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Processo n.º 699/00
2ª Secção Relator – Paulo Mota Pinto Acordam em conferência no Tribunal Constitucional: I – Relatório
1. Nos presentes autos, o relator proferiu em 17 de Setembro de 2001 nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), decisão sumária de não conhecimento do recurso interposto por J... de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2001. Tal decisão sumária baseou-se nos seguintes fundamentos:
«6. O presente recurso foi admitido no tribunal recorrido por despacho de 23 de Novembro de 2000. Porém, como se sabe, tal decisão não vincula este Tribunal
(artigo 76º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional), e porque, como se irá ver, não pode conhecer-se do objecto do recurso, é de proferir decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da lei do Tribunal Constitucional. Na verdade, o recurso foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Para se poder tomar conhecimento dos recursos deste tipo, é necessário, além do mais, que tenha sido suscitada uma questão de inconstitucionalidade reportada a uma norma que constitua ratio decidendi da decisão recorrida, e que tal tenha ocorrido durante o processo. Ora, “durante o processo” – isto é, antes de se ter esgotado o poder jurisdicional sobre a matéria a que respeita a questão de constitucionalidade
(como o exige o sentido da intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso, isto é, para reexame de uma decisão de constitucionalidade que pudesse e devesse ter sido tomada por um tribunal a quo, que lhe ter sido adequadamente suscitada) – não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa.
7. Perante o tribunal ora recorrido, o recorrente não suscitou questão de constitucionalidade alguma, antes de este ter proferido a decisão de que interpôs recurso de constitucionalidade – ou seja, o Acórdão de 12 de Outubro de
2000. Não o fez, nem no requerimento de recurso (cfr. fls 91 dos autos), nem nas alegações perante o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 94 e ss. dos autos), nas quais não se descortina referência alguma a qualquer inconstitucionalidade que seja – muito menos a suscitação da inconstitucionalidade da norma do artigo
144º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que pretende ver apreciada.
É, porém, evidente que tal suscitação da inconstitucionalidade desta norma era exigível ao recorrente, se pretendia vir a recorrer para o Tribunal Constitucional. Tendo omitido tal suscitação – e não tendo a decisão recorrida, por conseguinte, tratado da desconformidade constitucional da norma referida
(como não tinha de tratar, por tal problema não lhe ter sido posto) – , não pode agora pretender que o Tribunal Constitucional, em via de recurso – isto é, para reexame de uma decisão anterior sobre a questão de constitucionalidade – aprecie a constitucionalidade da norma aplicada. Aliás, era também claro que o recorrente podia e devia contar com a aplicação da norma do artigo 144º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sendo ele mesmo que reconhece que já anteriormente se discutia a questão da continuidade do prazo para dedução dos embargos (por exemplo, no requerimento de recurso, a fls. 133 dos autos).
8. Na resposta ao despacho de aperfeiçoamento previsto no n.º 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, o recorrente vem dizer que “já no seu requerimento de interposição de recurso constitucional, o agravante se tinha pronunciado quanto à suscitação da questão de constitucionalidade (tendo sido suscitada em todos os requerimentos juntos aos autos)”. Tal é, porém, patentemente inexacto, pois perante o tribunal recorrido, quer no requerimento de recurso, quer nas alegações, o recorrente omitiu a referência a qualquer inconstitucionalidade – sendo que, como ele (ou o seu mandatário) não deve ignorar, é perante o tribunal recorrido que a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada “durante o processo”, e não apenas no requerimento de recurso de constitucionalidade. Vendo bem, aliás, nem mesmo nesta resposta (e, de toda a forma, já seria tarde) o recorrente identifica com a indispensável precisão uma questão de constitucionalidade normativa, antes a reportando sempre à decisão judicial:
“Com a decisão do Tribunal recorrido, em aplicar o art. 144º do CPC ao presente caso concreto por facto que ao executado não lhe é imputável, é marginalizado o direito de defesa do executado, que perde assim a acção sem ter oportunidade de se defender. Ora, ao decidir como decidiu, quer o Tribunal da Relação, quer agora o Tribunal recorrido, violou um direito constitucional estebelecido no art. 20º, n.º 4 da CRP, direito esse que sempre foi reclamado pelo exequente
(...)” (itálicos aditados). De toda a forma, é certo que nunca a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa teria ocorrido durante o processo uma vez que, como se escreveu, por exemplo, no Acórdão n.º 1144/96, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Fevereiro de 1997 (citando expressões introduzidas pelo Acórdão n.º 90/85, publicado no Diário da República de 11 de Junho de
1985), “constitui jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal que aquele pressuposto deve ser entendido não em sentido meramente formal, tal que a inconstitucionalidade possa ser suscitada até à extinção da instância, mas num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ser feita em momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão, ou seja, antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz, o qual ocorre, em princípio com a prolação da sentença.' Assim, porque a questão de constitucionalidade normativa que o recorrente pretende ver apreciada não foi suscitada durante o processo, não se pode agora que conhecer dela.»
2. Inconformado com esta decisão, veio o recorrente reclamar para a conferência, dizendo:
«1º O recurso de constitucionalidade interposto não foi admitido por se considerar que o recorrente não suscitou a questão de constitucionalidade.
2º A verdade é que desde o início deste processo sempre esteve em causa ainda que implicitamente uma questão de inconstitucionalidade, pois que, ainda que se possam considerar mal elaboradas não deixou o recorrente de formular conclusões que indirectamente foram conclusões que se referiam à violação de um direito fundamental constitucionalmente consagrado e protegido pela constituição que é o Direito à defesa.
3º Com a aplicação do art. 144º do CPC – quando o recorrente não podia contar com ela – fica para sempre vedada ao recorrente a possibilidade de preparação da sua defesa, (dedução de embargos) ficando-lhe assim vedado o direito e a garantia a um processo equitativo, por não ter sido suscitada expressa ou directamente a violação daquele direito?
4º Não tem a suscitação de inconstitucionalidade de ser expressa ou directa podendo sê-lo de forma implícita, assim como não tem o tribunal de se debruçar expressamente sobre a questão suscitada bastando que tenha actuado em desconformidade com a constituição, o que foi o caso.
5º Aliás, se nunca a suscitação da inconstitucionalidade foi expressa ou directa, foi porque não pôde o recorrente contar com a imprevisibilidade daquela interpretação normativa.
6º Até que ponto é de se exigir que se suscite a inconstitucionalidade directa ou expressa de uma norma para que seja reconhecida a violação de um direito Fundamental? Quando sempre, em toda a sequência processual se formularam conclusões no sentido de alertar para a não violação daquele direito, a qual se verificaria se se aplicasse o art. 144º do CPC?
7º Nunca o recorrente pensou que lhe fosse vedado o direito à Defesa, – quando o mesmo estava assegurado pelo Mm.º Juiz da 1ª instância – que é sobretudo um direito geral à protecção jurídica, um elemento integrante do princípio material da igualdade e democratização do direito.» Cumpre decidir. II – Fundamentos
3. Nenhum dos fundamentos da presente reclamação abala o sentido da decisão reclamada, como se passa a demonstrar.
4. É, em primeiro lugar, improcedente a alegação, resultante dos pontos 3º, 5º
(dizendo-se neste que o recorrente “não pôde contar com a imprevisibilidade daquela interpretação normativa”) e 7º da reclamação, de que o recorrente não podia contar com a aplicação do artigo 144º do Código de Processo Civil Basta, para o concluir com toda a segurança, consultar as alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 94 e segs. dos autos), onde já se discutia se se havia verificado uma suspensão do prazo para dedução dos embargos, e, mesmo antes, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, na qual já se refere e aplica o artigo 144º do Código de Processo Civil. Reitera-se que, como se afirmou na decisão ora reclamada, era “claro que o recorrente podia e devia contar com a aplicação da norma do artigo 144º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sendo ele mesmo que reconhece que já anteriormente se discutia a questão da continuidade do prazo para dedução dos embargos (por exemplo, no requerimento de recurso, a fls. 133 dos autos).”
4. Questiona também o recorrente (pontos 2ºe 4º e 6º da reclamação) a verificação de que não suscitou durante o processo a inconstitucionalidade da norma do artigo 144º, n.º 1 do Código de Processo Civil, dizendo que tal inconstitucionalidade “sempre esteve em causa ainda que implicitamente”, podendo a suscitação ser efectuada “de forma implícita e não tendo o tribunal de se debruçar expressamente sobre a questão suscitada”. Como é sobejamente conhecido e este Tribunal tem salientado repetidamente, a exigência de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo, em termos de o tribunal a quo estar obrigado a dela conhecer (artigos 280º, n.ºs 1, alínea b), e 4 da Constituição da República e 70º, n.º 1, alínea b) e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional), compreende-se, pois, como se disse, no Acórdão n.º 560/94 (publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Janeiro de
1995), “se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão de constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex novo. A exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, pois, [...] uma ‘mera questão de forma secundária’. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão.”
(de entre as inúmeras decisões deste Tribunal que reiteram esta orientação, vejam-se ainda, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 269/94 e 155/95, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente de 18 de Junho de 1994 e 20 de Junho de 1995). Basta, porém, ler as alegações do recorrente perante o Supremo Tribunal de Justiça, para concluir que o recorrente (ou o seu mandatário) não curou de nelas efectuar qualquer referência que seja – e directa ou indirecta, sendo certo, porém, que a inconstitucionalidade sempre haveria de ter sido suscitada de forma clara e perceptível, como é jurisprudência constante (v., novamente, e a título de exemplo, os Acórdãos citados) – a qualquer inconstitucionalidade, nem sequer aí mencionando a norma cuja desconformidade constitucional pretende agora ver apreciada. Como se disse na decisão recorrida, “é, porém, evidente que tal suscitação da inconstitucionalidade desta norma era exigível ao recorrente, se pretendia vir a recorrer para o Tribunal Constitucional. Tendo omitido tal suscitação – e não tendo a decisão recorrida, por conseguinte, tratado da desconformidade constitucional da norma referida (como não tinha de tratar, por tal problema não lhe ter sido posto) – , não pode agora pretender que o Tribunal Constitucional, em via de recurso – isto é, para reexame de uma decisão anterior sobre a questão de constitucionalidade – aprecie a constitucionalidade da norma aplicada.” A presente reclamação não pode, pois, ser atendida. III – Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide, em conferência, desatender a presente reclamação e, confirmando a decisão sumária reclamada, não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 20 de Novembro de 2001 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa