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Processo n.º 151/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Pela Decisão Sumária n.º 157/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, “identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Resulta do requerimento de interposição de recurso que, em cumprimento do disposto no artigo 75.º-A, n.º 1, segunda parte, da LTC, é indicada como objeto do recurso interposto a alínea a), do n.º 1, do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que se verifica do teor de tal despacho que estamos perante um mero despacho de expediente, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, não é admissível recurso do mesmo, até porque, a verificar-se alguma alteração, por parte do ISS, ao pedido de apoio judiciário formulado pelo assistente, este sempre teria possibilidade de impugnar tal ato administrativo.
Este enunciado é demonstrativo de que aquilo que o recorrente verdadeiramente pretende é a apreciação da decisão judicial que qualifica o despacho em causa como “despacho de mero expediente” e que é, por isso, irrecorrível, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.
Como o presente recurso não visa a apreciação de uma norma, não pode tomar-se conhecimento do objeto do mesmo, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«O ora recorrente vem alegando durante o processo que:
O Despacho recorrido não é de “mero expediente”, porque não se destina a regular os termos do processo encerrando, sim, uma Decisão ao estabelecer que:
– “Conforme resultou da prova produzida em audiência de julgamento e exposto na sentença proferida, o assistente, à data dos factos, residia com a companheira, e não nos termos alegados pelo mesmo em sede de pedido de indemnização civil, no artigo 21º.
Assim sendo, e tendo em consideração o referido no despacho de concessão de benefício de apoio judiciário de folhas 83 a 85 dos autos, determina-se que se extraia certidão de folhas 83 a 85, 110 a 112, frente e verso, e da presente sentença e se remeta a mesma ao Instituto da Segurança Socia1, para os efeitos tidos por convenientes” (cfr. reclamação).
Ainda sobre a questão da inconstitucionalidade da norma aplicada no sentido em que foi tido pela Mma Juiz do Tribunal de Felgueiras, invocou:
– O Despacho sobre o qual foi estribado o rejeitado recurso não é um mero despacho de expediente, porque dispõe sobre Direitos Fundamentais e Garantias Constitucionais, ofende os mesmos Direitos e com isso, além do mais, viola o preceituado no artigo 20º, nºs 1 (primeira parte) e 4, da Constituição da República Portuguesa, que consagram o acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva;
– O alcance dado no Despacho reclamado a disposição contida na alínea a), do nº 1, artigo 400º do Código de Processo Penal, além do mais, viola o disposto nos nºs 1 (última parte) e 4 (última parte), do artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa, preceitos jurídicos Fundamentais que são de aplicação direta, imediata e automática e vinculam o Tribunal reclamado cfr. reclamação e arguição de nulidades da decisão da Relação de Guimarães).
Invocou o Princípio Fundamental de acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional efetiva consagrado no artigo20º da Constituição, que garante:
– “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”;
–“Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
(…)
Nesta conformidade modestamente se entende que nada mais para este efeito se poderia impor, além daquela suscitação de inconstitucionalidade da norma da al. a), do nº1, art.º 400º do CPP, ao ser aplicada com o alcance de despacho irrecorrível pela Mmª Juiz do Tribunal de Felgueiras na Decisão que determina em termos que afetam direitos e garantias do recorrente, mormente, de acesso ao direito e aos tribunais.
Assim, sempre salvando o respeito devido, em conclusão:
1. A recusa deste recurso revela-se INIQUA e constitui ainda nova privação do invocado direito de “acesso ao direito e aos tribunais”; porquanto, nos termos daquele preceituado na alínea b), do nº1, do artigo 70º,da LTC, o mesmo, é legalmente admissível.
2. Pois, resulta claro que durante o processo o recorrente suscitou a inconstitucionalidade da norma contida na alínea a), do nº1, artigo 400º do Código de Processo Penal, atento o sentido com que foi aplicada na decisão supra transcrita, que afeta os Direitos e Garantias Fundamentais do recorrente, de acesso ao direito e aos tribunais e ainda a um processo equitativo, por isso, violador dos sobreditos preceitos do art.º 20º da Constituição.
3. À Garantia constitucional de ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS não é estranha à EQUIDADE, sendo esta, em modesto entendimento, um conceito inerente ao “Justo Legal”, ao direito Natural e à Razão Absoluta, assim, não poderá ser sacrificada em prol de Entendimentos de ordem meramente formal como o foi pela douta decisão ora reclamada, porque, deste modo, estaremos perante nova INIQUDADE e, assim, diante de nova INCONSTITUCIONALIDADE.
4. Por outro lado, os preceitos daquele artigo 20º da constituição invocados pelo recorrente durante o processo impõem-se a todos os Tribunais Portugueses, por via de se imporem ao próprio Estado Português, consubstanciando tal imposição a mais elevada essência deste Estado de Direito Democrático, que, no nº 2 do artigo 16º da sua Lei Fundamental ainda prolonga o âmbito dos direitos fundamentais que garante aos seus cidadãos, ao limite dos preceitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 157/2013, não se conheceu do objeto do recurso porque o recorrente, no requerimento de interposição do recurso, não enunciara uma questão de inconstitucionalidade normativa, antes pretendendo ver apreciada a decisão judicial que havia qualificado o “despacho em causa” como despacho de mero expediente e que, por isso, era irrecorrível nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
2º
É com o requerimento de interposição do recurso que se fixa o seu objeto.
3º
Como nessa peça processual não se identifica uma questão de constitucionalidade normativa, única passível de constituir objecto idóneo de recurso de constitucionalidade, tal é suficiente para não se conhecer do objecto do recurso, como se entendeu – e bem – na douta decisão ora reclamada.
4º
Faltando esse pressuposto de admissibilidade, não há necessidade de averiguar da existência, ou não, de outros.
5.º
Por essa razão, não havia que indagar se no “ decurso do processo” foi suscitada de forma adequada uma questão de inconstitucionalidade, que é, no essencial, o que o recorrente alega, agora, na reclamação.
6.º
Sempre diremos, todavia, que vendo a reclamação para o Senhor Presidente da Relação de Guimarães, do despacho que, na 1.ª instância, não admitira o recurso – o momento processual próprio –, ali não vem suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa.
7.º
Embora esse já não fosse o momento oportuno, ainda se dirá que, na própria arguição de nulidade da decisão que indeferiu a reclamação, também não vem referida uma questão de inconstitucionalidade com aquela natureza.
8.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão reclamada conclui pelo não conhecimento do objeto do recurso interposto, por o mesmo não visar a apreciação de uma norma, mas antes a apreciação de uma decisão judicial.
Para contrariar o decidido, o reclamante sustenta que, durante o processo, suscitou sempre a inconstitucionalidade da norma contida na alínea a) do nº 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, atento o sentido com que foi aplicada na decisão recorrida. Sucede, porém, que o fundamento da decisão reclamada não consistiu na falta do requisito da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, mas sim na circunstância de o recorrente ter requerido a apreciação de uma decisão judicial, sendo certo que só uma norma pode constituir o objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Ao pedir a apreciação do que indica no requerimento de interposição de recurso – a alínea a), do n.º 1, do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que se verifica do teor de tal despacho que estamos perante um mero despacho de expediente, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, não é admissível recurso do mesmo, até porque, a verificar-se alguma alteração, por parte do ISS, ao pedido de apoio judiciário formulado pelo assistente, este sempre teria possibilidade de impugnar tal ato administrativo –, o que o recorrente pretende, afinal, é a apreciação da decisão judicial que qualifica o despacho em causa como “despacho de mero expediente” e que é, por isso, irrecorrível, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.
Há que confirmar, pois, a decisão sumária prolatada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 21 de maio de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.