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Processo n.º 209/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. No âmbito do presente procedimento cautelar de arresto intentado por A., S.A., contra, entre outros, as oras recorrentes B., C., Lda, D., S.A., e E., Lda, notificadas da conta de custas de fls. 2032, que apurou o valor de 61.022,80€ de custas da sua responsabilidade, vieram reclamar da mesma, peticionando, ao abrigo do disposto no artigo 27.º, n. 3, do Código das Custas Judiciais (CCJ), a dispensa do pagamento de taxa de justiça pelo valor da causa em excesso de 250.000,00€, e bem assim a reforma da conta por incorreções nas operações desenvolvidas.
Por decisão proferida pela 1.ª Vara, 1.ª Secção, das Varas Cíveis de Lisboa, em 2 de maio de 2011, foi indeferida a peticionada dispensa e dado provimento parcial ao pedido de reforma da conta, na sequência do que foi apurado novo montante de custas devidas pelas recorrentes, no valor de 24.012,40€.
Irresignadas, as recorrentes interpuseram recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Lisboa. Nesse Tribunal, por acórdão de 17 de maio de 2012, foi negado provimento ao recurso.
2. Inconformadas, as recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional desse acórdão, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, através de requerimento com o seguinte teor:
«A. e outras, RR. nos autos à margem referenciados em que é A. A. S.A., , notificadas do douto Acórdão de fls que julgou improcedente o recurso interposto da douta decisão que conheceu da reclamação da conta de custas apresentada pelas ora Recorrentes, aplicando (por entender que não é inconstitucional) a norma do artigo 13 do Código das Custas Judiciais (CCJ), cuja inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações de recurso (cfr nºs 25 a 30 e 45 a 49 do corpo das alegações e conclusões 7 a 10) na sequência do que fora alegado nos nºs 13 e 14 da reclamação da conta de custas, sendo a inconstitucionalidade questão de conhecimento oficioso do Tribunal em virtude de a função jurisdicional abranger a fiscalização da Constituição nos termos dos artºs 204 e 281 da CRP, como tem sido maioritariamente decidido pela Jurisprudência, vêm, ao abrigo do artº 70 nº 1. al. b) e 75 nº 2 da Lei 28/82, dele interpor recurso para Tribunal Constitucional, por violação dos artºs 20º, 204 e 266 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que requer a V. Exa se digne admitir o recurso, seguindo-se os ulteriores trâmites até final.[…]»
3. Na sequência do determinado no Acórdão deste Tribunal n.º 83/13 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt, como os adiante referidos), o recurso foi admitido.
4. Prosseguindo o recurso, apenas as recorrentes apresentaram alegações, com o seguinte remate conclusivo:
«1 - O art. 13º e tabela anexa do C. das Custas Judiciais (na versão do D.L. nº 264/2003) - com base no qual foi elaborada a conta de custas em causa - é inconstitucional por violação dos art.ºs 20º, 204º e 266º da Constituição da República Portuguesa;
2 - Tal norma viola os princípios constitucionais da proporcionalidade (ou proibição do excesso) e do acesso à Justiça, ao permitir que as custas sejam determinadas exclusivamente em função do valor da ação, não tendo em consideração, designadamente, a complexidade da causa e a conduta das partes;
3 - Com efeito, a circunstância das custas serem calculadas automática e ilimitadamente de acordo com o valor da causa, permite que se atinjam valores de elevadíssimo montante, manifestamente desproporcionados em relação ao custo dos serviços prestados;
4 - Inconstitucionalidade que se verifica independentemente do poder que é conferido ao Juiz no nº 3 do art. 27º do CCJ (na redação dada pelo D.L. nº 264/2003);
5 - Tal faculdade corresponde a um mero poder do Juiz, unicamente dependente da sua vontade e/ou arbítrio;
6 - Nessa medida, esse poder é insindicável, não fixando a lei critérios objetivos para o seu exercício;
7 - Assim, no caso dos presentes autos o valor concretamente cobrado afigura-se exageradamente elevado, atendendo aos rendimentos médios de um cidadão português, e flagrantemente desproporcionado em relação ao custo dos serviços prestados, pois que as custas da responsabilidade das Recorrentes respeitam apenas à procedência de um recurso de agravo interposto para o Supremo Tribunal de Justiça pela parte contrária, o qual revestia manifesta simplicidade, estando em causa o conhecimento de uma única questão de índole processual;
8 - Portanto, se mais não houvesse, para que o valor das custas concretamente cobrado se possa conter dentro dos parâmetros constitucionais, sempre haverá que fazer uso daquilo que se tem vindo a designar por “controlo da evidência”.
9 - Por tudo, pois, no caso concreto a aplicação do art. 13º do CCJ e da Tabela anexa revela-se desconforme com os princípios constitucionais, devendo por isso ser decretada a sua inconstitucionalidade.
Termos em que, com os mais que resultarão do douto suprimento de V. Exas, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, declarar-se inconstitucional o art. 13º (e tabela anexa) do Código das Custas Judiciais (na redação do D.L. nº 264/2003), por violação dos art.ºs 20º e 266º da Constituição da República Portuguesa), e determinar-se, por conseguinte, a reformulação da decisão recorrida, em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade declarado, como é de Justiça.»
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
5. O presente recurso de constitucionalidade versa, como se afirma no Acórdão n.º 83/13, norma do artigo 13.º do CCJ, aplicada na decisão recorrida como padrão normativo operante da elaboração da conta de custas e liquidação da taxa de justiça.
Porém, os termos da questão colocada no requerimento inicial – peça processual que define, de acordo com o princípio do dispositivo, o objeto do recurso - e o seu confronto com as alegações apresentadas, determinam esforço de precisão adicional sobre o âmbito do presente recurso.
5.1. Com efeito, sendo seguro que as recorrentes pretendem ver apreciada a conformidade constitucional de norma alojada no apontado preceito, verifica-se das alegações apresentadas que apontam a pretensão de apreciação pelo Tribunal Constitucional igualmente à “tabela anexa”. Essa menção, que não se encontra no requerimento de interposição de recurso, suscita a dúvida sobre o seu sentido, na medida em que do preceituado nessa tabela decorre uma pluralidade de dimensões normativas autónomas, mormente os valores que definem cada um dos escalões, as taxas que lhe correspondem e, ainda, a taxa que incide sobre os valores superiores a 250.000€.
Por outro lado, denota-se que as recorrentes, à semelhança do que haviam suscitado nas alegações dirigidas ao Tribunal da Relação de Lisboa, para que remetem no requerimento de interposição de recurso, associam essa referência ao decidido no Acórdão n.º 471/07, que transcrevem parcialmente. Ora, esse aresto ponderou redação do Código das Custas Judiciais distinta daquela aplicada na decisão recorrida, decorrente do Decreto-Lei n.º 342/2003, pelo que não se pode encontrar nessas passagens intenção de questionamento do mesmo quadro normativo considerado naquele aresto. Aliás, as recorrentes admitem expressamente nas alegações que o contexto normativo é aqui distinto, fruto do preceituado no n.º 3 do artigo 27.º do CCJ, na redação que lhe foi conferida pelo legislador de 2003.
Assim sendo, o sentido normativo questionado carece de ser encontrado no plano coincidente entre o problema de constitucionalidade colocado à apreciação do Tribunal recorrido, os termos do requerimento de interposição de recurso e as alegações de recurso apresentadas neste Tribunal, com referência à redação do artigo 13.º do CCJ e tabela anexa decorrente do Decreto-Lei n.º 342/2003, de 27 de dezembro (não do Decreto-Lei n.º 264/2003, como, por lapso, apontam as recorrentes).
Ora, esse sentido corresponde à aplicação de critério normativo constante do artigo 13.º do CCJ, e mais concretamente do seu n.º 1, em conjugação com a tabela anexa para que remete, de acordo com a qual a base para a fixação dos valores de custas a pagar pelas partes julgadas responsáveis corresponde irrestritamente ao valor da causa, na medida em que comporta a possibilidade de contabilização de valor da causa superior a 250.000,00€ e importa a liquidação de taxa de justiça superior à que corresponde a esse valor da causa. Trata-se, então, de colocar em crise a ausência de um limite superior - de um teto - para a incidência da taxa de justiça acima desse limite, e não propriamente de questionar a conformidade com a Constituição da liquidação da taxa de justiça em função do valor da causa, qualquer que seja.
Nessa medida, outros sentidos normativos contidos no artigo 13.º do CCJ, mormente nos seus n.ºs 2 a 4, assim como dimensões normativas distintas, decorrentes da referida tabela anexa, como sejam os limites e a progressividade dos escalões, bem como as taxas fixadas para cada um, aplicáveis a valores do processo inferiores a 250.000,00€, não encontram a sua conformidade constitucional questionada. Recorde-se que as recorrentes peticionaram junto da 1ª instância, e sustentaram em recurso, que haveria de se limitar (restringir) a taxa de justiça da sua responsabilidade ao montante correspondente a processo com o valor de 250.000€, o que afasta do horizonte da crítica de desconformidade constitucional os critérios normativos pertinentes à liquidação da responsabilidade por taxa de justiça que se quede aquém daquele valor da causa.
5.2. Definido nesses termos o objeto do recurso, o problema encontra pontos de imbricação com a discussão desenvolvida no recurso perante o Tribunal da Relação de Lisboa e decidida pelo acórdão recorrido quanto à verificação dos requisitos exigidos pelo n.º 3 do artigo 27.º do CCJ, de acordo com o qual, nas causas de valor superior a 250.000,00€, se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz dispensar o pagamento do acréscimo da taxa de justiça correspondente ao que excede aquele limiar. Recorde-se que as recorrentes procuraram atingir o efeito jurídico pretendido – reforma das custas e redução do valor a pagar – por duas vias alternativas: uma, por efeito de decisão (positiva) de aplicação do disposto no artigo 27.º, n.º 3 do CCJ; ou por “interpretação restritiva” do artigo 13.º do mesmo código, para o expurgar da apontada desconformidade constitucional (cfr. 9ª conclusão do recurso dirigido ao Tribunal da Relação).
Porém, pese embora o relevo que essa norma – a possibilidade de dispensa que comporta - assume para a resposta à questão normativa de constitucionalidade colocada no plano da incidência tributária, tal conexão não permite identificar esses distintos sentidos normativos, em termos de considerar que ambos integram o thema decidendum, circunscrito à aplicação de sentido normativo comportado no artigo 13.º do CCJ.
Com efeito, as recorrentes não incluíram no requerimento de interposição de recurso questão dirigida à apreciação de critério normativo extraído do artigo 27.º, n.º 3, do CCJ, em termos autónomos ou na sua articulação com outro preceito, como seja o questionado artigo 13.º do mesmo código. O que significa que o juízo de improcedência do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa no que tange à pretensão de ver aplicada essa dispensa, transitou em julgado, vedando qualquer pronúncia deste Tribunal nesse plano, como pretendido nas alegações.
Note-se, ainda assim, que as recorrentes procuraram nessa peça ver sufragada interpretação daquele preceito distinta daquela acolhida e aplicada pelo Tribunal a quo. Enquanto para as recorrentes essa norma contempla mera faculdade do juiz, inscrita em esfera de arbitrariedade judicial, sem critérios objetivos e precisados e com a condição de ato insindicável (conclusões 4ª a 6ª), o Tribunal a quo configurou a norma como poder-dever, conheceu do recurso e afastou a pretendida dispensa em função da inverificação no caso concreto dos respetivos requisitos, em especial o requisito da menor complexidade. A apreciação da bondade desse juízo, mesmo que estivesse questionada a conformidade constitucional da norma reportada ao n.º 3, do artigo 27.º, do CCJ, sempre estaria afastada, por não comportada pela fiscalização concreta cometida a este Tribunal pela alínea b), do n.º 1, do artigo 280.º da Constitucional.
Cumpre, então, cingir, na sequência do decidido no Acórdão n.º 83/13, o conhecimento de mérito do recurso a efetuar, à apreciação da conformidade constitucional da norma constante do n.º 1 do artigo 13.º do CCJ, em articulação com a tabela anexa, para que remete, na dimensão normativa que estipula acréscimo (remanescente) do montante de taxa de justiça a pagar pela parte responsável quando o valor da causa excede o montante de 250.000,00€. Norma essa a que as recorrentes apontam violação dos artigos 20º e 266.º da Constituição.
6. Diz o n.º 1 do artigo 13.º do CCJ, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro:
Artigo 13.º
Base de cálculo da taxa
1. Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, a taxa de justiça é, para cada parte, a constante da tabela do anexo I, sendo calculada sobre o valor das ações, incidentes com a estrutura de ações, procedimentos cautelares ou recursos.
2. (...)
3. (...)
4. (...)
A remissão para a tabela anexa encontra correspondência, no que interessa à questão colocada, no escalonamento dos valores de taxa de justiça até ao montante de 250.000,00€, e na estipulação de que “para além de €250 000, à taxa de justiça do processo acresce, por cada €25 000 ou fração, 5 Uc, a final”.
É com referência a esse acréscimo que as requerentes sustentam a violação do princípio da proporcionalidade e do acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva, a partir do argumento de que “a circunstância das custas serem calculadas automática e ilimitadamente de acordo com o valor da causa, permite que se atinjam valores de elevadíssimo montante, manifestamente desproporcionados em relação ao custo dos serviços prestados”.
7. O Tribunal Constitucional já por diversas vezes teve a oportunidade de se pronunciar sobre normas respeitantes à incidência de taxa de justiça, recaindo essa apreciação, no que aqui releva, no problema da sua qualificação como imposto ou como taxa (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 8/00, 349/02, 227/07, 301/09 e 151/11) e nos critérios de fixação do seu montante (cfr., por exemplo, Acórdãos n.ºs 352/91, 1182/96, 521/99, 349/02, 708/05, 227/07, 255/07, 471/07 e 301/09).
Assim, e no que respeita à primeira questão, assente que o critério base de distinção constitucional entre imposto e taxa reside no caráter unilateral ou bilateral do tributo, apresentado o imposto estrutura unilateral e a taxa estrutura bilateral ou sinalagmática, o que implica, neste caso, a existência de uma correspetividade entre a prestação pecuniária a pagar e a prestação de um serviço pelo Estado ou por outra entidade pública, o Tribunal Constitucional tem concluído uniformemente que o tributo instituído como “taxa de justiça” merece o enquadramento na figura da “taxa”, já que, nas palavras do Acórdão n.º 301/09, 'consubstancia a contrapartida pecuniária da utilização do serviço da administração da justiça'.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional também já afirmou, por diversas vezes, que a referida bilateralidade não implica uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar pelo utente desse serviço. Nesta matéria, conforme afirmado no Acórdão n.º 349/02, “o que é exigível é que, de um ponto de vista jurídico, o pagamento do tributo tenha a sua causa e justificação - material, e não meramente formal -, na perceção de um dado serviço”. Até porque, como observa Alberto Xavier, do ponto de vista económico só casualmente se verifica equivalência precisa entre o quantitativo da taxa e o custo da atividade pública ou o benefício auferido pelo particular, aliás muitas vezes indetermináveis por não existir um mercado que os permita exprimir objetivamente (cfr. Manual de Direito Fiscal, 1974, I, págs. 43-44).
No que toca à questão respeitante aos critérios de fixação do montante da taxa de justiça, tem também o Tribunal Constitucional considerado que, não impondo a Constituição a gratuitidade da utilização dos serviços de justiça, o legislador dispõe de uma larga margem de liberdade de conformação, naturalmente limitada por imposições constitucionais como as da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição) e da tutela do acesso ao direito e à justiça (artigo 20º da Constituição). No domínio das custas judiciais, o legislador ordinário não pode deixar de ponderar a sua vinculação constitucional decorrente da consagração do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais constante do artigo 20.º da Constituição. Encontra-se em questão um bem essencial à própria realização e efetivação do Estado de direito democrático: a obtenção de tutela jurisdicional efetiva e plena dos direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos, que ficará restringida pela fixação de taxas de tal forma elevadas que percam toda a conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado e, na prática, impeçam o cidadão dotado de recursos medianos de aceder à justiça.
Escreveu-se a este propósito no Acórdão n.º 352/91 deste Tribunal):
“O direito de acesso aos tribunais não compreende (…) um direito a litigar gratuitamente, pois (…) não existe um princípio constitucional de gratuitidade no acesso à justiça (cfr., neste sentido, também o Acórdão n.º 307/90, Diário da República, II Série, de 4 de março de 1991).
O legislador pode, assim, exigir o pagamento de custas judiciais, sem que, com isso, esteja a restringir o direito de acesso aos tribunais. E, na fixação do montante das custas, goza ele de grande liberdade pois é a si que cabe optar por uma justiça mais cara ou mais barata.
Essa liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite — limite que é o de a justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário.
É que, o nosso ordenamento jurídico concebe o sistema de apoio judiciário como algo que apenas visa garantir o acesso aos tribunais aos economicamente carenciados, e não como um instrumento ao serviço também das pessoas de médios rendimentos (salvo, naturalmente, se estas houverem de intervir em ações de muito elevado valor).
Na fixação das custas judiciais, há de, pois, o legislador ter sempre na devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos de modo a não tornar incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois, se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável ou especialmente gravoso, violar-se-á o direito em causa.
(…)
Como todas as decisões legislativas, as decisões que o legislador tome em matéria de custas no que concerne ao quantum delas, são, obviamente, sindicáveis sub specie constitutionis. Mas, ao menos em geral, como decorre do que vem de dizer-se, tais decisões só haverão de ser taxadas de constitucionalmente ilegítimas quando inviabilizem ou tornem particularmente oneroso o acesso aos tribunais para o cidadão médio.”
7. Em virtude dos variados critérios utilizados para a fixação da taxa de justiça devida pela tramitação do processo, constantes da Tabela de Emolumentos e Salários Judiciais, aprovada pela Lei de 13 de maio de 1896, e, depois, das tabelas de Emolumentos Judiciais, aprovadas pelos Decretos n.ºs 8436, de 21 de outubro de 1922, 10 291, de 13 de novembro de 1924, e 13 978, de 25 de julho de 1927, e até à aprovação do Decreto-Lei n.º 25 882, de 1 de outubro de 1935, vigorou em Portugal o sistema da taxa de justiça prevista na lei para cada ato processual, sendo as custas da ação constituídas pela soma das taxas fixadas para os vários atos que se haviam realizado no processo.
No entretanto, os Decretos-Lei n.ºs 22 780, de 29 de junho de 1933, e 24 090, de 29 de junho de 1934, sem eliminarem o aludido sistema de contagem, estabeleceram para certos casos o critério da taxa fixa proporcional ao valor da causa.
O referido Decreto-Lei n.º 25 882, de 1 de outubro de 1935, generalizou o regime da taxa fixa proporcional ao valor da causa, sendo este o critério que, desde então, vigora como regra, moderado por normas de redução.
8. O artigo 13.º do CCJ, na sua versão originária, decorrente do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, dispunha, no seu n.º 1, que “[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, a taxa de justiça é a constante da tabela anexa, sendo calculada sobre o valor das ações, dos incidentes ou dos recursos”.
Essa tabela anexa fixava o valor da taxa de justiça em montante determinado em função do valor da ação, incidente ou recurso, prevendo escalões até ao valor de 10 000 contos. A partir daí, o acréscimo era calculado de acordo com a regrar de que “[p]ara além de 10 000 contos: por cada 1000 contos ou fração, 10 contos de taxa de justiça” (valores ulteriormente convertidos em euros, por força do Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de dezembro).
Note-se que, atenuando este critério da taxa de justiça fixa proporcional ao valor da causa, consagrado como regra, o CCJ, na sua versão originária, continha já normas específicas de redução da taxa de justiça em função da natureza das espécies processuais, da hierarquia do respetivo tribunal ou da fase do termo do processo (cfr. artigos 14.º, 15.º, 17.º, 18.º e 19.º). E, em termos excecionais, o artigo 16.º acolhia a fixação pelo juiz de outros valores, entre os limites aí estabelecidos, em situações incidentais inominadas ou incidentes tipificados ou configurados na lei como tais que não assumissem utilidade económica efetiva ou quantificável.
Estava ainda previsto que nas causas de valor superior a 40 milhões de escudos não era considerado o excesso para efeito do cálculo da taxa de justiça inicial e subsequente (n.º 3 do artigo 27º).
9. Nesse quadro normativo, o Tribunal Constitucional, chamado a apreciar a conformidade constitucional do critério elegido de crescimento ilimitado do montante da taxa de justiça em função do valor da causa com o princípio da proibição do excesso e o direito de acesso à justiça, formulou juízos diversos, de acordo com as taxas de justiça apuradas como resultado da aplicação da tabela legal, segundo o princípio do controlo de evidência quanto à desproporção dos valores contados e concretamente exigidos.
Assim, dentre os mais recentes, emitiram um juízo de inconstitucionalidade os Acórdãos n.ºs 227/07, 471/07, 116/08 e 266/10, tendo a censura recaído sobre a ausência de previsão de um limite máximo ao valor da taxa de justiça, calculada exclusivamente em função do valor da ação, e na excessividade patente do concreto montante a pagar. Todavia, em todos esse arestos deixou-se exarado que a conclusão de violação dos apontados parâmetros constitucionais - e o recurso a critério de evidência - decorria da ausência de previsão, no regime ponderado, de intervenção corretiva do juiz quanto ao montante de taxa de justiça em questão, “tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o [seu] caráter manifestamente desproporcionado” (cfr. Acórdão n.º 266/10), como aquela constante do n.º 3, do artigo 27.º do CCJ, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 343/2003, de 27 de dezembro (cfr. Acórdão n.º 227/07).
Por sua vez, os Acórdãos n.ºs 301/09 e 151/11, numa valoração contextualizada, concluíram que o critério legal não conduzia a uma taxa de montante manifestamente excessivo e desproporcionado, não sendo, por isso, relevante o não acolhimento de um limite máximo e a não atendibilidade, em concreto, da natureza e da complexidade do processo, já que, no caso, tais fatores corretivos não iriam atuar restritivamente.
Cabe acrescentar que, em face da primitiva redação do CCJ, a exigência de proporcionalidade em matéria de custas judiciais foi também afirmada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no seu acórdão de 16 de novembro de 2010, proferido no caso Perdigão v. Portugal (Queixa n.º 24768/06), onde se concluiu que os requerentes haviam suportado, a título de custas judiciais, um montante excessivo, porque afastado do justo equilíbrio que deve reinar entre o interesse geral da comunidade e os direitos fundamentais do indivíduo.
10. Após a publicação do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, quadro normativo aplicável aos presentes autos, o regime de custas constante do CCJ continuou a consagrar, como regra, o sistema da taxa de justiça fixa prevista na lei, proporcional ao valor da causa. Foi, contudo, atenuado o funcionamento dessa regra por efeito não apenas normas que estabelecem a redução ou valor inferior de taxa de justiça em função da natureza das espécies processuais, da hierarquia do respetivo tribunal, da fase em que terminem e da utilização pelas partes do sistema de transmissão eletrónica na prática de atos processuais (artigos 14.º, 15.º, n.ºs 1 a 3, 18.º, n.º 2, 19.º e 27.º, n.º 4), mas também de normas vocacionadas genericamente para o afastamento de tributação excessiva, como aquelas constantes do artigo 16.º, e em particular pela já referida nova redação do artigo 27.º, n.º 3, todos do CCJ.
Aliás, essa preocupação cautelar do legislador, no sentido de evitar a cobrança de taxas de justiça desproporcionadas, encontra expressão clara no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro: “(…) tendo em conta que, atualmente, dois processos de igual valor, mas de complexidade e carga de trabalho completamente diferentes, são, em regra, tributados pelo mesmo valor, consagra-se a faculdade de o juiz isentar do pagamento de taxa de justiça (…) nas ações de maior valor, designadamente quando o trabalho exigido ao tribunal e a complexidade das questões a ele submetidas sejam de menor monta.”
Temos, então, que o quadro normativo decorrente do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, relevante para a decisão da questão colocada, não confirma o pressuposto em que se alicerça toda a argumentação das recorrentes. Do artigo 13.º do CCJ, na redação aplicada na decisão recorrida, não resulta que a tabela anexa ao respetivo código seja “automática e inapelavelmente” aplicada, mormente no que concerne ao valor remanescente a pagar em processos de valor superior a 250.000,00€.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 13.º do CCJ contém ressalva expressa do “disposto nos artigos seguintes”, o que impõe a sua articulação sistemática com as normas subsequentes, designadamente com aquelas constantes do artigo 27.º do mesmo Código.
Desde logo, o n.º 1 desse preceito continua a prever um limite relevante para efeitos de cálculo do montante da taxa de justiça inicial e subsequente nas causas de valor processual superior a 250.00,00€ e estatui, para essa hipótese, que não será considerado o excesso para o efeito do cálculo desses pagamentos. Em consequência, as partes litigantes em causas que ultrapassem o referido valor não são confrontadas no seu decurso com a exigência de pagamento imediato de valor mais elevado do que aquele correspondente ao apontado limite.
Esse valor remanescente, correspondente à diferença entre os valores pagos como preparo inicial e subsequente de acordo com valor da causa fixado em 250.000,00€ e o montante correspondente ao cálculo integral da taxa de justiça de acordo com o valor efetivo da causa para efeito de custas, será apenas considerado e exigido a partir da conta final (n.º 2 do artigo 27.º do CCJ), salvo se o processo terminar antes de concluída a fase de discussão e julgamento, caso em que não é devido (n.º 4 do artigo 27.º do CCJ).
Releva em particular para a questão de constitucionalidade colocada que, quando possa ter lugar tributação incidente sobre a parcela de valor da causa superior a 250.000,00€, o legislador instituiu, no n.º 3 do mesmo artigo 27.º do CCJ, a possibilidade de dispensa pelo juiz de pagamento do remanescente em relação a esse limiar. Diz o preceito que: “Se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente”.
Embora estatuída como um poder, a verificação pelo juiz dos requisitos dessa intervenção moderadora da taxa de justiça e de calibragem do sistema de custas judiciais configurou-se claramente como poder vinculado e como questão a conhecer oficiosamente. Assim o diz Salvador da Costa, ainda que em termos críticos quanto à sua justificação e ao momento processual adequado à sua apreciação: “A lei nem sequer faz depender de requerimento das partes a intervenção do juiz no referido sentido, pelo que importa concluir que o pode fazer a título oficioso, naturalmente na sentença ou no despacho final”. O que não exclui, como refere de seguida, que a questão possa ser colocada pelas partes em incidente de reforma da decisão quanto a custas (cfr. Código das Custas Judiciais, Anotado e Comentado, 7ª edição, p. 207).
Assim, do artigo 13.º do CCJ, na redação e contexto normativo aplicados na decisão recorrida, não resulta que a tabela anexa ao respetivo código seja “automática e inapelavelmente” aplicada, mormente no que concerne ao valor remanescente a pagar em causa de valor superior a 250.000,00€. Ainda que os valores de taxa de justiça cobrados acompanhem linearmente o trajeto de acréscimo do valor da causa – o que consente a afirmação de automatismo -, o resultado atingido não é inapelável pois encontra, a partir do apontado limite de 250.000,00€, remédio jurídico capaz de impedir a cobrança de valores desproporcionados (excessivos). E, remédio jurídico que as partes podem mobilizar, como aconteceu nos presentes autos com as recorrentes.
Do mesmo jeito, cumpre afastar a insindicabilidade de tal apreciação. As recorrentes impugnaram junto do Tribunal da Relação a não aplicação ao caso desse normativo, vendo o mérito do recurso conhecido nessa parte, ainda que culminando com sentido decisório que lhes foi desfavorável.
Por outro lado, e como se referiu supra, não tendo as recorrentes formulado questão de constitucionalidade dirigida a sentido normativo extraído do preceituado no n.º 3 do artigo 27.º, do CCJ, não cabe aqui apreciar a argumentação fundada na ausência de “critérios objetivos para o seu exercício” ou o acerto da consideração de reconhecimento da “inexistência dos referidos critérios e a subsequente inconstitucionalidade da norma” pelo legislador do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro. Diga-se apenas que não se encontra no diploma qualquer sinal de tal propósito legislativo.
Perante a apontada possibilidade de intervenção do juiz no afastamento do montante de custas a pagar em função da ultrapassagem do valor da causa correspondente a 250.000,00€, não se vê que o questionado sentido normativo do disposto no artigo 13.º, n.º 1 do CCJ mereça a crítica de violação do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso ao direito e à justiça. O funcionamento articulado dos critérios normativos contidos no artigo 13.º e no n.º 3 do artigo 27.º, ambos do CCJ, e na tabela anexa, respeita as dimensões do princípio da proporcionalidade, em matéria de custas, especificados no Acórdão n.º 608/99: «equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício»; responsabilização de cada parte pelas custas «de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional»; ajustamento dos «quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respetiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes».
Note-se que, colocado perante problema similar, de confronto entre a norma resultante dos artigos 13.º e tabela anexa, 16.º e 18.º do CCJ, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, e os artigos 20.º, 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, o Tribunal Constitucional concluiu, no Acórdão n.º 534/11, pela prolação de juízo de não inconstitucionalidade. Considerando o bloco legal onde sistematicamente se inserem tais disposições, entendeu-se no referido aresto não ser possível afirmar que o critério legal conduzia a uma taxa desrespeitadora de um limite de admissibilidade, estando claramente previstos mecanismos especiais de redução do montante da taxa de justiça nos artigos 14.º e 15.º do citado CCJ. Esse mesmo entendimento é transponível para o sentido normativo questionado nos presentes autos, tendo em atenção a possibilidade de dispensa do remanescente a pagar, face ao que foi satisfeito como preparo, contemplada no n.º 3 do artigo 27.º do CCJ.
É certo que no caso dos autos essa possibilidade foi negada às recorrentes, mas daí não resulta a sua remoção do quadro normativo pertinente. Significa tão somente que o juízo subsuntivo casuístico foi negativo, decisão que, repete-se, não cabe a este Tribunal sindicar.
Concluímos, pois, que o critério normativo que determina a fixação das custas em proporção direta ao valor da causa, com possibilidade legal de dispensa, em sede de conta final, do pagamento de taxa de justiça relativamente ao montante que excede o valor tributário de 250.000,00€, não se revela desproporcionado (artigo 18.º, n.º 2 da Constituição), nem introduz limitação intolerável no acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da Constituição).
Afastada a violação dos parâmetros constitucionais invocados pelas recorrentes, ou de quaisquer outros, cumpre concluir pela improcedência do recurso.
III. Decisão
11. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 13.º do Código das Custas Judiciais, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 342/2003, de 27 de dezembro, na parte em que estipula o acréscimo do montante de taxa de justiça a pagar pela parte responsável quando o valor da causa excede o montante de 250.000,00€;
b) Julgar improcedente o recurso;
c) Condenar as recorrentes nas custas, que se fixam, atendendo atenção à dimensão do recurso e ao o critério seguido por este Tribunal, em 25 (vinte e cinco) Ucs.
Lisboa, 22 de outubro de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins – Pedro Machete – João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro.