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Processo n.º 741/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A., B., C. e D., e recorridos o MINISTÉRIO PÚBLICO e E., o primeiro recorrente vem reclamar para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A.º e do n.º 2 do artigo 78.º-B da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da Decisão Sumária n.º 178/2013 de 18 de março de 2013 que não conheceu do objeto do recurso interposto pelo recorrente por não se encontrar preenchido o requisito relativo à suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa de modo processualmente adequado previsto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
2. O teor da fundamentação da Decisão Sumária n.º 178/2013, de 18 de março, é o seguinte:
«(…) 7. Com efeito, da análise dos autos decorre que a recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer», como impõe o n.º 2 do artigo 72.º da LTC, já que não o fez nas peças processuais que indica – «Motivações e Conclusões do Recurso» e «Resposta a que alude o art.° 417 nº 2 do C.P.P. (…)» (cfr. fls. 15471 e ss. e 16298 e ss.).
7.1 Decorre do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal que o recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das «normas resultantes das interpretações dos art.°s 29.°, 40.° e 77º, todas do Código Penal» tal como indicadas naquele requerimento.
7.2 Alega também o recorrente que as questões de inconstitucionalidade foram suscitadas nas suas «1) Motivações e Conclusões do Recurso»; e na sua «2) Resposta a que alude o art.° 417 nº 2 do C.P.P.».
7.3 Decorre, porem, da análise dos autos, que a questão da inconstitucionalidade das alegadas «interpretações normativas» que o recorrente pretende sejam apreciadas por este Tribunal nunca foram suscitadas de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida – o Supremo Tribunal de Justiça – em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
7.4 Em primeiro lugar, não obstante o recorrente sustentar que a questão da «interpretação normativa» dos artigos 29.º, 40.º e 77.º do Código Penal que reputa ser inconstitucional foi suscitada nas «Motivações e Conclusões de Recurso» certo é – como decorre da leitura desta peça processual – que o recorrente nela não suscitou a inconstitucionalidade das alegadas interpretações normativas daqueles artigos do Código Penal.
Na referida peça processual, a única passagem em que o recorrente se refere a normas ou princípios constitucionais é o n.º 18 das «Conclusões», no qual se afirma que:
«O douto Acórdão não faz uma aplicação correta dos art.s 27º nº 3 al. b), 28º nº 2 e 32º nº 2, da Constituição da República Portuguesa, dos art.s 127º, 355º, 375º, 379, nº 1, c), todos do Código de Processo Penal, e dos art.s 22º, 26º, 27º, nº 2, 29º, e 40º, 70º a 73º, todos do Código Penal;».
Não só não se faz qualquer referência a normas constitucionais que, de acordo com o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal se consideram violadas – artigos 13.º, 30.º, n.º 3 e 32.º, n.º 1, da Constituição – como se imputa a violação do artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, igualmente invocada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, ao «douto Acórdão» (do Tribunal da Relação de Guimarães) que dele «não faz uma aplicação correta».
7.5 E certo é também que o recorrente também não suscitou a inconstitucionalidade das «interpretações normativas» na sua «Resposta a que alude o art.° 417 nº 2 do C.P.P.».
Nesta peça processual (cfr. fls. 16298 e ss.) o recorrente «começa por reiterar tudo o alegado no seu recurso» mas em nenhuma passagem da sua resposta se refere à violação de qualquer norma ou princípio constitucional violado pelas alegadas «interpretações normativas».
8. O recorrente, nas suas duas peças processuais prévias supra referidas não apresentou, assim, qualquer fundamentação quanto à questão da inconstitucionalidade que invoca, já que não indicou as razões porque considerava serem inconstitucionais as alegadas «interpretações normativas» dos artigos 29.º, 40.º e 77.º do Código Penal, ou seja, não indicou qualquer argumentação suscetível de autonomizar a questão de constitucionalidade que convocasse o Tribunal que proferiu a decisão recorrida a apreciá-la.
9. Assim, não tendo o recorrente cumprido o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão ora recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, de modo a permitir que o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, antes de esgotado o seu poder jurisdicional, soubesse que tinha uma questão jurídico-constitucional para decidir (vide, entre outros, os Acórdãos n.º 269/94, II, 7, e n.º 630/08, 3), não lhe assiste legitimidade para recorrer para este Tribunal.»
3. O recorrente reclamou para a conferência com os fundamentos seguintes:
«(…) a Ex.ma Srª Drª Juíza Conselheira Relatora, violou o estatuído no n.º 1, do art.° 78°-B, da LCT, na sua versão atual, extravasando os poderes que lhe são aí atribuídos. Vejamos, que se dívidas tinha quanto às matérias sindicáveis, ou quanto aos normativos em que se suscitava a questão da inconstitucionalidade, ou se pretendia a clarificação de algum ponto, deveria ter convidado o recorrente a proceder a qualquer aperfeiçoamento, nos termos do nº 5, do artº 75°-A, da LCT, na última versão. Até porque a admissibilidade deste recurso foi apreciada e admitida pelo Tribunal que proferiu a decisão recorrida, no caso o Supremo Tribunal de Justiça.
Por outro lado, parece transparecer na Douta Decisão Sumária, que às questões a apreciar, já estariam apreciadas, e que não haviam sido sindicáveis nos Tribunais que anteriormente apreciaram as questões, daí entender não conhecer do recurso.
Ora salvo melhor opinião, ¡isso não corresponde à realidade, porque essas questões foram colocadas nos Tribunais inferiores e estes é que não quiseram conhecer delas. Quer a Relação de Guimarães, quer o Supremo Tribunal de Justiça, não quiseram pronunciar-se, daí este recurso.
O recorrente apenas apresentou requerimento de recurso, tendo recorrido em obediência e em respeito pela lei, isto é, muito sucintamente indicou as peças, as decisões e as matérias, que salvo melhor opinião, violaram normas e princípios constitucionais, previstos na nossa Constituição da República Portuguesa, na versão da última revisão constitucional.
Pelo que, salvo melhor opinião, o recorrente não estava obrigado a mais, até porque, aguardava por dar as explicações devidas, como espera vir a ocorrer, quando for convidado a apresentar as suas alegações, nos termos do art.° 79°, da LCT, versão mais atualizada.
Por outro lado, impende sobre este Tribunal o facto de ser o último Tribunal de recurso, para quem deseja justiça, e ao negarem apreciar a pretensão estão a denegar o acesso a essa mesma JUSTIÇA. (…)».
4. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação nos termos seguintes:
1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 178/2013, não se conheceu do objeto do recurso interposto para o Tribunal Constitucional por José Henriques Teixeira Nunes, porque, durante o processo, não havia sido suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa, passível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade.
2º
Parece-nos evidente a inverificação daquele requisito de admissibilidade do recurso.
3º
Efetivamente, como se diz e demonstra na douta Decisão Sumária, quer na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, quer na resposta ao parecer que o Ministério Público emitiu no Supremo Tribunal de Justiça – as peças indicadas pelo próprio recorrente como as da suscitação da questão – não se enuncia qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
4º
O recorrente não foi notificado nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, porque tal não se revestiria de qualquer utilidade.
5.º
Na verdade, radicando o não conhecimento do mesmo na inverificação de requisitos materiais de admissibilidade e não em qualquer deficiência formal do requerimento de interposição do recurso, que fosse suprível, não tinha que ser proferido o despacho-convite a que alude o artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6 da LTC.
6.º
Por outro lado, como o não conhecimento do recurso se fundou na não suscitação prévia e adequada da questão perante o Supremo Tribunal de Justiça, este mesmo Tribunal não estava obrigado a pronunciar-se sobre ela, o que é diferente do que afirma agora o recorrente, no sentido que foram os tribunais que se não quiseram pronunciar.
7.º
Aliás, se a questão tivesse sido adequadamente suscitada, mesmo que, eventualmente, sobre ela, o Tribunal recorrido não se tivesse pronunciado, tal não obstaria ao conhecimento do recurso.
8.º
Por último, diremos que apenas deverá ser proferido despacho a ordenar a produção de Alegações (artigo 79.º da LTC) se for para conhecer do mérito do recurso, o que, naturalmente, pressupõe que se verifiquem todos os requisitos de admissibilidade.
9.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. O recorrente reclama para a conferência da Decisão Sumária n.º 178/2013 por discordar do já decidido quanto ao não conhecimento do objeto do recurso interposto para este Tribunal.
Discorda o ora reclamante do não conhecimento do objeto do recurso, com fundamento no não preenchimento do requisito relativo à suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa de modo processualmente adequado previsto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, por entender: que a decisão violou os poderes previstos no n.º 1 do artigo 78.º-B da LTC, tendo a Relatora extravasado os poderes conferidos por esta disposição; que a Relatora deveria ter convidado o recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento; que a questão da admissibilidade do recurso foi apreciada e decidida pelo Tribunal recorrido; que «(…)parece transparecer na Douta Decisão Sumária, que às questões a apreciar, já estariam apreciadas, e que não haviam sido sindicáveis nos Tribunais que anteriormente apreciaram as questões, daí entender não conhecer do recurso.»; e, ainda, que o recorrente não estava obrigado a mais (do que indicou no requerimento de interposição de recurso) «(…) porque, aguardava por dar as explicações devidas, como espera vir a ocorrer, quando for convidado a apresentar as suas alegações, nos termos do art.° 79°, da LCT (…)».
6. Não assiste razão ao reclamante.
6.1 Em primeiro lugar, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º da LTC, como já se afirmara na Decisão Sumária (cfr. II, n.º 3), a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à admissibilidade do recurso não vincula o Tribunal Constitucional.
6.2 A Decisão Sumária ora sindicada foi proferida ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC – na parte em que prevê que se o relator entender que não pode conhecer-se do objeto do recurso profere decisão sumária – e não, como afirma o ora reclamante, do n.º 1 do artigo 78.º-B da LTC, pelo que nem esta disposição se encontra violada, nem a relatora extravasou os poderes conferidos nela previsto ou os poderes previstos pelo n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
6.3 O recorrente não foi notificado nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5 (no que respeita a este Tribunal, n.º 6) da LTC uma vez que este apenas se destina a permitir o suprimento de vícios formais do requerimento de interposição de recurso. Radicando a decisão de não conhecimento na não verificação de requisito material de admissibilidade do recurso – e não em deficiência formal do requerimento de interposição de recurso – o convite ao aperfeiçoamento do requerimento não se revestiria de qualquer utilidade.
6.4 O não conhecimento do objeto do recurso fundou-se na não verificação de um requisito material de admissibilidade do recurso – o requisito relativo à suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa de modo processualmente adequado previsto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, segundo o qual os recursos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC «só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida».
Como se demonstra da Decisão Sumária ora sindicada (cfr. II, n.ºs 7.3 a 7.5) nas peças indicadas pelo recorrente não é enunciada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Ora não tendo sido cumprido, pelo recorrente, o ónus de prévia suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade normativa perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, este não estava obrigado a pronunciar-se sobre ela – diversamente da afirmação do ora reclamante segundo a qual o Tribunal recorrido não se quis pronunciar.
6.5 Por último, quando não se encontra preenchido algum dos pressupostos materiais da admissibilidade do recurso – como sucede no caso presente por falta de suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade normativa de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida –, o recurso não se encontra em condições de prosseguir para apreciação de mérito, pelo que não há que notificar o recorrente para apresentar alegações nos termos do n.º 5 do artigo 78.º-A da LTC, o que depende da verificação de todos os requisitos de admissibilidade do recurso.
III – Decisão
7. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, nos termos dos artigos 7.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 12 de junho de 2013. Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.