrente passou à situação de reforma extraordinária e foi qualificado como Deficiente das Forças Armadas (DFA) após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº
43/76, de 20 de Janeiro, não tendo optado pelo serviço activo. O douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de que recorre considera que o disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio só é aplicável a quem tenha passado à situação de reforma extraordinária e qualificado DFA antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76. Os factos que originaram a qualificação como DFA e a passagem à reforma extraordinária dos militares do quadro permanente que podem vir a ser abrangidos pelo disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97 ocorreram antes de entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, pois na data da sua entrada em vigor já não havia acidentes em campanha na medida em que a guerra colonial já tinha terminado. Assim, há militares do quadro permanente que apenas por motivos de ordem burocrática são qualificados como DFA e passam à situação de reforma extraordinária, após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76 e não são abrangidos, na interpretação feita pelo STA, pelo comando do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97. A não aplicação do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97 ao Recorrente viola o princípio constitucional de igualdade. Se assim se não entender o acto contenciosamente sindicado fez aplicação duma norma contrária à nossa Lei Fundamental, pois contraria o princípio da igualdade. '
O relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do recurso, por ter entendido que se não verificam os pressupostos do mesmo. Escreveu-se na decisão sumária:
' Não pode, porém, conhecer-se do recurso, já que, no caso, se não verifica o pressuposto da suscitação, durante o processo, ao menos de modo processualmente adequado, da inconstitucionalidade de determinada norma jurídica, como se exige nos artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional. De facto, na contra-alegação que apresentou no Supremo Tribunal Administrativo, o que o ora recorrente disse foi que 'negar ao recorrente os direitos previstos no Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio, seria atribuir-lhe tratamento desigual
[...], o que equivale a uma interpretação contrária ao princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa' (conclusão 3); e que, 'ao não o promoverem, tratam-no de forma mais desfavorável, o que contraria o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, e viola-se o artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio' (conclusão 4). Ora, ao dizer isto, o recorrente não está a suscitar a inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, designadamente a de certa interpretação do mencionado artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio, que, de resto, ele até aponta como norma violada. Quando muito, e apesar de falar numa 'interpretação contrária ao princípio da igualdade', o que o recorrente faz é imputar a inconstitucionalidade à decisão judicial de não subsunção do seu caso ao dito normativo legal – coisa que repete no requerimento de interposição do recurso e na resposta ao convite para o aperfeiçoar, quando diz que aquele princípio é violado na 'não aplicação' do disposto no dito artigo 1º. Simplesmente as decisões judiciais, elas mesmas, não podem ser objecto de controlo de constitucionalidade por banda deste Tribunal.'
2. Dessa decisão sumária reclama, agora, o recorrente para a conferência, dizendo, em síntese, que, «na contra-alegação que apresentou [no Supremo Tribunal Administrativo], suscitou o recorrente a questão da inconstitucionalidade de certa interpretação da norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio, entendida como denegando ao recorrente a revisão da respectiva pensão de reforma extraordinária, com fundamento na sua situação de não enquadrar na previsão do nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº
43/76, de 20 de Maio, esta interpretação 'restrita' da norma que integra o objecto de recurso interposto viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição». O recorrido não respondeu. O pleno da Secção decidiu que deve conhecer-se do objecto do recurso, pelo que houve substituição do relator.
II. Fundamentação
3. Cabe aqui apurar se o recorrente suscitou na sua contra-alegação perante o Supremo Tribunal Administrativo a mesma questão de inconstitucionalidade que submete à apreciação do Tribunal no seu requerimento de interposição do recurso, completado pela resposta dada ao convite do relator para indicar a norma legal
(ou a respectiva interpretação) que pretende ver apreciada sub specie constitutionis, bem como o ponto específico da contra-alegação em que suscitou a inconstitucionalidade dessa norma. Ora na sua contra-alegação o requerente apresentou as seguintes conclusões:
'1. O Decreto_lei nº 43/76 de 20 de Janeiro não anulou o artigo 1º do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, antes pelo contrário houve a preocupação dele continuar a vigorar na ordem jurídica.
2. O Recorrente foi qualificado Deficiente das Forças Armadas na vigência do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, mas foi-lhe aplicada uma norma (artigo
1º, nº 2) que já existia no Decreto-Lei nº 210/73 de 9 de Maio, e que permaneceu em vigor, como fundamenta o douto Acórdão do Tribunal 'a quo'.
3. Negar ao recorrente os direitos previstos no Decreto-Lei nº 134/97 de 31 de Maio seria atribuir-lhe tratamento desigual, relativamente àqueles que em situação idêntica vêm a gozar de tais direitos, apenas pela circunstância de a decisão de qualificação de DFA ter sido proferida após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76 de 20 de Janeiro o que equivale a uma interpretação contrária ao princípio de igualdade consagrado pelo artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
4. Como o ora recorrido ficou com uma percentagem de deficiência maior que aqueles que puderam optar pelo serviço activo, e consequentemente, teve que ser reformado extraordinariamente, ao não o promoverem tratam-no de forma mais desfavorável, o que contraria o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, e viola-se o artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio.
5. Tem toda a razão o douto Acórdão do Tribunal 'a quo'.' Terá de entender-se que, quer a contra-alegação do recorrente, quer o requerimento de interposição do recurso, completado pela resposta ao convite do relator, se referem à interpretação do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97 de 31 de Maio, que dispõe:
'Os militares dos quadros permanente deficientes das Forças Armadas, nos termos das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, na situação de reforma extraordinária com um grau de incapacidade geral de ganho igual ou superior a 30%, e que não optaram pelo serviço activo, são promovidos ao posto a que teriam ascendido, tendo por referência a carreira dos militares à sua esquerda à data em que mudaram de situação, e que foram normalmente promovidos aos postos imediatos.' Embora o recorrente diga simultaneamente que a decisão do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que nega provimento ao recurso contencioso interposto do acto de 30.12.97 do Chefe do Estado Maior da Armada que indeferira a promoção do recorrido para efeitos do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio, viola o artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio e equivale a uma interpretação
(do mesmo artigo, terá que entender-se) contrária ao princípio da igualdade consagrado pelo artigo 13º da Constituição da República portuguesa, as suas palavras só podem ser interpretadas de forma coerente como exprimindo a seguinte questão de constitucionalidade normativa:
- o artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97 deve ser interpretado de modo a incluir os militares qualificados como deficientes das forças armadas (DFA) após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, nomeadamente os que o foram ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio;
- a interpretação contrária do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio, que só o considera aplicável a quem tenha passado à situação de reforma extraordinária e qualificado DFA antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº
43/76, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição.
III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se : a) revogar a decisão sumária de não conhecimento do recurso; b) ordenar o prosseguimento do recurso. Lisboa, 29 de Maio de 2001 José de Sousa e Brito Messias Bento (vencido, pois, como decorre do próprio texto do acórdão, o recorrente não identificou, como lhe cumpria, a interpretação do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio. Essa interpretação fá-la este Tribunal, interpretando o que ele disse a propósito da questão de constitucionalidade). Alberto Tavares da Costa (vencido pelas razões constantes da declaração de voto do Exmº Conselheiro Messias Bento). Luís Nunes de Almeida