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Processo nº 317/2001
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 325 foi proferida a seguinte decisão sumária:
1. M... foi condenada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Porto de Mós na pena de três anos de prisão, dos quais lhe foram perdoados dois, pela prática de um crime de abuso de confiança e, ainda, a pagar à massa falida da Sociedade I... uma indemnização no valor de 15.530.004$00, acrescida dos juros devidos. O julgamento foi efectuado pelo tribunal colectivo e decorreu sem documentação da audiência porque, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 364º do Código de Processo Penal, houve declaração unânime no sentido de se prescindir dessa documentação. Inconformada, M... recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra invocando, nomeadamente e para o que agora interessa, a inconstitucionalidade do artigo
430º do Código de Processo Penal, nos seguintes termos (conclusões da motivação do recurso):
'10º. A recorrente tem direito, nos termos do disposto no art. 37 da Constituição ao duplo grau de jurisdição.
11º. Contudo, como resulta das disposições conjugadas do art. 430 do C. P. Penal e 410, nº 2 do C. P. Penal, apenas num número muito reduzido de casos é a o Tribunal da Relação tem poderes para renovar a prova.
12º. Está assim vedada à Recorrente a reapreciação, por um tribunal de categoria superior, da matéria de facto,
13º. O art. 430 do C. P. Penal encontra-se assim ferido de inconstitucionalidade.' O Tribunal da Relação de Coimbra, que desatendeu a alegação de inconstitucionalidade, confirmou o acórdão recorrido. De novo recorreu M..., agora para o Supremo Tribunal de Justiça; o recurso não foi, porém, admitido, nos termos do disposto na al. f) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. M... interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo 'Ver aplicada a inconstitucionalidade dos artigos 433º e 410º, nºs 2 e 3, ambos do Código de Processo Penal, na interpretação feita pelo Tribunal da Relação de Coimbra, na medida em que determina que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, violando as garantias de defesa do artº 32º, nº 1 da CRP'. O recurso foi admitido, em decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do artigo
76º da Lei nº 28/82).
2. Não indica M... a peça processual onde invocou a inconstitucionalidade que quer ver julgada pelo Tribunal Constitucional; não se procede, todavia, ao convite, previsto no nº 6 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, para que complete o requerimento de interposição de recurso porque o Tribunal Constitucional não pode conhecer do respectivo objecto. Com efeito, o recurso interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 destina-se a que o Tribunal Constitucional aprecie a eventual inconstitucionalidade de uma norma que foi aplicada na decisão recorrida (artigo 79º-C da Lei nº 28/82) não obstante ter sido suscitada,
'durante o processo' (referida al. b) do nº 1 do artigo 70º), essa inconstitucionalidade. Exige-se, ainda, que essa questão haja sido colocada perante o tribunal recorrido de forma adequada, ou seja, de modo a que esse tribunal tivesse de a conhecer (nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82). Ora a recorrente nunca invocou, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma que define no requerimento de interposição de recurso; nem, aliás, o Tribunal da Relação de Coimbra a aplicou. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.
2. Inconformada, M... reclamou para a conferência, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão reclamada. Em síntese, sustenta a reclamante, em primeiro lugar, que a possibilidade de julgar um recurso de constitucionalidade por decisão sumária se circunscreve
'aos casos em que esteja suportada pela jurisprudência, procurando sempre não coartar as garantias de defesa que se encontram mais asseguradas com o julgamento', pois que, 'de outra forma impede-se que o recurso seja julgado no seu mérito'. Assim, a interpretação que a decisão reclamada teria feito do disposto no artigo 78º-A da Lei nº 28/82 seria inconstitucional, por ser
'limitadora do direito ao recurso e das garantias de defesa dos arguidos, em clara violação do disposto no artº 32º, nº 1 da CRP'. Em segundo lugar, sustenta que, contrariamente ao afirmado na decisão reclamada, a inconstitucionalidade que pretende ver declarada 'foi suscitada no recurso para o Tribunal da Relação e no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e refere-se à violação do duplo grau de jurisdição no actual sistema de recurso', referindo depois os preceitos de onde entende derivar esta restrição – os artigos 430º, nº 1, 410º, nºs 2 e 3, 433º, todos do Código de Processo Penal – explicitando que 'o facto de a recorrente suscitar a inconstitucionalidade dos artºs 433º ou 430º do C.P.P. não constitui fundamento para que seja recusada a apreciação do presente recurso, pois ambos os artigos restringem o conhecimento dos Tribunais de recurso, violando o duplo grau de jurisdição'. Em seu entender, são várias as normas que, não permitindo uma 'reapreciação plena da prova (...), seja em sede de recurso para a Relação seja em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça' restringem o direito consagrado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa; e 'não é necessário que a decisão dos tribunais de recurso tenham por base as normas, cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada, quando tais decisões se restringem à apreciação de determinadas matérias em virtude da previsão daquelas normas
(sic). O artigo 79º-C da L.T.C. não restringe o conhecimento do Tribunal Constitucional à norma invocada, nem teria lógica que o fizesse, quando num mesmo diploma legal, são várias as normas que propugnam a mesma realidade; seria coartar um sistema coeso em retalhos'. Conclui no sentido de que 'Deve ser declarada a inconstitucionalidade dos artºs
434º e 410º, nºs 2 e 3 do C.P.P.'. Notificado para responder, o Ministério Público veio pronunciar-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação, por ser 'patente que a recorrente não suscitou, durante o processo e em termos procedimentalmente adequados, a questão da constitucionalidade das normas que integram o objecto do recurso'.
3. A presente reclamação, aliás pouco compreensível, carece totalmente de fundamento. Em primeiro lugar, e no que toca à circunstância de o recurso ter sido julgado por decisão sumária, não se entende a fundamentação apresentada, uma vez que se tratou de uma decisão de não conhecimento do respectivo objecto. Ora o nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82 refere-se à hipótese de a decisão sumária ser admissível nomeadamente por existir jurisprudência anterior para as decisões que conhecem do objecto do recurso, como resulta da sua simples leitura. Não tendo portanto sido aplicado este nº 1 com o sentido que a recorrente considera violador do artigo 32º, nº1, da Constituição, não se toma conhecimento desta questão de constitucionalidade. Em segundo lugar, cabe começar por observar que não coincide a norma referida na conclusão da reclamação com a que foi indicada no requerimento de interposição de recurso (nem, aliás, com a que foi acusada de inconstitucionalidade perante o Tribunal da Relação de Coimbra). Seja como for, da própria reclamação resulta claramente que a recorrente reconhece que não suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma que constitui o objecto do recurso. Sempre se acrescenta, todavia, que não tem nenhum fundamento a alegação de que não é necessário, nem definir uma norma como objecto do recurso de constitucionalidade, sendo suficiente a identificação de um suposto vício do sistema de recursos em processo penal, nem que essa norma tenha sido aplicada na decisão de que se recorre para o Tribunal Constitucional. Como se sabe, cabe ao recorrente definir o objecto do recurso – a norma impugnada; e é indispensável que ela haja constituído a ratio decidendi da decisão recorrida. Assim resulta da lei (cfr. artigos 75º-A, nº 1 e 79º-C da Lei nº 28/82), e assim tem sido repetidamente afirmado por este Tribunal (ver, apenas a título de exemplo, os seus acórdãos nºs 178/95 e 367/94 (publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente, vol. 30º, pág. 1118 e segs. e vol. 28, pág. 147 e segs.). Nestes termos, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se a decisão reclamada. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 4 de Julho de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida