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Processo n.º 360/13
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorridos B., C., D., LDA., E. e F., o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. Decisão Sumária n.º 441/2013, de 6 de agosto de 2013, fls. 2185-2195):
«5. Do teor do requerimento de interposição de recurso, e respetiva fundamentação, apresentado pelo recorrente decorre que do requerimento constam (cfr. fls. 2147-2159): a indicação das alíneas do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto – «alínea b) do artº 70º da LTC (…)» (cfr. requerimento, 1 e 10); a indicação das normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie – «Arts. 201º, 202º e 205º do CPC, em conjugação com o artº 153º do mesmo diploma legal (…)» (cfr. requerimento, 2); a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado – «artº 22º da Lei Fundamental» (cfr. requerimento, 2 e 4 e 6) e, mais adiante, os artigos 2.º, 20.º e 204.º (cfr. requerimento, 4 e 6); e a indicação da peça processual em que o recorrente alega ter suscitado a questão da inconstitucionalidade – «a. Nas alegações de apelação introduzidas em juízo em 16.6.11, a fls. ___, que, por sua vez, deram reproduções as alegações /artº 657º do CPC apresentadas em 26.7.10, a fls. ___; b. Nas alegações para o STJ introduzidas em juízo em 17.09.12 (cfr. capítulo IV., ponto 13 e conclusão Décima Quarta); c. Na arguição de aclaração/nulidade e reforma deduzida em 13.2.13, a fls. ___; e d. No requerimento de esclarecimentos, com reforma dos Acórdãos de 30.1.13 e 21.3.13, apresentado em 31.3.13, a fls.___.» (cfr. requerimento, 12).
(…)
7. Tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a admissibilidade do recurso depende, entre outros requisitos cumulativos, do esgotamento dos meios normais impugnatórios da decisão recorrida.
Não se encontra preenchido in casu o pressuposto relativo ao esgotamento dos recursos ordinários já que a recorrente, simultaneamente, requereu «esclarecimentos com reforma dos Acórdãos de 30.1.13 e 21.3.13» (cfr. fls. 2160 a 2172) ora recorridos e interpôs recurso para este Tribunal (cfr. fls. 2147 a 2159).
De acordo com a jurisprudência constitucional, para efeitos da apreciação dos pressupostos substanciais da admissibilidade do recurso, a noção de recurso ordinário abrange os próprios incidentes pós-decisórios – como o pedido de «esclarecimentos com reforma» – pelo que não pode a parte que utilize um daqueles incidentes interpor recurso para o Tribunal Constitucional enquanto se encontre pendente de decisão o incidente suscitado – dado que a decisão proferida ainda não constitui uma decisão definitiva (vide Carlos Lopes do Rego, Os recursos de fiscalização concreta na Lei e na jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, Almedina, 2010, p. 115 e jurisprudência aí citada). Assim não se afigura admissível a interposição, em simultâneo, de um recurso de constitucionalidade “à cautela” e a dedução de um incidente pós-decisório (ob. cit, p. 115).
Verifica-se, in casu, que por força da formulação, no processo, pela recorrente, de pedido de «esclarecimentos com reforma dos Acórdãos de 30.1.13 e 21.3.13» ora recorridos, em simultâneo com a apresentação de recurso para este Tribunal, aqueles acórdãos, à data da interposição do recurso para este Tribunal ainda não se afiguravam definitivos – pelo que não se encontra preenchido um dos pressupostos de admissibilidade do recurso para este Tribunal, cuja verificação, nos termos expostos, deve ser efetuada por referência à data de interposição do recurso de constitucionalidade mediante a apresentação do requerimento respetivo no tribunal a quo.
Pelo exposto, não se encontrando verificado um dos pressupostos legalmente exigidos para a admissibilidade do recurso, não se pode conhecer do respetivo objeto.
8. Também não se encontra preenchido, no caso em apreço, o pressuposto relativo à questão de inconstitucionalidade normativa. O sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais – pelo que os recursos para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, interpostos de decisões dos tribunais só podem ter por objeto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com caráter de generalidade e por isso passíveis de aplicação a outras situações independentemente das particularidades do caso concreto, sob pena de inadmissibilidade.
8.1 Com efeito, do teor e fundamentação do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal e do teor das peças processuais em que a recorrente alega ter suscitado a questão de inconstitucionalidade, decorre que a recorrente não pretende que o Tribunal exerça um controlo da constitucionalidade com natureza normativa. Daquele teor decorre que a recorrente não se conforma com as decisões objeto de recurso, imputando a pretensa violação de normas constitucionais às mesmas.
No requerimento de interposição de recurso não é identificada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ou critério normativo relativamente às normas que a recorrente pretende ver apreciadas por este Tribunal.
A recorrente limita-se a afirmar que os «Arts. 201º, 202 e 205º do CPC, em conjugação com o artº 153º do mesmo diploma legal, foram interpretadas e ajuizadas com sentido inconstitucional, violando de forma expressa o artº 22º da Lei Fundamental.» (cfr. requerimento, 2); e, mais adiante, a afirmar genericamente, que «(…)nos feitos submetidos a julgamento não podem as Tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (artº 204º da Lei Fundamental), designadamente devem aplicar a norma do artº 22º da Constituição relativa ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, bem como as normas dos arts. 2º e 20º da mesma Constituição concernente ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, no sentido de que a causa em que intervém seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, num procedimento judicial caraterizado pela celeridade, rigor, isenção e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças e violações dos seus direitos, liberdades e garantias pessoais e patrimoniais» (cfr. requerimento, 4); e, ainda, que «(…) a República Portuguesa é um Estado de Direito democrático, baseado, além do mais, na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais, visando inclusive a realização da democracia económica (artº 2º da Lei Fundamental)» (cfr. requerimento, 5); e, por fim, que «(…) as normas e os princípios consignados nas normas dos Arts. 2º, 20º, 22º e 204º da Constituição prevalecem necessariamente no confronto com as normas dos arts. 153º, 201º, 202º e 205º do CPC, não podendo estes últimos comandos da lei ordinária excluir a aplicação daquelas normas fundamentais» (cfr. requerimento, 6).
A referência às normas constitucionais mencionadas naquele requerimento não configura o enunciado de qualquer critério normativo.
8.1.1 Do teor das «alegações de apelação introduzidas em juízo em 16.6.11, a fls. ___, que, por sua vez, deram reproduzidas as alegações /artº 657º do CPC apresentadas em 26.7.10, a fls. ___;» – a primeira peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a pretensa questão de constitucionalidade que ora pretende ver sindicada (cfr. fls. 1560 a 1587) – decorre que nela não é suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Acresce referir que, em qualquer caso, a primeira das quatro peças processuais invocadas foi apresentada junto do Tribunal de segunda instância – Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls. 1560) – e não junto do Tribunal que proferiu as decisões ora recorridas – o Supremo Tribunal de Justiça – perante o qual a pretensa questão de inconstitucionalidade normativa sempre teria de ser arguida nos termos do n.º 2 do artigo 72.º da LTC. Pelo que a invocação desta peça processual não releva para efeitos de apreciação dos pressupostos de admissibilidade do recurso.
8.1.2 Do teor das «alegações para o STJ introduzidas em juízo em 17.09.12 (cfr. capítulo IV., ponto 13 e conclusão Décima Quarta)» (cfr. fls. 1808 a 1812 e 1859, respetivamente) – a segunda peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a pretensa questão de constitucionalidade que ora pretende ver sindicada – decorre que nela não é feita nenhuma referência às normas ou princípios constitucionais mencionados no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, não sendo suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Com efeito, no indicado Capítulo IV («Questão Prévia. O recurso aludido no ponto 13 do Acórdão - Nulidade da omissão de despacho»), n.º 13 (cfr. fls. 1808 a 1812), não é feita qualquer referência às normas constitucionais mencionadas no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal. E o mesmo sucede na indicada conclusão Décima Quarta (cfr. fls. 1859), em que não é feita qualquer referência àquelas normas constitucionais.
E em ambas as passagens da peça processual em causa indicadas pela recorrente – Capítulo IV, 13 e conclusão Décima Quarta – a única alusão a uma das normas do Código Processo Civil (CPC) que ora pretende ver sindicadas – artigo 201.º do CPC (cfr. fls. 1812 e 1859) – não configura a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se a recorrente a concluir no ponto 13 que, segundo o seu entendimento, «(…) a nulidade deve ser decretada, com as consequências legais – art.º 201.º, 2 do CPC» (cfr. fls. 1812) e, na conclusão Décima Quarta, que «Trata-se de omissão/decisão judicial, de infração judicial relevante, de conhecimento oficioso e insanável, devendo ser decretada a nulidade, com as consequências legais (art. 201.º, n.º 2, do CPC)» (cfr. fls 1859).
8.1.3 Do teor da «arguição de aclaração/nulidade e reforma deduzida em 13.2.13, a fls. ___;» – a terceira peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a pretensa questão de constitucionalidade que ora pretende ver sindicada (cfr. fls. 2072 a 2085) – decorre que nela não é feita nenhuma referência às normas ou princípios constitucionais mencionados no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, não sendo suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Nesta peça processual a ora recorrente, notificada do acórdão do STJ de 30/01/2013, e não se conformando com o decidido, vem «arguir a aclaração/nulidade e reforma do referido acórdão de 30.1.13, de Fls.__» (cfr. fls 2074).
E o único número desta peça processual em que a recorrente menciona uma das normas constitucionais que, segundo o seu requerimento de interposição de recurso, entende ter sido violada – o número 5 (a fls. 2077), que menciona o artigo 22.º da Lei Fundamental – não configura o enunciado de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se a recorrente a afirmar aí que «as omissões processuais ocorridas no TJ Almada devem ser enquadradas no regime da responsabilidade civil extracontratual do ESTADO consagrado no art.º 22.º da Lei Fundamental».
Além disso, a peça processual em causa – requerimento de «arguição de aclaração/nulidade e reforma» –, por configurar um incidente pós-decisório, já não é um meio idóneo e atempado para suscitar, pela primeira vez, uma questão de constitucionalidade.
8.1.4 Finalmente, a recorrente alega ter suscitado a pretensa questão de inconstitucionalidade que ora pretende ver sindicada no «requerimento de esclarecimentos, com reforma dos Acórdãos de 30.1.13 e 21.3.13, apresentado em 31.3.13, a fls.___.» (cfr. fls. 2160 a 2172).
A peça processual em causa – «requerimento de esclarecimentos, com reforma dos Acórdãos de 30.1.13 e 21.3.13 (…)» – por configurar, tal como a terceira peça processual indicada, um incidente pós-decisório, já não é um meio idóneo e atempado para suscitar uma questão de constitucionalidade.
Em qualquer caso, do teor da quarta e última peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a questão de constitucionalidade que ora pretende ver sindicada decorre que nela não é suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
O único número do requerimento em causa em que é feita uma referência a algumas das normas constitucionais mencionadas no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal – «art.ºs 2.º e 20.º, n.ºs 1, 4 e 5 da LEI FUNDAMENTAL» (cfr. n.º 18, a fls. 2170) – não configura a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade, limitando-se a recorrente ali a afirmar que «(…) sendo relevante que a causa não tendo sido decidida em prazo razoável ao menos o seja mediante processo final equitativo, obtendo o autor tutela efetiva contra a flagrante violação do seu direito de preferência (art.ºs art.ºs 2.º e 20.º, n.ºs 1, 4 e 5 da LEI FUNDAMENTAL)».
Tal referência aos artigos 2.º e 20.º da Constituição não configura a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
8.2 Do exposto resulta que em nenhuma das peças processuais em que a recorrente alega ter suscitado a pretensa inconstitucionalidade – das quais apenas a segunda peça foi apresentada «durante o processo» e perante o tribunal que proferiu as decisões ora recorridas – foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ou identificado qualquer critério normativo.
9. Termos em que, resultando dos autos que não se encontram preenchidos dois dos pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso, não pode conhecer-se do objeto do mesmo, tornando-se desnecessário aferir da verificação dos demais pressupostos.».
2. Notificada da decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, alegando, quanto à admissibilidade do recurso, o seguinte (cfr. fls. 2237-2253):
«(…) De harmonia com as normas do nº 3 do art.º 78º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção constante da Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro, do art.º 700º, n.º 3 do CPC e do art.º 280º da Lei Fundamental, vem reclamar para a conferência com a seguinte motivação:
I. Introdução
1. O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido pelo STJ em 24.4.13 (fls. 2.175) e não foi admitido pelo TC em 6.8.13, isto é, passados 4 meses!!!
E assim andamos neste anacronismo da ADMISSÃO/ NÃO ADMISSÃO, o que, na nossa óptica, constitui a todas as luzes, um absurdo processual, que contribui para acentuar tal arcaísmo do nefasto “preenchimento de todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade dos recursos.
Assim, nada de substancial se aprecia e decide.
A persistência, hoje em dia, no direito português desta ideia de perempção dá para meditar, afectando uma sociedade que tem o culto da velocidade e na qual um priníipio geral de obsolescência se apodera dos grandes princípios que devem dominar a cultura jurídica, designadamente do direito a uma verdadeira apreciação e reapreciação dos factos, bem como do direito a uma justiça de verdade.
O Tribunal Constitucional persiste numa justiça demorada e formal em que os processos se resolvem só por questões formais, por pressupostos que nada têm a ver com a acção, visando apenas complicar, paralisar, de nenhum efeito útil.
Transformando o Tribunal Constitucional, de custos elevadíssimos para o Estado e para os cidadãos, numa mera secção do STJ esta questão estava de imediato resolvida, porque o STJ não iria, simultaneamente ADMITIR/NÃO ADMITIR e ganhava-se em agilidade e celeridade processual.
O conteúdo fulcral da acção tem tido no nosso ordenamento constitucional uma importância marginal.
Interesse esta análise económica do direito na linha do pensamento jus económico tão desejável para adequar o direito às recomendações da eficiência substantiva.
Presentemente ainda assistimos ao triunfo do formalismo a expensas da solução eficiente substantiva.
Há que mudar este paradigma nefasto através de um de um traço de caneta do legislador constitucional, que faça uma interpretação evolutiva, capaz de ultrapassar a rigidez reinante, porquanto é pertinente considerar a mudança, a subsistência, as circunstâncias actuais, não podendo deixar-nos escravizar pelo absurdo da rigidez interpretativa formalista.
2. No capítulo II – Fundamentação, Ponto 7 da DECISÃO SINGULAR afirma-se que não se encontra preenchido “in casu” o pressuposto relativo ao esgotamento dos recursos ordinários já que a recorrente, simultaneamente, requereu esclarecimentos com reforma dos Acórdãos de 30.1.13 e 21.3.13 (Fls. 2.160 /2.172) e interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
Ora, esta é mais uma não questão, porquanto bastava ao Tribunal Constitucional requisitar ao STJ a decisão que fosse proferida ou então determinar ao STJ que se pronunciasse em 1º lugar e, deste modo, o TC manifestava vontade em proferir decisões substantivas.
Aliás, se a recorrente não procedesse desse modo, o TC viria dizer que o recurso era extemporâneo e os cidadãos já conhecem a famigerada praxis judicial de considerar os incidentes pós decisórios como manobras dilatórias, não obstante a importância substancial que muitas que revestem.
Sucede também que este processo já está fossilizado, sofrendo de uma VESTUTEZ de 21 anos!!! Pois remonta a 1992 e estamos em 2013, pelo que a recorrente entendeu que lhe devia imprimir uma determinada velocidade na recta final e que este anacronismo devia ser censurado pelo TC.
II. A TEMÁTICA CONSTITUCIONAL
3. Quer o texto do instrumento de recurso quer as referidas 4 peças apresentadas pela recorrente suscitaram a questão de inconstitucionalidade e da ilegalidade de modo processualmente adequado perante os Tribunais que proferiram as decisões recorridas, em termos de estes estarem obrigados a dela conhecer, até porque nos feitos submetidos a julgamento não podem os Tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados.
Por sua vez, os Tribunais sendo independentes estão sujeitos à lei. (arts. 203.º e 204.º da Lei Fundamental)
Donde, a recorrente fez o seu trabalho de casa, juntando inclusivamente o douto parecer do Professor Doutor António Menezes Cordeiro, atacando as ilegalidades praticadas pelas Instâncias, competindo agora ao Venerando Tribunal Constitucional apreciar e decidir essas ilegalidades e inconstitucionalidades, suprindo quaisquer deficiências que sempre existem e existirão em todo e qualquer trabalho ou tarefa humana.
Na verdade num Estado de direito democrático e social, a ordem jurídica não é composta só por mecanismos legais e regulamentares, porquanto integra princípios constitucionais.
E os Tribunais não podem aplicar normas que julguem inconstitucionais (ou ilegais).
A Constituição é um texto vivo, constantemente interpretado através de decisões judiciais justas e, quando necessário, inovadoras.
É importante a decisão pró activa dos Exmos. Juízes CONSELHEIROS do Venerando Tribunal Constitucional, hoje tão criticado pelo Governo, pelo facto, segundo a óptica governativa, não interpretarem a CONSTITUIÇÃO à luz dos tempos que vivemos e terem uma visão restritiva, pouco consensual, havendo necessidade de melhorar o diálogo institucional.
Regressando ao caso vertente, os critérios da lei da preferência foram aplicadas pelas INSTÂNCIAS de modo absolutamente discricionário e o Venerando Tribunal Constitucional sobre esta temática silenciou e não pode nem deve silenciar face ao princípio da tutela da confiança, que é uma dedução doutrinal e jurisprudencial do princípio do Estado de Direito, porquanto “o prazo para o exercício do direito de preferência tão só se iniciou, implacavelmente, a partir da obtenção da escritura por parte do autor”, em 11.5.92, há 21 anos!!!
Como a nossa Constituição não prevê o RECURSO DE AMPARO ou a QUEIXA CONSTITUCIONAL, vigente noutros ordenamentos jurídicos estrangeiros, há que encontrar uma solução eficiente substantiva em vista a esse objectivo, que preceda a previsível Revisão Constitucional.
Efectivamente, o dever do Tribunal Constitucional é servir as pessoas e não pensar que o dever das pessoas é servir o TC com custas desmensuradas.
Não interessa uma Constituição em abstracto, mas uma Constituição que apoie as pessoas em concreto, servindo os cidadãos.
Este é o verdadeiro problema e o desafio que temos pela frente, pois as discussões angelicais sobre a Constituição são desinteressantes.
Só deste modo acaba este triste espectáculo da fiscalização concreta da constitucionalidade que termina sempre em nada e em custas exorbitantes para sustentar um tribunal necessário, mas que deve funcionar noutros moldes que não seja só para produzir “chumbos constitucionais estereotipados”.
É evidente a crise da justiça constitucional demasiado corporativa, que enferma de uma patologia crónica.
A justiça constitucional fez-se para os cidadãos e não contra os cidadãos.
III. REQUERIMENTO FINAL
4. A recorrente considera-se prejudicada pela questionada DECISÃO SUMÁRIA, que não é de mero expediente.
Assim, requer que sobre a matéria do despacho recaia um ACÓRDÃO, devendo a Exma. Relatora CONSELHEIRA submeter o caso à CONFERÊNCIA, depois de ouvida a parte contrária.
Mais requer a junção aos autos deste instrumento.»
3. Notificados para responder, os recorridos não apresentaram resposta (cfr. cota de fls. 2256).
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Na decisão sumária reclamada decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, com o fundamento de não se encontrarem preenchidos os pressupostos do esgotamento dos meios normais impugnatórios da decisão recorrida e da colocação de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
5. Ponderadas as razões agora aduzidas pela reclamante para fundar a sua discordância quanto à decisão reclamada, verifica-se que as mesmas não infirmam as conclusões nela alcançadas.
5.1. Em primeiro lugar, quanto à questão prévia relativa ao não esgotamento prévio dos recursos ordinário, entende a reclamante que esta é uma «não questão» porquanto bastaria ao Tribunal Constitucional requisitar ao STJ a decisão que fosse proferida ou então determinar ao STJ que se pronunciasse em primeiro lugar. Isto, para habilitar o Tribunal Constitucional a proferir uma decisão substantiva (de mérito).
Desde logo, verifica-se que as diligências sugeridas na presente reclamação ao Tribunal Constitucional - com vista a obter a prolação de uma decisão prévia do Supremo Tribunal de Justiça quanto aos incidentes pós decisórios - não encontram base jurídica na Lei que regula a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (LTC), aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, não sendo assim admissível o exercício de tais poderes junto do Supremo Tribunal de Justiça ou de qualquer outro tribunal.
De todo o modo, caberia à recorrente, em qualquer caso, o ónus de cumprir os pressupostos de admissibilidade dos recursos de fiscalização da constitucionalidade no momento da interposição do recurso. O juiz não pode conhecer do mérito sem que previamente se tenha assegurado que os pressupostos processuais se encontram preenchidos e é esse o dever que lhe é imposto, não lhe competindo suprir por sua iniciativa a falta de qualquer desses pressupostos.
Mas, mesmo na hipótese de se pretender tão só que a pendência dos pedidos de «esclarecimentos com reforma» dos Acórdãos de 30/01/2013 e de 21/03/2013 não afetasse o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional – se este fosse apreciado após a decisão daqueles pedidos e, assim, quando as decisões recorridas já se encontrassem consolidadas - também não poderia ser atendida a pretensão da ora reclamante.
Como é sabido, a lei processual - in casu, a LTC - estabelece determinados requisitos indispensáveis para que o tribunal se possa pronunciar e decidir sobre o mérito da causa e, deste modo, alcançar o fim principal imediato do processo. Os pressupostos processuais são «questões prévias» que ao juiz importa primeiramente resolver para conhecer de mérito, pelo que têm de ser apreciadas prioritariamente como condição de admissibilidade da apreciação do mérito da causa.
Tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a admissibilidade do recurso depende, entre outros requisitos cumulativos, do esgotamento dos meios normais impugnatórios da decisão recorrida (n.º 2 do mesmo artigo).
Não releva para o juízo de admissibilidade do recurso com fundamento no pressuposto em causa a possibilidade de o incidente pós-decisório ser entretanto objeto de uma decisão pelo tribunal a quo, uma vez que a verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso para este Tribunal, nos termos expostos, deve ser efetuada por referência à data de interposição do recurso de constitucionalidade mediante a apresentação do requerimento respetivo no tribunal a quo e não a qualquer data posterior, seja a data da sua admissão pelo tribunal recorrido ou pelo Tribunal Constitucional, seja o momento em que este proceda à apreciação do mérito do recurso (tendo aguardado pela decisão do incidente em causa para o efeito).
Assim, sufraga-se integralmente o entendimento vertido na decisão sumária reclamada, segundo a qual a recorrente interpôs recurso de constitucionalidade num momento processual em que ainda não tinha ocorrido o esgotamento integral dos meios ordinários de impugnação da decisão recorrida. Deste modo, não se mostra cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, que exige que o recurso de constitucionalidade seja interposto de uma decisão que não admita recurso ordinário.
Recorde-se que no caso de recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como é o caso, a exigência contida no n.º 2 do artigo 70.º da LTC visa não apenas garantir que a decisão recorrida expressa a última palavra de um tribunal comum acerca de determinada questão de inconstitucionalidade normativa e sobre a qual se irá pronunciar, em recurso, o Tribunal Constitucional, mas também que o juízo de constitucionalidade do Tribunal Constitucional não venha a ser subsequentemente prejudicado – e despojado dos seus efeitos – por uma decisão posterior, tomada por um outro tribunal comum de recurso, mesmo que este versasse sobre outro fundamento de impugnação da decisão recorrida, pois também nesse caso o eventual juízo de inconstitucionalidade normativa, a proferir pelo Tribunal Constitucional, ver-se-ia desprovido de qualquer eficácia intraprocessual.
Em suma, não tendo sido assegurado, nos termos do n.º 2 do artigo 70.º da LTC, o prévio esgotamento dos recursos ordinários, e sendo os requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade de verificação cumulativa, mais não resta que confirmar a decisão reclamada de não conhecimento do objeto do recurso.
5.2. Todavia, mesmo que assim não fosse, também não procederiam os argumentos aduzidos para impugnação da decisão reclamada na parte em que considerou não verificado outro pressuposto de admissibilidade do recurso – o relativo à colocação de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Na decisão sumária reclamada concluiu-se, a partir da análise das peças processuais nas quais alegadamente foi suscitada a questão de constitucionalidade, que «a recorrente não pretende que o Tribunal exerça um controlo da constitucionalidade com natureza normativa. Daquele teor decorre que a recorrente não se conforma com as decisões objeto de recurso, imputando a pretensa violação de normas constitucionais às mesmas».
Também a este respeito não se mostra impugnada a conclusão alcançada na decisão reclamada, limitando-se a recorrente (ora reclamante) a expressar a sua discordância sem aduzir todavia argumentos que pudessem fundar conclusão diversa.
Com efeito, sustenta apenas a reclamante que «quer o texto do instrumento de recurso quer as referidas 4 peças apresentadas pela recorrente suscitaram a questão de inconstitucionalidade e da ilegalidade de modo processualmente adequado perante os Tribunais que proferiram as decisões recorridas, em termos de estes estarem obrigados a dela conhecer, até porque nos feitos submetidos a julgamento não podem os Tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados.
Por sua vez, os Tribunais sendo independentes estão sujeitos à lei. (arts. 203.º e 204.º da Lei Fundamental)
Donde, a recorrente fez o seu trabalho de casa, juntando inclusivamente o douto parecer do Professor Doutor António Menezes Cordeiro, atacando as ilegalidades praticadas pelas instâncias, competindo agora ao Venerando Tribunal Constitucional apreciar e decidir essas ilegalidades e inconstitucionalidades, suprindo quaisquer deficiências que sempre existem e existirão em todo e qualquer trabalho ou tarefa humana.
Na verdade num Estado de direito democrático e social, a ordem jurídica não é composta só por mecanismos legais e regulamentares, porquanto integra princípios constitucionais.
E os Tribunais não podem aplicar normas que julguem inconstitucionais (ou ilegais).» (fls. 2247-2249).
Assim sendo, verificada e não infirmada a falta de objeto normativo do recurso de constitucionalidade interposto – pressuposto essencial para o exercício do poder de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas pelo Tribunal Constitucional -, que não é configurado na Constituição portuguesa (artigo 280.º, CRP) como um «recurso de amparo» ou uma «queixa constitucional» (como, aliás, expressamente reconhecido pela reclamante, que sugere a propósito a necessidade de uma revisão constitucional), não se pode conhecer do objeto do recurso.
6. No demais, a argumentação constante da reclamação não se mostra relevante para a (re)apreciação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto, termos em que, e na sequência do ponderado supra, resta concluir pela inadmissibilidade da presente reclamação.
III. Decisão
7. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, nos termos do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 20 de novembro de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.