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Processo n.º 128/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Notificado do Acórdão n.º 342/2013, que indeferiu a reclamação que apresentou, veio a recorrente A., invocando o disposto nas alínea a) e b) do n.º 1 do artigo 669.º do CPC, requerer “o esclarecimento de obscuridades e ambiguidades de que padece a decisão” e bem assim a sua reforma quanto a custas.
No corpo do requerimento, formula ainda arguição de nulidade do despacho de 18/3/2013, com invocação dos artigos 201.º e 203.º do CPC.
Sustenta essas pretensões na seguinte ordem de razões, em síntese:
– A expressão “aperfeiçoamento com amplitude global” é ininteligível, desde logo porque, no despacho de 18/3/2013, que corresponde ao convite ao aperfeiçoamento, este não é qualificado como de amplitude global;
– Os n.ºs 5 e 6 do art. 75.º-A da LTC, ao abrigo dos quais foi feito o convite, nada referem sobre uma amplitude global do aperfeiçoamento pelo que desconhece o alcance dessa expressão e como a mesma se materializa no contexto normativo aplicável;
– Tendo vindo agora à luz, e apenas nesta fase, um novo requisito até então desconhecido pela Recorrente – porquanto o mesmo não consta do despacho datado de 18/3/2013 – deve ser considerado nulo por omissão de requisitos legais suscetíveis de influir no exame ou na decisão da causa, nos termos do art. 201.º e 203.º do CPC ex vi art. 69.º da LTC, pelo que que não pode a Recorrente deixar de requerer a declaração de nulidade do despacho proferido em 18/3/2013 bem como de todos os atos subsequentes que dele dependem;
– A expressão “o requerimento que lhe corresponde (ao aperfeiçoamento com amplitude global) tem como efeito a substituição dos termos do requerimento inicial pelo requerimento aperfeiçoado, sem o que será negada a finalidade deste instituto” suscita confusão sobre se quer dizer que é negada a finalidade do instituto do aperfeiçoamento se ele apenas tiver como objetivo complementar, e não necessariamente anular, o requerimento inicial ou, antes, é negada a finalidade do instituto do aperfeiçoamento com amplitude global se o requerimento, aperfeiçoado nessa tal (indeterminada) amplitude, não substituir o requerimento inicial;
– Carece de esclarecimento a expressão “delimitação temática do recurso”, pois se se diz que é imposto ao recorrente tão-só indicar a norma, não pode dizer que o mesmo tem de proceder à delimitação temática do recurso, logo no requerimento inicial;
– Torna-se indispensável o esclarecimento do Tribunal Constitucional quanto a ficar definido se o convite ao aperfeiçoamento pode ou não ser utilizado para suprir a falta de pressupostos de admissibilidade do recurso;
– O artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, padece de inconstitucionalidade orgânica perante o artigo 165.º, al. i) da CRP, pelo que a condenação em custas tem subjacente normativo “nulo por inconstitucionalidade orgânica”, devendo ser declarada nula e sem nenhum efeito;
– Ainda que assim não se entenda a taxa fixada é manifestamente exagerada, dada a fraca complexidade das matérias em questão, requerendo a sua diminuição para o mínimo legalmente previsto.
2. Não foi apresentada resposta.
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
3. De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º, do Código de Processo Civil (na versão vigente no momento da formulação do requerimento em apreço), aplicável por força do artigo 69.º, da Lei 28/82, de 15/11, pode qualquer das partes requerer ao tribunal que proferiu a sentença, o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos.
A razão de ser da norma encontra-se em que, colocada uma questão a dirimir, a decisão que a resolve não deve deixar dúvidas sobre o seu enunciado e alcance. A aclaração será apenas devida, então, ante a obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos.
Ocorre obscuridade da decisão quando o seu sentido, em todo ou em parte, for ininteligível, confuso ou de difícil interpretação, ou seja, quando o enunciado não permite descortinar e apreender inequivocamente o que o Tribunal quis dizer.
Por seu turno, a ambiguidade tem lugar quando à decisão, no segmento considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes.
4. No que tange ao primeiro conjunto de “incompreensões” manifestadas pela Recorrente e que, na sua ótica, geram obscuridade, verificamos que encontram em comum a consideração de que a expressão “aperfeiçoamento com amplitude global” é ininteligível.
Ora, mostra-se claro que assim não acontece, tomando como parâmetro o destinatário normal. Tal expressão significa que o convite ao aperfeiçoamento abrangeu todas as menções constantes do requerimento de interposição de recurso inicial. Configurou-se, então, como de âmbito global, por oposição a âmbito parcial, sem que se vislumbre dificuldade de interpretação que impeça a apreensão do que se quis dizer e justifique a prolação de clarificação.
Dito isto, e apesar de anunciar o contrário, verifica-se do requerimento em apreço que a recorrente não pretende verdadeiramente ver explicitado o sentido dessa expressão, que bem entendeu, mas sim apresentar e ver discutida a sua condição de “novo requisito” bem como a respetiva compatibilidade com o “contexto normativo” decorrente dos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC. Nesse sentido depõe, com nitidez, a exigência não apenas de uma explicação, mas de “uma explicação plausível e a coberto da lei em vigor”. Procura-se, então, ver reapreciado o mérito da decisão e, mais ainda, obter a sua eliminação, através da utilização do incidente de aclaração como veículo de arguição de nulidade do despacho-convite proferido em 18/3/2013 e “de todos os atos que dele dependem”, por não conter a expressa menção desse “requisito”.
5. Nesse plano, cabe referir que a recorrente não aponta qual o ato praticado que a lei não admite, nem o ato omitido que a lei prescreva, tendo como referência o despacho proferido em 18 de março de 2013, para além de que se encontra há muito esgotado o prazo para a arguição de tal (pretérita) nulidade, por força do disposto no artigo 205.º do CPC, pelo que a improcedência dessa pretensão coloca-se como manifesta. Aliás, sedimentada a decisão material de não conhecimento do recurso de constitucionalidade, sempre haveria que considerar sanadas as eventuais irregularidades praticadas a montante do Acórdão n.º 342/2013 e que não o afetem diretamente.
Não obstante, importa dizer que falece qualquer fundamento à consideração de que o convite ao aperfeiçoamento, nos termos em que foi proferido, consubstanciou a imposição de qualquer requisito não contido no artigo 75.ºA da LTC, notando-se que a expressão que constitui a premissa de raciocínio da recorrente – “aperfeiçoamento com amplitude global” – está inserida na parte do Acórdão n.º 342/2013 que conheceu, e afastou, a arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, da decisão sumária, então reclamada, alicerçada precisamente no sentido complementar da resposta ao convite que lhe havia sido formulado. Sentido esse que foi afastado na decisão aclaranda.
Pode a recorrente discordar dessa decisão, como resulta do requerimento em apreço, mas não lhe assiste razão para, a partir dessa discordância ou falta de adesão, afirmar a incompreensibilidade da motivação que se encontra exarada no Acórdão n.º 342/2013, mormente na expressão destacada.
6. A segunda expressão evidenciada pela recorrente e à qual imputa a geração de “confusão”, coloca-se, de forma ainda mais patente, no campo da discussão da bondade da decisão constante do Acórdão n.º 342/2013. Pretende-se agora que o Tribunal aprecie a argumentação de que “tal requisito não consta sequer do dispositivo legal, nem da jurisprudência publicada”, o que exterioriza o propósito de continuar a discussão sobre o mérito da arguição de nulidade, por omissão de pronúncia. Essa reapreciação encontra-se vedada, atento o esgotamento do poder jurisdicional sobre essa matéria, de acordo com o n.º 1 do artigo 666.º do CPC.
Diga-se, ainda assim, que a recorrente revela interpretação incorreta do decidido no aresto do Tribunal Constitucional que cita em abono da caracterização da “jurisprudência publicada”. No Acórdão n.º 531/2012 estava em discussão o dever do Tribunal formular despacho-convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial quando esteja na presença de recurso de constitucionalidade ao qual falte objeto idóneo. Afirmou-se então, em sintonia com a jurisprudência constante nesse domínio, que quando assim é não há que proferir convite ao aperfeiçoamento. Daí não se retira, como procura fazer a recorrente, que o convite ao aperfeiçoamento não pode abranger a indicação clara, precisa e sucinta da norma ou normas a que se refere o recurso de constitucionalidade, com vista à sua identificação e subsequente apreciação da verificação dos pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso.
Novamente, colocando-se a pretensão da recorrente inteiramente no domínio da reapreciação do mérito do decidido, o que, repete-se, encontra-se vedado.
7. A mesma conclusão deve ser afirmada quanto à pretensão de ver esclarecida a expressão “delimitação temática do recurso”.
Não só a compreensão dessa expressão não oferece dificuldades – trata-se, no caso, de designar o sentido normativo efetivamente aplicado na decisão recorrida que o recorrente indica no requerimento de interposição de recurso para apreciação pelo Tribunal Constitucional – como, mais uma vez, a recorrente procura retomar a discussão sobre o mérito, a partir do entendimento de que ocorre “imperfeição da fundamentação”. Aliás, a recorrente revela ter interiorizado sentido para essa expressão (sem que caiba aqui apreciar se o fez corretamente), quando afirma que “se diz que é imposto ao recorrente tão-só indicar a norma, não pode dizer que o mesmo tem de proceder à delimitação temática do recurso, logo no requerimento inicial”.
Ora, mesmo que assim fosse, e não é, o desenvolvimento ou mesmo o “aperfeiçoamento” da fundamentação ultrapassa manifestamente os limites do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 669.º do CPC, conduzindo à improcedência do requerimento também nessa parte.
8. Por fim, quanto ao pedido de esclarecimento de obscuridade ou ambiguidade, deparamos com as considerações que a recorrente formula, a partir de segmento do Acórdão n.º 342/2013, em que se concluiu que a decisão sumária reclamada conhecera de todas as questões de que lhe cabia conhecer. Nesse ponto do requerimento, a recorrente recorre repetidamente à colocação de interrogações, traduzindo esforço de convencimento de que a decisão é incongruente com o decidido no Acórdão n.º 531/2012, o que não acontece, como vimos supra.
Ora, não se logra alcançar, nem a recorrente indica, qualquer equivocidade nesse ponto da decisão. Mais uma vez, a recorrente procura continuar a discussão sobre o mérito da sua arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, e não remover obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos, inteiramente ausentes no segmento destacado.
Improcede, pelo exposto, e por inteiro, o pedido de esclarecimento de obscuridades e ambiguidades assacadas à fundamentação e à decisão, e bem assim a arguição de nulidade que se enxertou no requerimento em apreço.
9. A recorrente formulou ainda, como se começou por dizer, pedido de reforma da decisão quanto a custas, estribado em dois argumentos: a fixação das custas obedeceu a preceito que padece de inconstitucionalidade orgânica e, subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, a graduação da taxa de justiça foi exagerada e deve ser reduzida ao mínimo legal, de 5 unidades de conta.
A recorrente funda o argumento de inconstitucionalidade orgânica do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, no artigo 165.º, al. i) da Constituição, para concluir que o Governo legislou em matéria de reserva relativa da Assembleia da República sem que estivesse para tal autorizado. Porém, aquele preceito constitucional inclui na reserva relativa da Assembleia da República tão somente o regime geral das taxas, qualidade que não assenta à definição da condenação em taxa de justiça e respetivos montantes no âmbito do regime de custas no Tribunal Constitucional. Nessa medida, o apontado vício de inconstitucionalidade orgânica não se verifica, assim como inexiste fundamento para a pretendida anulação da decisão nessa parte.
Também no que tange à pretendida modificação do montante fixado para a taxa de justiça não assiste razão à recorrente. Não só, como expressamente se disse no Acórdão n.º 342/2013, o valor fixado corresponde à graduação seguida pelo Tribunal em casos similares, como importa considerar que a recorrente não se limitou a solicitar a reapreciação da decisão sumária: colocou igualmente questão de nulidade, ampliando as questões em discussão, o que justifica a graduação das custas em 20 unidades de contas, ainda assim aquém do ponto intermédio da moldura de custas.
Em suma, falece fundamento para a peticionada reforma da decisão quanto ao custas.
III. Decisão
10. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir, na íntegra, o requerimento formulado pela recorrente A..
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta, atendendo aos critérios seguidos neste Tribunal e ao impulso desencadeado.
Notifique.
Lisboa, 10 de outubro de 2013. – Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro.