Imprimir acórdão
Processo nº 892/98
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - A..., identificado nos autos, recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), do despacho do Reitor da Universidade Clássica desta cidade, de 15 de Maio de 1986, revogatório do despacho de 20 de Novembro de 1985 do Vice-Reitor da mesma instituição que, no exercício de competência delegada, autorizara a prorrogação por mais um biénio do seu contrato, como Assistente, com a Faculdade de Direito desse estabelecimento de ensino ' [Na verdade, a data do despacho recorrido é de 15 de Maio de 1986, e não 16 desse mês e ano, consoante consta de várias passagens dos autos].
A entidade recorrida fundamentou a revogação do despacho inicial na consideração de que este pressupusera prévia deliberação do Conselho Científico daquela Faculdade no sentido da renovação contratual, o que, na realidade, não sucedeu, pelo que foi o mesmo exarado em erro, encontrando-se ferido de ilegalidade, dado não se verificarem os pressupostos legalmente previstos.
Entretanto, corria termos, no mesmo tribunal, distribuído sob o n.º
6382, o processo de recurso contencioso da deliberação do Conselho Científico da Faculdade de Direito de Lisboa, datada de 12 de Março de 1986, que determinou
'não propor a renovação do contrato de assistente, pelo segundo biénio' do recorrente, e que foi distribuído sob o n.º 6382, deliberação que este considera ter produzido efeitos jurídicos substantivos entre a Administração e o interessado e que, por isso, qualifica como acto administrativo definitivo, ainda que meramente destacável, atacando-o, assim, contenciosamente.
Por despacho de 7 de Março de 1989, o juiz providenciou no sentido da apensação do referido processo n.º 6382, considerando que 'a decisão num e noutro caso dependia essencialmente da apreciação dos mesmos factos e da aplicação das mesmas regras de direito, ocorrendo ainda a identidade do processo ou dos elementos instrutórios', sendo que 'estão ainda em apreciação dois actos ligados por uma relação de dependência – o despacho de 16/5/86 encontra-se condicionado pela deliberação de 12/3/86'.
2. - Por sentença de 5 de Fevereiro de 1997, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou que a deliberação do Conselho Científico da Faculdade de Direito de Lisboa, datada de 12 de Março de 1986, em causa no apenso recurso contencioso, era irrecorrível, por falta de definitividade horizontal, pelo que rejeitou este recurso e concedeu provimento ao correspondente recurso contencioso, declarando a nulidade do despacho do Reitor da Universidade Clássica de Lisboa, de 15 de Maio de 1986 – revogatório do despacho de 20 de Novembro de 1985, proferido pelo Vice-Reitor da mesma Universidade e mediante o qual fora prorrogado para um segundo biénio o contrato do recorrente como assistente.
Não se conformando com esta decisão, dela interpuseram recurso o Reitor da Universidade de Lisboa e o ora recorrente, este na parte em que se julgou irrecorrível a deliberação do Conselho Científico, de 12 de Março de 1986, a que se reportava o processo apenso. Ambos os recursos foram admitidos, mas o interposto pelo Reitor da Universidade de Lisboa veio a ser julgado deserto, por falta de alegações, por despacho de 15 de Maio de 1997.
O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 25 de Julho de 1998, para além do mais, que ora não interessa considerar, concluindo que '... o parecer do Conselho Científico não tinha idoneidade para autonomamente produzir efeitos imediatamente lesivos da esfera jurídica do interessado, pelo que não era autonomamente recorrível', negou provimento ao recurso subsistente e manteve a decisão recorrida.
3. - É, pois, desta decisão que o interessado veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº
1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com o objectivo de ver apreciada a constitucionalidade das normas do nº 1 do artigo 25º e do artigo 34º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Junho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos – LPTA), tal como, in casu, foram interpretadas e aplicadas pelo aresto recorrido, o que, em sua tese, viola o disposto nos artigos 268º, nº 3, e
18º da Constituição da República (CR).
Nas alegações oportunamente apresentadas, concluiu do seguinte modo:
'1ª O artº 25º da LPTA (bem como o seu artº 34º), se interpretado e aplicado como o foi no Acórdão recorrido viola, grave e claramente, os preceitos e princípios dos artºs. 20º e 268º, nº 4 da CRP.
2ª Não é, antes de mais, de todo verdade que a deliberação em causa do Conselho Científico da FDL não fosse uma ‘decisão final’ ou não representasse sequer uma resolução final para o recorrente, cuja situação se teria mantido ‘a mesma’ independentemente da deliberação em causa.
3ª Esta não é um mero parecer, antes consubstancia uma proposta cuja aprovação, no sentido afirmativo, constitui (na própria tese da autoridade recorrida!)
‘conditio sine qua non’ ou pressuposto para a renovação do contrato,
4ª Acrescendo que ‘in casu’ o que se verifica não é a mera ausência de proposta favorável, mas a votação de uma proposta desfavorável!
5ª O acto recorrido consubstancia assim uma deliberação (que aprovou proposta apresentada nesse exacto sentido) que condicionou e determinou imediatamente a decisão final,
6ª Bem como afectou e condicionou imediatamente a situação jurídica do recorrente, sendo assim fonte imediata da decisão final,
7ª Tendo desde logo afectado e lesado – de forma injusta, desproporcionada, discriminatória, subjectiva e, mais que tudo isso, totalmente ilegal, já que o recorrente reunia todos os requisitos para a renovação do contrato, em condições bem melhores do que alguns dos seus colegas, que viram os seus contratos renovados – a ‘paz jurídica’ do recorrente e o seu próprio ‘status’ de docente universitário.
8ª No entendimento consagrado no Acórdão recorrido (ou seja, no de que um acto como o aqui impugnado seria meramente preparatório ou ‘instrumental’ e lhe faltaria ‘definitividade’) o invocado artº 25º, nº 1 da LPTA violentaria os supracitados artºs. 20º e 268º, nº 4 da CRP,
9ª Pois que, face a estes, o critério da recorribilidade contenciosa assenta no carácter lesivo do acto administrativo (não se exigindo aliás que o seja directa e imediatamente),
10ª Quer violentando o princípio da mais ampla e efectiva tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos,
11ª Quer reduzindo e comprimindo, de forma desproporcionada e injustificada, a garantia constitucional da impugnação contenciosa de quaisquer actos administrativos que lesem tais direitos e interesses.'
O Conselho Científico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, notificado, contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
'a) O recorrente visa através do presente recurso, não a impugnação da interpretação dada ao artº 25º, nº 1, da LPTA, pelo acórdão recorrido, mas apenas atacar a constitucionalidade da qualificação atribuída pelo tribunal a quo à deliberação de 12.03.86 de não propor a renovação do seu contrato, considerando-a, ao invés do que acontece no citado aresto, como imediatamente lesiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos; b) Não deve, por isso conhecer-se do objecto do presente recurso, em conformidade com a jurisprudência uniforme e constante deste Colendo Tribunal
(v., por último, o Ac. TC nº 32/98); c) De qualquer modo, a verdade é que o acórdão recorrido fez uma interpretação conforme à Constituição do artº 25º, nº 1, da LPTA, nos termos da qual o sentido aí considerado de acto administrativo definitivo correspondente ao de um acto de eficácia eterna com idoneidade (autónoma) para lesar efectivamente (e não apenas potencialmente) direitos ou interesses dos particulares; d) O recorrente não pôs em causa este entendimento, mas como referido, apenas a não qualificação do acto concretamente recorrido naqueles termos; e) De resto, aquela interpretação corresponde ao sentido da jurisprudência maioritária do TC (em especial, Acs. nº 9/95, TC nº 115/96 e TC nº 32/98) e do STA (em especial, Acs. STA-P, de 23.05.91, P. nº 22.206 e STA-S, de 22.09.94, P. nº 32.357); f) Finalmente, ainda que se considerasse necessário apreciar o juízo sobre a irrecorribilidade de deliberação de 12.03.86 à luz do disposto no art. 25º, nº
1, da LPTA, a verdade é que, em virtude de a citada deliberação ser posterior à renovação do contrato do recorrente, a mesma não é susceptível de afectar o mesmo contrato; g) Aliás, tal deliberação não pré-determina nem é um pressuposto necessário do despacho reitoral que em 16.05.86 revogou a autorização dada para a revogação do contrato do recorrente; h) O referido despacho foi praticado livremente pelo seu autor e motivado pela existência de um erro denunciado através de uma comunicação do Presidente do ora recorrido; i) Consequentemente, o interesse do recorrente – por ele mesmo identificado com o mencionado contrato objecto de renovação – não é beliscado pela deliberação de
12.03.86, pelo que a irrecorribilidade contenciosa desta, fundada no artº 25º, nº 1, da LPTA, não ofende a garantia constitucional de acesso à justiça administrativa para tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos contra actos administrativos que os lesem consagrada nos artºs. 20º, nº 1, e
268º, nº 4, da CRP. Nestes termos, nos demais de Direito aplicáveis, e com o douto suprimento de V.Exas., deve (i) não se conhecer do objecto do presente recurso, por não estar em causa a apreciação de qualquer norma jurídica mas apenas a qualificação de um acto do ora recorrido; e (ii) a título subsidiário, negar-se provimento ao presente recurso de constitucionalidade e confirmar-se o acórdão recorrido no tocante ao juízo positivo de constitucionalidade; em ambos os casos, com todas as legais consequências, pois só assim se fará a costumada justiça.'
Equacionada, assim, uma questão prévia relativa ao não conhecimento do objecto do recurso, foi da mesma dado conhecimento ao recorrente que respondeu no sentido da sua improcedência.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II
1. - Da questão prévia do não conhecimento do objecto do recurso
1.1. - Constitui objecto do presente recurso, conforme o recorrente o delimitou no requerimento de interposição, a apreciação da constitucionalidade das normas do n.º 1 do artigo 25º e do artigo 34º do Decreto-Lei n.º 267/85, de
16 de Junho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos – LPTA), tal como, in casu, foram interpretadas e aplicadas pelo aresto recorrido, o que, na tese do recorrente, viola o disposto nos artigos 268º, n.º 3, e 18º da Constituição. São do seguinte teor as disposições em causa: Artigo 25º
(Actos recorríveis)
1 - Só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios.
2 - (...)
Artigo 34º
(Precedência de impugnação administrativa) O recurso contencioso, quando precedido de impugnação administrativa necessária, depende da observância, quanto a esta, das disposições seguintes que sejam aplicáveis ao caso: a. A petição pode ser apresentada perante o autor do acto impugnado ou perante a autoridade a quem seja dirigida, no prazo de um mês, se outro não for especialmente fixado; b. O recurso hierárquico de acto praticado por órgão da administração central pode ser directamente interposto para o órgão competente para a decisão final.
No caso concreto, o recorrente teve o ensejo de melhor precisar, em sede de alegações, a interpretação/aplicação que a decisão recorrida fez dos preceitos impugnados, referindo que «no entendimento consagrado no acórdão recorrido (ou seja, no de que um acto como o aqui impugnado seria meramente preparatório ou
'instrumental' e lhe faltaria 'definitividade') o invocado art.º 25º, nº1, da LPTA violentaria os supracitados artºs. 20º e 268º, nº4, da CRP», «pois que, face a estes, o critério da recorribilidade contenciosa assenta no carácter lesivo do acto administrativo (não se exigindo aliás que o seja directa e imediatamente)» (cfr. conclusões 8ª e 9ª).
Porém, nas contra-alegações, o recorrido suscitou a questão prévia do não conhecimento do recurso, invocando que, com este, o recorrente não pretende impugnar a interpretação dada pelo acórdão recorrido à norma do artigo 25º, nº1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, mas apenas atacar a 'constitucionalidade da qualificação atribuída pelo tribunal a quo à deliberação de 12.03.86 de não propor a renovação do seu contrato, considerando-a, ao invés do que acontece no citado aresto, como imediatamente lesiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos'.
Nesta perspectiva, não estaria posta em causa uma dimensão interpretativa dos preceitos legais convocados, tal como foi precipitada na decisão, mas sim esta própria, em si mesma considerada, e, assim, discutir-se-ia a constitucionalidade da conclusão a que o aresto recorrido chegou quanto à qualificação atribuída à deliberação do Conselho Científico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, de 12 de Março de 1986, – o que, a ser assim, manifestamente, não se inseriria no âmbito do controlo normativo próprio deste tipo de recurso.
1.2. - A decisão recorrida, ao proceder à análise dos fundamentos do recurso, depois de apreciar da conformidade constitucional da norma do artigo
25º, nº1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, em consonância com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, abordou a questão da definitividade vertical do acto em causa, concluindo que a citada deliberação do Conselho Científico da Faculdade de Direito de Lisboa, de 12 de Março de 1986, de não propor a renovação do contrato do recorrente, não era passível de reclamação hierárquica necessária.
A este respeito, consignou-se que a questão da definitividade vertical não se põe (por razões naturais) em actos que não são horizontalmente definitivos, pois, se os actos em causa não forem decisões finais de um processo, ou de um incidente, e não contiverem qualquer decisão sobre a situação jurídica concreta, não faz sentido falar-se em reclamação hierárquica necessária, a não ser que a lei o diga expressamente. Assim, considerando que o parecer se inclui na tramitação de um procedimento e, portanto, a entidade com competência hierárquica para decidir tomará em conta o parecer na decisão final do procedimento, e não prevendo a lei qualquer norma que exija o recurso hierárquico necessário dos pareceres do Conselho Científico da Faculdade de Direito de Lisboa, concluiu-se pela inexigência de tal recurso obrigatório e que o parecer era a última palavra de quem o proferiu e de quem o podia proferir.
Diversamente, quanto à questão da definitividade horizontal e material, entendeu-se no aresto recorrido que o parecer não era horizontalmente definitivo, com o sentido de conter uma decisão final, confirmando-se a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 5 de Fevereiro de 1997, que concluiu pela irrecorribilidade da deliberação em causa, por falta de definitividade horizontal, tendo em conta que se tratava de um mero acto preparatório, preliminar da decisão final a tomar pelo Reitor, esta sim com a natureza de acto definitivo e executório.
Para tanto, ponderou o Tribunal Central Administrativo no acórdão recorrido que:
«(...) A decisão final do respectivo procedimento, no caso destes autos, era a renovação de um contrato de provimento ou, mais preciso ainda, a renovação do contrato para o biénio 1-11-85 a 21-10-87. O parecer do Conselho científico tinha a natureza de uma proposta de renovação do contrato. Não há dúvidas que é assim. O art. 25º, nº 1 do Dec.Lei 781/A/76, de 28 de Outubro atribui ao Conselho Científico '(...) f) propor a contratação de docentes, investidores e pessoal técnico adstrito às actividades científicas, bem como a renovação dos contratos cessantes (...)'. Por outro lado dispõe o art. 26º da Lei 19/80, que
'(...) 1. os assistentes são providos por um período de seis anos, prorrogável por um biénio. 2. A prorrogação só pode ser autorizada mediante proposta fundamentada do Conselho Científico, baseada em relatório do professor responsável pela disciplina, grupo de disciplinas ou departamentos respectivo, e desde que o assistente tenha em fase adiantada de realização o trabalho de investigação conducente à elaboração da dissertação de doutoramento'. O deferimento do pedido de renovação, caberia, assim, ao Reitor – única entidade que, à data, poderia praticar actos administrativos definitivos, relativamente aos contratos de provimento, face ao disposto no art. 1º, al. a) do Dec.Lei
373/84, de 9/10.
Todavia a conclusão a que se chegou não resolve a questão da recorribilidade contenciosa do parecer do Conselho Científico. Há casos em que se admite o recurso contencioso de actos preparatórios, por meras razões práticas. São os casos dos actos que 'põem termo a um incidente autónomo dentro do procedimento,
'e os actos que impliquem resolução final para certa pessoa, impedindo a sua continuação no procedimento' – cfr. Prof. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III, pág. 222. Nestas situações, embora o procedimento administrativo prossiga, o certo é que, relativamente ao interessado 'excluendo' o procedimento termina ali. Daí que se possa falar ainda (ou desde logo) em definitividade horizontal e também material. No caso dos autos o acto impugnado é um acto do Conselho Científico (de 12-3-86
– cfr. ponto b.15 da matéria de facto) que 'deliberou não propor a renovação do contrato de Assistente, pelo segundo biénio, do recorrente (...)'. Este acto só por si não excluiu o recorrente do procedimento, tanto mais que depois do acto ser proferido, o Presidente do Conselho Científico dirigiu ao Reitor o ofício de
23-4-86 pedindo a tomada das 'providências necessárias para reparar a situação'
(b.16), tendo o Reitor em 16-5-86, revogado o despacho de autorização da prorrogação do contrato (ponto b.17), e tendo o recorrente interposto recurso deste último despacho. Flui com evidência que o recorrente continuou no procedimento, vindo relativamente a ele a ser proferido um acto culminante do procedimento (a revogação da prorrogação contratual). Não existe, portanto, qualquer razão para se falar aqui em definitividade horizontal com a mera a emissão do parecer do Conselho Científico. Mesmo que se admita que o parecer seja vinculativo para o reitor, e que, portanto, para a prorrogação do contrato se exija sempre parecer favorável do Conselho Científico, a verdade é que na situação concreta deste processo não havia uma decorrência inexorável do aludido parecer, que culminasse inelutavelmente com a não contratação do recorrente. É tão verdadeira esta afirmação que basta contemplar o caso dos autos. O recorrente, a despeito do parecer contrário do Conselho Científico e da revogação da autorização anteriormente dada, viu o acto de autorização (revogado pelo despacho consequentemente ao parecer negativo) ganhar validade, com a nulidade declarada pelo tribunal do acto de revogação. Ora esta solução seria exactamente igual se não tivesse havido recurso do parecer, se este acto fosse julgado irrecorrível, ou se este recurso fosse julgado improcedente. Assim, e não obstante o parecer em causa a situação do recorrente ficou como estava antes desse parecer. Melhor demonstração de que o parecer poderia, a final, não produzir quaisquer efeitos não há. Tudo dependeria, neste caso concreto, daquilo que o Reitor fizesse perante o parecer. Tanto era assim que o Conselho Científico se limitou a pedir as 'medidas necessárias', deixando ao
órgão competente o critério de determinar tais medidas. Compreende-se que assim fosse, uma vez que tinha havido um lapso e devido a esse lapso o contrato administrativo já fora prorrogado e, portanto, já vigorava. Neste quadro jurídico – onde um contrato já produzia efeitos – o parecer do Conselho Científico (contrário a essa renovação) nunca poderia trazer inexoravelmente, como pretende o recorrente, a revogação da 'prorrogação' do contrato. A situação jurídica era bastante mais complexa, pois haveria que ter em conta os reflexos já existentes e decorrentes da vigência de um contrato administrativo, isto é, o leque de direitos e deveres para ambos os contraentes daí emergentes. Perante este quadro, era pensável e possível que o reitor tomasse várias atitudes: (1) nada fazer, pois nada obriga a Administração a revogar actos ilegais; (2) rescindir unilateralmente o contrato, se entendesse que tinha motivos para tal, invocando o erro – lapso na formação da vontade de o renovar, ou (3) pedir judicialmente a anulação do contrato, invocando o erro na formação da vontade de o renovar, ou até, como veio a fazer, (4) revogar o acto de autorização da renovação contratual. Como se vê, existia uma pluralidade de comportamentos logicamente pensáveis pela entidade competente para decidir o procedimento, pelo que não é possível atribuir ao parecer do C.C., nem sequer, aquela 'previsibilidade ou grande probabilidade' de cessação do contrato de provimento, necessária para aceitar aqui uma impugnação contenciosa autónoma. Estamos, sim, perante uma situação em que a lesão do recorrente (não renovação do contrato) é tão eventual – tão eventual era, bem vistas as coisas, que nunca passou da potência ao acto, face à declaração de nulidade do acto do Reitor. O recorrente – apesar do parecer em causa ser desfavorável à renovação do seu contrato, acabou por ver o ser contrato renovado, renovação essa que perdurou até à verificação do respectivo termo. Podemos, assim, concluir com toda a segurança, que o parecer do Conselho Científico não tinha idoneidade para autonomamente produzir efeitos imediatamente lesivos da esfera jurídica do interessado, pelo que não era autonomamente recorrível.»
1.3. - Como se sabe, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade do tipo em apreço destina-se ao controlo normativo de constitucionalidade, não estando vocacionado para a impugnação da decisão judicial recorrida, como tal considerada, como sucede quando o desenvolvimento argumentativo se dirige a esta última, dela se discordando com o objectivo da sua reapreciação relativamente à qualificação jurídica dos actos concretos, oportunamente feita.
Como se escreveu no acórdão n.º 18/96 deste Tribunal, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1996 (e tantos outros se poderiam citar), '[o] sistema português de fiscalização concreta de constitucionalidade é, tal como vem sublinhando este Tribunal, um sistema de controlo normativo, uma vez que só podem ser objecto de recurso de constitucionalidade as normas jurídicas e não também as decisões judiciais, consideradas em si mesmas (cf., inter alia, o Acórdão deste Tribunal n.º 318/93, publicado no Diário da República, II série, de 2 de Outubro de 1993, e os Acórdãos n.ºs 638/93 e 412/94, estes dois inéditos).
Na verdade, o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de recursos interpostos de decisões dos outros tribunais que recusem a aplicação de normas jurídicas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que as apliquem, não obstante a sua inconstitucionalidade haver sido suscitada durante o processo pelo recorrente. Ainda de harmonia com a jurisprudência uniforme deste Tribunal, nada obsta a que, na fiscalização concreta, se discuta a constitucionalidade de uma norma, tal como ela foi interpretada e aplicada ao caso concreto (cf., por todos, o Acórdão deste Tribunal n.º 114/89, publicado no Diário da República, II série, de 24 de Abril de 1989).
A questão de inconstitucionalidade pode respeitar a uma norma, a uma sua dimensão parcelar ou, mais restritamente, à interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso e aplicada na decisão recorrida (cf., por todos, o Acórdão n.º 238/94, publicado no Diário da República, II série, de 28 de Junho de 1995).'
Reconhece-se, não obstante, nem sempre ser fácil e isenta de dúvidas a demarcação entre norma e decisão, uma vez que só a primeira está sujeita a controlo por via do recurso de constitucionalidade, inexistindo entre nós um sistema assente na 'queixa constitucional' ou no 'amparo', ou figura equivalente.
Deste modo, não integra o âmbito do controlo da fiscalização concreta da constitucionalidade a apreciação da qualificação que a decisão recorrida faz da deliberação do Conselho Científico da Faculdade de Direito de Lisboa, de 12 de Março de 1986, de não propor a renovação do contrato do recorrente, como acto preparatório ou instrumental, da decisão final do Reitor, não imediatamente lesiva dos direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente, e, assim, não recorrível contenciosamente nos termos do artigo
25º, nº1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
Este mesmo entendimento, e com referência à interpretação do artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e da qualificação de actos administrativos nos termos e para os efeitos deste preceito, teve o Tribunal Constitucional o ensejo de o reafirmar no acórdão n.º
32/98 (publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Março de 1998):
'Na verdade, a dissensão da recorrente verifica-se quanto à qualificação do acto administrativo, que pretende ser um acto definitivo e não meramente confirmativo, como foi qualificado pelas instâncias. Só que, e desde logo, no tocante à qualificação do acto, tal matéria, encontra-se subtraída ao conhecimento deste Tribunal, não lhe competindo emitir quaisquer juízos nesse sentido'. Nesta perspectiva – a de se pretender discutir a qualificação do acto administrativo em causa – não se poderia, pois, tomar conhecimento do recurso. Porém, a questão colocada, tal como delimitada das conclusões da alegação do recorrente, conforme referido em 1.1., abrange uma dimensão interpretativa da norma do artigo 25º, nº1, da LPTA, no sentido de considerar irrecorrível a deliberação do Conselho Científico da Faculdade de Direito de Lisboa, de 12 de Março de 1986, de não propor a renovação do contrato do recorrente, não sendo esta imediatamente lesiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, mas tão só eventual. Assim, não se discutindo a certeza da decisão quanto à qualificação da deliberação em causa, nem os seus fundamentos, deve, com esta interpretação, conhecer-se do recurso, improcedendo a questão prévia suscitada. Com efeito, mais do que o acto de julgamento, a envolver a ponderação da singularidade do caso concreto, e a subsequente decisão, está em causa a apreciação da constitucionalidade de um dado critério normativo, genérica e abstractamente equacionado. O que leva a que do mérito da causa se conheça.
2. - Do mérito da causa
2.1. - Assim delimitado o objecto do recurso, ou seja, restrito à interpretação normativa do artigo 25º, nº1, da LPTA, no sentido de considerar irrecorrível a deliberação do Conselho Científico da Faculdade de Direito de Lisboa, de 12 de Março de 1986, de não propor a renovação do contrato do recorrente, não sendo esta imediatamente lesiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, mas tão só eventual, vejamos, então, se este entendimento afronta o disposto no nº4 do artigo 268º da Constituição.
As questões convocadas pelo recorrente foram já objecto de apreciação neste Tribunal pelos acórdãos n.ºs 9/95 (publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Março de 1995), 603/95 (publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Março de 1996), 115/96 (publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Maio de 1996) e 32/98 (publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Março de 1998), entre outros.
Conforme se conclui no acórdão 9/95, a respeito da garantia consagrada no artigo 268º, nº4 (redacção da Lei nº1/89, de 8 de Julho), da Constituição:
'O sentido da garantia constitucional de recurso contencioso contra actos administrativos ilegais é, portanto, esta: ali onde haja um acto da Administração que defina a situação jurídica de terceiros, causando-lhe lesão efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, existe o direito de impugná-lo contenciosamente, com fundamento em ilegalidade. Tal direito de impugnação contenciosa já não existe, se o acto da Administração não produz efeitos externos ou produz uma lesão de direitos ou interesses apenas potencial'.
A este respeito, acrescentou-se no acórdão n.º 115/96, a propósito da redacção dada ao nº4 do artigo 268º pela 2ª revisão constitucional
– Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho -, em confronto com o texto anterior – o nº3 do artigo 268º, que:
'A intenção terá sido a de ampliar o âmbito do recurso contencioso de modo a abranger quaisquer actos administrativos, tornando-os sindicáveis, desde que lesantes de 'direitos ou interesses legalmente protegidos' e, do mesmo passo, abandonou-se a referência à executoriedade e à definitividade desses actos, de conceituação polémica ou, pelo menos, de formalização excessiva.
Como se observou na discussão parlamentar deste preceito constitucional, fez-se recair directamente a recorribilidade do acto na circunstância de ele lesar os direitos ou interesses legalmente protegidos, reconhecendo-se que as apontadas características de executoriedade e de definitividade, a que a LPTA se refere ainda, acabavam por diminuir as garantias de defesa do administrado, reduzindo as possibilidades do recurso contencioso
(cfr. Deputado Rui Machete, in Diário da Assembleia da República, II Série, n.º
55-RC, de 7 de Novembro de 1988, pág. 1740).
A possibilidade de impugnação de um acto administrativo implica que se trate de uma decisão de autoridade tomada no uso de poderes jurídico-administrativos com vista à produção de efeitos jurídicos externos sobre determinado caso concreto, o que, em princípio, exclui da recorribilidade os actos internos e os actos preparatórios. Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 'nestes casos não existem efeitos externos ou existem apenas efeitos prodrómicos de um acto procedimental que só se torna acto decisório através do acto conclusivo do procedimento'; só assim não será, segundo os mesmos autores, se estes forem idóneos para produzir efeitos imediatamente lesivos (e, por conseguinte efeitos externos) porque então, sendo actos preparatórios dotados de efeitos próprios de um acto administrativo, já são susceptíveis de impugnação contenciosa (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 3ª ed., 1993, pág. 939).
O Tribunal Constitucional, de resto, também assim o vem entendendo, como exemplifica o seu acórdão n.º 9/95, já citado, onde se fala de uma purificação do conceito de acto administrativo contenciosamente impugnável, segundo a qual, 'o que a garantia constitucional da accionabilidade dos actos administrativos ilegais procura assegurar é que haja sempre a possibilidade de sindicar judicialmente, com fundamento na sua ilegalidade, todo e qualquer acto de autoridade que produz ofensa de situações juridicamente reconhecidas (isto é, que tenha efeitos externos)'. No domínio do contencioso de anulação - como mais se acrescenta, seguindo-se Rogério E. Soares, 'O acto administrativo' in Scientia Iuridica, T. XXXIX, 1990, pág. 32) - há-de, no entanto, excluir-se toda e qualquer acto que não esteja a concretizar lesões, todo o acto que no procedimento serve apenas actos de primeira grandeza'.
Deste modo, a interpretação sufragada na decisão recorrida que, entendendo que o acto em causa não tinha idoneidade para autonomamente produzir efeitos lesivos da esfera jurídica do interessado, não era autonomamente recorrível, nos termos do artigo 25º, nº1, e, bem, assim, do artigo 34º, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, está de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional sufragada, entre outros, nos arestos acima referidos, cuja fundamentação aqui, no essencial, se acolhe.
2.2. - É certo que a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, deu nova redacção aos n.ºs 4 e 5 do artigo 268º e levou a cabo duas transformações notáveis, como salientou o Deputado Barbosa de Melo: «a primeira é que o nº4 integra, num todo harmónico, o que actualmente, sem grande aprumo racional, anda derramado pelos n.ºs 4 e 5 vigentes; a segunda consta do n.º 5, no ponto em que este consagra inequivocamente o direito de acção contra regulamentos da Administração que afectem desfavorável e directamente cidadãos nos seus direitos e interesses» (Diário da Assembleia da República, VII legislatura, 2ª sessão legislativa, reunião plenária de 30 de Julho de 1997, página 3955). Com a redacção introduzida, o nº4 deste preceito passou a ficar redigido de modo a garantir aos administrados «tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas».
O que o legislador constitucional pretendeu foi deixar claro que «o princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa - a mais do que obrigar o legislador a regular o clássico direito ao recurso contencioso contra actos administrativos; e, bem assim, o direito de acesso à justiça administrativa para tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos
(nomeadamente, das acções para o reconhecimento desses direitos ou interesses) - obriga-o a prever meios processuais que permitam ao administrado exigir da Administração a prática de actos administrativos legalmente devidos (acções cominatórias) e, quando for o caso, lançar mão de medidas cautelares adequadas».
É que tudo são manifestações (concretizações) do direito de acesso aos tribunais para defesa, por banda dos administrados, dos 'seus direitos e interesses legalmente protegidos', como dispõe o n.º 1 do artigo 20º da Constituição» (cfr. acórdãos n.ºs 104/99, 105/99 e 469/99, publicados no Diário da República, II Série, de 10 de Abril de 1999, 15 de Maio de 1999 e 14 de Março de 2000, respectivamente).
'Todavia, da consagração desta garantia de protecção jurisdicional, dirigida à protecção dos particulares através dos tribunais, e deste direito de impugnação dos actos administrativos lesivos, não tem de decorrer a impossibilidade de condicionamento, pelo legislador, de tal recurso contencioso à existência de uma necessidade concreta de protecção judicial do particular – ou, o que é o mesmo, não decorre uma obrigatória impugnabilidade jurisdicional imediata de todos os actos, ainda que mediatamente lesivos, independentemente de se tratar de um acto que traduza a última palavra da Administração', como se salientou no acórdão n.º
40/2001 (publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Março de 2001).
2.3. - Por outro lado, também não se mostra violado o disposto no artigo 20º da Constituição, conforme se salientou no acórdão 32/98, já citado, 'pois aquela disposição constitucional consagra de forma genérica o direito de acesso aos tribunais, que é concretizado pelo artigo 268º, n.º 4, da CRP, estabelecendo o direito de acesso aos tribunais administrativos, pelo que, não se demonstrando a violação desta norma constitucional, pela mesma ordem de razões não poderá resultar qualquer ofensa ao princípio genérico de que a última é uma concretização'. Sendo assim, a interpretação dada pelo acórdão recorrido ao nº1 do artigo 25º, e, bem assim, ao artigo 34º, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, não viola os artigos 20º e 268º, nº4, da Constituição, nem reduz , de forma desproporcionada e injustificada, a garantia de protecção jurisdicional consagrada na Lei Fundamental.
III
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar-se o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 26 de Junho de 2001 Alberto Tavares da Costa Messias Bento José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida