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Proc. nº 412/00 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – M..., com os sinais dos autos, foi pronunciada em decisão instrutória proferida em 1.06.1994, pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..., como autora material de um crime de aborto, então p.p. pelo artigo 139º, nºs. 2 e 6 do Código Penal, na redacção dada pela Lei nº. 6/84, de 11 de Maio.
A fls. 194 a 196 vieram o viúvo e filho menor da ofendida, que faleceu na sequência das manobras abortivas praticadas pela arguida, deduzir pedido de indemnização civil alicerçado unicamente nos danos materiais e morais decorrentes do falecimento da ofendida por força das ditas 'manobras'.
O Tribunal de Círculo da ..., por acórdão proferido em 28.10.1994, veio a condenar a arguida como autora de um crime de aborto na pena de 18 meses de prisão, julgando ainda improcedente o pedido de indemnização civil, nos seguintes termos:
'Do pedido de indemnização civil:
Neste âmbito importa averiguar se os factos dados como provados integram os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito. Nos termos do artigo 483º, nº. 1, do Código Civil, os pressupostos de cuja verificação depende a existência da aludida responsabilidade são: A acção, a antijuricidade, a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Acontece que a total falta de prova de factos que integrem pelo menos o nexo de causalidade, tanto quanto é certo não se ter demonstrado que a septicemia tenha sido causada pelo aborto, conduz à improcedência desta acção'.
'(...) Na improcedência do pedido cível absolve-se a demandada dos pedidos contra ela formulados' (cfr. fls. 264 a 269).
Inconformada com a condenação penal, a arguida interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 7.03.1996 ordenou 'o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do seu objecto ...'
O Tribunal de Círculo de Coimbra procedeu a novo julgamento, tendo, por acórdão de 4.12.1998, condenado a arguida como autora material de um crime de aborto p.p. pelo artigo 139º do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão efectiva, suspendendo-se a execução da pena pelo período de 5 anos, 'com a condição de pagar a indemnização a seguir referida a J...:
1.000.000$00, até ao último dia do mês imediatamente a seguir ao trânsito da presente sentença;
50. 000$00, no final de cada um dos meses que, durante o período da suspensão de pena, se seguirem'.
De novo inconformada, recorreu a arguida para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 19.01.2000, no que à questão da suspensão da execução da pena respeita, decidiu:
'......................................................................................................................... A fixação da indemnização na sentença surge como condicionante da suspensão da execução da pena. A decisão foi proferida em 4/12/1998, como se verifica a fls. 496. O art. 82º - A do Código de Processo Penal/rev. permite ao Tribunal arbitrar uma quantia a título de reparação. Tal preceito legal estava em vigor à data da sentença, atento ao disposto no art. 10º/2 da Lei nº. 59/98, de 25/8. Por seu turno o art. 50º/2 do Código Penal permite condicionar a suspensão da pena ao cumprimento de deveres. A suspensão da pena está justificada no acórdão designadamente quando se escreve '... a pena suspensa não repugna completamente, quer a prevenção geral quer a prevenção especial desde que, evidentemente, tal suspensão seja acompanhada de 'algo' que ajude a reparar o 'mal do crime'
(lembrando à arguida que não pode nem deve reincidir) e que, simultaneamente satisfaça, embora num limiar mínimo, as supra referidas exigências de prevenção geral. E esse 'algo' é claramente o pagamento de uma indemnização ao lesado. Não se vê, consequentemente, que esteja violado o direito de propriedade privada, do art. 62º da Constituição da República Portuguesa, como vem invocado nem qualquer direito ou interesse legalmente protegido, como se alega invocando o art. 205º/2 da Constituição da República Portuguesa.'
Em 14.02.2000, a arguida apresentou 'reclamação por nulidade' do acórdão supra referido, reclamação indeferida por acórdão de 5.04.2000, tendo, seguidamente, interposto recurso para este Tribunal (cfr. fls. 618 e 619).
O recurso foi admitido, mas o objecto do recurso, nos termos do despacho de fls. 623 ficou 'delimitado ao conhecimento da norma do artigo 51º nº. 1 do Código Penal, na interpretação que a recorrente atribui à decisão recorrida'
No requerimento de interposição do recurso e a propósito desta norma escrevera a recorrente:
'C – Alínea a) do nº 1 do artigo 51º do Código Penal por violação dos princípios fundamentais do Estado de direito Democrático, do direito de propriedade privada consagrado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa e do respeito e obrigatoriedade pelas decisões dos tribunais, consagrado no artigo 205º nº 2 da lei Fundamental na interpretação – acolhida, ainda que implicitamente, nas doutas decisões recorridas – segundo a qual se permitiria ao tribunal subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento pelo condenado de uma indemnização a alguém que a não pediu ou cujo pedido foi julgado improcedente por decisão judicial transitada em julgado.'
A recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo
(cfr. fls. 625 a 630):
'A - Havendo quanto ao pedido de indemnização civil formulado pelo pretenso 'lesado' um caso julgado absolutório, mostra-se incompreensível e inaceitável a referência a uma qualquer obrigação de indemnização por parte da Recorrente relativamente ao 'lesado'. B - Sendo certo que o artigo 51º nº. 1 alínea a) do Código Penal prevê a possibilidade de o tribunal subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento pelo condenado da 'indemnização devida ao lesado', não menos certo
é que tal possibilidade deverá pressupor a existência de um lesado e o direito dele a essa indemnização. C - Em outra interpretação, nomeadamente na interpretação acolhida nos Acórdãos recorridos, segundo a qual a norma permitiria ao tribunal subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento pelo condenado de uma indemnização a alguém que não a pediu ou que, tendo-a pedida, foi julgada improcedente por decisão transitada, a norma da alínea a) do nº. 1 do artigo 51º do Código Penal deve ser considerada inconstitucional, por violação dos princípios enformadores do Estado de Direito Democrático (designadamente do direito de igualdade e do dever de não discriminação por razões económicas, previstos no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa), do direito de propriedade privada consagrado no artigo 62º e do respeito e obrigatoriedade pelas decisões dos tribunais, consagrado no artigo 205º nº.2, todos da Lei Fundamental'.
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal formulou contra-alegações, levantando 'questão prévia', concluindo nos seguintes termos:
'1º - Não resultando dos autos – e do teor da decisão recorrida – que a indemnização arbitrada oficiosamente ao lesado, como condição da suspensão da execução da pena de prisão em que a arguida foi condenada, pela autoria do crime de aborto, visa compensar os danos (morais e materiais) decorrentes da morte da ofendida, que serviram de causa ao pedido indemnizatório formulado em processo de adesão e definitivamente julgado improcedente, não pode considerar-se que tal arbitramento de indemnização, nos termos do artigo 82º - A do Código de Processo Penal, viole o referido caso julgado absolutório.
2º - Termos em que – por não se demonstrar que a decisão recorrida assentou na interpretação normativa inconstitucional do artigo 51º, nº. 1, do Código Penal, especificada pela recorrente – não deverá conhecer-se do objecto do recurso interposto'.
Sobre esta questão foi a recorrente notificada para se pronunciar, querendo, o que não fez
Cumpre apreciar e decidir.
2 – Delimitação do objecto do recurso.
A questão de constitucionalidade suscitada é, para a recorrente, relativa à interpretação da norma do artigo 51º, nº. 1 do Código Penal no sentido de que, tendo transitado em julgado a decisão de improcedência do pedido de indemnização civil deduzido nos autos, o pagamento de uma indemnização ao lesado, para reparar o mal do crime, que condiciona a suspensão da execução da pena de prisão em que a arguida foi condenada viola os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, o direito de propriedade privada e o respeito e obrigatoriedade pelas decisões dos tribunais (caso julgado).
Verifica-se, assim e desde logo, que a recorrente não questiona a constitucionalidade da norma contida no artigo 51º, nº. 1, alínea a) do Código Penal, ou seja, a sujeição da suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento do dever de pagar uma indemnização ao lesado para reparar o mal do crime, arbitrada oficiosamente pelo tribunal.
O que a recorrente questiona, portanto, é a constitucionalidade de uma alegada interpretação da norma segundo a qual, não obstante transitada em julgado a decisão que julgou improcedente o pedido de indemnização civil formulado nos autos pelo lesado (o que afasta, desde logo, uma hipotética interpretação que pressuponha um 'lesado' que não pediu indemnização...), pode o tribunal subordinar a suspensão da execução da pena ao pagamento àquele lesado de uma indemnização para reparar o mal do crime, arbitrada oficiosamente.
Numa perspectiva estritamente normativa, a recorrente põe, assim, em causa o conceito de 'lesado' utilizado no artigo 51º nº 1 alínea a) do Código Penal, tal como o teria interpretado o acórdão recorrido, nele sendo abrangido aquele que, tendo pedido uma indemnização civil, o viu julgado improcedente por decisão transitada em julgado.
Ora, não pode deixar de se reconhecer que o acórdão recorrido, condicionando a suspensão da execução da pena ao pagamento de uma indemnização ao 'lesado', quando havia transitado em julgado a decisão que julgara improcedente o pedido cível deduzido por esse 'lesado', considerou, para o efeito, implicitamente irrelevante esta circunstância; com o que fez incluir no conceito de 'lesado' mesmo aquele que vê soçobrar a sua pretensão de indemnização civil.
Nesta medida, a interpretação normativa que a recorrente impugna corresponde à que fez o acórdão recorrido e não há, por isso, razão que obste ao conhecimento do objecto do recurso.
3 – Fundamentação
A tese defendida pela recorrente assenta num pressuposto: a violação de caso julgado pela decisão que condiciona a suspensão da execução da pena imposta ao pagamento de uma indemnização.
Com efeito, é só por essa razão que a recorrente imputa à interpretação normativa impugnada vícios de inconstitucionalidade, já que parece aceitar a conformidade constitucional da norma que faculta a suspensão da pena condicionada ao pagamento de uma indemnização.
E a este propósito convém recordar o acórdão nº. 596/99, in Diário da República, II Série, de 22 de Fevereiro que apreciou a constitucionalidade da norma constante do artigo 51º, nº. 1, alínea a) do Código Penal, ora em apreço, no sentido de que do que se trata é da '(...) consideração de que, em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição se ela – suspensão da execução – se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento (ou prestação de garantia de pagamento) da indemnização devida. Não é, por isso, inconstitucional, designadamente por violação do artigo 27º, nº. 1, da Constituição, a norma constante do artigo 51º, nº. 1, alínea a), do Código Penal, na parte em que permite ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à efectiva reparação dos danos causados ao ofendido.'
Aquele pressuposto, porém, está longe de se poder dar como verificado com a interpretação normativa acolhida no acórdão recorrido.
E certamente não se poderá dar como verificado se 'a indemnização devida ao lesado' a que se refere o artigo 51º nº 1 alínea a) do Código Penal tiver diferente natureza da que é objecto do pedido de indemnização cível, não se podendo, então, afirmar que a improcedência deste último pedido determine a impossibilidade da atribuição da primeira.
Abra-se aqui um parêntesis para se fazer um breve excurso sobre a natureza jurídica da indemnização arbitrada em processo penal.
O Código de Processo Penal de 1929 previa a possibilidade de o juiz penal condenar em indemnização nos casos em de absolvição da acção criminal bem como a obrigatoriedade de arbitramento da reparação de danos a todos os casos de condenação, ainda que não preexistisse um pedido de indemnização de perdas e danos. Ou seja, o artigo 34º do CPP de 1929 obrigava o juiz penal a arbitrar aos ofendidos uma reparação por mero efeito da condenação penal.
A questão da natureza da indemnização de perdas e danos arbitrada em processo penal foi amplamente debatida na doutrina, tendo-se formado duas orientações, a saber; uma, maioritária que considerava que tal indemnização tinha natureza civil, nomeadamente no que respeita aos critérios da sua determinação (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal I, reimpressão, Lisboa, 1981, pág. 137 a 141; Vaz Serra, Tribunal competente para apreciação da responsabilidade civil conexa com a criminal – Valor, no juízo civil, do caso julgado criminal, BMJ, nº. 91, 1959, pág. 196 e Luís Nunes de Almeida, Natureza da reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal, ROA, ano 29, 1969, págs. 25 e 26) e outra, minoritária – de que se destaca Figueiredo Dias – que defendia a referida indemnização como efeito penal da condenação.
De acordo com esta tese minoritária, a reparação arbitrada em processo penal configurava-se como efeito necessário da condenação penal o que '(...) logo se exclui que o dano que a fundamenta tenha de ser, exactamente, aquele mesmo dano que fundamenta a responsabilidade civil', visto que '(...) o dano que está na base da reparação penal é muito mais lato que o dano que o dano civil' (cfr. Figueiredo Dias, Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal, 'Estudos 'in Memoriam' do Prof. Doutor José Beleza dos Santos', pág.
114), tese segundo a qual a fixação da indemnização não constituía caso julgado, podendo o lesado recorrer ao tribunal civil, quando entendesse que a reparação arbitrada não cobria todos os danos civilmente indemnizáveis suportados com o facto criminoso.
O assento do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1976 (BMJ, nº. 253,
1976, págs. 109 e segs.) consagrou a tese da natureza civil da indemnização arbitrada em processo penal, no qual se refere que '(...) O objectivo da indemnização é ressarcir danos e tem que estar presente, em termos idênticos ao juiz penal e ao juiz civil', assento no âmbito do qual se acrescenta que 'Não se reconhece que deva haver, em matéria de indemnização, um critério penal e um critério civil, distintos porque o primeiro deve considerar em primeira linha a gravidade da infracção'.
Com a entrada em vigor do Código Penal de 1982, a problemática sobre a natureza da indemnização arbitrada em processo penal deixou de fazer sentido, na medida em que o artigo 128º daquele diploma – com a epígrafe 'Responsabilidade civil emergente de crime' - passou a determinar expressamente que 'a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil', evolução que encontra eco no 'Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime', Figueiredo Dias, Lisboa, 1993, pág. 353, ao referir - a propósito dos deveres e regras de conduta que podem condicionar a suspensão de execução da pena de prisão (fortemente influenciada pela sursis do direito francês) – que 'do que se trata em suma, neste dever de indemnizar, é da sua função adjuvante da realização da finalidade de punição, não de reeditar a tese do carácter penal da indemnização civil proveniente de um crime, que o art. 128º quis postergar'.
Este Tribunal teve já ocasião para abordar a questão que vimos analisando – ainda que a propósito da norma constante do artigo 12º do Decreto-Lei nº.
605/75, de 3 de Novembro – pronunciando-se no sentido de que '(...) a indemnização civil por perdas e danos pode ser arbitrada oficiosamente, isto é, independentemente de requerimento do lesado, não viola o princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa' (cfr. acórdão nº. 187/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 16º, 1990, págs. 395 a 410; acórdão nº. 413/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 25º, 1993, págs. 623 a 629 e acórdão nº.
452/2000, in Diário da República , II Série, de 29 de Novembro).
Não obstante o que se deixa dito e independentemente do que se possa ter como a interpretação correcta da norma do artigo 51º nº 1 alínea a) do Código Penal, decisivo é averiguar o que o tribunal recorrido entendeu sobre a caracterização da indemnização atribuída ao 'lesado' e cujo pagamento impôs à recorrente como condição de suspensão da pena de prisão.
A verdade é que, neste aspecto, se deve reconhecer alguma parcimónia no acórdão recorrido. É, porém, de admitir que ele tenha seguido a orientação que vem sendo adoptada pelo STJ sobre a matéria.
Tomem-se como exemplos os Acórdãos de 29/1/97, 11/6/97, 29/10/97 e 2/6/99.
Escreve-se no sumário do primeiro:
'I - A suspensão da pena pode ser condicionada ao dever de pagar em certo período uma indemnização ao ofendido:
!! – Porém, não se trata de obrigação de pagamento, de realização de uma prestação, ou de efeito civil da condenação, mas apenas da própria pena de suspensão da execução. III -
.......................................................................................................................
Diz-se no segundo (in CJ – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V. tomo II – 1997, pp. 226 e segs.):
'(...) a quantia cujo pagamento pelo arguido ao lesado é condição da suspensão da pena não constitui aqui uma verdadeira indemnização, mas uma compensação destinada principalmente ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e a dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias. Por isso a modificabilidade do quantum arbitrado se tal vier a justificar-se – conf. Art. 49º - 3 do CP82 (art. 510º-3 do CP95. E por isso também que o montante assim arbitrado não tenha de corresponder ao que resultaria da fixação de indemnização segundo os critérios estabelecidos na lei para a responsbilidade civil e para a obrigação de indemnizar (arts. 483º e segs. e 562º e segs. do Cód. Civil). E este entendimento de ser possível condicionar a suspensão de pena ao pagamento de quantia compensatória ao ofendido, ainda que não haja sido pedida, é jurisprudência que o acórdão deste Supremo Tribunal de 92.11.11 (in CJ, ano XVII, tomo V, pág. 10) já então considerava firme e plenamente justificada, com fundamento em que a fixação de uma compensação pecuniária pelo julgador a favor do ofendido, como condicionante de uma suspensão da execução da pena aparece
(...) ao arguido como uma contrapartida económica da manutenção da sua liberdade ameaçada por ter cometido um acto ilícito e tem, nessa medida, um efeito dissuasor muito siugnificativo, numa sociedade que defende, na medida do possível, a primazia das sanções não detentivas (ib.) e que muito recentemente veio a ser reafirmada no acórdão deste Supremo Tribunal de 96.12.10 (proc. nº
48364 – 3ª Secção).
(...) o quantum compensatório cujo pagamento seja imposto ao arguido como condicionante da suspensão da execução da pena não está sujeito na determinação do seu montante aos estritos critérios da lei civil e processual civil para a fixação da indemnização(...)'.
O sumário do Acórdão de 29/10/97 é particularmente esclarecedor desta tese. Aí se diz:
'I – A suspensão da execução da pena com o dever económico de reparar o mal do crime não importa uma obrigação de indemnização em sentido estrito. Esse dever
(ou obrigação em sentido lato) vale apenas no seio do instituto da suspensão da execução da pena, sendo o sancionamento pelo não cumprimento apenas o que deriva das regras da própria suspensão da execução. II – Quando se suspende uma pena sob condição do pagamento de uma indemnização por perdas e danos ao ofendido, nem o Estado nem o beneficiário da reparação ou indemnização ficam, por virtude da imposição do dever, na situação de credores e, por consequência também o arguido não fica adstricto ao cumprimento de uma prestação, com todas as consequências jurídicas civis derivadas do incumprimento pontual.'
Finalmente no sumário do último aresto citado escreve-se:
'........................................................................................................................... Não se trata, porém, de uma condenação em indemnização mas, unicamente, da imposição de um dever que, reforçando o sancionamento penal, visa levar o arguido a tomar a iniciativa de reparar o dano, não conferindo ao lesado qualquer direito a exigir o seu cumprimento.'
(Todos os sumários constam da Base de dados dos acórdãos do STJ, www.dgsi)
Ora, desta jurisprudência retira-se, sem margem para quaisquer dúvidas, que a
'indemnização' ou 'compensação' é tida – bem ou mal – como que um 'tertium genus', com uma natureza jurídica própria (cumprindo a 'função adjuvante da realização da finalidade da punição') , onde, desde logo avulta como traço diferenciador o facto de ela não ser exigível pelo lesado.
Mas sendo assim, cai pela base a argumentação da recorrente, assente, como se disse, na violação de caso julgado absolutório (para daqui extrair a arguição de inconstitucionalidade) uma vez que à indemnização civil pedida (e recusada) no processo penal é alheia a que foi arbitrada na condenação penal e a cujo pagamento se subordinou a suspensão da execução da pena.
Não pode assim julgar-se procedente a alegação de qualquer das violações constitucionais feita pela recorrente.
5 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 27 de Junho de 2001- Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa