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Proc. nº 380/01 Acórdão nº 290/01
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. V..., O ..., A ... e J... interpuseram recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra que julgara improcedentes as acções para efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado emergente de acto ilícito, em que os mesmos eram autores. Nessas acções, que haviam sido apensadas por determinação do Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, os autores alegaram que, tendo sido anulado por falta de fundamentação o acto que nomeou um outro oficial para desempenhar um cargo no âmbito da NATO, ao qual também se tinham candidatado, lhes assistia o direito de serem indemnizados pelos danos resultantes da sua não nomeação.
Nas alegações que apresentaram perante o Supremo Tribunal Administrativo (fls. 22 a 50 dos presentes autos de reclamação), os recorrentes formularam, entre outras, as seguintes conclusões:
'[...]
8ª. Os Recorrentes impetraram pedido de indemnização dos danos, decorrentes do acto anulado por decisão jurisdicional proferida pelo STA, e da inexecução desta com fundamento em causa ilegítima de inexecução, tudo como lhes é permitido o disposto no artº 7º, nº 1, 2ª parte, do Dec-Lei nº 256-A/77, bem assim o artº
2º, nº 1, 6º e 9º do Dec-Lei 48.051, todos conjugadamente lidos com o artº 22º da Constituição. Pois,
9ª. foram eles que ficaram afectados com a manutenção do acto anulado na ordem jurídica, a que não obsta a alegada ausência de nexo de causalidade, porquanto, a indemnização somente é de excluir quando o acto seja efectivamente renovado, o que não sucede no caso em apreço. Com efeito,
10ª. a autoridade em causa recusou-se a externar quais os fundamentos de facto que presidiram à nomeação do, então, Recorrido Particular, pese embora os Recorrentes lho tenham requerido, bem como a execução do aresto que anulou o acto,
11ª. tal recusa faz presumir que o mesmo foi praticado sem observância das disposições legais e regulamentares pertinentes, bem como dos requisitos a que se autovinculou, indiciando assim a forte possibilidade da existência de vícios de fundo, como seja a inexistência de fundamentos para a sua prática. Por conseguinte,
12ª. não se verifica a apontada contradição em que os Recorrentes tenham alegadamente incorrido, e que o Sr. Juiz «a quo» interpretou como referindo-se à categoria de responsabilidade civil do Estado por actos ilícitos, desconsiderando aquela igualmente invocada responsabilidade civil por actos lícitos. Assim,
13ª. cabe ainda dizer que nas presentes acções, a discussão dos referidos pressupostos, fixados já na fase judicial executiva, se mostram insusceptíveis de fundar a sua improcedência, porquanto nestas apenas se discute o «quantum indemnizatur». Como assim, o Sr. Juiz «a quo» ao decidir dispensar a audiência preliminar, ofende a disposição contida no artº 508º-B do C.P.C., o que constitui nulidade prevista no artº 201º do mesmo diploma. O despacho saneador omitiu a base instrutória, da qual devem constar os factos seleccionados segundo as soluções plausíveis de direito como postula o artº
510º, nº 1, al. b) e 511º, do C.P.C., sendo que a matéria de facto assente é insusceptível de respeitar o fim postulado pelas normas acabadas de citar, estando inviabilizada a decisão de mérito nessas circunstâncias devendo Vs. Ex.ªs fazerem uso dos poderes previstos no artº 712º do C.P.C., especialmente no que concerne aos seus nºs 1 e 4. Outrossim, a decisão jurisdicional ora em apreço, padece da nulidade prevista no artº 668º, nº 1, al. d) do referido diploma, porquanto conheceu de questão que não podia e omitiu pronúncia sobre o que lhe foi peticionado pelos nela Autores, remetidos que foram pela douta decisão recaída no incidente de fixação de indemnização. Ainda assim, fez-se nesta errada interpretação dos artºs 483º e 562º e 563º todos do Cód. Civ., no sentido em que se verificaria a ausência do nexo de causalidade concernente na específica ilegalidade cometida e o dano, e, concomitantemente, violou os artºs 2º, nº 1, 6º e 9º do Dec-Lei nº 48.051, bem como do artº 22º da Constituição, estes últimos por alegadamente não ter sido invocado pelos recorrentes como causa de pedir a categoria de responsabilidade civil correspondente, e ainda a ofensa ao artº 205º, nº 2, da Constituição por postergar o princípio da prevalência das decisões judiciais e, em consequência, permitir instituição do arbítrio na conduta administrativa, ao deixar sem sanção o desrespeito por decisão jurisdicional legitimamente tomada pelo órgão constitucionalmente competente para o efeito.'
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 14 de Março de
2001 (fls. 51 a 68 v.º destes autos), negou provimento o recurso, confirmando a decisão recorrida.
2. Inconformados, V..., O ..., A ... e J... interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, através de requerimento em que, entre o mais, escreveram
(requerimento de fls. 70 a 74 destes autos):
'[...] b) Pretende-se, assim, ver apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes dos arts. 124º, nº 1, al. b), do Código de Procedimento Administrativo, conjugadamente lido com o disposto nos arts. 148º e 150º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, na redacção ao tempo vigente, e arts.
5º, nº 1, 6º, do DL 256-A/77, bem como dos arts. 2º, nº 1, 6º e 9º do Dec-Lei
48051. c) Isto porque, na decisão em causa, se admitiu, inter alia, a desnecessidade da fundamentação expressa do acto anulado, postergando-se, na interpretação ali efectuada, os comandos constitucionais que impõem a fundamentação expressa dos actos administrativos, a prevalência das decisões dos Tribunais sobre as entidades públicas e privadas e o princípio constitucional da reparabilidade dos prejuízos causados aos particulares, por ofensa aos seus direitos, liberdades e garantias. d) Os quais, como o tem julgado a jurisprudência constitucional, gozam especial tutela na Lei Fundamental, como sucede com o dever de fundamentação expressa dos actos administrativos [...]. e) Na verdade, os Recorrentes deixaram expresso nas respectivas petições iniciais a sua posição sob os pressupostos da responsabilidade civil actuada, conduzindo a interpretação que deles foi feita no douto aresto, à compressão total do conteúdo essencial do direito fundamental à reparação dos danos causados com a recusa da Autoridade recorrida em executar a decisão legitimamente tomada por um Tribunal. f) Posto isto, a interpretação sufragada pelas instâncias nas normas acima identificadas, e perante elas suscitadas, ofende igualmente o princípio constitucional do Estado de Direito democrático, previsto no artº 2º da Constituição, bem como o disposto nos artºs 18º, nº 2, 20º, nº 1, 22º, 47º, nº
2, 205º, nº 2, 266º, nº 1 e 268º, nº 3, do referido Diploma Fundamental. g) [...]. A questão da inconstitucionalidade vem suscitada pelos Recorrentes, com invocação das respectivas normas e princípios, respectivamente, na petição inicial, réplica(s), e alegações de recurso jurisdicional, mormente com a lesão do princípio do Estado de Direito democrático e do seu subprincípio da responsabilidade do Estado pelos danos causados aos cidadãos, fundamentação expressa dos actos administrativos, conexionado com o do recurso contencioso, e da prevalência das decisões jurisdicionais sobre as autoridades públicas.'
O Conselheiro Relator, no Supremo Tribunal Administrativo, por despacho de 18 de Abril de 2001 (fls. 75 destes autos), não admitiu o recurso, por considerar que o acórdão de que se pretende recorrer 'não aplicou normas cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo'.
3. V..., O ..., A ... e J... reclamaram para o Tribunal Constitucional do despacho que não admitiu o recurso, nos termos do artigo 76º, nº 4, da Lei nº
28/82 (requerimento de fls. 2 a 14), alegando:
'[...] logo na petição inicial invocaram os Recorrentes o princípio do Estado de Direito consagrado no artº 2º da Constituição, bem como o da responsabilidade do Estado vertido no artº 22º da Lei Fundamental, deixando expresso o seu entendimento conforme àqueles princípios constitucionais, a que interpretação em contrário ao neles estatuído, incorreria na respectiva violação, e por conseguinte, no vício de inconstitucionalidade material, questão que não abandonaram. Além disso, invocaram os Recorrentes, nas réplicas que opuseram às contestações do Réu Estado, as normas constitucionais postas em crise com o teor da profusa argumentação jurídica postulada pelo Réu Estado, a que interpretação diversa dos preceitos legais invocados, conduziria necessariamente à sua inconstitucionalidade. Como assim, o disposto nos artºs 266º, nº 1 e 268º, nº 3, normas que impunham à Administração o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, especialmente este último normativo, respeitante à exigência de fundamentação expressa dos actos administrativos, concretizado no disposto no artº 124º, nº 1, al. a) do C.P. Administrativo, este conjugadamente interpretado com os arts. 148º e 150º do Estatuto dos Militares, ao tempo vigente. Para tanto, basta atentar nas referências que fizeram à jurisprudência do Tribunal Constitucional [...]. Por certo, o Julgador que apreciou as pretensões indemnizatórias ajuizadas, consequentes da inexecução daquele julgado, não podia deixar de nelas atentar, tendo a interpretação que delas fez levado a que incorram no vício de inconstitucionalidade. Daí as expressas referências que os Recorrentes fizeram
às citadas normas e ao entendimento que extraíram dos normativos constitucionais que as mesmas se destinavam a concretizar. Ora, se na sentença do TAC tal nem sequer mereceu um esboço de rebatimento, particularmente no que concerne à categoria de responsabilidade civil do Estado por acto lícito – artº 9º do DL 48051 – já o mesmo não sucedeu com o douto Acórdão recorrido, o qual veio a acolher interpretação das normas referidas no requerimento de recurso que, de todo, não deixou de causar a perplexidade e a surpresa dos Recorrentes, o que, diga-se, quiçá os conduz a duvidar da utilidade derivada de beneficiarem de uma decisão jurisdicional favorável, transitada em julgado, a que a Entidade recorrida se recusou a dar a execução, como era seu dever e conforme decorre do comando constitucional vertido no artº 205º, nº 2 e a lei ordinária lho impunham, mormente as disposições decorrentes dos artºs 5º, nº 1 e 6º do Dec-Lei 256-A/77, aqui convocadas, e que desse seu comportamento omissivo, não derivasse a merecida censura face a tão ostensiva violação dos mais elementares princípios do Estado de Direito Democrático, prática que o Réu Estado tanto censura aos particulares.
[...]. E mais surpreendidos ficaram os Recorrentes quando se depararam com a afirmação de que «o acto não podia, em caso algum, ser renovado, por, destinar-se ao preenchimento de um cargo por um período limitado, ter decorrido, entretanto, esse período». Na verdade, tal teor discursivo afronta imediatamente o disposto nos artºs 18º, nº 1, 20º, nº 1, 47º, nº 2, 205º, nº 2, 268º, nº 3, todos da Constituição, estes como integradores da interpretação dos artºs 124º, nº 1, al. a), do CPA, 148º e
150º do Estatuto dos Militares, e 5º, nº 1, e 6º do citado Dec-Lei 256-A/77, os quais impõe, se requerida, como efectivamente sucedeu, a execução da decisão jurisdicional transitada, pela Autoridade recorrida, sob pena de cair em interpretação inconstitucional destes preceitos legais, o que também se deixou justamente encarecido.
[...]. Por outro lado, no que concerne à interpretação dos artºs 2º, nº 1, 6º e 9º do DL 48051, não se ajusta a mesma ao disposto no artº 22º da Constituição, o que foi justamente encarecido pelos Recorrentes, já que a obrigação de indemnizar em matéria civil ali postulada, não se reveste exclusivamente de natureza reparadora, mas, não deixa de acessoriamente ter uma função repressiva ou sancionatória, como aliás se extrai do artº 494º do Cód. Civil, doutra forma, o infractor – Réu Estado – sairia beneficiado [...] e estaria aberto o caminho do afastamento do princípio da prevalência de decisões judiciais e, em consequência, permitir a instituição do arbítrio e do deslassamento da conduta administrativa, ao deixar sem sanção o desrespeito por decisão jurisdicional legitimamente tomada pelo órgão constitucionalmente competente para o efeito. Ora, o entendimento expresso na predita decisão jurisdicional sobre as referidas normas legais, não pode ter-se como conforme à Constituição, porquanto, então, estaria aberto do caminho para a Administração, mesmo que a coberto de causa legítima de inexecução, defraudar as garantias conferidas pelo contencioso administrativo e com ele os direitos, liberdades e garantias dos particulares
[...]. Por conseguinte, somente perante a decisão proferida quanto à accionada responsabilidade civil do Estado decorrente da inexecução de julgado anulatório proferido por um Tribunal Administrativo pela Entidade recorrida, tendo a mesma invocado, tardiamente, causa legítima de inexecução, logo o fizeram os Reclamantes no primeiro momento a que se lhes oferecia, a saber, no requerimento de recurso para esse mesmo Tribunal, como é, aliás, segundo o entendimento manifestado já em diversos Ac. [...]. Ainda assim, os Reclamantes apenas restringem a questão controvertida, à inconstitucionalidade da interpretação das normas legais acima referidas [...]. Por tudo o que se acabou de expor, a questão da inconstitucionalidade está, pois, posta por forma a poder ser objecto de apreciação por esse Tribunal.
[...].'
O Conselheiro Relator, no Supremo Tribunal Administrativo, manteve o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade (fls. 16 e v.º destes autos).
No Tribunal Constitucional, o Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se no sentido do indeferimento da presente reclamação (fls. 79 e
80).
II
4. O Supremo Tribunal Administrativo não admitiu o recurso interposto pelos ora reclamantes, por considerar que o acórdão de que se pretende recorrer
'não aplicou normas cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo'.
O recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – a alínea invocada no presente processo – é o recurso que cabe das decisões dos tribunais 'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'.
Para que o Tribunal Constitucional possa conhecer de um recurso fundado nessa disposição, exige-se que o recorrente suscite, durante o processo, a inconstitucionalidade das normas que pretende que este Tribunal aprecie e que tais normas sejam aplicadas na decisão recorrida, como ratio decidendi, não obstante essa acusação de inconstitucionalidade.
Nos termos do artigo 72º, nº 2, da mesma Lei, o recurso previsto na mencionada alínea b) só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
5. Ora, independentemente da questão de saber se as normas que os ora reclamantes pretendem submeter ao julgamento do Tribunal Constitucional foram aplicadas – ou se foram todas elas aplicadas na decisão recorrida – certo é que a invocação da inconstitucionalidade dessas normas não foi feita 'durante o processo', no sentido funcional que a jurisprudência do Tribunal Constitucional vem atribuindo a esta exigência.
A invocação da questão de inconstitucionalidade 'durante o processo', que é exigida como pressuposto processual do tipo de recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, há-de reportar-se necessariamente às normas que fundamentam a decisão sobre o objecto do litígio.
Subjacente à exigência legal de que a inconstitucionalidade seja suscitada 'durante o processo' está a ideia de que, antes de o Tribunal Constitucional se pronunciar em recurso (isto é, para reexame) de uma questão de inconstitucionalidade, é necessário que essa questão tenha sido apresentada ao tribunal a quo para este sobre ela previamente formular um juízo que este Tribunal possa sindicar. Deve, portanto, em princípio, a questão de inconstitucionalidade ser suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido.
Uma vez que, em regra, o poder jurisdicional se esgota com a sentença e tendo em conta que a eventual aplicação de norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial nem a torna obscura ou ambígua, a reclamação por nulidades de uma decisão judicial ou o pedido de aclaração de uma decisão judicial não constituem, já, em regra, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade (cfr., neste sentido, entre tantos outros, o acórdão nº 155/95, publicado no Diário da República, II Série, nº 140, de 20 de Junho de 1995, p. 6751 ss).
Só em casos muito particulares, em que o recorrente não tenha tido oportunidade para suscitar a questão de inconstitucionalidade é que este Tribunal tem considerado admissível o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade sem que sobre tal questão tenha havido uma anterior decisão do tribunal a quo (cfr., por exemplo, o acórdão n.º 232/94, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27º vol., p. 1119 ss).
No caso em apreço, os ora reclamantes apenas reportaram a inconstitucionalidade a certas e determinadas normas no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional (requerimento de fls. 70 a 74 destes autos, supra, 2.) – como aliás eles próprios reconhecem no requerimento através do qual deduziram reclamação do despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade (requerimento de fls. 2 a 14, supra, 3.).
Na verdade, nas alegações de recurso apresentadas perante o tribunal recorrido (o Supremo Tribunal Administrativo) – e apenas interessa considerar essa peça processual, atenta a exigência constante do artigo 72º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional –, os ora reclamantes exprimiram-se do seguinte modo:
'[...] tendo [...] peticionado os Recorrentes determinada quantia a título de danos não patrimoniais, o que não lhes era vedado fazer, atentas as especiais circunstâncias conducentes à presumida violação, e que não foi afastada pelo Recorrido, das disposições legais destinadas à protecção dos seus direitos e estabelecidas no seu interesse, como sejam as que invocaram nas respectivas petições de justiça, máxime o artº 148º e 150º do EMFAR, e as disposições constitucionais constantes dos artigos 47º, nº 2, 205º, nº 2, 266º, nº 1, 268º, nº 3' (nº 20, a fls. 33 dos presentes autos – itálico aditado agora).
'[...] tendo o Sr. Juiz «a quo», por um lado, efectuado errada aplicação das disposições do Código Civil em que escorou a decisão de improcedência das acções, por alegadamente faltar o nexo de causalidade entre a específica ilegalidade cometida e o dano invocado, como qualificou mal a causa de pedir para suportar o pedido dos danos patrimoniais, esta assente na responsabilidade civil por actos ilícitos, prevista no artº 22º da Constituição e 9º do Dec-Lei nº 48.051, como claramente deflui das petições de justiça, violando assim tais disposições [...]' (nº 32, a fls. 41 dos presentes autos – itálico aditado agora).
'[...] Os Recorrentes impetraram pedido de indemnização dos danos, decorrentes do acto anulado por decisão jurisdicional proferida pelo STA, e da inexecução desta com fundamento em causa ilegítima de inexecução, tudo como lhes
é permitido o disposto no artº 7º, nº 1, 2ª parte, do Dec-Lei nº 256-A/77, bem assim o artº 2º, nº 1, 6º e 9º do Dec-Lei 48.051, todos conjugadamente lidos com o artº 22º da Constituição' (conclusão 8ª, a fls. 45 – itálico aditado agora).
'Ainda assim, fez-se nesta errada interpretação dos artºs 483º e 562º e 563º todos do Cód. Civ., no sentido em que se verificaria a ausência do nexo de causalidade concernente na específica ilegalidade cometida e o dano, e, concomitantemente, violou os artºs 2º, nº 1, 6º e 9º do Dec-Lei nº 48.051, bem como do artº 22º da Constituição, estes últimos por alegadamente não ter sido invocado pelos recorrentes como causa de pedir a categoria de responsabilidade civil correspondente, e ainda a ofensa ao artº 205º, nº 2, da Constituição por postergar o princípio da prevalência das decisões judiciais e, em consequência, permitir instituição do arbítrio na conduta administrativa, ao deixar sem sanção o desrespeito por decisão jurisdicional legitimamente tomada pelo órgão constitucionalmente competente para o efeito' (parte final das alegações, a fls.
48 e 49 destes autos – itálico aditado agora).
Nas expressões utilizadas não pode ver-se a invocação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa especificamente reportada às normas que os ora reclamantes pretendem submeter à apreciação deste Tribunal.
Com efeito, não basta a referência a princípios ou preceitos constitucionais considerados pertinentes nem a referência à sua eventual violação para que o Tribunal Constitucional possa dar como verificada a exigência constitucional e legal de invocação de uma questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo.
De resto, no caso dos autos – e nas alegações produzidas perante o Supremo Tribunal Administrativo –, se alguma imputação é feita à violação de princípios ou preceitos constitucionais, ela reporta-se à decisão então recorrida, isto é, à sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, como decorre com clareza das passagens acabadas de transcrever.
Só no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional os ora reclamantes imputam o vício de inconstitucionalidade directamente a certas e determinadas normas. Mas esse não é já o momento adequado para considerar suscitada 'durante o processo' uma questão de inconstitucionalidade normativa, como tem sido julgado em jurisprudência constante deste Tribunal (cfr., por exemplo, o acórdão nº 405/99, inédito).
E não existe no caso dos autos qualquer razão para dispensar os ora reclamantes do ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade 'durante o processo', sendo certo que o acórdão aqui recorrido confirma a decisão proferida na 1ª instância. Os ora reclamantes tiveram portanto oportunidade de suscitar em momento anterior (concretamente, nas suas alegações perante o Supremo Tribunal Administrativo) a questão de inconstitucionalidade, em termos processualmente adequados.
6. Conclui-se assim que não estão verificados, no caso em apreço, os pressupostos de admissibilidade do recurso interposto – o recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta, por cada um.
Lisboa, 27 de Junho de 2001- Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida