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Processo nº 416/2001
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Pelo acórdão de 15 de Março de 2000 do Tribunal do Círculo Judicial de Bragança, de fls. 9, A ... foi condenado, 'pela prática de um crime [de dano qualificado] p. e p. pelo artº 213º/2-a) do Cód. Penal (...) na pena de 4 (...) anos de prisão', e a pagar ao ofendido a indemnização de 100.000$00 por danos não patrimoniais e de 8.375.000$00 por danos patrimoniais, acrescidos dos respectivos juros de mora. Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de
21 de Fevereiro de 2001, de fls. 26, alterou o montante da indemnização por danos patrimoniais para 6.875.000$00. De novo inconformado, A ... interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Conforme consta do requerimento de interposição de recurso, 'o normativo legal cuja inconstitucionalidade se pretende apreciada é o constante dos artigos 349º e 351º do Código Civil conjugado com os artigos 126º e 127º do Código de Processo Penal, no âmbito e contexto do alegado na motivação do recurso penal interposto'. Em seu entender, tal 'normativo' viola o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. Explica ainda que invocou a inconstitucionalidade na motivação do recurso que interpôs, 'identificável no Grupo III e conclusões 1 a 6 da motivação de recurso referido. Questão que contende com a inadmissibilidade do uso do mecanismo jurídico da presunção judicial em processo penal, nomeadamente quando do seu uso e aplicação depende a verificação probatória factual relativa a elemento essencial constitutivo do tipo, qual seja, no caso, o sujeito activo do crime de dano qualificado, no tipo legal designado por 'Quem?', conducente à condenação, e que
é determinante quanto ao juízo decisório a efectivar'.
2. O recurso, porém, não foi admitido pelo Tribunal da Relação do Porto, que entendeu que se não podia considerar oportunamente suscitada ('durante o processo') a questão de constitucionalidade, porque só na motivação do recurso interposto para aquele tribunal tinha sido levantada; e que, 'no acórdão ora recorrido, expressamente, consignou-se que não funcionou qualquer presunção para se atingir, como se atingiram, os factos provados'.
3. A ... reclamou para o Tribunal Constitucional do despacho de não admissão do recurso, sustentando que, ao invocar a questão de inconstitucionalidade na motivação do recurso que interpôs da decisão da primeira instância, cumpriu a exigência legal de a suscitar durante o processo. Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se pela improcedência da reclamação. Embora, conforme afirma, se deva considerar oportuno suscitar a inconstitucionalidade na referida motivação, a verdade é que A ... 'não suscitou, na motivação daquele recurso, ‘em termos procedimentalmente adequados’, uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso de fiscalização concreta que interpôs, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82 – limitando-se a questionar o modo como tal decisão alcançou o juízo probatório acerca de determinados factos – e imputando, deste modo, a pretenda violação do art. 32º da Constituição à própria decisão proferida e não à interpretação e aplicação de normas devidamente identificadas e especificadas'.
4. Na verdade, a reclamação não pode ser atendida. Com efeito, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade 'durante o processo' (al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de
1996). Ora o recorrente não suscitou nas alegações que refere a questão da inconstitucionalidade de nenhuma norma. Diferentemente, o que o recorrente afirma contrariar os nºs 1 e 2 do artigo 32º da Constituição foi a utilização do mecanismo das presunções para dar como provada a autoria do crime que lhe é atribuído – ou seja, a própria decisão sobre a matéria de facto. Basta ler a frase com que conclui a sua explicação do ponto III da motivação de recurso ('O uso de presunção judicial em processo penal, nos termos supra referidos, configura, aliás, violação ao disposto no artigo 32º, nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa'), ou as conclusões respectivas, em particular a nº 6. Não é, pois, por não ter sido invocada 'durante o processo', como exige a al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, que a inconstitucionalidade apontada não pode ser julgada pelo Tribunal Constitucional e que, portanto, não é deferida a apresente reclamação; seria oportuno o momento escolhido, como resulta do nº 2 do artigo 72º da mesma Lei. O que não pode é o Tribunal Constitucional apreciar uma inconstitucionalidade imputada à decisão recorrida e não a uma norma que nela tenha sido aplicada. Nestes termos, indefere-se a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 4 de Julho de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida