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Proc. nº 737/96
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1 – L... e outros (ora recorrentes) instauraram no Tribunal de Trabalho de Lisboa acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, emergente de contrato de trabalho, contra o Banco..., pedindo o pagamento da quantia global de 12.535.440$00, acrescida de subsídios vincendos e juros moratórios à taxa legal até efectivo pagamento. Alegaram para tanto, em síntese, serem trabalhadores do réu, tendo-lhe sido atribuído um subsídio de valorização profissional, que, porém, o réu, invocando um Despacho Normativo do Secretário de Estado do Tesouro, de 17 de Janeiro de
1983, lhes retirou.
2 – Por decisão do Tribunal de Trabalho de Lisboa foi a acção julgada procedente e, em consequência, foi o réu condenado no pedido.
3 – Inconformado com o assim decidido o réu recorreu para o Tribunal da Relação Lisboa que, por acórdão de 14 de Dezembro de 1995, decidiu conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogou a decisão recorrida e absolveu o Banco... dos pedidos dos autores.
4 – Por sua vez os autores, inconformados com o assim decidido, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça. A concluir as suas alegações disseram, designadamente, o seguinte:
'1º - O acórdão ora recorrido consagra uma solução que, embora se afigurando a mais «imediata» e «fácil», é profundamente violadora quer da lei ordinária, quer dos princípios essenciais da nossa Ordem Jurídica, quer dos princípios e preceitos constitucionais.
2º - A questão sub judice só aparentemente se reduz a examinar se o regime jurídico do Dec. Lei nº 260/76 é ou não aplicável às sociedades financeiras e bancárias como o R.
3º - É óbvio que aquele diploma não é, «prima facie», aplicável às relações de trabalho do R. com os seus trabalhadores, mas sim o Dec. Lei nº 729-A/75, de 22 de Novembro.
4º - E este não contém qualquer norma que estabeleça um regime de tutela a priori ou a posteriori relativamente às relações jurídicas laborais.
5º - A nova redacção dada pelo Dec. Lei nº 353-A/77 ao art. 49º do citado Dec. Lei nº 260/76 não significa, nem pode significar, quer do ponto de vista da letra, quer do ponto de vista da «ratio» do preceito, a imediata e directa aplicação a todos os concretos comandos das Bases Gerais das empresas Públicas ao R.
6º - Além do mais, falta-lhe obviamente a necessária «mediação concretizadora» legislativa que poderia efectivar tal aplicabilidade directa e imediata, sendo também certo que nenhuma disposição legal estabelece quais os actos deste tipo que ficariam sujeitos a controle «a priori» e quais «a posteriori».
7º - Por outro lado, obviamente que a al. g) do nº 2 do art. 13º se refere às prescrições gerais do empregador sobre as condições de trabalho, e jamais à adopção casuística e quotidiana das medidas que a concretizem.
8º - Jamais careceriam, assim, de autorização ou aprovação tutelar medidas como as da fixação ou alteração de horários ou a que se contém na Acta nº 313 do R.
9º - Não havendo nenhuma lei que determine a obrigatoriedade do controle tutelar
– e este, até dada a natureza e estrutura empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial das empresas públicas, não se presume !
– nem muito menos que defina qual o tipo de controle aplicável aos actos aqui em causa, não podem nem o Conselho de Ministros (por meio de resoluções) nem o Conselho de Administração do R. (quando tal lhe passa a convir), nem os Tribunais, substituir-se ao legislador procedendo a tal determinação.
10º - Acresce que se está no domínio das relações privadas de trabalho e fora do
âmbito de aplicação dos instrumentos de regulamentação colectiva formais.
11º - Temos pois aqui na questão sub judice uma proposta de alteração do conteúdo dos contratos individuais de trabalho, a qual, uma vez expressa ou tacitamente aceite pelos trabalhadores, se verteu irretratavelmente naquele conteúdo !
12º - A relação jurídica aqui estabelecida é uma relação jurídica de direito privado, estabelecida entre cada um dos autores e o Banco réu (não com o Estado, o Governo, ou o(s) Ministro(s) da Tutela) regida pelo direito do Trabalho, ou seja, pelo Direito Privado.
13º - Na verdade o acto praticado pelo Conselho de Gestão do R. – legal representante deste ! – é, pelo menos face aos AA., um mero acto de direito privado, proferido rigorosamente nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia actuar um Conselho de Gestão de um banco privado, com inteira e total submissão às normas de direito privado.
14º - Aliás, mesmo na lógica da tese do Acórdão recorrido – que, todavia, se não aceita – o estatuto do pessoal das empresas públicas deve basear-se no regime do contrato individual de trabalho, salvaguardada apenas a hipótese (que aqui nenhuma aplicação tem, até por os estatutos do R. nada conterem a tal respeito) de em certos casos tais estatutos consagrarem um regime de direito administrativo.
15º - E fora do caso das empresas monopolistas e das que exploram serviços públicos (e o R. não «cai» em nenhuma destas categorias), as normas relativas ao pessoal competem às respectivas administrações, nos termos da al. f) do nº 1 do art. 9º das Bases Gerais já atrás citadas.
16º - Mas mesmo que «ad absurdum» assim se não considerasse, sendo o Conselho de Gestão o seu legal representante e tendo agido como tal, tendo os trabalhadores negociado e aceite a proposta por aquele apresentada, tal acordo tornou-se perfeito, sendo inoponível aos seus trabalhadores a circunstância de o Conselho não se ter munido da autorização ou aprovação tutelar de que pretensamente necessitava.
17º - Admitir e consagrar o inverso, como faz o Acórdão recorrido, e permitir que a própria administração do R. se prevalecesse dessa sua conduta para fugir ao cumprimento das responsabilidades que assumira, seria admitir e consagrar a validade de um verdadeiro, próprio e legalmente inadmissível «venire contra factum proprium» e da mais afrontosa violação dos mais elementares princípios da nossa Ordem Jurídica, como o da boa-fé e o do «pacta sunt servanda» !
18º - Interpretados e aplicados como o foram pelo acórdão recorrido, os artigos
9º, 13º, 30º e 49º (este com a redacção dada pelo Dec. Lei 353-A/77, de 29/8) do Dec. Lei nº 260/76, de 8/4 e os artigos 2º e 5º, nº 1 do Dec. Lei nº 729-F/75, serão manifestamente inconstitucionais.
19º - Desde logo, por assentarem na ideia da possibilidade de os Tribunais se poderem substituir ao legislador ordinário na tal tarefa de «mediação concretizadora» face à pretendida aplicação dos princípios – note-se bem, e não preceitos – do Dec. Lei nº 260/76, com violação óbvia do princípio da separação de poderes consagrado no art. 114º da CRP.
20º - Depois, tal entendimento, ao permitir a impunidade de actuações arbitrárias e injustas do R., gravemente lesivas dos direitos e legítimos interesses dos trabalhadores do mesmo R. (que sempre actuaram com boa fé e sempre esperaram que este cumprisse aquilo a que livre e formalmente se comprometera) consubstanciaria manifesta violação do art. 2º da CRP.
21º - A manifesta desigualdade dos «pratos da balança» da relação jurídica laboral, e ainda por cima contra a parte que já é mais fraca (ou seja, os trabalhadores), permitindo e «legalizando» esta absurda e monstruosa iniquidade de um Conselho de administração de um banco propor a atribuição de um dado montante retributivo, os trabalhadores aceitarem e depois a mesma ou nova administração o retirarem, viola também o princípio da igualdade, o princípio da segurança no emprego e o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, consagrados respectivamente nos art.s 13º, 53º e 59º, nº 1, al. b), todos da CRP.
22º - E viola também o art. 266º, nº 1 da Constituição já que consagraria, em nome da defesa do pretendo interesse público, um abusivo sacrifício dos cidadãos trabalhadores.
23º - Todas estas inconstitucionalidades ficam desde já arguidas, e no decurso do presente processo, para todos os devidos e legais efeitos.
24º - O despacho do SET de 19/1/83 é um mero acto (erroneamente) interpretativo de simples instruções genéricas, não tendo qualquer eficácia normativa sobre o conteúdo dos contratos individuais de trabalho dos AA. e seus colegas.
25º - A resolução do C.M. nº 163/80, sobre não ter qualquer eficácia normativa, não é aplicável às instituições financeiras (por ter por pressuposto o campo de aplicação do Dec. Lei nº 260/76) e sempre seria ilegal, por manifesta violação de lei ordinária (v.g. art. 14º, nº 1 da LRC) e inconstitucional (todos os preceitos da Constituição atrás citados).
26º - Rigorosamente o mesmo se diga da inacreditável Resolução do C.M. nº 35/93
(ostensivamente produzida para tentar virar a favor do R. o desfecho das acções judiciais em curso !?), além de que viola também os art.s 115º, nº 5 e 18º, nº 3 da mesma CRP.
27º - A solução consagrada no Acórdão é – reafirme-se – porventura a mais fácil e aquela para que, à 1ª vista, mais se poderia propender, mas uma análise mais aprofundada e rigorosa da questão, sobretudo levada a cabo à luz dos mais elementares princípios da nossa Ordem Jurídica (que também se aplicam às relações de trabalho, e quando os seus beneficiários são trabalhadores !...), conduz à conclusão exactamente oposta.
'8º - É esse esforço de reflexão que os AA. firmemente esperam que possa ser levado a cabo por este Supremo Tribunal de Justiça, até porque se está perante uma questão (e um entendimento sobre ela) de gravidade extrema !
29º - O acórdão recorrido, sobre fazer uma apressada apreciação das questões aqui em causa (limitando-se, claramente, a apoiar-se em outros acórdãos já produzidos), viola manifestamente várias disposições legais e designadamente – e para além dos art.s 9º, 227º e 776º, nº 2 do Código Civil – os art.s 9º, 13º,
30º e 49º (este com a redacção dada pelo dec. Lei 353-A/77) do Dec. Lei nº
260/76, de 8/4, e os art.s 2º e 5º, nº 1 do Dec. Lei 729-F/75.
30º - Ou então, caso se entenda que as não violou, tais disposições, assim interpretadas e aplicadas como o foram pelo acórdão recorrido, padecem de evidente inconstitucionalidade material, designadamente por violação dos art.s
2º, 13º, 18º, nº 3, 53º, 59º, nº 1, al. b), 114º, 115º, nº 5 e 266º, nº 1, todos da CRP, jamais podendo ser, em obediência ao art. 207º da CRP, aplicadas na decisão da questão sub judice'.
5. O Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão de fls. 721 a 729, veio, porém, a negar provimento ao recurso, concluindo igualmente pela inexistência das alegadas inconstitucionalidades.
6 – É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende o recorrente, nos termos do respectivo requerimento de interposição, ver apreciada a constitucionalidade dos artigos
9º, 13º, 30º e 49º (este com a redacção dada pelo Dec. Lei nº 353-A/77, de 29/8) do Dec. Lei nº 260/76, de 8 de Abril; dos artigos 2º e 5º, nº 1 do Dec. Lei nº
729-F/75, e das Resoluções do Conselho de Ministros nº 163/80 e 35/93.
7 – Recebido o recurso foram os recorrentes notificados para alegar, o que fizeram, tendo concluído nos seguintes termos:
'1º - O Acórdão ora recorrido – aliás de forma totalmente infundamentada, limitando-se meras afirmações abstractas – consagra uma solução que, embora se afigurando a mais «imediata» e «fácil», é profundamente violadora quer da lei ordinária, quer dos princípios essenciais da nossa Ordem Jurídica, quer dos princípios e preceitos constitucionais.
2º - A questão sub judice só aparentemente se reduz a examinar se o regime jurídico do Dec. Lei nº 260/76 é ou não aplicável às sociedades financeiras e bancárias como o R., já que aquele diploma não é, «prima facie», aplicável às relações de trabalho do R. com os seus trabalhadores, mas sim o Dec. Lei nº
729-A/75, de 22 de Novembro, e este não contém qualquer norma que estabeleça um regime de tutela a priori ou a posteriori relativamente às relações jurídicas laborais. Por outro lado,
3º - A nova redacção dada pelo Dec. Lei nº 353-A/77 ao art. 49º do citado Dec. Lei nº 260/76 não significa, nem pode significar, quer do ponto de vista da letra, quer do ponto de vista da «ratio» do preceito, a imediata e directa aplicação a todos os concretos comandos das Bases Gerais das empresas Públicas ao R. e obviamente que a al. g) do nº 2 do art. 13º se refere às prescrições gerais do empregador sobre as condições de trabalho, e jamais à adopção casuística e quotidiana das medidas que a concretizem, pelo que nunca careceriam, assim, de autorização ou aprovação tutelar medidas como as da fixação ou alteração de horários ou a que se contém na Acta nº 313 do R.
4º- Além do mais, falta a necessária «mediação concretizadora» legislativa que poderia efectivar tal aplicabilidade directa e imediata, sendo também certo que nenhuma disposição legal estabelece quais os actos deste tipo que ficariam sujeitos a controle «a priori» e quais «a posteriori».
5º - Não havendo nenhuma lei que determine a obrigatoriedade do controle tutelar
– e este, até dada a natureza e estrutura empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial das empresas públicas, não se presume !
– nem muito menos que defina qual o tipo de controle aplicável aos actos aqui em causa, não podem nem o Conselho de Ministros (por meio de resoluções) nem o Conselho de Administração do R. (quando tal lhe passa a convir), nem os Tribunais, substituir-se ao legislador procedendo a tal determinação.
6º - A relação jurídica aqui estabelecida é uma relação jurídica de direito privado, estabelecida entre cada um dos autores e o Banco réu (não com o Estado, o Governo, ou o(s) Ministro(s) da Tutela) regida pelo direito do Trabalho, ou seja, pelo Direito Privado, sendo certo que mesmo na lógica da tese do Acórdão recorrido – que, todavia, se não aceita – o estatuto do pessoal das empresas públicas deve basear-se no regime do contrato individual de trabalho, salvaguardada apenas a hipótese (que aqui nenhuma aplicação tem, até por os estatutos do R. nada conterem a tal respeito) de em certos casos tais estatutos consagrarem um regime de direito administrativo.
7º - Mas mesmo que «ad absurdum» assim se não considerasse, sendo o Conselho de Gestão o seu legal representante e tendo agido como tal, tendo os trabalhadores negociado e aceite a proposta por aquele apresentada, tal acordo tornou-se perfeito, sendo inoponível aos seus trabalhadores a circunstância de o Conselho não se ter munido da autorização ou aprovação tutelar de que pretensamente necessitava.
8º - Admitir e consagrar o inverso, como faz o Acórdão recorrido, e permitir que a própria administração do R. se prevalecesse dessa sua conduta para fugir ao cumprimento das responsabilidades que assumira, seria admitir e consagrar a validade de um verdadeiro, próprio e legalmente inadmissível «venire contra factum proprium» e da mais afrontosa violação dos mais elementares princípios da nossa Ordem Jurídica, como o da boa-fé, do «pacta sunt servanda» e, sobretudo, da certeza e segurança jurídicas.
9º - Interpretados e aplicados como o foram pelo acórdão recorrido, os artigos
9º, 13º, 30º e 49º (este com a redacção dada pelo Dec. Lei 353-A/77, de 29/8) do Dec. Lei nº 260/76, de 8/4 e os artigos 2º e 5º, nº 1 do Dec. Lei nº 729-F/75, serão manifestamente inconstitucionais.
10º - Desde logo, por assentarem na ideia da possibilidade de os Tribunais se poderem substituir ao legislador ordinário na tal tarefa de «mediação concretizadora» face à pretendida aplicação dos princípios – note-se bem, e não preceitos – do Dec. Lei nº 260/76, com violação óbvia do princípio da separação de poderes consagrado no art. 114º da CRP.
11º - Depois, tal entendimento, ao permitir a impunidade de actuações arbitrárias e injustas do R., gravemente lesivas dos direitos e legítimos interesses dos trabalhadores do mesmo R. (que sempre actuaram com boa fé e sempre esperaram que este cumprisse aquilo a que livre e formalmente se comprometera) consubstanciaria manifesta violação do art. 2º da CRP.
12º - A manifesta desigualdade dos «pratos da balança» da relação jurídica laboral, e ainda por cima contra a parte que já é mais fraca (ou seja, os trabalhadores), permitindo e «legalizando» esta absurda e monstruosa iniquidade de um Conselho de administração de um banco propor a atribuição de um dado montante retributivo, os trabalhadores aceitarem e depois a mesma ou nova administração o retirarem, viola também o princípio da igualdade, o princípio da segurança no emprego e o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, consagrados respectivamente nos art.s 13º, 53º e 59º, nº 1, al. b), todos da CRP, e que tem de ser interpretados e aplicados de forma bem mais ampla e consistente do que a visão estreita e formalista consagrada no acórdão recorrido.
13º - Mas viola também o art. 266º, nº 1 da Constituição já que consagraria, em nome da defesa do pretendo interesse público, um abusivo, desproporcionado, desigual e injusto sacrifício dos cidadãos trabalhadores.
14º - O mesmo se diga do despacho do SET de 19/1/83, e que aliás é um mero acto erroneamente interpretativo de simples instruções genéricas, não tendo qualquer eficácia normativa sobre o conteúdo dos contratos individuais de trabalho dos AA. e seus colegas.
15º - A resolução do C.M. nº 163/80, sobre não ter qualquer eficácia normativa e não ser aplicável às instituições financeiras (por ter por pressuposto o campo de aplicação do Dec. Lei nº 260/76) sempre seria inconstitucional (por violação de todos os preceitos da Constituição atrás citados).
16º - Rigorosamente o mesmo se diga da inacreditável Resolução do C.M. nº 35/93
(ostensivamente produzida para tentar virar a favor do R. o desfecho das acções judiciais em curso !?), além de que viola também os art.s 115º, nº 5 e 18º, nº 3 da mesma CRP (v.g., ao procurar conferir eficácia retroactiva a um pretenso instrumento normativo restritivo dos direitos fundamentais dos AA.).
17º- Os art.s 9º, 13º, 30º e 49º (este com a redacção dada pelo dec. Lei
353-A/77) do Dec. Lei nº 260/76, de 8/4; os art.s 2º e 5º, nº 1 do Dec. Lei
729-F/75; e as Resoluções do Conselho de Ministros nº 163/80 e 35/93, ao menos da forma como foram interpretados e aplicados no Acórdão do STJ ora recorrido, padecem de óbvia e múltipla inconstitucionalidade material, em particular por violação dos art.s 2º, 13º, 18º, nº 3, 53º, 59º, nº 1, al. b), 114º, 115º, nº 5 e 266º, nº 1, todos da CRP.
18º - As referidas inconstitucionalidades foram oportunamente arguidas durante o processo e o presente recurso mostra-se interposto tempestivamente, por quem para tal tem plena legitimidade e na forma correcta, nada obstando ao conhecimento do objecto do mesmo'.
8 – Igualmente notificado para alegar o recorrido sustentou, a concluir, que deveria ser negado provimento ao recurso, decidindo-se pela inexistência de quaisquer inconstitucionalidades.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
9 – Questão prévia: a possibilidade de conhecer do objecto do recurso. O recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, que foi o interposto pelos recorrentes, pressupõe, além do mais, que: i) o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade de uma determinada norma jurídica (ou de uma sua interpretação normativa); ii) e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado (a norma ou a interpretação normativa arguida de inconstitucional), como ratio decidendi, no julgamento do caso. Importa, por isso, averiguar e delimitar com clareza as normas (ou interpretações normativas) cuja inconstitucionalidade foi suscitada pelos recorrentes durante o processo, bem como se as mesmas foram efectivamente aplicadas, como ratio decidendi, pelo acórdão recorrido.
9.1. - Começaremos por esta segunda questão, identificando as bases normativas da decisão recorrida. Começou o acórdão recorrido por concluir que o subsídio de valorização que o Conselho de Gestão do Réu deliberou atribuir mensalmente aos seus trabalhadores, e que depois foi suspenso por Despacho do Secretário de Estado do Tesouro, deveria ser considerado como 'retribuição'. Para o efeito, apoiou-se normativamente no nº 1 do art. 5º do Dec. Lei nº 729-F/75, de 22 de Dezembro, no nº 1 do art. 30º do Dec. Lei nº 260/76, de 8 de Abril e no nº 2 do art. 82º da LCT. Esclareceu, contudo, o acórdão recorrido logo de seguida, que a questão verdadeiramente controvertida não era a de saber se o subsídio em causa poderia ser considerado 'retribuição', mas a de saber se o Réu poderia, sem prévia autorização do Ministro do Trabalho e do Ministro da Tutela, atribuí-lo. E, a esta questão, respondeu o acórdão recorrido negativamente. Para o efeito, escudou-se na seguinte fundamentação:
'(...)No diploma que procedeu à nacionalização das instituições de crédito previa-se que a sua orgânica de gestão e fiscalização seria estabelecida em legislação a publicar (Dec. Lei nº 132º-A/75, de 14/3). E esse diploma é o acima referido Dec. Lei nº 729-A/75. Nos termos do art. 2º desse Dec. Lei «as instituições de crédito são pessoas colectivas de direito público, dotadas de autonomia administrativa e financeira, com natureza de empresas públicas». Por este diploma, designadamente por este art. 2º e pelo referido art. 5º, nada impedia aquela deliberação de atribuição do subsídio em causa. A tal não se opunha, podendo até considerar-se para tal permissivo, o nº 1 do art. 14º, que dispunha que o Conselho de Gestão tem os poderes necessários para a prossecução dos fins da instituição respectiva, designadamente com o objectivo de assegurar a gestão e o desenvolvimento da empresa, a administração do seu património, incluindo a aquisição de bens. E esta ideia mais se acentua com a publicação do Dec. Lei nº 260/76, que estabelece as bases gerais das empresas públicas. Na alínea g) do nº 2 do art.
13º se estabelece que o estatuto do pessoal, em particular no que respeita à fixação das remunerações (sublinhado nosso) está dependende de autorização ou aprovação do Ministério da Tutela; e no nº 4 estabelece-se que a matéria da alínea g), entre outras, carece, também de autorização ou aprovação do ministro do Trabalho.
É certo que, nos termos do art. 49º, nº 1, se excluía do regime do Dec. Lei nº
260/76 o Banco de Portugal e as instituições bancárias, para-bancárias e seguradoras. No entanto, este artigo 49º foi alterado pelo Dec. Lei nº 353-A/77, de 29/8. E, segundo este último diploma, o nº 2 ficou com a seguinte redacção: «As empresas públicas exceptuadas no número anterior ficam, porém, sujeitas aos princípios fixados no presente diploma». Logo, por esta nova redacção se chega à conclusão de que o R. para atribuir aquele subsídio teria de ter autorização ou aprovação do Ministro das Finanças e do Ministro do trabalho.( Sublinhado nosso). E não se mostra que tal autorização ou aprovação tenha sido concedida. Por esta alteração, operada por via legislativa competente, e tendo em conta as regras de interpretação das leis (art. 9º, nº 3, do C.Civ.) terá de se presumir
«que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados». Na verdade, estando as instituições bancárias
«isentas» dos princípios daquele Dec. Lei nº 260/76 e, nos termos da alteração introduzida pelo Dec. Lei nº 353-A/77, de 29/8, passaram estas a estar sujeitas a esses princípios, a única interpretação possível é a de considerar as instituições bancárias sujeitas aos princípios estabelecidos pelo Dec. Lei nº
260/76, e a todos eles sem excepção. Por outro lado, há a ter em conta o que refere a Resolução do Conselho de Ministros nº 153/80, publicada no Diário da República de 9/5/1980, que veio estabelecer que as empresas públicas têm de obedecer a determinadas diligências para as negociações colectivas, obrigando-as: a remeter cópia das propostas de celebração ou de revisão de convenção colectiva, acompanhada da respectiva fundamentação (nº 1); apresentação dos elementos necessários para a definição dos parâmetros a que deve obedecer a negociação colectiva por parte da respectiva empresa pública (nº 2); aqueles parâmetros serão definidos pelo Ministério da Tutela, em coordenação com os das Finanças e Plano e do Trabalho, devendo ser rigorosamente respeitados na negociação, por referência a todos os aumentos de encargos, e não apenas aos aumentos das tabelas salariais (nº 3). E no nº 7 expressamente se veda aos conselhos de gerência proceder a aumentos genéricos de remunerações nas empresas públicas abrangidas por instrumentos de regulamentação colectiva, salvo através de novo instrumento. Ora, sendo o R. uma empresa pública, estava ele sujeito ao regime estabelecido pelo Dec. Lei nº 260/76 e seus princípios e ao regulamentado naquela Resolução. Assim, ele precisava de autorização ou aprovação dos Ministros das Finanças e do Trabalho, o que não se mostra ter existido. As instituições de crédito, como o R., em actos como o de atribuição do discutido subsídio, ficaram sujeitas a autorização ou aprovação da Tutela, devendo entender-se que nesse caso, tendo em vista a relevância dos interesses em causa, se exige que a tutela revista a forma de aprovação (cfr. Acórdão deste Supremo, tirado pela Secção em conjunto, de 28/2/96, na Revista 4338). Ao não obter essa autorização, o R. violou os artigos 12º e 13º, nº 2, al. g) do Dec. Lei nº 260/76, pelo que essa deliberação não produziu quaisquer efeitos jurídicos, sendo assim ineficaz. Sendo essa deliberação ineficaz, os AA não têm direito a receber o subsídio'.
Pois bem: a transcrição da parte decisória do acórdão recorrido evidencia que os preceitos em que o Supremo Tribunal de Justiça se apoiou - que constituem, portanto, a sua base normativa - para considerar ineficaz a decisão do Conselho de Gestão do ora recorrido que atribuiu o subsídio aos recorrentes e, consequentemente, para negar provimento ao recurso, foram o artigos 13º, nº 2, al. g) do Decreto-Lei nº 260/76, que o Tribunal considerou aplicável ao caso por força do disposto no art. 49º, nº 2 do mesmo diploma, este na redacção do Dec. Lei nº 353-A/77, de 29/8. Recorreu ainda o Tribunal, para fundamentar a sua decisão, em termos que veremos melhor um pouco mais à frente, ao disposto na Resolução do Conselho de Ministros nº 163/80, de 9 de Maio de 1980. Fora do objecto do recurso ficam por isso, desde logo, os art.s 2º e 5º, nº 1 do Dec. Lei 729-F/75, de 22 de Dezembro. É certo que eles são, a dado passo, invocados pela decisão recorrida. Esta fá-lo, porém, apenas para referir que por eles 'nada impedia aquela deliberação de atribuição do subsídio em causa', portanto, nesta parte, em sentido manifestamente coincidente com a tese dos recorrentes e cuja constitucionalidade certamente não pretendem – nem poderiam - questionar. Igualmente excluídas do objecto do recurso ficam ainda as normas dos artigos 9º e 30º do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, bem como a Resolução do Conselho de Ministros nº 35/93, a que o acórdão recorrido não faz, aliás, qualquer referência e que manifestamente não utilizou, expressa ou implicitamente, como base normativa da sua decisão. O possível objecto do recurso fica por isso, e desde já, limitado aos preceitos dos artigos 13º, nº 2, al. g) e 49º, nº 2 (este na redacção do Dec. Lei nº
353-A/77, de 29 de Agosto) do Decreto-Lei nº 260/76, bem como à Resolução do Conselho de Ministros nº 163/80, de 9 de Maio de 1980, únicos invocados pela decisão recorrida para se sustentar normativamente.
9.2 - Isto dito, e sendo certo que os recorrentes não imputam a inconstitucionalidade à globalidade daqueles preceitos, mas apenas a uma sua interpretação normativa, há que, de seguida, averiguar qual é a interpretação normativa dos preceitos em causa que os recorrentes consideram inconstitucional para, num segundo momento, verificar se foi esse o sentido normativo daqueles preceitos que foi utilizado pelo acórdão recorrido. A primeira questão remete-nos para as conclusões da alegação de recurso apresentadas pelos ora recorrentes perante o Supremo Tribunal de Justiça, que acima já transcrevemos integralmente. Aqui chegados, deve começar por referir-se que é desde logo duvidoso que os recorrentes tenham aí suscitado, nos termos claros e precisos que este Tribunal vem exigindo, as dimensões normativas dos preceitos cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada, preferindo frequentemente o refúgio na afirmação, vaga, de que tais disposições, 'tal como foram interpretadas e aplicadas pelo acórdão recorrido' são inconstitucionais. Ora, recorde-se que o Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente que quando seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito tem o recorrente o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no Acórdão nº 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.) 'tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de
1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental'. Aceitando, porém, que nas conclusões da alegação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça está suficientemente identificada a interpretação normativa dos artigos 13º, nº 2, al. g) e 49º, nº 2 (este na redacção do Dec. Lei nº
353-A/77, de 29/8) do Decreto-Lei nº 260/76, bem como da Resolução do Conselho de Ministros nº 163/80, de 9 de Maio de 1980, que os recorrentes consideram inconstitucional, cremos que ela poderá sintetizar-se da seguinte forma: tais preceitos serão, na perspectiva dos recorrentes, inconstitucionais, quando interpretados em termos de assentarem na ideia de que, não havendo nenhuma lei que determine a obrigatoriedade do controle tutelar nem muito menos que defina qual o tipo de controle aplicável aos actos aqui em causa, poderem o Conselho de Ministros por meio de resoluções (no caso, a Resolução do Conselho de Ministros nº 163/80, de 9 de Maio de 1980), ou os tribunais, substituir-se ao legislador nessa tarefa de «mediação concretizadora», procedendo a tal determinação. Identificada a interpretação normativa daqueles preceitos que os recorrentes consideram inconstitucional, resta averiguar se foi esta a interpretação normativa dos mesmos que a decisão recorrida utilizou como ratio decidendi. Cremos, efectivamente, que não. Como se decidiu já no acórdão deste Tribunal nº 243/95 (ainda inédito), num processo com contornos em tudo idênticos aos dos presentes autos, o que foi entendido no acórdão recorrido foi que, após as alterações introduzidas ao nº 2 do artigo 49º do Decreto-Lei nº 260/76, pelo Decreto-Lei nº 353-A/77, as regras constantes daquele diploma (mormente as respeitantes à tutela económica e financeira e, de entre estas, as que se ligam ao estatuto de pessoal das empresas públicas e particularmente no que respeita à fixação das respectivas remunerações), eram aplicáveis às «instituições públicas de crédito». Nesse sentido, pode ler-se no acórdão recorrido: 'na verdade, estando as instituições bancárias «isentas» dos princípios daquele Dec. Lei nº 260/76 e, nos termos da alteração introduzida pelo Dec. Lei nº 353-A/77, de 29/8, passaram estas a estar sujeitas a esses princípios, a única interpretação possível é a de considerar as instituições bancárias sujeitas aos princípios estabelecidos pelo Dec. Lei nº 260/76, e a todos eles sem excepção'.
É, pois, partindo desta interpretação dos artigos 13º, nº 2, al. g) e 49º, nº 2 do Dec. Lei nº 260/76, e procurando apreender o sentido da alteração legislativa levada a cabo pelo Dec. Lei nº 353-A/77, que o acórdão recorrido concluiu que 'o Réu, para atribuir aquele subsídio, teria de ter autorização ou aprovação do Ministro das Finanças e do Ministro do trabalho'. Dessa forma, e como se escreveu no acórdão deste Tribunal nº 243/95 (já citado), cuja fundamentação a partir daqui seguiremos de muito perto, torna-se evidente que não foi por apelo às directivas constantes de qualquer Resolução do Conselho de Ministros (designadamente a Resolução nº 163/80) que o acórdão recorrido veio a entender que a deliberação em causa, havia de estar sujeita a fiscalização tutelar. Não interpretou, por isso, a alínea g) do nº 2 do artº 13º ou o nº 2 do artigo 49º do Dec. Lei nº 260/76, por forma a daí decorrer que seria por uma intervenção resolutiva do Conselho de Ministros que se iria saber quais os actos do Conselho de Gestão das «instituições públicas de crédito» que estariam sujeitos a intervenção tutelar. Tal intervenção tutelar era, na perspectiva do acórdão recorrido, e no tocante ao estatuto de pessoal e respectivas remunerações, imposta pela própria alínea g) do nº 2 do artº 13º do Dec. Lei nº
260/76, mandada aplicar às «instituições públicas de crédito»pelo nº 2 do artigo
49º do mesmo diploma. Assim - e continuando a seguir de muito perto o que se escreveu no acórdão nº
243/95 - assente que foi por aquele acórdão a necessidade de intervenção tutelar
- imposição decorrente directamente da citada norma no que tange ao estatuto de pessoal das «instituições públicas de crédito» e respectivas remunerações - havia, seguidamente, que decidir qual a forma de operar a mencionada intervenção, ou seja, se a fiscalização se perspectivaria como um controlo prévio ao acto praticado pelo Conselho de Gestão da Ré (assim se caracterizando como uma autorização) ou como um controlo posterior a esse mesmo acto (desse jeito se caracterizando como uma aprovação). Ora, e porque, perante o teor da alínea g) do nº 2 do artº 13º do D.L. nº 260/76, é defensável, quer o entendimento de que o controlo há-de assumir a forma de autorização, quer o entendimento de que o controlo deve assumir a forma de aprovação, a Relação de Lisboa, na decisão em análise, optou pelo primeiro. E fê-lo por interpretação daquela norma, interpretação a que chegou servindo-se de determinada metodologia, na qual, por entre outros elementos, se serviu das determinações constantes da Resolução do Conselho de Ministros nº 163/80. Significa isto, como
é bom de ver, que, de todo em todo, o acórdão impugnado não interpretou a norma da alínea g) do nº 2 do artº 13º do D.L. nº 260/76 como permitindo que fosse por intermédio de uma Resolução do Conselho de Ministros que fossem definidos os actos dos órgãos das «instituições de crédito público» que devem estar sujeitos
à fiscalização tutelar; ou que se alargasse essa fiscalização a tais instituições; ou que, fossem sujeitos a este género de controlo os actos dos referidos órgãos referentes ao estatuto do pessoal e respectivas remunerações. Assim, não tendo a decisão recorrida aplicado os preceitos cuja constitucionalidade vem questionada no exacto sentido referido pelos recorrentes, não pode conhecer-se do objecto do recurso (no mesmo sentido se pronunciou igualmente, para além do já referido acórdão nº 243/95, e também num caso com contornos idênticos aos dos presentes autos, o acórdão nº 586/95).
III – Decisão Por tudo o exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) unidades de conta.
23 de Outubro de 2001 José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa