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Processo n.º 325/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. foi condenado em 1.ª instância na pena de 4 anos de prisão, pela prática de um crime de abuso de confiança agravada, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), do Código Penal.
Inconformado, interpôs recurso para a Relação de Lisboa, que o rejeitou por ser intempestivo.
Desse Acórdão interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e não tendo este sido admitido (por despacho do Desembargador Relator), reclamou para a conferência.
Indeferida esta, foi no entanto admitido o requerimento como reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu decisão a indeferir a reclamação.
Apresentado pedido de aclaração daquela decisão, e indeferido o mesmo, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional e, como não foi admitido, em parte, reclamou dessa decisão para este mesmo Tribunal, tendo a reclamação sido indeferida pelo Acórdão n.º 588/12.
Na parte admitida o recurso dirigido ao Tribunal Constitucional questionava a constitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e g), do artigo 70.º, da LTC.
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso na parte que foi admitida, com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo, ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço, com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
O recurso interposto ao abrigo da alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, exige que se indique uma anterior pronúncia do Tribunal Constitucional que tenha já julgado inconstitucional a norma objeto do recurso, não tendo o Recorrente procedido a essa indicação.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade deva, em princípio, ter sido colocada ao tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida, abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Daí que só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma quem tenha suscitado previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.
Ora, no presente caso, verifica-se que o Recorrente não suscitou perante o tribunal recorrido, a inconstitucionalidade da norma que agora pretende ver fiscalizada – o artigo 400.º, n.º 1, c), do Código de Processo Penal – pelo que, faltando este requisito essencial ao conhecimento do recurso, deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.”
O Recorrente reclamou desta decisão nos seguintes termos:
“I. Da Decisão ora em Reclamação
1. O recorrente suscitou a inconstitucionalidade da decisão do Exmo. Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de não lhe admitir um recurso por ele interposto de Acórdão da Relação de Lisboa.
2. Entendeu o recorrente pela forma e fundamentos que deduziu em sede de requerimento de interposição do recurso que tal decisão do S.T.J. ofende o princípio do duplo grau de jurisdição - pelo menos - representando uma interpretação dos artºs 400º, 411º, nºs 1, 3 e 4; 412º, nºs 3 e 4 e 417º, nº 3 todos do Cód. Proc. Penal em violação do artº 32º, nº 1 da Constituição.
3. Por decisão sumária, douta, veio o Exmo. Relator a não admitir o recurso porque não se teria respeitado, em moldes formalmente corretos, o ónus da suscitação prévia da questão da constitucionalidade imposta nos artºs 70º, nº 1 e 72º, nº 2 da L.T.C. no Tribunal recorrido.
4. Nenhuma menção é feita pelo Exmo. Senhor Conselheiro Relator aos nºs 5 e 6 do artº 75º da L.T.C. pois a virtualidade supressora/corretiva deste preceito teria efeito no presente recurso.
5. É desta decisão, na sua supra vertente de inadmissibilidade do recurso 'tout court' e inutilidade de o reconfigurar que se discorda pelos motivos e fundamentos que se passam, respeitosamente, a expor:
II. Da reclamação:
6. Num primeiro momento argumentativo o Exmo. Senhor Conselheiro Relator erege como catalisador do insucesso do recurso a circunstância de:
'Ora, no presente caso, verifica-se que o recorrente não suscitou perante o tribunal recorrido, a inconstitucionalidade da norma que agora pretende ver fiscalizada - o artigo 400º, nº 1, c), do Código de Processo Penal - pelo que, faltando este requisito essencial ao conhecimento do recurso, deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78º-A, nº 1, da LTC.'
7. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, o recorrente julga ter cumprido esse desiderato e, rigorosamente, de forma que até vai além do que a Lei exige - e é assumido, tradicionalmente, o Tribunal Constitucional é muito exigente e seletivo nesta matéria - conforme vai passar a expor;
III. Sinopse cronológica das decisões em crise:
8. O Tribunal da Relação de Lisboa não admitiu o recurso do arguido porque, em resumo, tendo alegadamente sido inadequadamente feito em sede de recurso de matéria de facto, o prazo para recorrer não seria de 30 mas de 20 dias.
9. Apresentado tal recurso no 27º dia do prazo, seria assim, no entender da Venerando Relação, extemporâneo, logo inadmissível.
10. Desta decisão, que era 'ex nuovo', recorreu-se para o Supremo Tribunal de Justiça.
11. A Relação de Lisboa não admitiu tal recurso, apesar do Parecer em sentido contrário do Exmo. PGA (vide fls. 1275 dos autos) e com o fundamento da irrecorribilidade da decisão.
12. O arguido Reclamou, então, para a Conferência.
13. Dessa 'Reclamação para a Conferência' veio a Veneranda Relação, depois de a converter em Reclamação para o Presidente do Tribunal Superior a que o recurso se dirigia, indeferir a Reclamação e admiti-la como Reclamação para o Excelentíssimo Senhor Presidente dessa Casa de Suplicação.
14. O Supremo Tribunal de Justiça, autuando o procedimento do arguido como Reclamação (artº 405º CPP) veio a decidir em inícios de outubro de 2012 pela sua improcedência, mantendo-se o decidido na Relação de Lisboa.
15. O 'decidido' era e é a questão da admissão ou não do recurso interposto do Acórdão da Comarca com base na sua tempestividade que, volta a chamar-se à colação,
16. Apenas se questiona pela consideração que a Relação de Lisboa veio a fazer 'ex nuovo' da forma como o arguido deu cumprimento ao comando do artº 412º, nº 3 do CPP, isto é:
17. A extemporaneidade do recurso resulta não de uma simples contagem aritmética mas da prévia consideração de que o arguido não cumpriu adequadamente o comando do citado nº 3 do artº 412º CPP o que acarretaria a redução do prazo para recorrer para 20 dias.
18. É certo que o Supremo Tribunal de Justiça assentou a sua decisão na questão da inadmissibilidade do recurso por não estar em causa decisão sobre o mérito da causa e, muito menos, o conhecimento a final do objeto do processo.
19. O que, defendeu o Supremo Tribunal de Justiça, por aplicação da al. c) do nº 1 do artº 400º do CPP, tornava o Recurso em causa inadmissível.
20. Dessa decisão, e porque inconformado com ela, veio solicitar um esclarecimento onde invocou, pela primeira vez um Acórdão dessa Casa de Suplicação de 14/1/2009 (Proc. 2845/08-5º secção; www.stj.pt) de sinal e sentido oposto ao que agora era decidido.
21. Tal pedido de esclarecimento improcedeu.
22. Recorreu então para o Tribunal Constitucional com os fundamentos que constam dos autos e por via de requerimento datado de 23 de outubro de 2012.
23. Logo a 29 de outubro de 2012 o Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferia um douto despacho complexo porque dividia o requerimento do arguido em dois segmentos e, relativamente a cada um, tomava uma decisão sobre o destino dos Recursos (Ref. 3070162);
24. Um primeiro admitia o recurso interposto no âmbito da parte que se referia à decisão da Relação no âmbito dos poderes do artº 405º CPP - factos 7, 14 e seguintes do requerimento de interposição referido em 21;
25. Não admitia o recurso no remanescente alegado no dito requerimento de interposição por:
“(…) respeitam à decisão do Tribunal da Relação não cabendo pronuncia sobre a admissão ou não admissão do recurso do recurso para o Tribunal Constitucional'.
26. Da parte cujo recurso não foi admitido Reclamou-se para o Exmo. Sr. Presidente do Tribunal Constitucional.
27. A Reclamação não obteve provimento, na esteira do promovido pelo Exmo. Representante do MP que, defendeu que foi o Tribunal da Relação que aplicou as normas cuja inconstitucionalidade foi invocada pelo que não poderia o Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre um recurso nessas circunstâncias.
28. É o que resulta da leitura do último parágrafo dessa decisão:
'a decisão reclamada não admitiu o recurso de constitucionalidade por, devendo o mesmo ter sido interposto no tribunal que proferiu a decisão recorrida - Tribunal da Relação de Lisboa - a este último competia apreciar a sua admissão.'
29. Neste momento processual pareceu atingir-se um impasse:
- um recurso foi admitido para o Tribunal Constitucional tendo por objeto uma parte da decisão;
- outro não foi admitido porque, apesar de no próprio entendimento do Tribunal Constitucional ser o relevante, in casu, não foi apresentado no Tribunal devido.
30. Em face deste perigoso vazio decisório o recorrente solicitou esclarecimento do dito Acórdão que, apesar de ter tentado enquadrar e justificar com seriedade e com recurso a jurisprudência a duvida que se estava a criar no espírito veio a ser remetido pelo Tribunal Constitucional para 'dúvidas de procedimento' que, também se reconhece, não cabe o douto Areópago solucionar (vide a douta decisão do Tribunal Constitucional de 21 de janeiro de 2013 no âmbito do Recurso nº 783/13);
31. Sentindo o seu direito ao recurso ameaçado o arguido insistiu no que entendeu ser o exercício legítimo do seu direito de contraditório mas este douto Tribunal Constitucional subsumiu a atuação processual do arguido ao artº 720º CPC, contando o processo e ordenando a baixa dos autos e o prosseguimento do requerido em sede de incidente em separado e sob condição do pagamento das custas contadas, isto no âmbito desse dito Recurso/Reclamação 783/13.
32. A presente Reclamação para a Conferência é da douta Decisão Sumária que não admitiu o Recurso pelos motivos referidos no ponto 6.
33. Tal Recurso corresponde ao que foi admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça no contexto referido nos pontos 22 a 26 desta Reclamação.
34. Entende o recorrente, salvo o devido respeito, que no âmbito dos Recursos que interpôs com atinência à questão que está em crise 'in casu' respeitou suficientemente os requisitos de admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade.
IV. Do 'questio decidendi':
35. Importa desde logo especificar que a questão em conflito é a decisão da Relação de Lisboa de, 'ex nuovo' não admitir o Recurso do Acórdão da Comarca do arguido pela extemporaneidade deste.
36. A 'extemporaneidade' cerceadora do direito ao recurso resulta exclusivamente, no entender da Relação, do deficiente cumprimento do comando do nº 3 do artº 412º CPP.
37. Que reduziria o prazo de 30 dias para 20 dias para recorrer.
38. A Relação também não deu cumprimento ao nº 3 do artº 417º do CPP (o que é inconstitucional) vide por todos o Ac. TC 404/2004 de 2/6).
39. Sobre o assunto - e num circunstancialismo de similitude de factos e enquadramento legal o próprio STJ proferiu o seguinte Acórdão (Proc. 2845/05 - 5º secção; www.stj.pt ):
“… II -A argumentação para rejeitar o recurso, por extemporaneidade - recorrendo a uma velha fórmula que tem sido quase sistematicamente usada quando estão em causa recursos da matéria de facto, ao alegar que o recorrente não fez uma verdadeira impugnação da matéria de facto, pois se limitou a impugnar a convicção adquirida pelo Tribunal, não dando cumprimento ao art. 412.º, n.s 3 e 4, do CPP –, não tem sentido: para o efeito da admissão do recurso e, nomeadamente, para efeito de contagem do prazo, que se altera consoante o recurso se restrinja à matéria de direito ou se alargue à matéria de facto, não importa saber se o recorrente alega bem ou mal, cumprindo ou deixando de cumprir as normas atinentes ao formalismo adequado.
III - O que releva é o alvo visado pelo recurso: o recorrente, bem ou mal, impugnou a matéria de facto, tendo para o efeito requerido cópia da prova gravada: tanto basta para que o prazo para a interposição de recurso se alongue para os 30 dias...'.
40. É esta a questão de direito que está em discussão e, quer pela Lei quer pela jurisprudência já proferida, na modesta opinião do recorrente, a decisão impugnada - do Tribunal da Relação confirmada pelo STJ - é materialmente inconstitucional.
41. Resta, desta jaez, subsumir corretamente o pretendido recurso à L.O.T.C. por forma a que, uma óbvia situação de inconstitucionalidade não fique impune por erro de alegação do requerente.
42. Não podendo, neste momento, deixar de se lembrar um já mais velho Acórdão do STJ:
'(...) a observância das regras (...) tem de ser encarada com equilíbrio e sensatez de modo a que, sendo apercebido, num mínimo o desiderato do recurso, se não frustre com aspetos formais o objetivo principal de aplicar justiça'. Ac. STJ, Proc. 742/98-3º, SASTJ, nº 27, 80).
43. Afinal jurisprudência que tem eco nos artºs 265º a 266º-B do Cód. Proc. Civil.
44. Mas, afinal, sendo como se diz e invoca, o que fez (ou não fez) o recorrente para tal recurso falecer?
V. Dos Recursos:
45. Logo nas Alegações do recurso não admitido para o S.T.J. o recorrente imputou ao Tribunal recorrido (a Veneranda Relação de Lisboa) a violação da dimensão normativa que serviu de critério decisório.
46. Deve assinalar-se que a distinção entre a invocação da inconstitucionalidade da decisão recorrida e a da inconstitucionalidade dos seus fundamentos normativos, a mais das vezes, e pese a certeza com que o Tribunal Constitucional parece diferenciar os planos, é de difícil separação.
47. Em rigor quando se questiona a constitucionalidade de uma decisão está-se, inseparavelmente, também a questionar a interpretação que o julgador faz das normas a que subsumiu a decisão.
48. Sem embargo de se entender os planos dialéticos e jurídico/axiomáticos diferentes, na realidade, a mais das vezes, estamos perante a mesma realidade de facto com, apenas, diversas perspetivas de abordagem, isto é:
49. O que se quer dizer é que, para ser admissível um recurso para o Tribunal Constitucional só a arguição da inconstitucionalidade de normas - que não de decisões judiciais - é aceitável, nesse recurso pode impugnar-se simplesmente uma certa interpretação de determinada norma (ou, o que vale o mesmo, esta última enquanto interpretada num certo sentido ou com uma certa dimensão), pois, então não se estará já a arguir (apenas) a inconstitucionalidade de uma decisão judicial, mas ainda, verdadeiramente, o seu suporte normativo, a norma que ela aplicou.
50. Ora, salvo sempre a referido respeito, quer parecer ao recorrente que no texto e conclusões dos recursos que interpôs para o STJ e depois para este Constitucional Areópago se deu cumprimento suficiente (pelo menos) a este ónus tendo invocado desde logo a norma cujo inconstitucionalidade se suscitava.
51. Efetivamente o recorrente recorreu para o STJ da decisão da Relação que não admitiu o seu Recurso por extemporaneidade (é o primeiro momento em que tal era possível fazer);
52. Nas Alegações desse recurso - e conclusões - invocou expressamente a inconstitucionalidade da decisão (pontos 23 a 33 da Motivação e conclusões 8 a 13).
53. O Recurso não foi admitido (apesar do parecer no sentido oposto do representante do Procurador na Relação, fls. 1279) por despacho de fls. 1272 e seguintes.
54. Apesar de o arguido/recorrente ter enquadrado a questão no seu recurso em sede de constitucionalidade a decisão referida em 53 não tomou posição sobre o assunto ficando-se pela consideração de que o recurso seria inadmissível pela equiparação da rejeição de recurso por extemporaneidade a confirmação perfeita... (vide fls. 1279);
55. Inconformado, o recorrente reclamou para a Conferência - requerimento que veio a ser admitido como reclamação para o Exmo. Sr. Presidente do STJ - e, nele, arvorou a questão da constitucionalidade especificamente no capítulo III (pontos 16 a 21 do requerimento) e na conclusão.
56. Anota-se que o recorrente nesse momento processual, para além de invocar em termos genéricos que a interpretação expendida pela Relação em sede de direito ao recurso era inconstitucional centrou, do ponto de vista legal, essa inconstitucional interpretação nos art. 411º, nºs 1 e 4 e 422º, nºs 3 e 4 e 417º, nº 3 do CPP.
57. Invocando expressamente a inconstitucionalidade da rejeição de recursos por deficiência nas conclusões sem o cumprimento do nº 3 do artº 417º CPP (Ac. do TC 428/2003).
58. Por douta decisão do Exmo. Senhor Presidente do STJ - que persiste na não admissão do recurso - a referência à questão da constitucionalidade reconduz-se ao último parágrafo e reza assim:
'O reclamante refere ainda que a rejeição do recurso do modo que o foi viola também a Constituição, por representar uma interpretação dos artºs 411º, nºs 1 e 3, 412º, nºs 3 e 4 e 417º, nº 3 do CPP contrária ao artº 32º, nºs 1 e 2 da C.R.P.'.
59. Desse douto despacho em sede de pedido de Esclarecimento veio a repetir a gritante afronta da decisão da Relação de Lisboa com jurisprudência do próprio STJ bem como a inconstitucionalidade que representava omitir o nº 3 do artº 417º em face de 'lapsos' no cumprimento dos nºs 3 e 4 do artº 412º todos do CPP.
60. Apesar de todas as questões que lhe haviam sido postas o STJ reconduz o assunto à invocação do artº 400º, nº 1, al. c) do CPP como estando subjacente à inadmissibilidade do recurso.
61. No requerimento de recurso para este Alto Tribunal Constitucional o recorrente veio, logo nos pontos 2, 3, 4 e 5 resumir as inconformidades que elegia em sede de recurso.
62. Invocava também a falta de pronúncia sobre questões que vinham sendo colocadas - constitucionalidade da interpretação dos artºs 411º, nºs 1, 3 e 4,412º, nºs 3 e 4 e 417º, nº 3 todos do CPP - constituindo ela própria uma inconstitucionalidade por violar o princípio da plenitude das decisões.
63. No capítulo II do seu requerimento o recorrente configurou expressamente a interpretação do artº 400º do CPP proposto pelo STJ inconstitucional (vide ponto 14 a 19 do dito requerimento).
64. O Recurso que veio a ser admitido para o Tribunal Constitucional - uma parte não o foi por dever ser interposta na Relação - reporta-se aos pontos 7 e 14 e seguintes do requerimento.
65. Tais pontos são precisamente os que se reportam e referem ao artº 400º do CPP, sua interpretação e aplicação no caso concerto.
66. Especificamente os pontos 14 e seguintes deixem evidenciada a oportuna suscitação da inconstitucionalidade ante o Tribunal recorrido (que lhe mereceu uma breve alusão já referida no ponto 58 desta peça processual.
67. Aliás, é a consideração pelo STJ de que:
'(...) as referidas normas não constituem fundamento da decisão da reclamação e o despacho reclamado não se baseou nos referidos preceitos processuais para não admitir o recurso'. (vide referido ponto 58 'in fine').
68. As 'referidas normas' são os artºs 411º, nºs 1, 3 e 4, 412º, nºs 3 e 4 e 417º, nº 3 do CPP.
69. Insiste-se, é a consideração pelo STJ da inaplicação de tais normas para não admitir o recurso que está na génese da inconstitucionalidade pois é da omissão sobre elas - bem como de toda a jurisprudência mesmo constitucional que já as configura - que se entende e nasce o erro de julgamento do Tribunal da Relação e depois do STJ.
70. Ao não admitirem um recurso por extemporaneidade contra a Lei e jurisprudência fixada em sentido exatamente oposto (ex. vi do Acórdão do STJ citado no ponto 39 desta Reclamação);
71. E essa inconformidade - que é também sempre da decisão - é sobretudo da interpretação e aplicação que é feita do artº 400º CPP em confronto com o artº 32º da C.R.P. isto é;
72. O que verdadeiramente se questiona é a interpretação de certa norma - num certo sentido e dimensão - de forma que, o que é posto em causa não é a decisão 'tout court' mas o seu suporte normativo, a norma que aplicou.
73. Foi isso que o recorrente julga ter feito, e, como já disse, fê-lo de forma suficiente, contudo, e aqui surge um outro ponto de discordância com a douta Decisão Sumária;
Se não foi perfeito porque desprezar, à partida, a virtude corretiva dos nºs 5 e 6 do artº 75º da L.T.C. como foi sumariamente decidido?
74. Anota-se que este douto e digno Areópago Constitucional já decidiu bastas vezes pela inconstitucionalidade da não admissão de recursos em sede penal por lapsos formais e sem que seja dada ao recorrente a oportunidade de suprir esses erros.
75. Pode assim invocar-se que, ao contrário da douta jurisprudência que tem expendido para aplicar em outros Tribunais, no seu caso concreto não utiliza e aproveita os conceitos que justificam a opção legislativa apontada no ponto anterior.
76. Por outro lado, e ainda relativamente ao 'desperdício' dos nºs 5 e 6 da L.T.C., é também relevante invocar os artºs 264º a 266º-A todos do Cód. Proc. Civil.
77. Os artigos do processo Civil invocados criam um enquadramento processual contrário ao formalismo extremo que o Exmo. Sr. Conselheiro Relator entende sobrevir da L.O.T.C. pois, seguindo-os - especialmente os nºs 1 a 3 do artº 265º e nº 1 do 266º do C.P.C. - nunca o Tribunal abdicaria 'ab initio' do instituto previsto expressamente do suprimento de erros ou incorreções de âmbito formal;
78. Ficando a perder a realização da Justiça, fim último dos Tribunais a ver pela simples leitura literal do artº 202º, nºs 1 e 2 da C.R.P..
79. Quer com isto dizer-se que, embora redundante a porventura ambiciosos a douta decisão sumária reclamada é ela própria inconstitucional por assentar numa interpretação de vários artigos do processo civil e da L.O.T.C. que subvertem os artºs 20º, 32º, nº 1 e 202º da C.R.P. pois eleva o patamar de exigência argumentativa a um nível de tal modo técnico que é inalcançável e, por essa dificuldade, é inibitório de se lhe aceder.
80. A dimensão normativa com que a questão 'da suscitação adequada da inconstitucionalidade' é usada e interpretada na douta Decisão Sumária assenta num suporte normativo - o dos artºs 70º e 75º da L.T.C. e 265º a 266º-A do C.P .C. - que ofendem os artºs 202º, 13º, 20º e 32º nº 1 todos da C.R.P..
81. E, nessa medida, justificam esta Reclamação para a Conferência, momento jurisdicionalmente derradeiro para possibilitar, no âmbito do recurso interposto da decisão do Exmo. Sr. Presidente do S.T.J. a possibilidade de, num segundo grau de jurisdição, apreciar o uso que o Tribunal da Relação fez de vários princípios constitucionais pois,
82. Ao Direito Constitucional, garantido que assiste ao arguido de recorrer de sentenças condenatórias acresce o de recorrer de atos judiciais que no decurso do processo tenham como efeito a privação, a restrição da liberdade ou de qualquer outro dos seus direitos fundamentais, como é o do próprio Recurso.
CONCLUSÕES:
Nos termos expostos e nos mais que os Excelentíssimos Senhores Conselheiros em conferência venham a suprir, reapreciada a decisão sumária ora reclamada e feita uma melhor apreciação quer dos recursos concretamente interpostas quer das normas subjacentes e aqui invocadas seja o presente recurso de constitucionalidade admitido, decisão que, a ser proferida, apresentará um rigoroso momento de realização do Direito e, sobretudo, uma afirmação solene e eloquente do que sempre se pede e espera.”
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
Fundamentação
Neste recurso já só está em causa o pedido de fiscalização da constitucionalidade da norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, deduzido pelo Recorrente.
A decisão recorrida que aplicou esta norma é o despacho proferido pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação de decisão de não admissão de recurso de acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.
Conforme resulta do disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, os recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do artigo 70.º, do mesmo diploma, como é o caso, só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
E a subordinação da apreciação do recurso pelo Tribunal Constitucional ao cumprimento de determinados requisitos, designadamente o da suscitação perante o tribunal recorrido da mesma questão de constitucionalidade que posteriormente é colocada ao Tribunal Constitucional não viola qualquer parâmetro constitucional, designadamente o princípio do processo equitativo. Na verdade, o legislador dispõe de liberdade para configurar a tramitação processual do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, podendo fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, sem que isso signifique que as soluções adotadas sejam imunes a um controle de constitucionalidade que verifique, nomeadamente, se esses ónus são funcionalmente adequados aos fins do recurso constitucional, ou se as cominações ou preclusões que decorram do seu incumprimento se revelam totalmente desproporcionadas à gravidade e relevância da falta.
Exigir que o autor de um recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, tenha previamente suscitado a questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido de modo a vincular esse tribunal ao seu conhecimento prévio tem inteira justificação, dado que estamos perante um recurso que visa a reforma de uma decisão dos tribunais comuns, sendo por isso admissível que se exija que os interessados na fiscalização de constitucionalidade vinculem estas instâncias ao conhecimento da questão que posteriormente irá ser colocada ao Tribunal Constitucional em sede de recurso. E não tendo sido cumprida essa exigência, nos casos em que houve oportunidade para tal, o não conhecimento do recurso é consequência adequada e proporcionada à omissão verificada, não constituindo esta solução uma violação do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, nem de qualquer outro parâmetro constitucional.
Assim, para que o Recorrente pudesse requerer ao Tribunal Constitucional que analisasse a constitucionalidade da norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, teria que, na reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ter suscitado antecipadamente a inconstitucionalidade daquela norma, vinculando deste modo esse tribunal ao conhecimento dessa questão.
E, conforme resulta, com evidência, da leitura dessa peça processual não o fez.
Esta omissão é insuscetível de correção, uma vez que essa oportunidade é irrepetível.
Faltando irremediavelmente esse requisito, que é essencial ao conhecimento do mérito do recurso, revela-se correta a decisão reclamada pelo que deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada pelo Recorrente.
Custas da reclamação pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os elementos referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 17 de junho de 2013. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.