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Processo nº 501/2006.
 
 3ª Secção.
 Relator: Conselheiro Bravo Serra.
 
  
 
  
 
  
 
                      1. Em 5 de Junho de 2006 o relator proferiu a seguinte 
 decisão: –
 
  
 
                      “1. O arguido A. – que foi detido pelas autoridades 
 espanholas e entregue às autoridades portuguesas perante um mandado de detenção 
 internacional emitido na sequência de decisão instrutória e de acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa que sobre ela se pronunciou em via de recurso – 
 veio, no acto de apresentação à Juíza do Tribunal de Instrução Criminal de 
 Lisboa, arguir a nulidade do despacho proferido por aquela Juíza em 10 de 
 Novembro de 2005 e que determinou a notificação do mesmo arguido da acusação, da 
 decisão instrutória e do referido acórdão e, bem assim, veio arguir a nulidade 
 destes últimos actos processuais, para tanto tendo invocado que estes, que 
 comportariam ‘mais de 500 folhas”’ ‘não foram traduzidas para a língua materna 
 do detido, o castelhano’, peticionando, em consequência, que fosse de imediato 
 restituído à liberdade.
 
  
 
                      A indicada Juíza, por despacho exarado no auto de 
 interrogatório do arguido ocorrido em 11 de Novembro de 2005, disse, no que ora 
 interessa: –
 
  
 
 ‘(…)
 
                                      É evidente que o arguido é de nacionalidade 
 espanhola, razão pela qual se providenciou pela presença de intérprete para este 
 acto. Resulta também dos autos que ao arguido não foi entregue cópia traduzida 
 da decisão instrutória nem da acusação para a qual a mesma remete. Todavia, 
 entendemos que tal não implica a impossibilidade de realização do primeiro 
 interrogatório judicial de arguido detido.–
 
                                      Na verdade, nos termos do disposto no art.º 
 
 92º n.º 1 do C.P.P., a língua a utilizar nos actos processuais é a língua 
 portuguesa; como resulta do n.º 2 do mesmo preceito, é assegurado que a pessoa 
 que não domina a língua portuguesa é assistid[a] por intérprete, quando houver 
 de intervir no processo. Foi o que aconteceu nestes autos: o arguido encontra-se 
 presente para ser sujeito a primeiro interrogatório judicial, e assistido por 
 intérprete.–
 
                                      Afirma o arguido não lhe ser possível ter 
 um conhecimento exacto dos factos pelos quais foi detido, por não lhe ter sido 
 facultada cópia traduzida da decisão instrutória e da acusação. Afigura-se-nos 
 evidente que para posterior preparação da defesa do arguido – designadamente em 
 julgamento – tal peça traduzida é essencial. Não obstante, e no que ao primeiro 
 interrogatório diz respeito, o conhecimento dos factos é dado ao arguido através 
 do Juiz que preside à diligência conforme resulta do disposto no n.º 4 do art.º 
 
 141º do C.P.P.. Nada obsta a que este conhecimento seja facultado de uma forma 
 sintética, desde que bastante para a defesa do arguido sendo que a diligência 
 tem, neste caso, o objectivo essencial da aplicação da medida de coacção. [Em] 
 nossa opinião, e salvo o devido respeito, não se nos afigura que os arguidos 
 tenham de ser imediatamente restituídos à liberdade seja qual for a gravidade 
 das imputações que lhes sejam feitas, apenas como consequência da não tradução 
 da acusação, sendo certo que, como se disse, nesta sede [o] conhecimento dos 
 factos é dado ao arguido pelo Juiz.–
 
                                      Ainda que fosse nula a notificação, não é 
 nula a detenção, razão pela qual também não há lugar à restituição do arguido 
 imediatamente à liberdade.–
 
                                      Assim, improcede a arguida nulidade, 
 indeferindo-se o requerido e passando-se de imediato à realização de primeiro 
 interrogatório judicial de arguido detido. ---’
 
  
 
                      Do despacho de que parte se encontra extractada recorreu o 
 arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa.
 
  
 
                      Na motivação adrede produzida, o mesmo disse, em dados 
 passos, e formulou as seguintes «conclusões», para o que agora releva: –
 
  
 
 ‘1. O arguido é de nacionalidade espanhola e não fala nem domina a língua 
 portuguesa, A tal facto o Tribunal a quo não é alheio.
 
 2. Todas as decisões supra indicadas foram entregues ao arguido sem estarem 
 traduzidas para a língua castelhana.
 
 3. O que não permite ao arguido alcançar os factos que lhe são imputados e 
 consequentemente os crimes pelos quais vem pronunciado.
 
 4. O arguido não podia assim prover a sua defesa, conforme lhe é assegurado pela 
 lei Processual Penal, Constituição da República Portuguesa e Convenção Europeia 
 dos Direitos do Homem.
 
 (…)
 
                                      O artº 92º, nº 1 do CPP exige, sob pena de 
 nulidade, que nos actos processuais, escritos ou orais, se empregue a língua 
 portuguesa.
 
                                      O nº 2 do mesmo normativo, assegura no 
 entanto que, à pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, seja 
 nomeado intérprete idóneo, sem encargo para ela.
 
                                      Sendo certo que o nº 2 assegura a nomeação 
 de intérprete no que respeita a actos escritos ou orais.
 
 (…)
 
                                      Tal direito, de conhecer os factos que lhe 
 são imputados e assim preparar a sua defesa, começando logo pelo facto de poder 
 optar ou não pela abertura da fase de instrução criminal, é assegurado ao 
 arguido pelo artº 32º da CRP e pelos artºs 5º e 6º da Convenção Europeia d[os] 
 Direitos do Homem.
 
 (…)
 
                                      Ora, tal tradução é essencial para que o 
 arguido promova a sua defesa. Num primeiro momento, para que possa decidir ou 
 não pela abertura de Instrução.
 
                                      Note-se que é a partir da notificação da 
 acusação que começa a correr o prazo do artº 287º, nº 1 do CPP, para que se 
 possa requerer a abertura de instrução.
 
                                      Mas uma vez que nessa notificação todas as 
 decisões estão em língua que o arguido não compreende e não domina, não pode tal 
 prazo começar a correr enquanto o arguido não for notificado das mesmas em 
 língua castelhana. Pois só nesse momento alcançará os factos que lhe são 
 imputados. Assim, o Mmº Juiz, deveria ter dado sempre sem efeito a notificação 
 feita ao arguido, ordenando a tradução de tais decisões para a língua 
 castelhana, bem como a posterior notificação de tais decisões ao arguido, só 
 nesse momento se iniciando a contagem de prazo para os vinte dias que se 
 encontram consagrados no artº 287º, nº 1 do CPP.
 
 (…)
 
                                      Assim, o Mmº Juiz a quo violou o disposto 
 nos artºs 92º, nº 2, artº 120º, nº 2, alínea c), artº 121º, nºs 2 e 3, artº 97º, 
 nº 4, todos do CPP, artº 32º da CRP e artºs 5º e 6º da Convenção Europeia d[os] 
 Direitos do Homem.
 
 (…)
 
                                      CONCLUSÕES:           
 I. Vem o presente recurso interposto da douta decisão que indeferiu a nulidade 
 da notificação da acusação, da decisão instrutória, do acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa que alterou esta decisão instrutória, da decisão proferida em 
 cumprimento do ordenado por este Venerando Tribunal, bem como da omissão de 
 pronúncia quanto ao pedido de tradução de tais decisões para a língua 
 castelhana.
 II. Andou mal o Mmº Juiz de Instrução Criminal ao indeferir a nulidade suscitada 
 uma vez que todas as decisões supra indicadas, foram entregues ao arguido sem 
 estarem traduzidas para a língua castelhana, quando o Tribunal não desconhece 
 que o arguido tem nacionalidade espanhola, facto que não lhe permite exercer a 
 sua defesa nos termos consagrados na Lei Processual Penal, Constituição da 
 República Portuguesa e Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou seja, num 
 primeiro momento, optar ou não pela abertura de Instrução Criminal.
 
 (…)
 V. O artº 92º, nº 1 do CPP exige, sob pena de nulidade, que nos actos 
 processuais, escritos ou orais, se empregue a língua portuguesa. O nº 2 do mesmo 
 normativo, assegura no entanto que, à pessoa que não conhecer ou não dominar a 
 língua portuguesa, seja nomeado intérprete idóneo, sem encargo para ela.
 VI. O Tribunal a quo, não descurou a nomeação de intérprete para o acto da 
 notificação, ou seja, o arguido ficou apenas a tomar conhecimento que naquele 
 acto lhe eram entregues todas as decisões supra referidas, mas somente isto. 
 Porque as decisões que lhe foram entregues encontram-se todas redigidas na 
 língua portuguesa, e o arguido não a domina – conceitos fácticos e de direito 
 utilizados – tendo ficado impossibilitado de preparar a sua defesa.
 
 (…)
 IX. Tal tradução é essencial para que o arguido promova a sua defesa. Num 
 primeiro momento, para que possa decidir pela abertura ou não da instrução.
 X. Note-se que é a partir da notificação da acusação que começa a contar o prazo 
 do artº 287º, nº 1 do CPP, para que se possa requerer a abertura de instrução.
 XI. Mas uma vez que dessa notificação todas as decisões estão em língua que o 
 arguido não compreende e não domina, não pode tal prazo começar a correr 
 enquanto o arguido não for notificado das mesmas em língua castelhana. Pois só 
 nesse momento alcançará os factos que lhe são imputados. Assim, o Mmº Juiz, 
 deveria ter dado sempre sem efeito a notificação feita ao arguido, ordenando a 
 tradução de tais decisões para a língua castelhana, bem como a posterior 
 notificações de tais decisões ao arguido, só nesse momento se iniciando a 
 contagem do prazo para os vinte dias que se encontram consagrados no artº 287º, 
 nº 1 do CPP.
 XII. O Mmº Juiz a quo, omitiu pronúncia sobre tal pedido de tradução (tendo 
 apenas constatado, na decisão proferida que essa tradução era essencial para a 
 defesa posterior do arguido), nada tendo decidido sobre a mesma.
 XIII. O Mmº Juiz a quo violou o disposto nos artºs 92º, nº 2, artº 120º, nº 2, 
 alínea c), artº 121º, nºs 2 e 3, artº 97º, nº 4, todos do CPP, artº 32º da CRP e 
 artºs 5º e 6º da Convenção Europeia d[os] Direitos do Homem.
 
 (…)’
 
  
 
                      Anote-se, por outro lado, que no «teor» da falada 
 motivação, nos passos em que acima se não efectuou transcrição, não se 
 surpreende qualquer asserção de onde, directa ou indirectamente, explícita ou 
 implicitamente, resulte que é assacado a um dado preceito ínsito no ordenamento 
 jurídico (ainda que alcançado por uma via interpretativa) o vício de 
 desconformidade com a Constituição, sendo certo que tal «teor» se encontra, 
 praticamente, vertido, na sua totalidade, nas «conclusões» formuladas.
 
  
 
                      O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 4 de Abril 
 de 2006, negou provimento ao recurso, carreando, para tanto, a seguinte 
 fundamentação: –
 
  
 
 ‘(…)
 
 ‘ … As conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e 
 considerou ao longo das alegações, devendo constituir um discurso lógico, uma 
 síntese das razões, quer de facto quer de direito, explanadas ao longo da 
 alegação ... (in Ac. Trib. Const. nº 189/2003, de 2003-04-08 – Proc. nº. 
 
 266/2000, in DR II série, de 2003-06-24) e ainda, 
 
 – ‘... são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. As conclusões devem 
 ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que 
 hão-de ser objecto de decisão.’(Cfr. Prof. Figueiredo, in ‘Curso de Processo 
 Penal’, Vol. 111, Verbo 2000, pág. 350 e 351). 
 Com efeito, a questão suscitada tem sido objecto de várias decisões 
 jurisprudenciais, todas no sentido de a lei não impor, aquando da notificação de 
 decisões judiciais, a entrega ao arguido, de nacionalidade estrangeira, de 
 tradução das mesmas, na respectiva língua materna, salientando-se as seguintes:
 
 – ‘1 – Nos artigos 5° e 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem impõe-se 
 que qualquer pessoa presa tenha de ser informada, em língua que compreenda, das 
 razões da sua prisão e de qualquer acusação formulada contra si, daqui se não 
 podendo concluir que uma decisão em que se aplique a prisão preventiva a quem 
 não conheça a nossa língua, tenha de ser traduzida na sua língua nacional 
 
 – 2 – A assistência graciosa de intérprete ao detido que não domine a nossa 
 língua previsto no art. 92° do C.F.F. harmoniza-se com as exigências dessa 
 convenção, sendo certo que, comunicando-se a prisão preventiva à competente 
 representação estrangeira no nosso país, sempre estas poderão prestar auxílios 
 nesse âmbito’ – A.C. da R.L. de 24.01.01 (Proc.11478/00-3a.Secção, Rel.: – 
 Santos Monteiro, disponível em www.pgdlisboa.pt); e 
 
 – ‘I – Nenhum dispositivo legal impõe que a notificação pessoal da acusação ou 
 do arquivamento dos autos a arguido estrangeiro, tenha de ser efectuada através 
 da entrega do respectivo texto traduzido na língua estrangeira que o arguido 
 compreende. 
 II – Para tanto basta que a nomeação de intérprete idóneo, e tendo este sido 
 nomeado e desempenhado fielmente as suas funções, não se cometeu qualquer 
 nulidade ou irregularidade, ao notificar[-]se a acusação a arguido estrangeiro 
 através de intérprete sem entrega de tradução do texto’  – A.C. da R.L. de 
 
 01.07.98 (Proc. 0045483, Rel.:-Adelino Salvado, disponível em www.dgsi.pt); 
 Também no A.C. do T.C. nº 547/98, de 23 de Setembro de 1998 (Rel.:-Artur 
 Maurício, disponível em www.pgdlisboa.pt) foi sublinhado que ‘não existe 
 qualquer dispositivo legal que expressamente imponha que a notificação da 
 acusação a um cidadão estrangeiro seja efectuada através da entrega do 
 respectivo texto traduzido na língua estrangeira que o arguido compreende’aí se 
 frisando que, para além do disposto no art.92°., n°.2 do C.P.P., cujo texto 
 expressamente estatui que: 
 
 ‘ Quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a 
 língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que 
 a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais 
 conheçam a língua por aquela utilizada’, nenhuma outra norma do CPP respeitante 
 quer às notificações em geral, quer à notificação da acusação ao arguido dispõe 
 sobre a intervenção de intérprete quando o notificando desconhecer ou não 
 dominar a língua portuguesa’. 
 A citada norma ínsita no nº 2 do artigo 92º do CPP é, porém, suficientemente 
 ampla para compreender a exigência de nomeação e intervenção de intérprete, 
 quando houver lugar à notificação do arguido naquelas circunstâncias. 
 Aí se acrescentou que ‘Já o que a norma não concretiza é o conteúdo da 
 intervenção processual do intérprete. Não se pondo em dúvida que o intérprete 
 há-de verter para a língua estrangeira adequada o acto a notificar, a lei 
 processual não expressa, com efeito, se essa versão deve ser integral e em que 
 termos (escritos ou orais) se impõe que ela se materialize’ (...) ‘Do ponto de 
 vista da conformidade com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente 
 consagradas no artigo 32º nº 1 da CRP, a questão que se coloca é, afinal, a de 
 saber se, no caso de arguido que desconheça a língua portuguesa, a entrega de 
 cópia da acusação escrita em português, acompanhada da transmissão oral do seu 
 conteúdo, por intérprete, na língua conhecida pelo notificando, assegura, de 
 igual modo, os direitos do arguido (...) ‘a perfeita equiparação do cidadão 
 estrangeiro ao cidadão português postularia que, tal como a este é entregue 
 cópia da acusação em língua que ele compreende, ao primeiro devesse igualmente 
 ser entregue cópia da mesma peça vertida na língua por ele conhecida. Trata-se, 
 no entanto, de uma argumentação de pendor formalista que não atende à 
 necessidade de uma regulação adaptada a realidades irredutivelmente diferentes e 
 que não contenda com outros bens e valores igualmente protegidos, esquecendo que 
 essa pretendida equiparação, entendida em termos substanciais, sempre se poderá 
 alcançar, ainda que por meios diversos, desde que, em concreto, os direitos 
 igualmente concedidos a nacionais e estrangeiros possam por estes ser plenamente 
 exercidos. A verdade é que não se vê qualquer obstáculo de ordem constitucional 
 a que as garantias de defesa do arguido, genericamente asseguradas pelo artigo 
 
 32º nº 1 da CRP, se traduzam, no caso, na consagração de normas processuais 
 distintas, desde que elas igualmente assegurem que o fim da garantia em causa – 
 o de permitir uma defesa eficaz, desde logo com a tomada das decisões já acima 
 referidas com base no conhecimento minucioso da matéria da acusação, possa ser 
 alcançado. Já não estará aqui em questão a igualdade formal com o direito do 
 cidadão português, mas a possibilidade ou impossibilidade de serem conformes à 
 CRP outras formalidades de notificação da acusação, adaptadas aos casos de 
 cidadãos sem conhecimento da língua portuguesa, diversas da formal equiparação 
 que constituiria, para estes últimos, a entrega de tradução escrita da peça 
 acusatória – o parâmetro de constitucionalidade reside, agora e só, no princípio 
 consagrado no artigo 32º nº 1 da CRP. Sendo a fórmula do nº 1 do artigo 32º da 
 CRP uma expressão condensada das restantes normas do mesmo artigo, ela não deixa 
 de traduzir uma cláusula geral que abrange garantias não especificadas nos 
 números seguintes mas igualmente reclamadas por uma tutela eficaz dos direitos 
 de defesa dos arguidos (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ‘Constituição da 
 República Anotada’, nota II ao artigo 32º, p. 202)’.
 Conclui-se, em tal aresto, que ‘a tradução oral da acusação, por intérprete, não 
 compromete as garantias de defesa do arguido consagradas no comando 
 constitucional com a assinalada dimensão. 
 Na verdade, esta forma de notificação não obsta a que o arguido, por exemplo, vá 
 colhendo da leitura as notas (escritas) que entender convenientes, peça 
 esclarecimentos ao intérprete ou solicite repetições sobre trechos eventualmente 
 mais complexos, tudo no sentido de uma percepção completa, minuciosa e profunda 
 da peça acusatória. Competindo ao funcionário encarregado da notificação a 
 transmissão fiel do conteúdo da acusação, o desempenho perfeito da função de 
 interpretação há-de permitir ao arguido os procedimentos referidos em termos que 
 o apetrechem com o conhecimento necessário e suficiente para gizar a estratégia 
 de defesa subsequente. Se assim não for, não é já uma questão de desconformidade 
 da norma ínsita nos artigos 92º nº 2 e 111º nº 1 al. c) do CPP, interpretada nos 
 termos em que o foi, que se coloca, mas uma outra, aqui sim – de irregularidade 
 ou deficiência no desempenho da função de intérprete’. 
 No caso sob recurso, constata-se, que: 
 
 – em 10 de Novembro de 2005, pelas 16h30m, por se encontrar presente no 
 Tribunal, foi o intérprete notificado de que deveria comparecer no dia 
 subsequente, data em que se realizaria o interrogatório judicial do 
 arguido/recorrente (f1s.22); 
 
 – este último e a respectiva defensora foram, na mesma data de 10 de Novembro, 
 notificados de que o interrogatório se realizaria no dia imediato, tendo o 
 primeiro recebido cópias das supra mencionadas peças processuais; 
 
 – no dia 11 de Novembro de 2005, após ter proferida a decisão de indeferimento 
 
 (cujo teor ficou exarado em acta) relativamente à invocada nulidade daquela 
 notificação, por falta de tradução das peças processuais respectivas, e à 
 pretendida imediata restituição do arguido à liberdade, a Mma. JIC ‘comunicou 
 
 (ao recorrente) os motivos (da detenção) e expôs-lhe os factos que lhe são 
 imputados (cfr. fls.34), tendo procedido ao interrogatório judicial daquele, 
 tudo na presença do intérprete ao mesmo nomeado, tendo o arguido/recorrente 
 respondido detalhadamente sobre a matéria objecto dos autos, sem que, em 
 momento, algum haja por si sido suscitada sequer qualquer incompreensão 
 relativamente ao tema de tal interrogatório, nomeadamente decorrente da falta de 
 tradução integral das peças processuais de que, na véspera, lhe haviam sido 
 fornecidas cópias em língua portuguesa. 
 Da circunstância de, no decurso do aludido interrogatório, haver sido 
 comunicados ao arguido/recorrente, com o necessário detalhe, os factos cuja 
 prática lhe era imputada, sempre na presença do intérprete nomeado, decorre, 
 assim, que o seu direito de defesa pode, na íntegra ser exercido, sem que a 
 falta de entrega de tradução das mencionadas peças processuais possa ser 
 invocada como traduzindo uma limitação ou compressão, por mínima que fosse, ao 
 exercício de tal direito de defesa, sendo certo que, encontrando-se o arguido 
 assistido, no acto, por defensor, também as acções de defesa tidas por adequadas 
 poderiam desde logo ser desencadeadas, tarefa facilitada, aliás, pela afinidade 
 existente entre as línguas espanhola e portuguesa, o que possibilitou ao 
 arguido, com toda a facilidade, apreender todo o alcance da matéria objecto da 
 acusação que sobre si impendia, ainda para mais estando presente um intérprete.
 Inexistindo preceito legal invocável no sentido da imposição de entrega de 
 cópias traduzi das peças processuais em referência, a pretensão formulada nesse 
 sentido pelo arguido/recorrente não poderia deixar de ser desatendida, como foi, 
 por nenhum vício poder ser assacado à notificação, de que o mesmo foi alvo, do 
 mesmo modo que não poderá o mesmo beneficiar de qualquer alargamento dos prazos 
 processuais, que eventualmente se encontrem em curso. 
 
                      Mesmo uma eventual nulidade, que pudesse ser arguida ao 
 acto de notificação ocorrido no dia 10.11.05, sempre se encontraria sanada por 
 força do interrogatório judicial entretanto ocorrido.
 
                      Pelo que se conclui, dever improceder o recurso.
 
 (…)’
 
  
 
                      Do aresto amplamente transcrito acima interpôs o arguido 
 recurso para o Tribunal Constitucional, o que fez mediante requerimento com o 
 seguinte teor: –
 
  
 
                                   ‘A., recorrente nos autos à margem 
 identificados, notificado do acórdão que negou provimento ao recurso 
 jurisdicional, proferido a fls... , e não se conformando com o mesmo, vem dele 
 interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no artº 
 
 75º da Lei do Tribunal Constitucional (L TC). 
 
                                   O presente recurso é interposto ao abrigo das 
 disposições dos artºs 70º, nº 1, al. b) e 75°-A da LTC. 
 
                                   O recorrente suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade em sede de recurso do despacho do Tribunal Instrução 
 Criminal, que indeferiu a nulidade, por si arguida, da notificação da acusação, 
 da decisão instrutória, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e do 
 despacho de pronúncia em cumprimento da decisão deste Tribunal superior. 
 
                                   Explanou o recorrente no seu recurso que, a 
 interpretação feita pelo Tribunal de Instrução Criminal ao artº 92º, nº 2 do 
 CPP, é materialmente desconforme ao disposto no artº 32º da CRP, que estabelece 
 as garantias de defesa do arguido. 
 
                                   O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que, 
 tendo sido detalhadamente comunicados ao arguido, ora recorrente, os factos cuja 
 prática lhe era imputada, no âmbito do primeiro interrogatório a que aquele foi 
 sujeito, e sempre na presença do intérprete nomeado, a falta de entrega das 
 mencionadas peças processuais não prejudicava o seu direito de defesa.
 
                                   Baseou, para tanto, a sua posição num acórdão 
 do Tribunal Constitucional, de 23/09/1998, que explana que a tradução oral da 
 acusação, por intérprete, não compromete as garantias de defesa do arguido 
 consagradas constitucionalmente. 
 
                                   Contudo, seria o referido acórdão do Tribunal 
 Constitucional adequado para fundamentar a tese da Relação de Lisboa, caso se 
 estivesse perante uma situação de tradução oral das peças processuais, de forma 
 integral, o que não foi, efectivamente, o caso. 
 
                                   O Tribunal Constitucional não foi, no âmbito 
 do referido acórdão, chamado a pronunciar-se directamente sobre a questão de se 
 saber se poderá ser considerada válida a notificação sintética da acusação, mas 
 sendo, indubitavelmente, tal questão determinante, a ela se referiu do seguinte 
 modo:
 
                                   ‘Já o que a norma não concretiza é o conteúdo 
 da intervenção processual do intérprete. Não se pondo em dúvida que o intérprete 
 há-de verter para a língua estrangeira adequada o acto a notificar, a lei 
 processual não expressa, com efeito, se essa versão deve ser integral e em que 
 termos (escritos ou orais) se impõe que ela se materialize. O acórdão recorrido 
 não se pronuncia sobre o primeiro aspecto, certamente por os autos não 
 documentarem o que o recorrente sempre deixou mais ou menos explicitamente 
 alegado que a interpretação não fora integral. Não pode, por isso, este Tribunal 
 conjecturar o que no acórdão recorrido se não pressupôs no juízo efectuado sobre 
 a constitucionalidade da norma em causa e que, consequentemente, não abarca 
 qualquer pronúncia sobre a conformidade da mesma norma à CRP quando interpretada 
 no sentido da suficiência de uma versão parcial ou sintética do acto da 
 acusação’. 
 
  
 
                                   Destarte, para que a tese do Tribunal da 
 Relação de Lisboa pudesse proceder com base no acórdão do Tribunal 
 Constitucional em apreço, seria imprescindível que tivesse sido discutida a 
 questão da validade da notificação sintética da acusação. 
 
                                   Como bem sabe a Relação de Lisboa, a acusação, 
 composta por mais de 500 folhas, não foi integralmente traduzida, tendo sido 
 meramente traduzidas, oralmente, as partes indicadas pela Juiz do Tribunal de 
 Instrução Criminal de Lisboa, que, recorrendo ao disposto o nº 4 do artº 141° do 
 CPP, entendeu que no âmbito do primeiro interrogatório o conhecimento dos factos 
 podia ser dado ao arguido através do Juiz, de uma forma sintética, aliás como 
 decorre do despacho impugnado. 
 
                                   Salvaguardando o devido respeito, houve aqui 
 um claro enleio do que pode ser dado conhecimento ao arguido de uma forma 
 sintética, sem pôr em causa as garantias de defesa constitucionalmente previstas 
 no artº 32º da CRP. 
 
                                   O artº 283º, nº 3 do CPP estabelece, 
 peremptoriamente, os elementos que toda a acusação deve conter, consagrando a 
 sua nulidade na falta de algum deles. 
 
                                   Estabelece, concretamente, a al. b) do nº 3 do 
 artº 283º do CPP, que a acusação deve conter ‘a narração, ainda que sintética, 
 dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida 
 de segurança’.
 
                                   Daqui resulta que, os factos de que o arguido 
 fica acusado podem, na verdade, ser descritos na acusação de uma forma 
 sintética, mas o que, indubitavelmente, não poderá ser aceitável é a descrição 
 sintética dos próprios factos enumerados na acusação. 
 
                                   A tese do Tribunal da Relação de Lisboa de 
 que, não há qualquer obstáculo legal a que a notificação seja feita oralmente 
 através da intervenção de intérprete, só seria admissível se, na verdade, a 
 tradução oral do teor da acusação não tivesse sido feita de forma sintética, o 
 que, in casu, não aconteceu. 
 
                                   Se não existe nenhum preceito que 
 expressamente imponha a notificação da acusação a um cidadão estrangeiro na sua 
 língua materna, a verdade é que há um preceito constitucional inultrapassável 
 que determina que o processo criminal terá que assegurar todas as garantias de 
 defesa do arguido. 
 
                                   Recorrendo aos, doutos, ensinamentos dos 
 Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, ‘Todas as garantias de defesa 
 engloba[m] indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e 
 adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. Dada a 
 radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada 
 no poder institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante 
 específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas’. 
 
                                   Acresce que o recorrente teve conhecimento que 
 tem sido promovida a tradução das peças processuais em questão, a outros 
 arguidos, pelo que a interpretação feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao 
 artº 92º, nº 2 do CPP, viola também o artº 13º da CRP, que estabelece o 
 princípio da igualdade. 
 
                                   Assim, o artº 92º, nº 2 do CPP tem de ser 
 interpretado no sentido de que a tradução da acusação, decisão instrutória e 
 outras que alterem estas duas, em processo penal, têm de ser traduzidas 
 integralmente, e não de forma sintética, para a língua materna do arguido 
 estrangeiro, sob pena de, se assim não for, se estar perante uma flagrante 
 violação das garantias de defesa do arguido, previstas no artº 32º da CRP. 
 
                                   Esgotadas as instâncias de recurso, vem o 
 recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por entender que a 
 interpretação que é feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao artº 92º, nº 2 
 do CPP, é materialmente desconforme ao disposto no artº 32º da CRP. 
 
                                   Porque tem legitimidade e está em tempo, deve 
 o presente recurso ser admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e 
 com efeito suspensivo, nos termos do disposto nos artsº 72º, al. b) e 78º da 
 LTC.’
 
  
 
                      O recurso foi admitido por despacho lavrado em 12 de Maio 
 de 2006 pela Desembargadora Relatora do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo os 
 autos sido remetidos ao Tribunal Constitucional em 29 do mesmo mês.
 
  
 
  
 
                      2. Porque um tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. 
 nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o 
 recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A 
 da mesma Lei, a vertente decisão, por via da qual se não toma conhecimento do 
 objecto da presente impugnação.
 
  
 
                      Deflui do relato supra efectuado que, contrariamente ao 
 agora sustentado no requerimento de interposição de recurso, na motivação 
 atinente ao recurso incidente sobre o despacho de 11 de Novembro de 2005, não 
 foi suscitada qualquer questão de desarmonia constitucional do preceito 
 precipitado no nº 2 do artº 92º do diploma adjectivo criminal, quando ele 
 comportasse determinada dimensão interpretativa.
 
  
 
                      Na verdade, o que se brandiu em tal motivação foi que a 
 Juíza autora daquele despacho, ao decidir do modo como decidiu, violou, quer os 
 artigos 92º, nº 2, 97º, nº 4, 120º, nº 2, alínea c), 121º, números 2 e 3, este 
 como aqueles do Código de Processo Penal, quer o artigo 32º da Lei Fundamental e 
 artigos 5º e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
 
  
 
                      Isso significa, inquestionavelmente, que a imputação do 
 vício de contraditoriedade com o Diploma Básico foi dirigida, não a um dado 
 preceito (que até foi considerado violado no despacho então impugnado – nº 2 do 
 artº 92º) ou a um concreto sentido interpretativo que fora adoptado no despacho 
 a submeter à censura do Tribunal da Relação de Lisboa, mas sim a este mesmo 
 despacho.
 
  
 
                      Ora, sendo objecto dos recursos visando a fiscalização 
 concreta da constitucionalidade as normas insertas no ordenamento jurídico 
 ordinário e não outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as 
 decisões judiciais qua tale consideradas, haverá, forçosamente, que concluir-se 
 que, na situação sub specie, não foi, na referida motivação, impostada qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa.
 
  
 
                      Por outro lado, não se pode passar em claro, em primeiro 
 lugar, que o aresto intentado impugnar perante o Tribunal Constitucional, 
 verdadeiramente, assentando em matéria de facto que não pode ser objecto de 
 censura por este órgão jurisdicional, concluiu, neste específico ponto, que, no 
 acto de interrogatório, foram comunicados ao arguido os motivos que conduziram à 
 sua detenção e expostos os factos que lhe eram imputados, na presença de um 
 intérprete. Em segundo lugar, o acórdão aduziu um outro fundamento que, por si 
 só, bastava para a improcedência do recurso.
 
  
 
                      Efectivamente, no dito aresto foi consignado que, mesmo a 
 admitir-se a ocorrência da nulidade que foi arguida e a que não fora dado 
 atendimento do despacho então impugnado, um tal vício encontrar-se-ia sanado, 
 justamente pelas razões que acima se indicaram.
 
  
 
                      Neste contexto, mesmo que este órgão de fiscalização 
 concreta da constitucionalidade normativa viesse a pronunciar-se pela desarmonia 
 constitucional de uma dimensão interpretativa do nº 2 do artº 92º do Código de 
 Processo Penal tal como teria sido operada pelo acórdão desejado impugnar e que 
 agora se pretende explicitar no requerimento de interposição de recurso, esse 
 juízo nenhuma relevância teria na decisão tomada pelo Tribunal da Relação de 
 Lisboa, pois que, nessa hipótese, havendo o aresto, na sequência da pronúncia do 
 Tribunal Constitucional, de reformar a sua decisão em termos de reconhecer ter 
 existido nulidade procedimental (o que, aliás, até admitiu como fundamento de 
 raciocínio, como acima se viu), sempre manteria o juízo de improcedência do 
 recurso, por entender estar um tal vício sanado.
 
  
 
                      Sabido que é que os recursos de fiscalização concreta tem 
 natureza instrumental, por sorte a poder a decisão do Tribunal Constitucional 
 repercutir-se utilmente na causa de onde emergiram, se o decidido no tribunal a 
 quo igualmente repousou num outro fundamento – que só por si conduzia à solução 
 adoptada – que não aquele motivante, do ponto de vista normativo, do recurso 
 para este órgão jurisdicional, é patente que este recurso se apresentará como 
 inútil.
 
  
 
                      Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do 
 recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de 
 justiça em seis unidades de conta.”
 
  
 
                      Relativamente à transcrita decisão veio o arguido requerer 
 a sua «aclaração», o que fez por via de requerimento com o seguinte teor: –
 
  
 
 “A., recorrente nos autos à margem identificados, notificado da decisão sumária 
 proferida a fls. 109 a 120, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no 
 artº 669º, nº 1, al. a) do CPC, aplicável por força do disposto no artº 69º da 
 LTC, requerer a aclaração da mesma, o que faz nos termos e com os seguintes 
 fundamentos:
 
 1. Em 20/04/2006 o recorrente interpôs recurso para este douto Tribunal, 
 arguindo a inconstitucionalidade da norma do artº 92, nº 2 do CPP, quando 
 interpretada no sentido de permitir uma sintética tradução oral da acusação, por 
 intérprete.
 
 2. O recorrente explanou que a interpretação feita pelo Tribunal recorrido ao 
 artº 92, nº 2 do CPP, era materialmente desconforme ao disposto no artº 32º da 
 CRP, que estabelece as garantias de defesa do arguido.
 
 3. Mais indicou o recorrente que, a questão da inconstitucionalidade, foi 
 suscitada em sede de recurso do despacho do Tribunal de Instrução Criminal. 
 
 4. Entendeu, contudo, este douto Tribunal que a inconstitucionalidade arguida em 
 sede de recurso não foi atribuída a um dado preceito ou a um concreto sentido 
 interpretativo adoptado, mas sim ao despacho do qual se recorria. 
 
 5. No entanto, tendo alegado o recorrente que o Tribunal do qual se recorria, ao 
 decidir do modo como decidiu, violou o artº 92, nº 2 do CPP, arguiu 
 indubitavelmente a inconstitucionalidade daquele artigo quando interpretado no 
 sentido de permitir uma sintética tradução oral da acusação, por intérprete.
 
 6. Sendo a Constituição da República Portuguesa um complexo de directivas 
 políticas, todas as normas legais têm de ser elaboradas conformemente às normas 
 e princípios ali estabelecidos.
 
 7. Desta forma, as normas legais têm que ser interpretadas de forma concertada 
 com as normas e princípios constitucionais.
 
 8. A consideração de que uma determinada norma aplicada pelo Tribunal foi por si 
 violada na sua aplicação, implica, necessariamente, que se considera que foi 
 feita uma interpretação da norma desconforme à Lei Fundamental e que, 
 consequentemente, esta foi violada.
 
 9. Não se lobriga, destarte, a razão pela qual este douto Tribunal considerou 
 que o presente recurso não deveria ter sido admitido, dado que se verifica, 
 indubitavelmente, o preenchimento do requisito previsto na al. b), do nº1, do 
 artº 70 da LTC. 
 
 10. Acresce que, apesar de não competir a este douto Tribunal a pronúncia sobre 
 a alegada sanação da nulidade arguida em sede de primeiro interrogatório 
 judicial de arguido detido, veio, ainda assim, este Tribunal pronunciar-se sobre 
 a alegada sanação.
 
 11. Entendeu este Tribunal que a se ter, efectivamente, verificado uma nulidade, 
 esta estaria sanada por força do interrogatório judicial decorrido.
 
 12. Conforme o recorrente explanou no seu requerimento de interposição de 
 recurso, no acto de interrogatório judicial só foram traduzidas, oralmente, as 
 partes indicadas pela Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
 
 13. Assim, esperava o recorrente que, nos termos do disposto no artº 79º- C da 
 LTC, este douto Tribunal se pronunciasse sobre a inconstitucionalidade do artº 
 
 92º, nº 2 do CPP, quando interpretado no sentido de permitir uma sintética 
 tradução oral da acusação, por intérprete.
 
 14. Determina o disposto no artº 79º- C da LTC, que os poderes de cognição deste 
 douto Tribunal, em sede de recursos de fiscalização concreta, limitam-se a 
 julgar a inconstitucionalidade da norma que a decisão recorrida tenha aplicado, 
 com base na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos 
 daqueles cuja violação foi invocada.
 
 15. Nos termos do disposto no artº 2º da LTC, as decisões do Tribunal 
 Constitucional são obrigatórias para os tribunais a quo. 
 
 16. Não descortina, por isso, o recorrente a razão pela qual este douto Tribunal 
 entende que o recurso ora interposto se apresenta como inútil por considerar que 
 a sua decisão não teria nenhuma relevância na decisão tomada pelo Tribunal a 
 quo.
 
 17. A douta decisão deste Tribunal é, por tudo o que fica exposto, 
 manifestamente obscura, atentos os dispositivos legais citados, que ela 
 claramente contradiz.
 
 18. Pelo exposto, requer que se esclareça:
 a)                         A razão pela qual este douto Tribunal considerou que 
 o presente recurso não deveria ter sido admitido, dado que se verifica, 
 indubitavelmente, o preenchimento do requisito previsto na al. b), do nº1, do 
 artº 70 da LTC;
 b) A razão pela qual este douto Tribunal entende que o recurso ora interposto se 
 apresenta como inútil por considerar que a sua decisão não teria nenhuma 
 relevância na decisão tomada pelo Tribunal a quo, pois que, por um lado, não lhe 
 compete julgar relativamente à questão da alegada sanação da nulidade de acordo 
 com o disposto no artº 79º-C da LTC, e de outro lado, a decidir pela 
 inconstitucionalidade do artº 92º, nº 2 do CPP de acordo com a interpretação que 
 lhe foi dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o que ainda se crê, a 
 obrigatoriedade de tal decisão (vd. artº 2º da LTC) implicaria necessariamente a 
 revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo.”
 
  
 
                      Entendendo-se que o «pedido de aclaração» vertido no 
 requerimento supra transcrito, representa, verdadeiramente – atenta a forma como 
 se encontra redigido e não obstante, formalmente, conter uma solicitação de 
 esclarecimento –, um inconformismo com a decisão de 5 de Junho de 2006, foi 
 determinado que prosseguissem os autos como se uma reclamação atinente a tal 
 decisão tivesse sido apresentada.
 
  
 
                      Ouvido o Representante do Ministério Público junto deste 
 Tribunal, pronunciou-se o mesmo no sentido de ser manifestamente infundada a 
 pretensão do arguido, pois que a decisão em causa “é perfeitamente clara e 
 insusceptível de dúvida objectiva sobre o que nela se decidiu acerca da 
 inverificação dos pressupostos do recurso interposto”.
 
  
 
                      Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                      2. Na óptica deste órgão de administração de justiça, a 
 decisão ora em apreço é suficientemente clara na corte de fundamentos que 
 conduziram à não tomada de conhecimento do objecto do recurso intentado 
 interpor.
 
  
 
                      Não colhe, assim, o argumento utilizado pelo arguido e 
 segundo o qual, se bem se entende o que fez escrever no supra transcrito 
 requerimento, bastará, para se abrir a via de recurso de fiscalização concreta 
 da constitucionalidade a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei 
 nº 28/82, de 15 de Novembro, que se esgrima com a circunstância de na decisão 
 judicial pretendida impugnar perante o Tribunal Constitucional ter sido levada a 
 efeito, do mesmo passo, uma violação da Lei Fundamental e de determinado 
 preceito de direito ordinário, pois que, ainda na perspectiva do ora impugnante, 
 isso equivale implicitamente a sustentar um ponto de vista de harmonia com o 
 qual a norma aplicada por aquela decisão é ofensiva da Constituição.
 
  
 
                      Na verdade, são realidades distintas a prolação de uma 
 decisão judicial que se afigure por si como contraditória com o Diploma Básico e 
 a enfermidade constitucional da norma que serviu de ratio juris a essa prolação.
 
  
 
                      Ora, recursos do jaez do presente só são admissíveis, 
 constitucional e legalmente [cfr. alínea b) do nº 1 do aludido artº 70º e alínea 
 b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição] quando haja, precedentemente ao 
 proferimento da decisão judicial querida recorrer perante o Tribunal 
 Constitucional, a suscitação do acto do poder normativo que serviu de esteio à 
 decisão e não, como se assinalou na decisão em crise, o acto do poder público 
 consubstanciado na decisão judicial como tal considerada.
 
  
 
                      Aliás, tem este Tribunal, por diversas vezes, sublinhado 
 que, quando, do mesmo passo, se esgrime com o fundamento de que uma dada decisão 
 violou certo preceito da lei ordinária e a Constituição, o vício de 
 inconstitucionalidade não pode deixar de estar a ser imputado à decisão. 
 Efectivamente, postar-se-ia como contraditório sustentar que a decisão deveria 
 ser reformada por não ter observado determinado preceito e, ao mesmo tempo, 
 invocar que esse preciso preceito era desarmónico com a Lei Fundamental (cfr., 
 verbi gratia, os Acórdãos números 489/2004, 710/2004 e 128/2005, disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt.). 
 
  
 
                      No que tange aos fundamentos carreados a partir do último 
 parágrafo de fls. 118 dos autos (fls. 10 da decisão em análise) e com os quais o 
 impugnante manifesta discordância, somente se dirá que as razões escritas nos 
 dois últimos parágrafos de fls. 119 do processo (fls. 11 da decisão) são 
 perfeitamente claras.
 
  
 
                      Delas decorre que não foi minimamente afirmado que o juízo 
 da «sanação» da «irregularidade» haveria de ser efectuado pelo Tribunal 
 Constitucional ou que era a este que competiria pronunciar-se sobre a sanação de 
 uma eventual «irregularidade» cometida nos tribunais das várias ordens. O que 
 resulta inequivocamente, isso sim, foi que o acórdão recorrido é que afirmou 
 que, admitindo ter ocorrido essa «irregularidade», ela sempre se encontraria 
 sanada.
 
  
 
                      E, com base nesse juízo, formulado pelo Tribunal a quo, 
 como se disse na decisão em causa, mesmo que o Tribunal Constitucional se viesse 
 a pronunciar sobre a enfermidade constitucional de uma eventual dimensão 
 interpretativa do nº 2 do artº 92º do Código de Processo Penal – que, também 
 eventualmente, teria sido operada pelo Tribunal da Relação de Lisboa – a decisão 
 constante do seu acórdão de 4 de Abril de 2006 manter-se-ia, pois que foi este 
 próprio aresto que decidiu que, a admitir ter ocorrido o «vício» decorrente 
 daquela «irregularidade», o mesmo encontrar-se-ia já sanado.
 
  
 
                      Neste contexto, não só se não descortina qualquer 
 ambiguidade ou obscuridade naquilo que foi dito na decisão de 5 de Junho de 
 
 2006, como não merece censura o juízo aí levado a cabo.
 
  
 
                      Consequentemente, é de indeferir o que se peticiona, 
 condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça 
 em vinte unidades de conta.
 Lisboa, 22 de Junho de 2006
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos