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Processo n.º 583/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Por sentença do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, proferida em 26 de outubro de 2012, nos autos de recurso de contraordenação n.º 1701/10.0TBLSD, foi julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido A. e, em consequência, decidiu-se manter a decisão administrativa proferida pelo Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território - Inspeção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, condenando o arguido na coima de €20.000,00, pela prática da contraordenação, p. e p. pelos artigos 81.º, n.º 3, u), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e 22.º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 50/2006, de 21 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto.
Inconformado, o arguido recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 22 de maio de 2013, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
O arguido recorreu então para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
A., Recorrente nos autos supra identificados, vem nos termos das disposições combinadas dos artºs 69º, 70º nº 1 als b) e nº 2 da Lei Orgânica sobre a Organização Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional no âmbito da Fiscalização Concreta da Constituição, interpor o competente RECURSO para o VENERANDO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
Da suscitação da inconstitucionalidade:
O Recorrente no âmbito do presente processo de contraordenação, suscitou a nulidade da decisão que lhe aplicou a coima de € 20.000,00 (vinte mil euros) pela prática da contraordenação p. e p. pelos artigos 81º, nº 3 alínea u) do Decreto Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio e 22º, nº 4 alínea a) da Lei nº 50/2006, de 21 de agosto, na redação dada pela Lei nº 89/2009, de 31 de agosto, por a mesma padecer de inconstitucionalidade orgânica e material.
Para tal invocou a violação do princípio constitucional da reserva relativa formalmente previsto no artigo 165º alínea d) da C.R.P por desrespeito ao segmento normativo previsto na norma dos artigos 1º e 2º alínea p) da Lei 13/2007 de 9 de março (Autoriza o Governo a aprovar o regime de utilização dos recursos hídricos):
Dos fundamentos:
Referem os artigos nº 1 e 2º, nº 2 alínea p) da referida Lei nº 13/2007 de 9 de março, (Lei de Autorização Legislativa):
Artigo 1º “Fica o Governo autorizado a aprovar o regime complementar da Lei nº 58/2005, de 29 de dezembro, abreviadamente designada por Lei da água, na parte que respeita à utilização dos recursos hídricos”.
Artigo 2º nº 2 alínea p): “A definição das contraordenações pela violação das normas sobre a utilização dos recursos hídricos por referência á nomenclatura fixada na Lei nº 50/2006 de 29 de agosto, e o estabelecimento de sanções compulsórias no caso de atraso de pagamento de coimas devidas”.
O Decreto Lei nº 226-A/2007 de 31 de maio, no uso e em obediência à autorização legislativa concedida pelo Lei nº 13/2007, de 9 de março (Lei de Autorização Legislativa) definiu e tipificou no seu artigo 81º com referência à nomenclatura classificativa prevista no artigo 21º da Lei nº 50/2006 de 29 de agosto (Lei Quadro das Contraordenações Ambientais) condutas de natureza ambiental, classificando-as quanto à gravidade em leve, grave e muito grave e no seu artigo 85º estabeleceu sanções compulsórias no caso de atraso de pagamento de coimas devidas.
A Lei 13/2007 de 9 de março (Lei de Autorização Legislativa) não autoriza conforme decorre do seu artigo 2º, nº 2 alínea p), o Governo a legislar sobre o montante das coimas e igualmente não remete esse critério para a Lei 50/2006 de 29 de agosto (Lei Quadro das Contra Ordenações Ambientais).
O Venerando Tribunal Constitucional tem seguido jurisprudência, segundo a qual só a edição de normas ditas primárias, ou seja, que fazem parte do regime geral do ilícito de mera ordenação social, se insere na competência reservada relativa da Assembleia da Republica, cabendo ao Governo, dentro dos limites da Lei Quadro daquele ilícito, e no exercício da sua competência legislativa concorrente, delinear ilícitos contraordenacionais, estabelecer a correspondente punição e moldar regras secundárias do processo contra ordenacional.
No entanto:
Conforme decorre no artigo 1º da Lei 13/2007 de 9 de março (Lei de Autorização Legislativa) esta Lei tem por objeto aprovar o regime complementar da Lei nº 58/2005, de 29 de dezembro, abreviadamente designada por Lei da Água, na parte que respeita à utilização dos recursos hídricos.
O artigo 97º (Regime de contraordenações) da Lei 58/2005, de 29 de dezembro (Lei da água) refere nos seus nºs 1 (um); 2 (dois) e 3 (três):
O regime especial de contraordenações, embargos administrativos e sanções acessórias pelas infrações às normas da presente lei e dos atos legislativos nele previstos é definido em normativo próprio, observando os princípios e regras da presente lei.
Até à publicação do normativo referido no nº 1 aplicam-se as disposições legais em vigor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
As coimas aplicáveis variam entre um limite mínimo de € 250,00 e um limite máximo de € 2.500,00 e a fixação da coima concreta depende da gravidade da infração, da culpa do agente, da sua situação económica e do benefício económico obtido.
O artigo 102º (normas complementares) da Lei 58/2005, de 29 de dezembro (Lei da água) refere nos seus artigos nºs 1 (um); 2 (dois) e 3 (tês):
O Governo deve aprovar no prazo de um mês após a entrada em vigor da presente lei em normativo próprio, as normas complementares necessárias à aplicação dos anexos da Diretiva nº 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro
O Governo deve aprovar no prazo de três meses após a entrada em vigor da presente lei os decretos-leis complementar da presente lei eu regule a utilização de recursos hídricos e o regime económico e financeiro.
O Governo deve regular no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente Lei as matérias versadas no nº 1 do artigo 97º
Ora:
Uma vez que o montante das coimas já se encontrava fixado no nº 3 do artigo 97º da Lei 58/2005 de 29 de dezembro (Lei da água), a Lei 13/2007 de 9 de março (Lei de Autorização Legislativa) no seu artigo 2º, nº 2 alínea p) limitou-se a autorizar apenas o Governo a Legislar sobre a definição das contraordenações pela violação das normas sobre a utilização dos recursos hídricos por referência à nomenclatura fixada pela Lei 50/2006 de 29 de agosto, e, bem assim, o estabelecimento de sanções compulsórias no caso de atraso de pagamento de coimas devidas, o que foi feito por via das normas dos artigos 81º e 85º do Decreto Lei nº 226-A/2007 de 31 de maio.
Acresce ser de aplicar mesmo assim, no que concerne ao montante das coimas, o artigo 17º da Lei Quadro do Regime Geral das Contraordenações por força do disposto no artigo 102º nº 3 da Lei 58/2005, de 29 de dezembro (normas transitórias da Lei da água).
Daí que a Douta Decisão que aplicou ao aqui Recorrente a coima de € 20.000,00 (vinte mil euros) pela prática da contraordenação p. e p. pelos artigos 81º, nº 3 alínea u) do Decreto Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio e 22º, nº 4 alínea a) da Lei nº 50/2006, de 21 de agosto, na redação dada pela Lei nº 89/2009, de 31 de agosto, padece de inconstitucionalidade orgânica e material, por violação do principio constitucional da reserva relativa formalmente previsto no artigo 165º alínea d) da C.R.P, por desrespeito ao segmento normativo previsto na norma dos artigos 1º e 2º alínea p) da Lei 13/2007 de 9 de março (autoriza o Governo a aprovar o regime de utilização dos recursos hídricos) e, por isso, é nula.
Assim:
Por estar em tempo, ter legitimidade, ter sido suscitada tal inconstitucionalidade ao longo do processo, nomeadamente em sede de motivação do recurso para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, requer se digne admiti-lo, fixando-se o respetivo efeito de subida»
Foi proferida decisão sumária que julgou improcedente o recurso, com a seguinte fundamentação:
“O Recorrente pretende que seja fiscalizada a constitucionalidade «dos artigos 81.º, n.º 3, alínea u), do Decreto Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e 22.º, n.º 4, da alínea a), da Lei n.º 50/2006, de 21 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto». Segundo o Recorrente verifica-se a existência de uma inconstitucionalidade orgânica e material, por violação da reserva relativa da Assembleia da República prevista no artigo 165.º, alínea d), da Constituição, por desrespeito ao segmento normativo previsto na norma dos artigos 1.º e 2.º, alínea p), da Lei n.º 13/2007, de 9 de março.
Embora o Recorrente, incorretamente, sustente que a decisão recorrida «padece de inconstitucionalidade orgânica e material», depreende-se, pela leitura do requerimento de interposição de recurso, que a inconstitucionalidade em questão se reporta à norma do 81.º, n.º 3, alínea u), do Decreto Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, em virtude de tal norma ter sido emitida ao abrigo da Lei n.º 13/2007, de 9 de março (lei de autorização legislativa), que, segundo o recorrente, não autoriza o Governo, conforme decorre do seu artigo 2.º, n.º 2. alínea p), a legislar sobre o montante das coimas.
Vejamos, antes de mais, o regime normativo em questão.
Conforme se pode constatar pela leitura do respetivo preâmbulo, o Decreto-lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, foi aprovado pelo Governo “No uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 1º da Lei n.º 13/2007, de 9 de março de 2007, e nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 198º da Constituição”.
O artigo 1.º da referida Lei n.º 13/2007, de 9 de março, autorizou o Governo «a aprovar o regime complementar da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, abreviadamente designada por Lei da Água, na parte que respeita à utilização dos recursos hídricos». No artigo 2.º da Lei n.º 13/2007, de 9 de março, concretiza-se o sentido e extensão de tal autorização, estabelecendo-se no n.º 1 que a mesma «é concedida no sentido de aprovar um novo regime jurídico de utilização dos recursos hídricos nos termos enunciados pela Lei da Água, prevendo os requisitos e condições da atribuição de títulos de utilização dos recursos hídricos». Por sua vez, na alínea p), do n.º 2, deste artigo 2.º, estabelece-se que «o regime jurídico que o Governo fica autorizado a estabelecer nos termos previstos no artigo anterior define: (…) p) a definição das contraordenações pela violação das normas sobre utilização dos recursos hídricos por referência à nomenclatura fixada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, e o estabelecimento de sanções compulsórias no caso de atraso de pagamento de coimas devidas».
Ao abrigo desta autorização legislativa, o Decreto-lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, prevê, no seu artigo 81.º, n.º 3, alínea u) que «constitui contraordenação ambiental muito grave: (…) rejeição de águas degradadas diretamente para o sistema de disposição de águas residuais, para a água ou para o solo, sem qualquer tipo de mecanismos que assegurem a depuração».
Por sua vez, a Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto), na qual se estabelece o regime aplicável às contraordenações ambientais, estabelece, no artigo 22.º, n.º 4, alínea a), no que respeita ao montante das coimas, que «Às contraordenações muito graves correspondem as seguintes coimas: a) Se praticadas por pessoas singulares, de € 20 000 a € 30 000 em caso de negligência e de € 30 000 a € 37 500 em caso de dolo; (…)».
Importa agora apreciar se assiste razão ao Recorrente relativamente à inconstitucionalidade que invoca.
Conforme dispõe o artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição, inclui-se na reserva legislativa parlamentar a definição do regime geral dos atos ilícitos de mera ordenação social.
Relativamente a esta questão, o Tribunal Constitucional tem firmado jurisprudência no sentido de que apenas é matéria de competência reservada da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o regime geral do ilícito de mera ordenação social e do respetivo processo, ou seja, sobre a definição da natureza do ilícito contraordenacional, a definição do tipo de sanções aplicáveis às contraordenações, a fixação dos limites das coimas e a definição das linhas gerais da tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções. Assim, dentro dos limites do regime geral, pode o Governo, no exercício da sua competência legislativa concorrente, criar contraordenações novas e estabelecer a correspondente punição, modificar ou eliminar contraordenações já existentes e moldar regras secundárias do processo contraordenacional (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 56/84, 158/92, 269/87, 345/87, 412/87, 175/97, 236/03 e 578/2009, acessíveis na Internet, em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, não restam dúvidas que a definição de contraordenações e o estabelecimento da respetiva punição se inserem na competência legislativa do Governo, que goza de uma ampla liberdade nessa matéria, desde que a sua atuação se contenha dentro dos limites do regime geral do ilícito de mera ordenação social.
No caso dos autos, é manifesto que não está em causa legislar sobre o regime geral do ilícito de mera ordenação social. Para além disso, é também manifesto que o regime aprovado o pelo Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e concretamente, a matéria constante do seu artigo 81.º, n.º 3, aliena u), o foi no uso de autorização legislativa conferida pela Assembleia da República, nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 1, d), da Constituição. Como vimos, tal autorização foi conferida pela Lei n.º 13/2007, de 9 de março, cujo artigo 1.º autorizou o Governo «a aprovar o regime complementar da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, abreviadamente designada por Lei da Água, na parte que respeita à utilização dos recursos hídricos».
Por outro lado, também não se poderá afirmar que o Governo tenha excedido a autorização concedida pela Assembleia da República, designadamente, o disposto no artigo 2.º, n.º 2, p) da mencionada Lei n.º 13/2007, de 9 de março.
Esta norma conferiu ao governo autorização para estabelecer «a definição das contraordenações pela violação das normas sobre utilização dos recursos hídricos por referência à nomenclatura fixada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto», sendo que foi precisamente isso que foi feito no questionado artigo 81.º, n.º 3, u), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, que se limitou a prever que um determinado comportamento constituía contraordenação muito grave, fazendo-o com referência à nomenclatura definida pela Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, entretanto alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto, sendo que é naquela Lei n.º 50/2006 que se preveem, no artigo 22.º, os montantes das coimas consoante as contraordenações sejam consideradas leves, graves ou muito graves.
Por outro lado, este regime teve também em atenção o estabelecido na Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro (que aprova a Lei da Água, transpondo para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro, e estabelecendo as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas), designadamente, o disposto no artigo 97.º daquela lei, respeitante ao regime das contraordenações.
Com efeito, a intervenção do governo nesta matéria limitou-se, na sequência de autorização da Assembleia da República para o efeito, a definir quais os comportamento passíveis de constituir contraordenação, tendo por referência, repete-se, a nomenclatura fixada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto), diploma emanado pela própria Assembleia da República, que estabelece o regime aplicável às contraordenações ambientais. Por outro lado, os montantes das coimas aplicáveis, ainda que fossem definidos pelo Decreto-lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio (e não o são), contêm-se dentro dos limites mínimo e máximo definidos pelo artigo 97.º, n.º 3, da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, que estabelece que «As coimas aplicáveis variam entre um limite mínimo de €250 e um limite máximo de € 2 500 000 (…)», [e não um limite máximo de €2 500,00, como erradamente refere o recorrente]. Daí que também não se compreenda a alegação da recorrente quanto refere que «uma vez que o montante das coimas já se encontrava fixado no nº 3 do artigo 97º da Lei 58/2005 de 29 de dezembro (Lei da água), a Lei 13/2007 de 9 de março (Lei de Autorização Legislativa) no seu artigo 2º, nº 2 alínea p) limitou-se a autorizar apenas o Governo a Legislar sobre a definição das contraordenações pela violação das normas sobre a utilização dos recursos hídricos por referência à nomenclatura fixada pela Lei 50/2006 de 29 de agosto», nem quando refere «ser de aplicar mesmo assim, no que concerne ao montante das coimas, o artigo 17º da Lei Quadro do Regime Geral das Contraordenações por força do disposto no artigo 102º nº 3 da Lei 58/2005, de 29 de dezembro».
Em suma, para além de não estar em causa matéria que integre o regime geral do ilícito de mera ordenação social, o referido Decreto-lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, foi emitido pelo Governo no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 1.º da Lei n.º 13/2007, de 9 de março de 2007, e nos termos das alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 198.º, com respeito pelos limites da autorização estabelecidos na alínea p), do n.º 2, do artigo 2.º, desta Lei, não se podendo, pois, entender, ao contrário do que sustenta a recorrente, que tenha sido violado o disposto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição.
É manifesto, pois, que não se mostra violado qualquer parâmetro constitucional, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, negando-se provimento ao recurso.
O Recorrente reclamou desta decisão com os seguintes argumentos:
Não se nega, conforme verte do requerimento de interposição de recurso para esse douto Tribunal Constitucional, que esse Venerando Tribunal Constitucional tem seguido jurisprudência, segundo a qual só a edição de normas ditas primárias, ou seja, que fazem parte do regime geral do ilícito de mera ordenação social, se insere na competência reservada relativa da Assembleia da Republica, cabendo ao Governo, dentro dos limites da Lei Quadro daquele ilícito, e no exercício da sua competência legislativa concorrente, delinear ilícitos contraordenacionais e estabelecer a correspondente punição e moldar regras secundárias do processo contraordenacional.
No entanto;
Esse critério de oportunidade, não pode, sob pena de inconstitucionalidade material e orgânica, remetendo para o caso concreto do montante das coimas ora aqui em causa, ultrapassar os limites e os critérios seguidos pela Lei de Autorização Legislativa, como efetivamente incorreu.
Conforme decorre no artigo 1º da Lei 13/2007 de 9 de março (Lei de Autorização Legislativa) esta Lei tem por objeto aprovar o regime complementar da Lei nº 58/2005, de 29 de dezembro, abreviadamente designada por Lei da Água, na parte que respeita à utilização dos recursos hídricos.
O artigo 97º (Regime de contraordenações) da Lei 58/2005, de 29 de dezembro (Lei da água) refere nos seus nºs 1 (um); 2 (dois) e 3 (três):
O regime especial de contraordenações, embargos administrativos e sanções acessórias pelas infrações às normas da presente lei e dos atos legislativos nele previstos é definido em normativo próprio, observando os princípios e regras da presente lei.
Até à publicação do normativo referido no nº 1 aplicam-se as disposições legais em vigor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
As coimas aplicáveis variam entre um limite mínimo de € 250,00 e um limite máximo de € 2. 500, 00 e a fixação da coima concreta depende da gravidade da infração, da culpa do agente, da sua situação económica e do benefício económico obtido.
O artigo 102º (normas complementares) da Lei 58/2005, de 29 de dezembro (Lei da água) refere nos seus artigos nºs 1 (um); 2 (dois) e 3 (tês):
O Governo deve aprovar no prazo de um mês após a entrada em vigor da presente lei em normativo próprio, as normas complementares necessárias à aplicação dos anexos da Diretiva nº 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro
O Governo deve aprovar no prazo de três meses após a entrada em vigor da presente lei os decretos-leis complementar da presente lei eu regule a utilização de recursos hídricos e o regime económico e financeiro.
O Governo deve regular no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente Lei as matérias versadas no nº 1 do artigo 97º
Ora:
Uma vez que o montante das coimas já se encontrava fixado no nº 3 do artigo 97º da Lei 58/2005 de 29 de dezembro (Lei da água), a Lei 13/2007 de 9 de março (Lei de Autorização Legislativa) no seu artigo 2º, nº 2 alínea p) limitou-se a autorizar apenas o Governo a Legislar sobre a definição das contraordenações pela violação das normas sobre a utilização dos recursos hídricos por referência à nomenclatura fixada pela Lei 50/2006 de 29 de agosto, e, bem assim, o estabelecimento de sanções compulsórias no caso de atraso de pagamento de coimas devidas, o que foi feito por via das normas dos artigos 81º e 85º do Decreto Lei nº 226-A/2007 de 31 de maio.
Acresce ser de aplicar mesmo assim, no que concerne ao montante das coimas, o artigo 17º da Lei Quadro do Regime Geral das Contraordenações por força do disposto no artigo 102º nº 3 da Lei 58/2005, de 29 de dezembro (normas transitórias da Lei da água)
Daí que a Douta Decisão que aplicou ao aqui Recorrente a coima de € 20.000,00 (vinte mil euros) pela prática da contraordenação p. e p. pelos artigos 81º, nº 3 alínea u) do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio e 22º, nº 4 alínea a) da Lei nº 50/2006, de 21 de agosto, na redação dada pela Lei nº 89/2009, de 31 de agosto, padece de inconstitucionalidade orgânica e material, por violação do principio constitucional da reserva relativa formalmente previsto no artigo 165º alínea d) da C.R.P, por desrespeito ao segmento normativo previsto na norma dos artigos 1º e 2º alínea p) da Lei 13/2007 de 9 de março (autoriza o Governo a aprovar o regime de utilização dos recursos hídricos) e, por isso, é nula.
Pelo que e em CONCLUSÃO:
A norma do artigo 81º, nº 3 alínea u) do Decreto Lei nº 226/A/2007 de 31 de maio, padece de inconstitucionalidade orgânica e material na medida em que não limitou o montante da aplicação das coimas ao critério quantitativo imposto pelo artigo 97º do Decreto Lei 58/2005 de 29/12 (Lei da agua), para o qual a Lei de autorização legislativa remete, violando, em consequência, o imposto pelas normas dos artigos nº 1º e 2º, nº 2 alínea p) da Lei 13/2007 de 9 de março, dessa mesma Lei de Autorização Legislativa.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
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Fundamentação
O Recorrente insiste que a norma do artigo 81.º, n.º 3 alínea u), do Decreto Lei nº 226/A/2007, de 31 de maio, padece de inconstitucionalidade orgânica na medida em que não limitou o montante da aplicação das coimas ao critério quantitativo imposto pelo artigo 97.º do Decreto-Lei n.º 58/2005 de 29 de dezembro, para o qual a Lei de autorização legislativa remete, violando, em consequência, o imposto pelas normas dos artigos 1.º e 2.º, n.º 2, alínea p), da Lei 13/2007 de 9 de março.
Ora, esta Lei autorizou o Governo a aprovar o regime complementar da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, na parte que respeita à utilização de recursos hídricos, tendo expressamente permitido que esse regime definisse as contraordenações pela violação das normas sobre a utilização daqueles recursos por referência à nomenclatura fixada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto.
É uma previsão nestes precisos termos que efetua o referido artigo 81.º, n.º 3, alínea u), do Decreto-Lei nº 226/A/2007, de 31 de maio, pelo que essa previsão encontra-se devidamente autorizada e respeita os limites constantes do n.º 3, do artigo 97.º, da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro (máximo de € 2.500.000,00).
Assim, deve improceder a reclamação apresentada.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
*
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 10 de outubro de 2013. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins - Joaquim de Sousa Ribeiro.