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Processo n.º 434/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Por sentença de 15 de setembro de 2011, proferida no âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão com o n.º 6/07.9GABCL, foi o arguido A. condenado como autor material de um crime de usurpação, previsto e punido pelos artigos 195.º, n.º 1, e 197.º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC), na pena de 6 meses de prisão, substituída por 280 dias de multa à taxa diária de €4,00 e em 190 dias de multa à mesma taxa diária e, em cúmulo jurídico, na pena única de 470 dias de multa à taxa diária de €4,00, perfazendo a quantia de €1.880,00.
Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 6 de fevereiro de 2013, concedeu parcial provimento ao recurso interposto, declarando a invalidade da perícia efetuada, nos termos dos artigos 154.º, n.º 3, e 123.º do Código de Processo Penal, determinando a sua repetição, considerando prejudicado todo o demais processado em relação ao arguido/recorrente.
Recorreu então o arguido A. para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:
«A., notificado do seu douto despacho com data de 04ABR13, vem do douto acórdão com data de 06FEV13 interpor recurso de apreciação concreta da constitucionalidade para o insigne Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 280º n.º 1 alínea b) da Constituição da República Portuguesa e 70º n.º 1 da alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro.
O presente recurso vem interposto:
I Do artigo 178 n.º 5 do CPP violar o artigo 32 n.º 1 da CRP por encurtamento das garantias de defesa do respetivo arguido quando interpretado no sentido de considerar que o não cumprimento do disposto neste artigo não constitui uma nulidade prevista no artigo 120 n.º 2 d) do CPP (1.ª parte).
II Do artigo 174 n.º 5 c) do CPP violar o artigo 32 n.º 1 da CRP por encurtamento das garantias de defesa do respetivo arguido quando interpretado no sentido de ser possível a sua aplicação sem que tenha ocorrido a detenção (por força da situação de flagrante delito a que corresponda pena de prisão) do respetivo arguido.
III Do artigo 178 n.º 5 do CPP violar o artigo 32 n.º 1 da CRP por encurtamento das garantias de defesa do respetivo arguido quando interpretado no sentido de não resultar a obrigatoriedade no prazo aposto naquele número e preceito legal quer para o OPC de apresentar a apreensão à autoridade judiciária competente com vista à sua validação quer para a autoridade judiciária competente validar a respetiva apreensão.
IV Do artigo 178 n.º 5 do CPP violar o artigo 32 n.º 1 da CRP por encurtamento das garantias de defesa do respetivo arguido quando interpretado no sentido do prazo previsto naquele preceito legal ter a natureza de prazo de mera ordenação processual e consequentemente não ter qualquer reflexo relativamente à validade das respetivas a preensões.
(sem prejuízo e a título subsidiário relativamente à 1.ª questão acima identificada)
V Do artigo 178 nº 5 do CPP violar o artigo 32 n.º 1 da CRP por encurtamento das garantias de defesa do respetivo arguido quando interpretado no sentido da inobservância no prazo aposto no mesmo não constituir irregularidade para efeitos do disposto no artigo 123 n.º 1 do CPP.
VI Do artigo 123 n.º 2 do CPP violar o artigo 32 n.º 1 da CRP por encurtamento das garantias de defesa do respetivo arguido quando interpretado no sentido de permitir a validação elencada no artigo 178 n.º 5 do CPP quando o prazo de apresentação à autoridade judiciário para validação da respetiva apreensão previsto nesse artigo não é respeitado e quando essa validação ocorra no decurso do inquérito antes de ser arguida a respetiva irregularidade.
VII Do artigo 178 n.º 5 do CPP violar o artigo 32 n.º 1 da CRP por encurtamento das garantias de defesa do respetivo arguido quando interpretado no sentido de se considerar cumprido se com a dedução de acusação contra o respetivo arguido se incluir nos meios de prova da dita acusação a concreta apreensão.
VIII Do artigo 174 n.º 2 do CPP violar o artigo 32 n.º 1 da CRP por encurtamento das garantias de defesa do respetivo arguido quando interpretado no sentido de se considerar que um arguido, DJ de serviço, que se encontre para esse efeito numa cabine de som do respetivo estabelecimento comercial não se encontre em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.
IX Do artigo 174 n.º 2 e n.º 3 do CPP violarem o artigo 32 n.º 1 da CRP por encurtamento das garantias de defesa do respetivo arguido quando interpretados no sentido de se considerar que o não cumprimento do disposto nesses números fora das situações previstas no n.º 5 do dito artigo (174 do CPP) não constitui uma nulidade prevista no artigo 120 n.º 2 d) do CPP.
Nota:
As questões III a IX tratam-se de matéria que não poderia ser arguida no recurso apresentado pelo recorrente uma vez que estas questões resultam diretamente e pela primeira vez do decidido no douto acórdão do TRP de 06FEV13 tratando-se consequentemente de matéria nova….
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputadas a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Vejamos agora as questões suscitadas pelo Recorrente, tendo em atenção os aludidos requisitos.
Na primeira questão, enunciada no ponto I. do seu requerimento de interposição de recurso, o Recorrente pretende que seja fiscalizada a constitucionalidade material da norma do artigo 178.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de considerar que o não cumprimento do disposto nesta norma não constitui uma nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), 1.ª parte, do Código de Processo Penal.
Relativamente a esta questão, importa desde logo salientar que a interpretação normativa que o Recorrente pretende sindicar não tem qualquer correspondência com o conteúdo literal da norma do artigo 178.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, onde não se prevê qualquer consequência para o não cumprimento do aí previsto. Assim, quanto muito, o que o recorrente poderia eventualmente pretender sindicar seria a interpretação da norma do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, no sentido de que não constitui a nulidade aí prevista o não cumprimento do disposto no artigo 178.º, n.º 5, do CPP.
No entanto, mesmo que a questão estivesse colocada nestes termos, sempre se colocaria, quanto à mesma, a questão de saber se foi suscitada validamente durante o processo.
A suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade implica, no plano formal, que o Recorrente tenha cumprido o ónus de clara, precisa e expressa delimitação e especificação dos seus termos, envolvendo ainda uma fundamentação, em termos minimamente concludentes, com indicação das razões porque se considera ser inconstitucional a “norma” que pretende submeter à apreciação do tribunal, indicando e deixando claro qual a norma cuja legitimidade constitucional se pretende questionar.
No caso dos autos, o Recorrente fez constar do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional que pretende sindicar a constitucionalidade do artigo 178.º, n.º 5, do Código de Processo Penal por este «violar o artigo 32 n.º 1 da CRP por encurtamento das garantias de defesa do respetivo arguido quando interpretado no sentido de considerar que o não cumprimento do disposto neste artigo não constitui uma nulidade prevista no artigo 120 n.º 2 d) do CPP (1.ª parte)».
Ora, se analisarmos a motivação do recurso dirigido ao Tribunal da Relação, constata-se que não se pode considerar que tenha sido suscitada uma questão de constitucionalidade, de forma clara e percetível, de modo a vincular aquele Tribunal à sua apreciação
Se atentarmos nas alegações de recurso, pode-se ler-se, a este propósito o seguinte:
«Antes de mais não desconhecendo que existem entendimentos contrários continua o recorrente a perfilhar o entendimento (já manifestado nos autos no requerimento que apresentou para esse efeito) de Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do CPP, 2.ª edição atualizada, Universidade Católica, página 491 que entende que a omissão em questão se trata de uma nulidade sanável a arguir nos termos do artigo 120 n.º 2 d) do CPP pelo que tendo sido precisamente o que fez o arguido no referenciado requerimento não pode deixar de discordar do entendimento da douta sentença recorrida e consequentemente defender que a mesma violou o disposto no dito artigo 120 n.º 2 d) do CPP, 178 n.º 3 e 5 e o disposto no artigo 122 n.º 1 e n.º 2 todos do CPP e ainda no artigo 32 n.º 1 e 5 da CRP (quando interpreta no sentido de que a não comunicação tempestiva pelo OPC em questão e subsequente sindicância com vista à validação tempestiva da respetiva apreensão de objetos pela autoridade judiciária competente não encurta as garantias de defesa de arguido ficando privado do controlo pela dita autoridade judiciária competente das apreensões levadas a cabo pelo OPC em questão).»
E, nas conclusões, reafirma-se que «1. A omissão de validação dos objetos de fls. 5 a 75 nos termos do artigo 178º nº 3 e 5 do CPP constitui uma nulidade sanável tempestivamente arguida nos termos do artigo 120º nº 2 d) do CPP tendo consequentemente a douta sentença violado o disposto nos ditos artigos 120º nº 2 d) do CPP, 178º nº 3 e 5 e o disposto no artigo 122º nº 1 e nº 2 todos do CPP e ainda no artigo 32º nº 1 e 5 da CRP quando interpretado no sentido de que a não comunicação tempestiva pelo OPC em questão e subsequente sindicância com vista à validação tempestiva da respetiva apreensão de objetos pela autoridade judiciária competente não encurta as garantias de defesa do arguido (neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do CPP, 2ª edição atualizada, Universidade Católica, página 491)».
Para além de não se vislumbrarem nesta argumentação quais os fundamentos pelos quais o Recorrente entende existir violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, acresce ainda que o arguido parece imputar a inconstitucionalidade a uma interpretação que considerasse que a não comunicação tempestiva pelo OPC em questão e subsequente sindicância com vista à validação tempestiva da respetiva apreensão de objetos pela autoridade judiciária competente não violava os direitos de defesa do arguido, sendo certo que a inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciada é a da interpretação segundo a qual essa omissão não constitui uma nulidade prevista e regulada no artigo 120.º, do Código de Processo Penal.
Daí que não seja possível considerar que o Recorrente tenha suscitado de modo processualmente adequado, perante o tribunal recorrido, a questão de constitucionalidade normativa que agora pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, conforme exige o n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que, não estando preenchido este requisito de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, deverá ser proferida, quanto a esta questão, decisão sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
Com a questão enunciada no ponto II. do seu requerimento de interposição de recurso o arguido pretende que seja fiscalizada a constitucionalidade «do artigo 174.º, n.º 5, alínea c) do CPP quando interpretado no sentido de ser possível a sua aplicação sem que tenha ocorrido a detenção (por força da situação de flagrante delito a que corresponda pena de prisão) do arguido».
Contudo, fazendo-se uma leitura atenta da decisão recorrida, constata-se que a interpretação normativa enunciada pelo recorrente não foi a adotada pelo tribunal a quo e, consequentemente, não chegou a ser efetivamente aplicada como fundamento da decisão recorrida (ratio decidendi).
Para ilustrar esta afirmação, passa-se a transcrever a decisão recorrida, na parte que ora releva:
«b) Quanto à nulidade ou irregularidade da busca que precedeu as apreensões:
Sustenta o recorrente que não tendo ocorrido a detenção de arguido pelo OPC nem tendo sido imediatamente comunicada ao Mº Público, com vista à validação da “detenção” e da subsequente busca, ocorre a nulidade do ato (busca), tendo a decisão recorrida violado o disposto nos artºs. 120º nº 2 al. d), 122º nºs 1 e 2, 126º nº 3, 20º nº 4 e 32º nºs 1 e 5 da CRP e 174º nºs 3 e 5 do C.P.P.
Ora, refira-se, antes de mais, que em momento algum dos autos se faz referência a qualquer busca efetuada pelo órgão de polícia criminal. As apreensões efetuadas a fls. 6 e 75 não foram realizadas na sequência de uma busca.
Por outro lado, tais diligências efetuadas pela autoridade policial não integram o conceito legal de busca a que aludem os artºs. 174º a 177º do C.P.Penal.
Como se sabe, as buscas e as apreensões efetuadas no decurso do inquérito são meios de obtenção de prova, estando sujeitas aos regimes previstos no CPP, respetivamente nos artºs. 174º a 177º (das revistas e buscas) e 178º a 186º (das apreensões).
Quando houver indícios de que os objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca (art. 174º nº 2 CPP).
As buscas (tal como as revistas) são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência - art. 174º nº 3 CPP.
As apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária (art. 178º nº 3 CPP).
A regra é a autorização ou a ordem da busca por despacho da autoridade judiciária competente (art. 174º nº 3 CPP).
Exceções a essa regra são desde logo as previstas no art. 174º nº 4 do CPP e no art. 251º do C.P.P. (medida cautelar de polícia).
Estando em causa o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio9 (art. 34º nº 1 da CRP) – enquanto “forma de tutela do direito à reserva da vida privada”10 (art. 26 nº 1 da CRP) – a busca domiciliária segue o regime previsto no art. 177º do CPP. Assim, conjugando o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 177º do CPP, a busca domiciliária tem de ser ordenada ou autorizada pelo Juiz (juiz que é o garante dos direitos fundamentais) e, só nos casos excecionais previstos no art. 174º nº 5 do CPP, podem ser efetuadas por OPC (órgão de polícia criminal), sendo correspondentemente aplicável o disposto no nº 6 do mesmo preceito (que se refere a situação dependente de validação judicial).
A regra da intervenção jurisdicional em determinados atos na fase de inquérito (arts. 268º e 269º do CPP), v.g. no caso das buscas domiciliárias, justifica-se por estarem em causa direitos fundamentais das pessoas.
O Estado, como titular do ius puniendi, quer que «os culpados de atos criminosos sejam punidos», mas também «está interessado em garantir aos indivíduos a sua liberdade contra o perigo de injustiças»11.
Por isso, também, em processo penal, a “descoberta da verdade material não pode ser obtida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processualmente válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se veem envolvidas”.
A intervenção jurisdicional com vista à tutela e garantia dos direitos fundamentais das pessoas significa, assim, o acolhimento da “afirmação de que o direito processual penal é verdadeiro direito constitucional aplicado”12.
Para autorizar judicialmente uma busca domiciliária (portanto, busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada, a efetuar entre as 7 e as 21 horas) o juiz tem que proceder a uma apreciação dos indícios existentes no caso concreto tendo em vista precisamente a garantia dos direitos fundamentais que possam vir a ser afetados por aquela diligência.
Nesse controlo judicial (cf. arts. 34º nº 2 da CRP, 269º nº 1 al. a) e 177º do CPP), valorando o substrato factual (com base nos indícios existentes nos autos), o juiz vai ponderar os interesses em jogo (por um lado o interesse de uma investigação eficaz e da realização da justiça e, por outro, o direito à inviolabilidade do domicílio) com vista a determinar qual deles deve prevalecer, tendo em atenção o princípio da proporcionalidade.
Porém, todas as cautelas de que se deve revestir a autorização judicial antes de ordenar a realização de uma busca domiciliária, deixam de ter qualquer fundamento quando se trate de realização de uma busca não domiciliária.
Acresce que, como decorre da própria letra do artº 174º nº 2 do CPP, só se pode falar verdadeiramente em “busca”, quando “os objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público”.
Não é o caso, quando os objetos a apreender se encontram num estabelecimento comercial de acesso não reservado e cujo interior e respetivo recheio é perfeitamente visível por qualquer pessoa que nele entre e permaneça.
Assim sendo, o ato em causa, praticado pela autoridade policial apenas é suscetível de integrar o conceito de apreensão, a que aludem os artºs 178º e ss. do C.P.P.
Ora, o artº 178º nº 4 do C.P.P. permite que os órgãos de polícia criminal efetuem apreensões “quando haja urgência ou perigo na demora nos termos previstos na al. c) do nº 2 do artº 249º”. Porém, mesmo neste caso, as apreensões são sujeitas a validação pela autoridade judiciária no prazo máximo de setenta e duas horas – nº 5 do mesmo preceito.
Trata-se, contudo de dois tipos diferentes de apreensões. Como acentua Maia Gonçalves13, cada uma daquelas normas tem o seu campo de aplicação específico: o periculum in mora, pressuposto da regulamentação da alínea c) do n.º 4 do artigo 174.º, é apenas aceitável no caso de haver lugar a detenção em flagrante delito, enquanto que como pressuposto do artigo 251.º basta a fuga iminente de um suspeito, o que não é recondutível ao conceito de flagrante delito (pode nem haver delito), ou que haja razões para crer que os revistados ocultam armas ou outros objetos com os quais possam praticar atos de violência.
No caso do artigo 251.º trata-se de uma nítida medida cautelar, de uma atividade típica de polícia, visando evitar a perda de um meio de prova que poderá desaparecer se não forem tomadas cautelas imediatas, por parecer iminente a fuga de um suspeito ou por existir fundada razão de que o lugar onde ele se encontra oculta objetos relacionados com o crime, suscetíveis de servir a prova, e que de outra forma poderiam perder-se.
O artigo 251º aplica-se naturalmente a situações fora de flagrante delito, bastando que se verifique uma das situações ali previstas.
Por seu lado, ensina o Prof. Germano Marques da Silva14 que «além das hipóteses excecionais admitidas pelo artigo 174º, n.º 4, o artigo 251º admite também como medida cautelar que, em caso de urgência, os órgãos de polícia criminal procedam à revista de suspeitos e a buscas nos lugares onde eles se encontrem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objetos relacionados com o crime, suscetíveis de prova e que, de outra forma, poderiam perder-se. A urgência da medida e a utilidade para o processo justificam a atribuição de competência às polícias para a sua prática, ainda antes de lhes serem ordenadas ou autorizadas».
São portanto medidas urgentes, que importa adotar em face das circunstâncias do caso, com vista a evitar, nomeadamente, a perda das provas presumidamente albergadas pelo objeto da busca ou revista. E cuja execução eficaz é incompatível, por isso mesmo, com qualquer dilação, nomeadamente a condição de imposição de prévia autorização judicial.
Se é certo que o respeito pelos direitos fundamentais há de ser sempre o farol que ilumina o processo penal, à luz, nomeadamente, do estatuído no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, importa, todavia atentar em que, por um lado, o regime da inviolabilidade de domicílio - art.º 34.º da Lei Fundamental - não tem aplicação em casos como o presente já que se reveste de uma consistência mais densa do que a de outros locais ou objetos, ou não demandasse ela uma disposição específica no próprio texto constitucional. E, por outro, que, esses direitos, sendo embora fundamentais, não podem, individualmente, sobrepor-se à prossecução de outros de cariz individual ou coletivo que a própria Constituição coloca à sua frente.
Daí que importe salvaguardar um mínimo de eficácia à investigação criminal sob pena de muitos desses direitos fundamentais não lograrem efetiva proteção.
Essa salvaguarda implica a necessária e proporcional compressão de alguns desses direitos, dentro dos limites que o legislador tem como suportáveis.
Voltando ao caso, esses limites recebem consagração no citado artigo 251.º do Código de Processo Penal.
Tratando-se, como se viu, de uma disposição processual de natureza eminentemente cautelar, voltada para situações de emergência em que a suspeita de existência de prova de um crime não se compadece com demoras sob pena da sua “evaporação”, a sua aplicação tem de bastar-se com tal suspeita, seja ela anterior ou concomitante à intervenção da autoridade judiciária, desde que suportada em fundamento razoável e que, pela natureza das coisas, nem sequer carece de ser isenta de toda a dúvida.
Estes procedimentos cautelares, justamente porque o são, não podem prescindir do imediatismo da decisão e da ação, sob pena de a investigação criminal ser relegada ainda mais para o rol das inutilidades. Com efeito, que resultados seriam de esperar se os arguidos tivessem feito desaparecer os fonogramas que continham música de vários autores e que não tinham sido editados pelos próprios, legítimos detentores dos direitos de criação intelectual, se fosse exigível que os órgãos de polícia criminal, depois de se terem apercebido da existência de tais fonogramas, tivessem de diligenciar pela obtenção de prévia autorização judicial?
A diligência tinha de ser, como foi, efetuada de imediato, o que a lei permite e o bom senso sempre exigiria.
No caso em apreço, estamos, assim, perante uma apreensão efetuada como medida cautelar prevista no artº 249º nº 2 al. c) do CPP, sujeita a validação pela autoridade judiciária no prazo de setenta e duas horas, pelo que não ocorreu qualquer “busca” ilegal.
Improcede assim mais esta nulidade/irregularidade invocada.»
Pela análise deste trecho da decisão recorrida constata-se que esta, conforme se disse, não perfilhou a interpretação normativa apontada pelo Recorrente, ou seja, não interpretou o artigo 174.º, n.º 5, alínea c) do Código de Processo Penal, no sentido de ser possível a sua aplicação sem que tenha ocorrido a detenção (por força da situação de flagrante delito a que corresponda pena de prisão) do arguido, uma vez que, como resulta claro, a decisão recorrida afastou a aplicação ao caso do disposto no artigo 174.º do Código de Processo Penal, por não estar em causa uma busca, a que fosse aplicável esta disposição legal.
Ora, constatando-se que a decisão recorrida não se apoiou no critério normativo apontado pelo Recorrente, forçoso é concluir que a interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretende sindicar não integrou a ratio decidendi de tal decisão.
Não se mostrando satisfeitos estes requisitos essenciais do recurso de constitucionalidade sob apreciação, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso nesta parte, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.°-A, n.º 1, da LTC.
No que respeita às questões enunciadas sob dos pontos III. a IX. do requerimento de interposição de recurso, o recorrente refere aí expressamente, que as mesmas respeitam a «matéria que não poderia ser arguida no recurso apresentado pelo recorrente uma vez que estas questões resultam diretamente e pela primeira vez do decidido no douto acórdão do TRP de 06FEV13 tratando-se consequentemente de matéria nova».
Importa, pois, apreciar se, em relação a tais questões, era ou não exigível ao recorrente que as tivesse suscitado previamente.
Conforme vem entendendo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o recurso previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade durante o processo, isto é, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LCT).
A questão de inconstitucionalidade deve ser suscitada antes de se mostrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre tal questão, na medida em que o recurso para o Tribunal Constitucional pressupõe a existência de uma decisão anterior do tribunal recorrido sobre a questão de inconstitucionalidade que é objeto do recurso.
Só em casos muito particulares – em que o recorrente não tenha tido oportunidade para suscitar tal questão antes de ser proferida a decisão recorrida, ou tendo tido essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de inconstitucionalidade, ou em que, por força de preceito específico, o poder jurisdicional não se tivesse esgotado com a prolação da decisão final – é que será admissível o recurso de constitucionalidade sem que sobre esta questão tenha havido uma anterior decisão do tribunal recorrido.
Conforme se referiu, o recorrente admite expressamente, no seu requerimento de interposição de recurso, que tais questões não foram suscitadas no recurso por si interposto para o Tribunal da Relação do Porto, «uma vez que estas questões resultam diretamente e pela primeira vez do decidido no douto acórdão do TRP de 06FEV13 tratando-se consequentemente de matéria nova». Ou seja, embora não use esta expressão, o Recorrente alega que a pronúncia do Tribunal da Relação do Porto quanto a tais questões constituiu uma “decisão-surpresa”, razão pela qual não suscitou a questão de inconstitucionalidade perante o tribunal a quo, fazendo-o apenas no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
É certo que um dos casos em que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem admitido exceções ao princípio ou regra que obriga a suscitar a questão de inconstitucionalidade antes da prolação da decisão recorrida, prende-se com as situações em que não era exigível que o Recorrente suscitasse a questão de constitucionalidade antes de ser proferida a decisão recorrida por se tratar de “decisão-surpresa”, de conteúdo insólito ou imprevisível, tornando inexigível a prévia suscitação de tal questão, antes de a parte ser confrontada com o teor da decisão proferida.
Conforme vem sendo afirmando pelo Tribunal Constitucional, recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica, ponderando a estratégia e orientação processuais mais adequadas à salvaguarda dos seus direitos e interesses.
Cabe, pois, às partes a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas, não bastando a invocação de mera “surpresa subjetiva” da parte com a aplicação normativa realizada nos autos.
Ora, as questões enunciadas pelo recorrente sob os pontos III. a VII. do requerimento de interposição de recurso têm subjacente a mesma questão no plano infraconstitucional e que é a de saber qual a consequência jurídico-processual no caso de os objetos apreendidos por órgão de polícia criminal não terem sido apresentados, para validação da apreensão, no prazo máximo de 72 horas previsto no artigo 178.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, mas apenas posteriormente.
Sendo esta uma das questões que se discutia no recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, a mesma não é, para o Recorrente, uma questão nova, recaindo sobre ele o ónus de antecipar as diversas hipóteses plausíveis de pronúncia do Tribunal a propósito de tal questão, suscitando, quanto a essas hipóteses, as questões de constitucionalidade que entendesse pertinentes.
Por outro lado, importa acrescentar, se tivermos em atenção que as interpretações normativas em causa foram já também adotadas por outra jurisprudência anterior dos tribunais superiores, sobre questões semelhantes, dificilmente se poderá sustentar que o Recorrente não tivesse podido prever a aplicação de tais interpretações normativas ao caso. Como se afirmou no Acórdão n.º 186/03 (disponível na Internet em www.tribunalconstitucional.pt) “não é seguramente o caso [de uma decisão-surpresa aquele] em que a decisão aplica uma norma com um sentido que desde logo emerge da própria letra do preceito que a contém, como também a situação em que um tal sentido é acolhido por jurisprudência pacífica ou maioritária”.
Ora, sobre as questões colocadas nos autos, foram já proferidos vários arestos pelos Tribunais da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sentido semelhante ao que é sufragado pela decisão recorrida, o que reforça a ideia de a decisão a quo não poder ser qualificada como “decisão-surpresa”, no sentido de poder dispensar o Recorrente de suscitar previamente tais questões.
Assim, quanto às questões enunciadas nos pontos III. e IV., o entendimento no sentido de que o prazo de 72 horas referido no artigo 178.º, n.º 5, do Código de Processo Penal «não é o prazo para a validação das apreensões mas para a apresentação das apreensões à autoridade judiciária com vista à sua validação» e no sentido de que tal prazo «é de mera ordenação processual e a sua inobservância não tem qualquer reflexo sobre a validade das apreensões efetuadas», foi já sufragado em diversos acórdãos, podendo citar-se, entre outros, o acórdão da Relação de Lisboa, de 31-01-2007 (proc. n.º 10031/2006-3) e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-05-2007 (proc. n.º 07P1231), (ambos acessíveis na Internet em www.dgsi.pt), sendo ainda de referir que, em rigor, a decisão recorrida em momento algum interpretou a norma em causa no sentido de dela não resultar a obrigatoriedade de, em tal prazo, as apreensões serem apresentadas à autoridade judiciária, mas sim no sentido de o incumprimento de tal prazo não afetar a validade das apreensões, pelo que, nesta parte, sempre estaria vedado o conhecimento da questão de constitucionalidade enunciada no ponto III. do requerimento de interposição de recurso, por a mesma não integrar a ratio decidendi do acórdão recorrido.
No que respeita à questão enunciada no ponto V., para além de, tal como a questão enunciada no ponto I., se encontrar incorretamente formulada, a mesma reconduz-se à questão anterior (enunciada no ponto IV.), sendo apenas um seu corolário lógico, uma vez que, entendendo-se que o prazo de 72 horas previsto no artigo 178.º, n.º 5, do Código de Processo Penal «é de mera ordenação processual e a sua inobservância não tem qualquer reflexo sobre a validade das apreensões efetuadas», é manifesto que se terá de entender que a sua inobservância não constitui qualquer irregularidade. Ou seja, também quanto a esta questão se aplica o que se referiu a propósito da questão enunciada no ponto IV. do requerimento de interposição de recurso, relativamente ao Recorrente estar em condições de a ter suscitado previamente.
Relativamente às questões enunciadas nos pontos VI. e VII., não só o Recorrente teria de configurar a hipótese de a não observância do prazo previsto no artigo 178.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, poder ser entendido como mera irregularidade, bem como poderia ter antecipado a possibilidade de, face ao teor literal do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tal irregularidade se ter por sanada, por qualquer das formas a que se referem as aludidas questões de constitucionalidade. Acresce que, no que respeita à possibilidade de validação tácita de apreensões e buscas, não sendo a decisão em causa de todo imprevisível e inesperada, face à existência de jurisprudência nesse mesmo sentido (jurisprudência essa, aliás, citada na decisão recorrida), não é de aceitar que tal interpretação da norma em causa possa ser considerada uma “decisão-surpresa”.
Por estas razões não é possível conhecer das questões de constitucionalidade colocadas nos pontos III a VII, devendo ser proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso nesta parte, nos termos permitidos pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
No que respeita à questão enunciada no ponto VIII., nos termos da qual o Recorrente pretende sindicar a interpretação do artigo 174.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, «no sentido de se considerar que um arguido, DJ de serviço, que se encontre para esse efeito numa cabine de som do respetivo estabelecimento comercial não se encontre em lugar reservado ou não livremente acessível ao público», na realidade o que se pretende é discutir o concreto ato de julgamento, de subsunção do caso concreto aos parâmetros constantes da norma do referido artigo 174.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e não a aplicação de um qualquer critério jurídico, genérica e abstratamente concebido, passível de controlo jurídico-constitucional.
Ora, constitui jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração ou subsunção do julgador – não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo de queixa constitucional para defesa de direitos fundamentais.
A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com caráter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
No caso dos autos, embora faça referência a determinada interpretação normativa que teria sido dada ao referido artigo 174.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pelo tribunal a quo, o Recorrente não imputa o vício de inconstitucionalidade a qualquer critério normativo que tenha sido utilizado pela decisão recorrida como seu fundamento, pretendendo efetivamente sindicar a constitucionalidade da decisão judicial em si mesma considerada.
Ora, não existindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objeto a própria decisão judicial e não uma questão de constitucionalidade normativa, como acima já se explicou.
Não estando preenchido este requisito de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, deverá ser proferida decisão sumária de não conhecimento também quanto a esta questão, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
Finalmente, na questão enunciada no ponto IX. do seu requerimento de interposição de recurso, pretende o Recorrente sindicar a interpretação do artigo 174.º, n.ºs 2 e 3 ,do Código de Processo Penal, «no sentido de se considerar que o não cumprimento do disposto nesses números fora das situações previstas no n.º 5 do dito artigo (174 do CPP) não constitui uma nulidade prevista no artigo 120 n.º 2 d) do CPP».
Quanto a esta questão, conforme resulta patente do excerto da decisão recorrida acima transcrito, o tribunal a quo não perfilhou a interpretação normativa apontada pelo Recorrente, tendo afastado a aplicação ao caso do disposto no artigo 174.º, n.ºs 2, 3 e 5, do Código de Processo Penal, por não estar em causa uma busca.
Ora, constatando-se que a decisão recorrida não se apoiou no critério normativo apontado pelo Recorrente, forçoso é concluir que a interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretende sindicar não integrou a ratio decidendi de tal decisão.
Não se mostrando satisfeitos este requisito essencial do recurso de constitucionalidade sob apreciação, o Tribunal Constitucional não pode também conhecer do recurso nesta parte, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.°-A, n.º 1, da LTC.
Pelo exposto, não estando preenchidos, em relação a todas as questões de constitucionalidade enunciadas pelo Recorrente os aludidos requisitos de admissibilidade do recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
O Recorrente reclamou desta decisão, expondo as seguintes razões:
“A douta decisão sob reclamação (entre outras questões de que o recorrente se conforma) sustenta que relativamente à quarta, quinta, sexta e sétima questões de constitucionalidade invocadas deveria o recorrente suscitar previamente estas questões aquando da interposição do recurso para o TRP uma vez que era seu dever o de antecipar todas as possíveis hipóteses interpretativas plausíveis de serem seguidas na decisão futura desse tribunal atendendo a que a questão da consequência jurídico processual dos objetos apreendidos por OPC não terem sido apresentados para validação da apreensão no prazo previsto no artigo 178 n.º 5 do CPP fora já suscitada pelo recorrente no aludido recurso apresentado no referido TRP.
Com o devido respeito o recorrente não se pode conformar com o decidido quanto a esta matéria na dita douta decisão.
Segundo essa interpretação tinha o defensor oficioso do arguido o dever de prever todas as hipóteses interpretativas suscetíveis de poderem ser seguidas na decisão final que recaísse sobre o recurso interposto para o TRP e de conhecer todas as decisões de todos os tribunais superiores sobre esta questão e ainda de todas as decisões de todos os tribunais superiores sobre questões semelhantes ou conexas (uma vez que só dessa forma se pode ter conhecimento de qual a corrente pacífica e ou maioritária dos tribunais superiores sobre uma determinada questão).
A este respeito sempre se dirá que a justiça deve estar disponível para todos, quer para os poucos cidadãos que têm acesso a profissionais forenses altamente especializados e em função dessa circunstância regiamente pagos como para os muitos que têm apenas como opção o sistema de apoio judiciário e os profissionais forenses que nele estão inscritos.
Aos profissionais forenses que estão inscritos no dito sistema exige-se que sejam diligentes no patrocínio que assumem, que sejam combativos e leais, que tenham conhecimentos técnicos que sejam expectáveis possuírem, ou seja, que tenham conhecimentos médios sobre cada matéria respeitante ao processo forense que patrocinam e que no caso dos recursos dirigidos para o tribunal constitucional que estes assumam a forma prevista na lei, com isto querendo dizer-se que o defensor ao dirigir um recurso para este tribunal tem de saber que no sistema português de fiscalização de constitucionalidade a competência atribuída ao Tribunal Constitucional tem parâmetros:
A) Questões de desconformidade constitucional imputadas a normas jurídicas.
B) Questões de desconformidade constitucional imputadas a interpretações normativas.
Nesta última situação, ou seja, quando o recurso de constitucionalidade se reporta a determinada interpretação normativa este tem de incidir sobre o critério normativo da decisão e sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica. Tem de saber assim que a distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a uma interpretação normativa daqueles que é imputada diretamente à decisão judicial que faz aplicação da mesma radica em que na primeira situação é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo o qual depois se subsume o caso concreto em apreço com caráter de generalidade enquanto na segunda situação está em causa a aplicação dos critérios normativos escolhidos apenas para as particularidades do caso concreto pelo que se se utiliza uma argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal ordinário e simultaneamente violadas normas constitucionais tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão judicial.
A isto está obrigado um profissional forense mediamente diligente para que possa ter a expectativa legítima de ver conhecida a questão trazida a este tribunal.
Porém, com o devido respeito, a interpretação contida na decisão sumária não se contenta com esses predicados.
Esta (conforme supra indicado) além do referenciado circunstancialismo exige que esse defensor analise e antecipe as mais variadas possibilidades interpretativas plausíveis de virem a ser seguidas e utilizadas numa futura decisão subjacentes a uma questão que o tribunal recorrido de primeira instância se reportou embora não concretamente sobre as questões constitucionais levantadas sobre essa matéria.
Reforça esse entendimento indicando que é exigível ao defensor que este tenha conhecimento de todas as interpretações normativas em causa adotadas por jurisprudência anterior de todos os tribunais superiores portugueses sobre questões semelhantes (uma vez que conforme já indicado só tendo conhecimento da totalidades de todos os acórdãos se pode saber e descortinar o sentido que é acolhido pacificamente pela jurisprudência).
Ora uma interpretação estribada nesse pressuposto veda o acesso deste tribunal à esmagadora maioria da população uma vez que um profissional forense com conhecimentos médios não está em condições profissionais de assegurar o cumprimento da mesma pelo que na prática tal significa vedar o acesso deste tribunal a todos aqueles que não são representados por técnicos altamente especializados uma vez que não é suficiente suscitar na forma prevista na lei questões onde exista desconformidade constitucional imputadas a normas jurídicas ou a interpretações normativas sendo ainda necessário prever e analisar todos os sentidos interpretativos plausíveis de serem seguidos por uma futura decisão judicial sobre a matéria objeto da lide.
Deste modo o cidadão que queira suscitar uma questão junto deste tribunal constitucional em situações semelhantes com a dos presentes autos que entenda que afeta os seus legítimos interesses tem de se munir de um especialista nos termos acima elencados pelo que na prática face à inacessibilidade destes para o cidadão médio em geral, o cidadão normal não tem como ter acesso a este tribunal de modo a que o mesmo possa conhecer uma questão suscitada por si, é como se disséssemos, a justiça é administrada em representação do povo mas este tem de reunir um conjunto de condições que não estão ao seu alcance para aceder a este tribunal.
O tribunal constitucional não deve ser uma espécie de labirinto jurídico onde apenas os mais astutos, criativos e experientes podem aceder na forte probabilidade de que a questão trazida a este tribunal será conhecida. Deve ser dirigido para o povo, este tem de ter direito a aceder ao mesmo desde que representado por um profissional que seja mediamente diligente na execução do recurso apresentado.
Concluindo não se pode concordar com o entendimento perfilhado na decisão sumária em apreço uma vez que:
A) Em primeiro lugar não foi demonstrado nessa mesma decisão que existe um entendimento jurisprudencial consensual (ou maioritário) de que o prazo de 72 horas referido no artigo 178 n.º 5 do CPP é de mera ordenação processual e que a sua inobservância não tem qualquer reflexo sobre a validade das apreensões efetuadas uma vez que apesar de se fazer alusão a eventuais outros, são apenas elencados dois acórdãos para esse efeito, um do Tribunal da Relação de Lisboa e outro do Supremo Tribunal de Justiça (ambos com mais de seis anos).
B) Em segundo lugar estar a prever desconformidades constitucionais relativamente à questão objeto de analise ainda antes de conhecida a respetiva interpretação normativa sobre essa questão sujeita o tribunal ao conhecimento de questões que não resultam de qualquer interpretação normativa efetuada anteriormente podendo o mesmo de resto recusar-se a conhecer essa questão fundamentando que a hipotética desconformidade constitucional decorrente da hipotética interpretação normativa não integrou a ratio decidendi de tal decisão.
C) Em terceiro lugar o dito tribunal superior pode adotar uma interpretação normativa que não suscite ao interessado qualquer desconformidade constitucional pelo que onerar previamente esse mesmo tribunal com uma série de interpretações plausíveis sobre o sentido de uma questão revelar-se-ia inoportuno.
C) Em quarto lugar exigir-se ao interessado, o conhecimento técnico, a sagacidade e a profundidade intelectual de antecipar todos os sentidos interpretativos plausíveis de serem adotados numa futura judicial nas questões de constitucionalidade que entenda pertinente é ir longe de mais na exigência a efetuar a um profissional forense mediamente diligente vedando-se consequentemente o acesso deste tribunal à esmagadora maioria dos cidadãos e com todo o respeito não se diga que um profissional forense mediamente diligente está munido quer do ponto de vista técnico quer do ponto de vista intelectual dos pressupostos exigíveis na dita douta decisão sumária uma vez que tal não tem correspondência com a realidade (em termos médios) da nossa comunidade jurídica.”
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
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Fundamentação
No presente recurso foram colocadas nove questões de constitucionalidade.
A decisão sumária reclamada entendeu que nenhuma podia ser conhecida porque não estavam reunidos os requisitos legais essenciais a esse conhecimento de mérito.
O Recorrente, com a presente reclamação, manifesta a sua discordância quanto ao não conhecimento de cinco dessas questões (III a VII), alegando que não lhe era exigível que as tivesse suscitado previamente perante o tribunal recorrido.
As inconstitucionalidades invocadas dirigiram-se às seguintes normas:
- Do artigo 178.º, n.º 5, do CPP, quando interpretado no sentido de não resultar a obrigatoriedade no prazo aposto naquele número e preceito legal quer para o OPC de apresentar a apreensão à autoridade judiciária competente com vista à sua validação quer para a autoridade judiciária competente validar a respetiva apreensão (III).
- Do artigo 178.º, n.º 5, do CPP, quando interpretado no sentido do prazo previsto naquele preceito legal ter a natureza de prazo de mera ordenação processual e consequentemente não ter qualquer reflexo relativamente à validade das respetivas a preensões (IV)
- Do artigo 178.º, nº 5, do CPP, quando interpretado no sentido da inobservância no prazo aposto no mesmo não constituir irregularidade para efeitos do disposto no artigo 123.º, n.º 1, do CPP (V).
- Do artigo 123.º, n.º 2, do CPP, quando interpretado no sentido de permitir a validação elencada no artigo 178.º, n.º 5, do CPP, quando o prazo de apresentação à autoridade judiciário para validação da respetiva apreensão previsto nesse artigo não é respeitado e quando essa validação ocorra no decurso do inquérito antes de ser arguida a respetiva irregularidade (VI).
- Do artigo 178.º, n.º 5, do CPP, quando interpretado no sentido de se considerar cumprido se com a dedução de acusação contra o respetivo arguido se incluir nos meios de prova da dita acusação a concreta apreensão (VII).
Conforme se refere na decisão reclamada as questões enunciadas pelo recorrente sob os pontos III. a VII. do requerimento de interposição de recurso têm subjacente a mesma questão no plano infraconstitucional e que é a de saber qual a consequência jurídico-processual no caso de os objetos apreendidos por órgão de polícia criminal não terem sido apresentados, para validação da apreensão, no prazo máximo de 72 horas previsto no artigo 178.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.
Sendo esta uma das questões que já se discutiu na sentença da 1.ª instância e no recurso dela interposto para o Tribunal da Relação do Porto, a mesma não era, para o Recorrente, uma questão nova.
Já na referida sentença se sustentou que a não observância do prazo referido no artigo 178.º, n.º 5, do CPP, constituía uma mera irregularidade sem influência na validade da apreensão dos objetos, pelo que sobre o Recorrente recaía o ónus de antecipar igual pronúncia por parte do tribunal de recurso, suscitando, quanto a essa hipótese, as questões de constitucionalidade que entendesse pertinentes, em termos condicionais.
Além disso tal posição, assim como a que sustentou, em alternativa, a validação tácita das apreensões, corresponde ao sentido de jurisprudência publicada sobre o tema, conforme é referido na decisão reclamada, à qual o Recorrente tinha fácil acesso, através do seu defensor.
Por estas razões, a exigibilidade da suscitação antecipada das questões de constitucionalidade perante o tribunal recorrido não se afigura, neste caso, como a imposição de um ónus excessivo para a parte poder peticionar ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade daquelas normas.
Assim, deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98 (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 15 de julho de 2013. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro