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Processo nº: 807/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., juíza de direito em regime de estágio, impugnou contenciosamente, perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art.º 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, a deliberação do Conselho Superior da Magistratura, de 12 de julho de 2011 que, homologando Parecer do Conselho Pedagógico do Centro de Estudos Judiciários, determinou a sua não nomeação em regime de efetividade na categoria de “juiz de direito”, por falta de adequação para o exercício do cargo, e a cessação de funções com efeitos a partir de 15 de julho de 2011.
Por acórdão de 19 de setembro de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça (secção a que se referem os n.ºs 2 e 3 do art.º 34.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - LOFTJ), julgou procedente o vício de violação do direito de audiência prévia e anulou a deliberação impugnada, julgando prejudicada a apreciação dos demais vícios imputados pela recorrente contenciosa ao ato impugnado.
A recorrente interpôs recurso de constitucionalidade deste acórdão, ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei 28/82 (LTC).
Por despacho do relator, com o qual as partes se conformaram, o objeto do presente recurso foi delimitado à apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 2 do art.º 660.º do Código de Processo Civil, interpretado no sentido da preclusão do conhecimento dos demais vícios imputados pelo recorrente ao ato impugnado por procedência do primeiro vício, de natureza formal (falta de audiência prévia).
2. Só a recorrente alegou, tendo concluído nos termos seguintes:
A. O objeto do presente recurso é limitado à questão da inconstitucionalidade do arrigo 660.º, n.º 2 do CPC, quando aplicada e interpretada no sentido da preclusão do conhecimento dos vícios invocados pela Recorrente por procedência do primeiro vício, de natureza formal (falta de audiência prévia).
B. O Tribunal ao interpretar – como interpretou – as normas constantes do n.º 2 do artigo 660.º do CPTA, rio sentido da preclusão do conhecimento dos vícios invocados peia Recorrente por procedência do primeiro vício, de natureza formal (falta de audiência prévia), fez uma interpretação inconstitucional por violação os nºs 4 e 5 do artigo 20.º e do n.º 4 do artigo 268.º todos da CRP.
C. Com efeito, os normativos constitucionais, em apreço, consagram os direitos de ação e de tutela jurisdicional efeito que pressupõe não só o direito de ação, mas, igualmente, o direito ao processo e à decisão sobre as questões trazidas aos autos, onde as regras de processo, as regras adjetivas têm que ser pensadas e estruturadas segundo o princípio pro actione.
D. Isto é, de forma a potenciar e a dar primazia às decisões de mérito sob as decisões de forma, devendo o direito adjetivo estar ao serviço do direito substantivo, sob pena de denegação da justiça.
E. «O direito de acesso aos tribunais a que se refere o n.º 1 inclui, desde logo, no seu âmbito normativo, quatro “subdireitos” ou dimensões garantisticas: (1) o direito de ação ou de acesso aos tribunais; (2) o direito ao processo perante os tribunais; (3) o direito à decisão da causa pelos tribunais; 4) o direito à execução das decisões dos tribunais.».
F. O texto constitucional consagrado no art. 268-4 é uma refração dos sobreditos princípios – que, na verdade, são verdadeiros direitos – de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva.
G. A norma cuja interpretação a Recorrente reputa de inconstitucional acolhe precisamente os referidos direitos constitucionais de acesso e tutela jurisdicional efetiva, na vertente do principio pro actione, ao determinar que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
H. O principio é sempre conhecer de todas as questões em apreço, é privilegiar o mérito sob a forma, é garantir que ao cidadão é solucionado o seu litígio, seja pelo reconhecimento ou pela negação da pretensão, direito ou interesse que pretende fazer valer, assim se concretizando os direitos de acesso e tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrados, na medida em que se efetiva direito à ação, ao processo, à decisão da causa e caso seja necessário à sua execução!
I. A norma, cuja interpretação feita pelo tribunal a quo a Recorrente reputa de ilega1, é uma das muitas refrações – ou se se preferir reflexos – do direito de acesso e tutela jurisdicional efetiva acolhidas no regime processual civil.
J. Sendo que o não conhecimento de todas as questões submetidas a julgamento é, apenas, um regime excecional, constituindo uma limitação aos referidos direitos de acesso e tutela jurisdicional efetiva, cuja interpretação e aplicação deve ser feita de modo cuidado e com a salvaguarda do núcleo destes direitos fundamentais.
K. O primeiro segmento da norma em apreço refere a apreciação de questões, devendo entender-se por questões os pontos de facto e de direito relevantes no litígio, respeitantes ao pedido, à causa de pedir e às exceções, que, de resto, se distinguem das razões, das meras argumentações tendentes à sua sustentação – cfr. entre outros Acórdão do STJ de 23.11.2006 disponível em www.dgsi.pt.
L. O segundo segmento da norma em apreço contém o conceito indeterminado questões cuja solução prejudica o conhecimento das restantes, devendo entender-se que tais questões se reconduzem às exceções dilatórias ou perentórias, sejam forma ou de substância, porquanto a sua procedência implica sempre a absolvição do réu, quer seja da instância, quer seja do pedido, não permitindo por ser inútil o conhecimento das demais.
M. Qualquer outra questão que não esta, podendo e devendo ser apreciada, se não conduzir à absolvição do Réu da instância ou do pedido, não pode prejudicar a solução das restantes questões que o Tribunal esteja obrigado a conhecer, sob pena de violação dos princípios constitucionalmente consagrados de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva, tal como previsto no art. 20-4-5 e 268-4 da CRP. Sob pena de negação da justiça e dos valores constitucionais que a garantem e a demandam!
N. Descendo ao caso concreto, o Tribunal a quo limitou-se a apreciar o vício decorrente da violação do direito de audiência prévia e o pedido de condenação, negando-se a conhecer os restantes (4) vícios imputados ao ato administrativo impugnado, por considerar que a solução dada à questão do vício de violação do direito de audiência prévia prejudicava a solução dada aos restantes vícios.
O. O tribunal interpretou erradamente a segmento da norma em apreço, porquanto o vício de violação do direito de audiência prévia não pode ser subsumido ao conceito indeterminado questão cuja solução prejudica o conhecimento das restantes.
P. O conhecimento de um vício que faz anular um ato administrativo, determina a condenação do Réu, mas não impede que o ato se renove e que o mesmo ato seja submetido novamente a juízo, tantas vezes quantos os vícios alegados, não é uma questão cuja solução prejudica as restantes.
Q. No limite é uma questão que se não for apreciada juntamente com os restantes vícios, não impede a administrada, ora Recorrente, de questionar novamente em Tribunal a validade desse mesmo ato.
R. O Tribunal a quo deveria ter conhecido de todos os vícios, podia inclusivamente julgá-los improcedentes, com exceção do vício da violação do direito de audiência prévia, mas a Recorrente via-se impedida de recorrer desse mesmo ato com fundamento nesses vícios, porquanto estes já haviam sido apreciados por sentença transitado em julgado. E via a sua situação jurídico-individual resolvida de forma definitiva!
S. Destarte, o Tribunal ao decidir como decidiu, viola o seu dever de conhecer todas as questões submetidas pela Recorrente à sua apreciação, por subsunção indevida e infundamentada à segunda parte do art. 660-2 do CPC.
T. Na verdade ao interpretar este segmento da norma como qualificando o conhecimento do vício de violação de audiência prévia, como sendo uma questão que prejudica o conhecimento das restantes questões (dos restantes vícios), quando esta questão não se qualifica como uma exceção, dilatória ou perentória, que determine a absolvição do Réu e o conhecimento das restantes questões, o Tribunal negou o direito de acesso e tutela jurisdicional efetiva da Recorrente constitucionalmente tutelado, na vertente de direito ao processo e do direito à decisão.
U. Em abono da verdade, a Recorrente tem direito a que todas as questões sejam conhecidas, não podendo um regime excecional ser interpretado aleatoriamente e sem qualquer correspondência com a letra ou o espírito da norma em causa, por forma a afastar sem fundamentação o seu direito constitucional a ver todas as questões submetidas a juízo resolvidas.
Y. Sendo indiscutível que o direito ao processo e o direito à decisão sobre as questões submetidas a juízo é um direito constitucionalmente protegido e previstos no art. 20-4-5.
W. Ultrapassada a questão de o Tribunal a quo ter afastado por completo a aplicação do art. 95 do CPTA em total desrespeito ao disposto no art. 78 do EMJ, a verdade é que tratando-se da impugnação de um ato administrativo os Ilustres Julgadores deveriam, pelo menos, ter-se socorrido da doutrina administrativa e das normas do CPTA quanto a esta matéria, no momento em que cuidaram de qualificar o vício de violação do direito de audiência prévia e, bem assim, as consequências da sua apreciação.
X. Nesta matéria, quer as normas do CPTA – com destaque para o art. 95 do CPTA – como a melhor doutrina na matéria são claras ao afirmar que, não só o vício de violação de audiência prévia não deve ser conhecido com precedência sobre os restantes, como a solução dada este vício não preclude o conhecimento dos restantes vícios alegados.
Acresce que,
Y. O Tribunal ao interpretar – como interpretou – as nomas constantes do art. 660-2 do CPTA, no sentido da preclusão do conhecimento dos vícios invocados pela Recorrente por procedência do primeiro vício, de natureza formal (falta de audiência prévia), fez uma interpretação inconstitucional por violação do art. 13.º da CRP.
Z. Com efeito, posição processual da ora Recorrente é idêntica à posição processual assumida por qualquer cidadão, cuja pretensão passe pela impugnação de um ato administrativo.
AA. Sendo indiscutível que, do ponto de vista da lei processual administrativa, da doutrina e da jurisprudência administrativa, dúvidas não existem que o vício de violação do direito de audiência prévia não é uma questão cuja solução prejudica a solução a dar às restantes questões invocadas.
BB. A verdade é que, sendo esta uma questão pacífica no domínio do direito substantivo e processual administrativo, a ora Recorrente teve um tratamento diferenciado dos restantes sujeitos processuais que se encontrassem em idêntica posição dentro da jurisdição administrativa, sem qualquer justificação material bastante que fundamentasse tal discriminação.
CC. A única razão porque a ora Recorrente viu negado a seu direito à decisão sobre todas as questões submetidas a apreciação, prende-se com a questão prática de o ato administrativo em causa ser apreciado por um Tribunal que, habitualmente, não trata de matéria jurídico-administrativa.
DD. Concluindo-se, assim, que a interpretação do art. 660-2 que esteve na base da decisão recorrida, não atendeu sequer à igualdade do tratamento dos sujeitos processuais em idêntica situação, tendo privado injustificadamente ora Recorrente do direito de ver todas as suas questões apreciadas.
EE. O que consubstancia um tratamento desigual e proibido pela Constituição da ora Recorrente, em relação aos demais sujeitos processuais com idêntica pretensão de impugnar qualquer ato administrativo.
II. Fundamentos
3. O acórdão recorrido identificou os seguintes “temas das questões propostas para resolução”, por parte da recorrente contenciosa:
1. Violação do direito de audiência prévia;
2. Violação do direito de livre acesso e escolha da profissão;
3. Violação de lei por erro nos pressupostos de facto;
4. Violação do princípio da legalidade;
5. Interpretação do art.º 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais
6. Condenação do recorrido a nomear a autora em regime de efetividade.
Destas questões, o Supremo Tribunal de justiça julgou procedente o vício de violação do direito de audiência, concedendo provimento ao recurso contencioso e anulando o ato impugnado com esse fundamento. Julgou improcedente o pedido de nomeação da recorrente como juiz de direito em regime de efetividade. E julgou prejudicadas as demais questões colocadas face à procedência daquela primeira causa de invalidade do ato impugnado.
O recorrente imputa à norma do n.º 2 do art.º 660.º do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de que a procedência de um vício do ato administrativo impugnado de natureza formal (preterição de audiência prévia), prejudica a apreciação dos demais vícios alegados pelo impugnante, violação
- dos n.ºs 4 e 5 do artº 20.º da Constituição;
- do n.º 4 do art.º 268.º,da Constituição;
- do n.º1 do art.º 13.º , da Constituição.
Esta imputação respeita ao não conhecimento das 'questões' acima referidas sob os n.ºs 2, 3 e 4, porque só essas correspondem a vícios (causas de invalidade) do ato impugnado cuja apreciação se julgou prejudicada. Sobre o pedido de condenação à prática do ato devido o acórdão pronunciou-se e a questão de interpretação do art.º 178.º do EMJ não respeita a vício do ato impugnado, mas à tramitação do recurso contencioso e aos poderes do Supremo Tribunal de Justiça neste âmbito de competência.
4. Ao Conselho Superior da Magistratura está cometida, constitucional e legalmente, a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da ação disciplinar (art.º 217.º, n.º1, da CRP e art.º 149.º do EMJ). O exercício dessa competência consiste numa atividade materialmente administrativa, relativamente à qual é garantido aos interessados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, nomeadamente, para o que agora releva, a impugnação de quaisquer atos lesivos - atos materialmente administrativos - nos termos do n.º 4 do art.º 268.º da Constituição. Efetivamente, a garantia de impugnação não se limita aos atos administrativos praticados por órgãos ou agentes administrativos, estendendo-se a todos os atos (materialmente) administrativos praticados por quaisquer outras entidades dotadas de poderes de administração. Não seria consentâneo com os requisitos do Estado de direito democrático a existência de atos administrativos isentos de controlo contencioso.
Cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, através da Secção a que se refere o n.º 2 do art.º 34.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, apreciar os “recursos contenciosos” dos atos do Conselho Superior da Magistratura. Esse recurso contencioso, por força da conjugação das norma remissiva do art.º 178.º do EMJ com as normas do art.º 191.º e 192.º do CPTA, rege-se pelo disposto nos art.ºs 168.º a 177.º do EMJ e, nos aspetos não expressamente regulados, pelo CPTA aplicável subsidiariamente (M. Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., pg. 1174).
No caso, aplicando o disposto no n.º 2 do art.º 660.º do CPC que dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, o acórdão recorrido, tendo julgado procedente a preterição da audiência prévia no procedimento que culminou no ato impugnado, considerou prejudicada a apreciação dos demais vícios arguidos pela recorrente. Entende o recorrente que, com tal sentido, a norma em causa viola o direito à tutela jurisdicional efetiva.
5. Como é sabido, as sentenças de anulação de atos administrativos tem um efeito preclusivo ou inibitório que vincula a atuação futura que a Administração (ou entidade equiparada) venha a desenvolver na sequência da anulação. A entidade administrativa não pode reincidir nas ilegalidades que fundaram a decisão de invalidade do ato. Do acertamento produzido pela sentença anulatória resulta “a imposição de uma regra quanto à ulterior conduta da Administração, na medida em que envolve o reconhecimento, com autoridade de caso julgado, de que a Administração não podia ter exercido aquele poder naquelas circunstâncias e, portanto, de que ela só poderá voltar a exercê-lo sem ofensa ao caso julgado, se observar os requisitos anteriormente preteridos. Pode assim dizer-se que a sentença só preclude o reexercício do poder por parte da Administração na medida dos fundamentos da anulação, sem, por isso, a impedir de agir de novo na medida em que esses fundamentos sejam ultrapassados. Depende, pois, do tipo de vício que determina a anulação saber em que medida é que, mais tarde, a administração pode perseguir, de novo, o mesmo resultado, renovando o ato que foi anulado” (M. Aroso de Almeida, Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, Como diz o mesmo autor (O Novo Regime de Processo nos Tribunais Administrativos 3ª ed., pág. 180), há anulações e anulações, não tendo o mesmo alcance a sentença de anulação de um ato administrativo por violação de lei ou a sentença que o anule por falta de fundamentação.
Deste diverso alcance do acertamento negativo do poder consubstanciado no ato impugnado ou, de outro modo, da definição consequente do quadro da relação subjacente ao ato impugnado decorrente da sentença, resulta que um problema central da conformação do processo de impugnação contenciosa dos atos administrativos, considerando a efetividade da tutela, é o que respeita à extensão de conhecimento das questões relativas à invalidade do ato a que o juiz está vinculado na sentença.
O imperativo constitucional de tutela jurisdicional efetiva é otimizado pela extensão desse conhecimento de modo a proporcionar às partes a apreciação de todos os pontos em litígio que contribua para a mais estável definição da sua situação jurídica. E, por isso, procurando superar o entendimento tradicional do contencioso administrativo, ancorada numa perspetiva lógico-formal que, não só privilegiava os vícios de legalidade externa (competência, procedimento e forma), como uma vez alcançada a procedência de um das causas de invalidade considerava vedada (ou, pelo menos prejudicada) a apreciação das restantes, o ordenamento infraconstitucional tem respondido com intensidade progressiva a essa preocupação de efetividade da tutela jurisdicional. Primeiro, através do n.º 2 do art.º 57.º da LTPA que impunha ao juiz o dever de observância de uma ordem de conhecimento de vícios em que avultava a prioridade de conhecimento dos vícios cuja procedência, segundo o prudente critério do julgador, assegurasse mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. Atualmente, nos termos do º 2 do art.º 95.º do CPTA que, na componente que interessa ao que no presente recurso se discute, nos processos impugnatórios, impôs ao tribunal o dever de se pronunciar sobre todos os vícios que tenham sido invocados contra o ato impugnado.
6. A garantia constitucional de efetividade de tutela jurisdicional exige, na vertente da conformação dos meios processuais, que o legislador estabeleça procedimentos que permitam obter, em prazo razoável, decisões que apreciem, com força de caso julgado, as pretensões regularmente deduzidas em juízo (com observância de pressupostos e requisitos processuais razoáveis e adequados) e a possibilidade de fazer executar essas decisões. Independentemente de opções dogmáticas quanto ao objeto do processo dirigido à impugnação de atos administrativos (o tradicional recurso contencioso), essa efetividade é optimizada mediante um regime configurado de modo a que o juiz aprecie, até onde disponha de elementos, as causas de invalidade imputadas ao ato recorrido. Só assim o interessado obtém a mais extensa apreciação jurisdicional compatível com os poderes do tribunal acerca do bem fundado da pretensão que, com o ato impugnado, a Administração tenha feito valer, ou da negação que tenha oposto à pretensão do administrado. Para tanto, o tribunal deve, em princípio, pronunciar-se sobre todas as questões suscetíveis de conduzir à invalidação do ato que o autor tenha colocado de modo processualmente adequado (e também, embora aqui por força da garantia geral do n.º 4 do art.º 20.º da CRP, sobre todas as questões suscetíveis de obstar ao efeito invalidante que sejam suscitadas pela autoridade demandada ou pelos contrainteressados), não podendo contentar-se, sem mais, com a identificação de uma causa de invalidade que implique a procedência da impugnação e dar, só por isso, por prejudicada a apreciação das demais. Salvo se a procedência de algum ou alguns dos vícios for tal que implique a proibição da renovação do ato em sentido desfavorável ao impugnante ou, talvez melhor, se essa causa de invalidade for, de entre as alegadas, aquela que conduz ao maior grau de definição da situação jurídica administrativa subjacente.
7. Porém, este entendimento, no sentido de fazer decorrer da garantia de tutela jurisdicional efetiva que o processo de impugnação de quaisquer atos administrativos lesivos dos particulares seja conformado de modo a que o juiz aprecie as causas de invalidade alegadas em ordem de conferir a mais eficaz ou estável proteção dos direitos ou interesses em causa, não é obstáculo absoluto a que a procedência de uma delas e obtida a consequente anulação do ato permita considerar prejudicada a apreciação das restantes.
Com efeito, embora subordinado a um imperativo de efetividade, na vertente da garantia que agora está em consideração - a impugnação de quaisquer atos administrativos que os (aos direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados) lesem -, o que decorre do n.º 4 do art.º 268.º da Constituição é o dever de conformar o processo impugnatório de tal modo que seja idóneo a apreciar a pretensão de invalidade (ou de inexistência jurídica) incidente sobre as decisões dos órgãos da Administração (ou dotados de poderes materialmente administrativos) que, ao abrigo de normas de direito público, visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. A Constituição exige que o meio processual posto à disposição do interessado seja idóneo à consecução deste objetivo, mas daqui não decorre que a decisão do processo impugnatório tenha de apreciar esgotantemente todas as causas de invalidade arguidas.
Com efeito, esta garantia não é absoluta, sendo compatível - no plano constitucional, entenda-se, sem prejuízo de soluções mais exigentes ou formalmente impositivas que possam decorrer do direito ordinário - com o atendimento a imperativos de razoabilidade e de economia da atividade processual. A concretização dessas situações não pode ser alcançada de modo abstrato, v. g. segundo uma hierarquia ou relação de precedência entre os diversos tipos ou categorias de vícios. Na identificação das situações em que, atingida a procedência de alguma ou algumas das causas de invalidade invocadas, não se reveste de qualquer interesse digno de proteção emitir pronúncia sobre as demais, não é possível prescindir de uma configuração normativa que faça apelo ao prudente critério do julgador.
Designadamente, nesta perspetiva, não pode dizer-se que o juízo de procedência de violação do dever de audiência dos interessados nunca é de molde a prejudicar a apreciação de vícios de violação de lei imputados pelo recorrente ao ato impugnado. No caso, a norma foi interpretada no sentido de permitir julgar prejudicada a apreciação de vícios respeitantes ao exercício de poderes em que o órgão autor do ato – ou o órgão competente para praticar o ato primário de avaliação homologado pelo ato impugnado – goza de ampla margem de apreciação.
Trata-se de ato respeitante à avaliação do aproveitamento do regime de estágio de ingresso na magistratura judicial, em função de elementos sobre a idoneidade, o mérito e o desempenho do magistrado estagiário que permita formular um juízo positivo ou negativo sobre a sua “adequação para o exercício da função”, nos termos do art.º 71.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro.
Ora, os aspetos da relação administrativa sobre cuja legalidade versam as questões consideradas prejudicadas dependem totalmente da aquisição de material de ponderação ou, pelo menos, do contraditório que a audiência prévia é meio privilegiado para proporcionar. Trata-se de juízos de avaliação de aptidão e desempenho e de prognoses sobre disposições futuras que exigem relação de proximidade e de apreciação global, tarefas para que os órgãos de formação e de gestão das magistraturas estão melhor apetrechados e lhes competem. Perante a anulação do ato impugnado e a retoma do procedimento com audiência do interessado, o Conselho Superior da Magistratura está vinculado a proceder a um exaustivo reexame da situação face aos dados que advierem dessa audiência e das diligências que dela decorrerem. As ilegalidades que a recorrente pretende que deveriam ter sido apreciadas dependem do concreto conteúdo do ato anulado, em estrita dependência do material ponderativo de que este se serviu. Designadamente, a violação do direito de livre acesso e escolha de profissão e do princípio da legalidade, nos termos em que foram alegados, estão em estrita dependência do juízo sobre a adequação para o exercício da função, domínio em que o Conselho goza de prerrogativa de avaliação.
Deste modo, não decorrendo do n.º 4 do art.º 268.º da Constituição que o legislador estabeleça o dever de apreciação esgotante, na sentença, de todas as causas de invalidade imputadas ao ato impugnado, não viola a garantia de tutela jurisdicional efetiva relativamente a atos administrativos lesivos a norma do n.º 2 do art.º 660.ºdo CPC, interpretada no sentido de que a procedência do vício de preterição do direito de audiência prévia prejudica o conhecimento dos restantes vícios imputados ao ato administrativo contenciosamente impugnado.
8. Não há que confrontar a solução normativa sub judicio com os parâmetros dos n.º 4 e 5 do art.º 20.º da Constituição.
Com efeito, o n.º 4 do art.º 268.º concretiza o direito à tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses dos particulares no âmbito das relações jurídicas administrativas, sendo a refração, neste domínio específico, daquela garantia, consagrada, com caracter geral, nos referidos preceitos do art.º 20.º da Constituição.
9. A recorrente imputa ao ato em causa violação do princípio da igualdade consagrado no n.º 1 do art.º 13.º da Constituição, argumentando, no essencial, que a impugnação de atos desta natureza e semelhante conteúdo (v. gr. da autoria do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou do Conselho Superior do Ministério Público) perante o Supremo Tribunal Administrativo receberia solução diferente, com apreciação de todos os vícios alegados, por aplicação do n.º 2 do art.º 95.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Esta imputação não encerra verdadeiramente uma questão de inconstitucionalidade da norma que constitui objeto do recurso. Como se referiu, o CPTA é de aplicação subsidiária ao recurso contencioso de atos do Conselho Superior da Magistratura nos aspetos não regulados no Estatuto dos Magistrados Judiciais. A não aplicação da norma de que a recorrente infere tratamento mais favorável – sendo certo que a decisão recorrida não afirma a sua exclusão do âmbito de aplicação subsidiária - não resulta da modelação do processo pelo legislador, mas de uma concreta opção jurisdicional, em si mesmo insindicável em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Condenar a recorrente nas custas, com 25 UCs de taxa de justiça.
Lx. 12/06/2013. – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.