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Processo 170/13
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama, ao abrigo do n.º 3 do art.º 76.º da Lei 25/82, de 15 de novembro (LTC) do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 6/2/2013 que não lhe admitiu um recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da mesma Lei.
Fundamenta a reclamação nos seguintes termos:
[…]
Prescreve o referido artigo 400º n.º 1 al. c): «Não é admissível recurso de Acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam afinal do objeto do recurso.»
No entanto, por entender o recorrente que não é este o caso dos autos, ao contrário do decidido do despacho, reclamou deste despacho para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça alegando que não é de aplicar este normativo, uma vez que o objeto do recurso passou a ser o conhecimento da nulidade que foi invocado pelo recorrente no recurso interposto da sentença de 1ª instância.
Com efeito, o recorrente pretendia recorrer da matéria de facto e só não pode fazer porque verificou que existia uma nulidade, ou seja as gravações eram inaudíveis.
Se o Acórdão da Relação conheceu da invocada nulidade, conheceu afinal do objeto do recurso ainda que não na sua totalidade.
Assim, o Acórdão que confirmou o despacho não se pode incluir naquele artigo 400º n.º 1 al. c) do C.P.P.
Requereu o recorrente que o despacho que não admitiu o Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça fosse revogado, o que não aconteceu pois o recurso não foi admitido e por isso o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
Indicou ainda, que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal constitucional aprecie é o artigo 411º n.º 4 em conjugação com o artigo 412º n.º 3, n.º 4 e n.º 6 todos do Código do processo penal, uma vez que o prazo de 30 dias previsto no n.º 4 do artigo 411 do C.P.P. para recorrer ser atendido se o recorrente não indicar as provas exigidas no artigo 412º por deficiente gravação da prova.
Sucede que foi proferido despacho que não admitiu recurso para este Tribunal sustentando que os recursos de constitucionalidade desempenham uma função instrumental só podendo o Tribunal conhecer de uma questão de constitucionalidade quando exerça influência no julgamento da causa, pois a decisão recorrida sustenta a inadmissibilidade do recurso para o STJ no artigo 400º n.º 1 al. c) do C.P.P.
Sucede que o recorrente alegou a inconstitucionalidade das normas que logo no Tribunal da Relação que impediram o conhecimento do mérito do recurso por se ter entendido que o recurso foi extemporâneo.
O recorrente alegou que o prazo deve ser considerado de 30 dias e deveria se conhecida a nulidade da decisão porque alicerçada em prova que não é possível ser reapreciada, pois está em causa o recurso da matéria de facto, pela reapreciação dessa matéria.
Alegou na reclamação que foi violado o disposto no Artº 417º nº 6 al) a, o disposto no Artº 411º nº 4° ambos do C.P.P. e ainda os normativos constitucionais nºs 12º nº 1, 20, nº 5 e 32º, nº 1.
Ora, se não foi possível ouvir a gravação da prova não era possível cumprir as exigências legais, ou seja fazer a transcrição do depoimento.
Apesar do recurso não ter sido admitido do Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça com fundamento no artigo no artigo 400º n.º 1 al. c) do C.P.P., o que o recorrente pretendia era que o recurso fosse considerado interposto em tempo, porque pretendia recorrer da matéria de facto e não o poder fazer porque a prova está inaudível.
As questões de inconstitucionalidade ali suscitadas reportam-se à decisão proferida no Tribunal da Relação que rejeitou o recurso (interposto do acórdão condenatório proferido em 1ª instância) por intempestividade.
A decisão proferida no STJ limitou-se, assim, ao conhecimento da reclamação do despacho de não admissão de recurso para este Tribunal, não tendo interpretado ou aplicado as normas cuja inconstitucionalidade é suscitada naquela parte do recurso e se traduzem, por um lado, na interpretação dos artigos o artigo 411º n.º 4 em conjugação com o artigo 412º n.º 3, n.º 4 e n.º 6 todos do Código do processo penal, uma vez que o prazo de 30 dias previsto no n.º 4 do artigo 411 do C.P.P. para recorrer ser atendido se o recorrente não indicar as provas exigidas no artigo 412º por deficiente gravação da prova que fundou a rejeição do recurso por intempestividade, pelo Tribunal da Relação.
2. O MP pronuncia-se pela improcedência da reclamação pelas seguintes razões:
[…]
7. Como no requerimento não se identificava a norma cuja inconstitucionalidade se pretendia ver apreciada, foi o recorrente notificado nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, ou seja, convidado a suprir essa deficiência.
8. Apresentou, então, um requerimento onde afirma:
“(…) vem indicar que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o tribunal Constitucional aprecie é o artigo 411.º, n.º 4 em conjugação com o artigo 412.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 6 todos do Código de processo penal, uma vez que o prazo de 30 dias previsto no n.º 4 do artigo 411.º do C.P.P. para recorrer deverá ser atendido se o recorrente não indicar as provas exigidas no artigo 412.º por deficiente gravação da prova”.
9. Como o recurso para o Tribunal Constitucional não foi admitido, reclamou para este mesmo Tribunal.
10. Parece-nos claro que a decisão recorrida – a proferida pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação (vd. n.ºs 4 e 5) – ao considerar que, no caso, não era admissível o recurso para aquele Supremo Tribunal, aplicou, aliás expressa e inequivocamente, o artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
11. Esta norma nem sequer é referida pelo recorrente no requerimento que apresentou na sequência do convite (vd. n.ºs 7 e 8).
12. Na verdade, o recorrente labora num equívoco.
13. A questão que levanta e as normas que identifica, não têm a ver com os requisitos de admissibilidade do recurso interposto do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, mas antes com os requisitos de admissibilidade do recurso da decisão proferida em 1.ª instância, para a Relação.
14. Assim, porque as normas que o recorrente identifica como devendo constituir o objeto do recurso não foram aplicadas na decisão recorrida, falta esse requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
15. Deverá, pois, em nossa opinião, indeferir-se a reclamação.
16. Poderíamos ainda acrescentar que na reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – o momento processual próprio -, o recorrente não suscita adequadamente qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que ancorasse no artigo 400.º, n.º 1, alínea c) do CPP, sendo certo que essa já tinha sido a norma aplicada na decisão que, na Relação, não lhe admitira o recurso (a decisão então reclamada).
3. Para a decisão da reclamação relevam as ocorrências processuais seguintes:
a) Em reclamação deduzida ao abrigo do art.º 405.º do CPP, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu decisão do seguinte teor:
1. Por decisão da 1ªinstância o arguido A. foi condenado pela prática dos seguintes crimes:
- um crime de homicídio na forma tentada, agravado pela previsão do art. 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, e p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 131.º do CP, na pena de 4 anos de prisão;
- um crime de homicídio na forma tentada, agravado pela previsão do art. 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, e p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 73 .º, n.º 1, alíneas a) e b) e 131.º do CP, na pena de 3 anos de prisão;
- um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2.º, n.º 1, alínea m), 3.º, n.ºs 1, 2, alínea f), 3 e 4, alínea a) e 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 8 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi o arguido A. condenado na pena única de 6 anos de prisão.
2. Não se conformando recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto.
Na Relação foi proferida decisão sumária, ao abrigo do art. 417.º, n.º 6, alínea b), do CPP, rejeitando o recurso interposto da decisão da 1ª instância por intempestivo.
Notificado desta decisão reclamou o arguido para a conferência, nos termos do n.º 8 do art. 417.ºdoCPP.
O acórdão recorrido, proferido em 19.09.2012, indeferiu a reclamação apresentada.
3. Inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso não foi admitido por despacho de 28.11.2012, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 400.º, n.º 1, alínea c) e 414.º, n.º 2, do CPP.
Deste despacho apresentou o recorrente reclamação, nos termos do art. 405.º do CPP, invocando, em síntese, os seguintes fundamentos:
- O recurso não foi admitido nos termos do art. 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
- Não é, no entanto, de aplicar esta norma, uma vez que o objeto do recurso passou a ser o conhecimento da nulidade que foi invocada no recurso interposto da sentença da 1ª instância.
- No recurso para a Relação pretendia impugnar a matéria de facto dada como provada, pelo que beneficiava do prazo alargado de 30 dias, e só não o pode fazer porque verificou que existia uma nulidade, ou seja, as gravações eram inaudíveis.
- Se o acórdão da Relação conheceu da invocada nulidade, conheceu a final, do objeto do processo ainda que não na sua totalidade, não se podendo incluir no art. 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
4. O reclamante alega que o objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se reporta ao conhecimento da nulidade invocada no recurso interposto da decisão da 1ª instância e de que a Relação conheceu (inaudibilidade das gravações).
O acórdão da Relação no respeitante à invocada deficiência dos depoimentos gravados, e respondendo à afirmação do recorrente de que pretendia recorrer da matéria de facto encontrando-se impossibilitado de o fazer devidamente por não se ouvirem algumas perguntas que lhe foram formuladas e aos ofendidos entendeu que: «percorrendo as conclusões que sintetizam a sua pretensão e tendo ainda presente o alegado na presente reclamação, facilmente se constata que tal anúncio aí não encontra real sustentação uma vez que o recorrente nunca alude à existência de provas que impusessem decisão diversa e que estivesse impossibilitado de as concretizar devido a tal deficiência».
«(...) O recorrente não invoca a existência de meio probatório que impusesse decisão diversa e a impossibilidade de transcrever o seu conteúdo, por falta na gravação, para demonstrar o erro do tribunal a quo. Aliás, nem sequer chega a alegar que a deficiente gravação impossibilite a perceção da versão apresentada por cada um dos inquiridos, limitando-se a afirmar que assim não se sabe se a resposta corresponde à pergunta formulada, o que para efeitos de impugnação em matéria de facto é perfeitamente inócuo».
E mais adiante:
«Por outro lado, o recurso abrange na parte restante unicamente as questões da nulidade da decisão e matéria de direito que não implicam qualquer reapreciação da prova gravada.
Consequentemente, não pode o recorrente beneficiar do prazo alargado de 30 dias já que nunca pretendeu, real e efetivamente, exercitar atividade que exigisse qualquer esforço acrescido que o pudesse justificar».
5. No domínio dos recursos e das normas que disciplinam a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, o artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP dispõe que há recurso para o Supremo Tribunal das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas em recurso pelas relações nos termos do artigo 400.º.
E deste preceito destaca-se a alínea c) do seu n.º 1, que estabelece serem irrecorríveis os «acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo».
O objeto do processo penal é delimitado pela acusação ou pela pronúncia e constitui a definição dos termos em que vai ser julgado e decidido o mérito da causa - ou seja, os termos em que, para garantia de defesa, possa ser discutida a questão da culpa e, eventualmente, da pena.
O acórdão de que o reclamante pretende recorrer, ao entender, pelos motivos que constam da fundamentação, que o recorrente não podia beneficiar do prazo alargado de 30 dias, mas apenas de 20 dias, rejeitando o recurso por extemporaneidade, não se pronunciou sobre o mérito da causa e não conheceu, muito menos a final, do objeto do processo.
Com efeito, a apreciação dos requisitos sobre a admissibilidade do recurso reporta-se a questões de ordem processual (legitimidade, interesse em agir, respeito pelo prazo de interposição), que precedem o conhecimento do objeto do processo nos limites definidos pelo âmbito do recurso, mas o âmbito do recurso não se identifica com o objeto do processo.
Logo, o recurso não é admissível ao abrigo do art. 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
6. Por outro lado, o modelo dos recursos em processo penal está organizado segundo a solução e os princípios do recurso como remédio para erros de facto ou de direito de decisões judiciais, mas com o enquadramento na prefiguração e organização processual e hierárquica de graus de recurso.
O recurso como remédio opera e tem de enquadrar-se no âmbito e no limite do respetivo grau hierárquico, no sentido em que todo o remédio apenas se pode efetivar se se compreender ainda no âmbito hierárquico da organização por graus de recurso, segundo pressupostos de admissibilidade objetivos e prefixados.
O remédio do recurso não pode valer ato a ato, por referência a decisões fragmentárias, mas só atua se os pressupostos gerais objetivamente fixados o permitirem dentro do respetivo grau de recurso admissível.
Nesta matéria e na conjugação recurso-remédio (funcional) - graus de recurso (hierárquico e de organização e repartição processual), a regra é a coincidência do recurso-remédio com a máxima amplitude no primeiro grau de recurso - que constitui a regra geral do art. 427.º, em conjugação com o art. 399.º do CPP.
Este princípio significa que em todas as situações que não admitam, processualmente, um outro grau, todas as questões pertinentes e que integrem o objeto do processo, ou que estejam referidas ao conhecimento pela delimitação do objeto do recurso, obtêm decisão definitiva nesse grau (salvo, obviamente, as específicas questões relativas ao contencioso de constitucionalidade).
7. Nestes termos, indefere-se a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, com a taxa de justiça de 3 UC.
Notifique.
b) O reclamante interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art-º 70.º da LTC;
c) Na sequência de convite formulado ao abrigo do art.º 75.º -A da LTC, o reclamante apresentou um requerimento onde afirma
“(…) vem indicar que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o tribunal Constitucional aprecie é o artigo 411.º, n.º 4 em conjugação com o artigo 412.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 6 todos do Código de processo penal, uma vez que o prazo de 30 dias previsto no n.º 4 do artigo 411.º do C.P.P. para recorrer deverá ser atendido se o recorrente não indicar as provas exigidas no artigo 412.º por deficiente gravação da prova”.
d) Em 6/2/2013 foi proferido despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, do seguinte teor:
Após convite para indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal Constitucional aprecie veio o recorrente A., indicar o art. 411.º, n.º 4, em conjugação com o art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, ambos do CPP.
As normas cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada não foram critério e fundamento da decisão que indeferiu a reclamação.
Com efeito, a referida decisão fundamentou a inadmissibilidade do recurso para o STJ, na alínea c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.
Assim fica inviabilizado qualquer julgamento sobre a inconstitucionalidade das normas referidas, por parte do TC, porquanto os recursos de constitucionalidade desempenham uma função instrumental, só podendo o Tribunal Constitucional conhecer de uma questão de constitucionalidade quando exerça influência no julgamento da causa.
Nestes termos, não se admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 1 UC.
Notifique.
4. A presente reclamação é manifestamente improcedente, desinteressando-se o reclamante, inteiramente, dos fundamentos do despacho reclamado e, em último termo, do regime do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
Com efeito, o que neste processo pode discutir-se é, somente, se o recurso para o Tribunal Constitucional deveria ter sido admitido por estarem reunidos os respetivos pressupostos e preenchidos os correspondentes requisitos de interposição. E é manifesto que não podia sê-lo porque o seu objeto (em sentido material) não corresponde a norma que tenha sido aplicada pela decisão recorrida (objeto em sentido processual), como previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 280.º da Constituição e concretizado na al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC. Na verdade, o despacho de que foi interposto o recurso de constitucionalidade não admitido – é esse despacho a decisão recorrida e não o acórdão da relação - limitou-se a fazer aplicação da al. c) do n.º 1 do art.º 400.º do Código de Processo Penal. Nada decidiu sobre a questão que o reclamante, mesmo após convite, identifica como objeto de recurso.
Assim, merecendo o despacho reclamado confirmação nos seus exatos termos, a reclamação tem de ser indeferida.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas com 20 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 11/04/2013. – Vítor Gomes – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.