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Processo n.º 358/07
1.ª Secção
Relator : Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
1. A., constituído assistente nos autos de inquérito com o NUIPC 6/04.0, então
pendentes na Procuradoria-geral Distrital junto do Tribunal da Relação de
Lisboa, recorreu para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça, apresentando requerimento do seguinte teor:
“A., assistente e recorrente nos autos acima referenciados, notificado do
acórdão de 17.01.2007, em que foi feita aplicação de normas antes arguidas de
inconstitucionalidade, dele vem interpor o competente recurso para o Tribunal
Constitucional.
I - Antes, porém, cumpre-lhe assinalar e, respeitosamente, sugerir o seguinte:
1. Conforme se encontra documentado nos autos, a reclamação para o superior
hierárquico da magistrada titular do inquérito visou suprir a INEXISTÊNCIA
JURÍDICA de despacho de arquivamento e a nulidade do inquérito (cf. nos 1. a
5.3., do requerimento de abertura de instrução). O despacho do superior
hierárquico não supriu tal carência.
2. Tais vícios integram as razões de facto e de direito de discordância com o
Ministério Público, elencadas no requerimento de abertura de instrução nos
termos do disposto no art. 287°, n°2, do Código de Processo Penal (CPP).
2.1. Uma das ditas razões é a violação da norma do art. 272°, n.° 1, do CPP, com
a consequente nulidade do art. 120°, n°2, al. d), do mesmo código (cf. n°s 1 a
1.5., e 4 a 4.3).
2.2. Outra das ditas razões é a inexistência absoluta de apreciação de qualquer
dos factos objecto da denúncia, em violação da norma do art. 277°, n.° 1, do
CPP, interpretada conjugadamente com o disposto nos art°s 2°, n.° 2, do EMP,
97°, n.° 4, do CPP, circunstância que pode indiciar a prática de factos
subsumíveis ao disposto no art° 367°, n° 1, do Código Penal (cf. nºs 2 a 2.4 e 3
a 3.4.).
3. As conclusões 1ª a 7ª da motivação do recurso, respeitam aos vícios acima
referidos.
Não se vê que o acórdão ora impugnado se tenha pronunciado sobre eles. No
entanto, tal pronúncia é relevante para o conhecimento da arguida
inconstitucionalidade da norma do art° 287°, n° 1, do CPP, a que se referem os
n°s 6 e 9, e a conclusão 9ª da mesma motivação. Pelo que, respeitosamente se
sugere que tal pronúncia seja incluída no despacho de admissão do recurso para o
Tribunal Constitucional para que este melhor possa percepcionar o âmbito do
recurso.
II - Requerimento do art. 75°-A da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro (LTC)
4. É o recurso interposto ao abrigo do disposto nos art°s 280°, n.° 1, al. b),
da Constituição, e 70° n.° 1. al. b), da LTC.
5. As normas aplicadas no acórdão recorrido, cuja inconstitucionalidade se
pretende seja apreciada, os princípios e as normas constitucionais violadas, e
as peças processuais em que foi suscitada a inconstitucionalidade das mesmas,
são as seguintes:
5.1. A norma do art. 287°, n.° 1, do CPP, segundo a qual, sofrendo o inquérito
de nulidade, e inexistindo juridicamente, despacho de arquivamento, o prazo nele
previsto não se conta da notificação do despacho proferido pelo superior
hierárquico tendo por objecto requerimento apresentado com o fim de obter o
suprimento de tais vícios, por violar os princípios e as normas dos art°s 18°,
n°s 1 e 2, 20º, nºs 1 e 4, 32°, n.° 7, e 268°, n.° 4, da Constituição, como foi
arguido na motivação do recurso de 26.10.2006.
A norma do art. 32°, n.° 7, da CRP, foi aplicada no acórdão impugnado com
sentido manifestamente inconstitucional - que se afigura radicar na solução do
n°4 do art° 8° em articulação com o respectivo parágrafo 2°, da Constituição de
1933.
5.2. A norma do art. 417°, n.° 2, do CPP, segundo a qual, em fase de instrução
que corre na Relação, o requerimento de abertura de instrução não tem que ter
vista do Procurador Geral Adjunto na respectiva secção da Relação e o Parecer
emitido pelo magistrado titular do inquérito, de oposição à admissão da
instrução, não tem que ser notificado ao assistente antes de ser proferida
decisão que o acolhe, por violação dos princípios e das normas dos arts. 2°,
20°, n°s 1 e 4, e 219°, n.° 1, da CRP, como foi arguido no requerimento de
arguição de nulidade, de 13.10.2006 (data do registo postal) e na motivação do
recurso de 15.11.2006.
O parâmetro do art. 219°, n.° 1, da CRP, encontra-se invocado por via da
invocação do princípio da legalidade e da objectividade nele consagrada.”
Por despacho proferido a 7 de Fevereiro de 2007 pelo Juiz Conselheiro Relator,
no Supremo Tribunal de Justiça, o Recorrente foi convidado a “esclarecer o
sentido processual da sugestão” feita no requerimento nestes termos
apresentados.
Apresentada resposta ao convite, foi o recurso admitido.
2. Tendo sido proferida decisão sumária nos termos do artigo 78º-A da Lei do
Tribunal Constitucional (L.T.C.), considerou-se não se conhecer do objecto do
recurso sustentando-se, nomeadamente, que:
“Conforme vem sendo pacífica e reiteradamente afirmado por este Tribunal, o
modelo de fiscalização concreta da constitucionalidade entre nós consagrado,
assumindo embora natureza estritamente normativa, tanto pode filiar-se na
imputação do vício de desarmonia constitucional às próprias normas jurídicas
objecto de aplicação pelas instâncias, como visar apenas o particular sentido em
que certa norma ou conjunto de normas foi interpretado no âmbito de uma
determinada actividade subsuntiva, ou seja, a interpretação normativa que no
‘tribunal a quo’ lhes houver sido associada.
Nesta última hipótese – que, de resto, é a presente – «(...) a norma é tomada,
não com o sentido genérico e objectivo, plasmado no preceito (ou fonte) que a
contém, mas em função do modo como foi perspectivada e aplicada à dirimição de
certo caso pelo julgador». Na presença de «preceitos, disposições ou comandos
jurídicos susceptíveis de várias interpretações, o controlo do Tribunal
Constitucional vai ser exercido sobre o resultado de uma dada interpretação
judicial da norma que — na óptica de alguma das partes — afronta determinados
princípios ou preceitos constitucionais (...)» (Lopes do Rego, O objecto idóneo
dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações
normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, Jurisprudência
Constitucional, n.°3, Julho-Setembro 2004, pg.7) e que não só foi efectivamente
aplicada à dirimição do litígio, como o foi precisamente com o sentido acusado
de ser inconstitucional.
Tratando-se, pois, como sucede no caso presente, de recurso interposto ao abrigo
da alínea b) do n°1 do art.70° da LTC, exigido é, não apenas o cumulativo
preenchimento dos pressupostos de admissibilidade enunciados no n.°2 do art.72°
do referido diploma - ou seja, que a questão de inconstitucionalidade haja sido
suscitada ‘durante o processo’, ‘de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer’ - mas ainda, justamente quando o objecto da sindicância
pretendida consista numa determinada interpretação normativa, que a decisão
recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da dimensão normativa
reputada de inconstitucional pelo recorrente.
Quer isto significar que a possibilidade de conhecimento do objecto de um
recurso interposto ao abrigo da al.b) do n.°1 do art.70 da LTC se não basta com
a oportuna e adequada suscitação da questão de inconstitucionalidade, necessário
igualmente se tornando, ainda na formulação seguida no Acórdão n° 674/99 (in
www.tribunalconstitucional.pt), «que essa mesma norma tenha sido efectivamente
aplicada na decisão recorrida e, no caso de se contestar a constitucionalidade
da norma em causa apenas com uma dada interpretação, (...) que ela tenha sido
aplicada in casu com essa mesma interpretação».
Daí que se vincule o recorrente, quando questionada é a conformidade
constitucional de uma determinada interpretação normativa, à definição da
dimensão ou do sentido normativo contraditado, só assim se podendo ter por
observado o ónus de delimitação do objecto do recurso.
Analisado o teor do requerimento de interposição do recurso, verifica-se ter o
recorrente definido o respectivo objecto através da especificação das duas
seguintes dimensões:
a) A norma do art. 287°, n.° 1, do CPP, segundo a qual, sofrendo o inquérito de
nulidade, e inexistindo juridicamente, despacho de arquivamento, o prazo nele
previsto não se conta da notificação do despacho proferido pelo superior
hierárquico tendo por objecto requerimento apresentado com o fim de obter o
suprimento de tais vícios;
b) A norma do art. 417°, n.° 2, do CPP, segundo a qual, em fase de instrução que
corre na Relação, o requerimento de abertura de instrução não tem que ter vista
do Procurador Geral Adjunto na respectiva secção da Relação e o Parecer emitido
pelo magistrado titular do Inquérito, de oposição à admissão da instrução, não
tem que ser notificado ao assistente antes de ser proferida decisão que o
acolhe.
Pois bem.
Sendo justamente nos conteúdos enunciados pelo recorrente que, conforme feito já
notar, haverão de reconhecer-se as dimensões normativas objecto da sindicância
pretendida através do accionamento da jurisdição constitucional, a questão que
seguidamente se coloca é precisamente a de saber se os preceitos de direito
infraconstitucional expressamente indicados foram aplicados pelo Acórdão
recorrido, como sua ratio decidendi, no sentido ali acusado de ser
inconstitucional. Ou, mais concretamente ainda, se, como fundamento decisório da
improcedência do recurso referente ao despacho que rejeitou o requerimento de
abertura de instrução (despacho datado de 09.10.2006), o Supremo Tribunal de
Justiça extraiu do preceito correspondente ao art.287°, n.°1, do Código de
Processo Penal, a interpretação segundo a qual, «sofrendo o inquérito de
nulidade, e inexistindo juridicamente, despacho de arquivamento, o prazo nele
previsto não se conta da notificação do despacho proferido pelo superior
hierárquico tendo por objecto requerimento apresentado com o fim de obter o
suprimento de tais vícios». E, bem assim, se, para recusar provimento ao recurso
concernente ao despacho que julgou improcedente a arguição de nulidade (despacho
datado de 30.10.2006), o mesmo Tribunal, uma vez mais como ratio decidendi do
pronunciamento expresso no aresto aqui recorrido, aplicou o artigo 417°, n.° 2,
do Código de Processo Penal, no sentido segundo o qual, «em fase de instrução
que corre na Relação, o requerimento de abertura de instrução não tem que ter
vista do Procurador Geral Adjunto na respectiva secção da Relação e o Parecer
emitido pelo magistrado titular do inquérito, de oposição à admissão da
instrução, não tem que ser notificado ao assistente antes de ser proferida
decisão que o acolhe».
Embora por uma diversa ordem de considerações, a resposta é em ambos os casos
negativa.
[…]
Uma vez que o Tribunal Constitucional não se encontra vinculado à decisão de
admissão de recurso proferida nos autos (artigo 76°, n° 3, da LTC), importa,
pois, concluir pelo não conhecimento do objecto do recurso, o que, por seu
turno, legitima a prolação da presente decisão sumária (artigo 78°-A, n° 1, da
LTC).
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se, nos termos do artigo 78°-A, n° 1, da LTC, não tomar
conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal.”
3. O recorrente veio, a fls. 341 e seguintes apresentar o requerimento que se
transcreve:
“A., assistente/recorrente no proc. n° 4597/06 da 3ª Secção do STJ, recorrente
nos autos acima referenciados, notificado do despacho de 30 de Março de 2007,
vem dizer o seguinte:
1 – QUESTÃO PRÉVIA: poderes legais do relator relativamente a eventuais
deficiências do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional
1. Nos termos do disposto nos artigos 75°-A e 78°-B da Lei n° 28/82 de 15 de
Novembro (LTC) o relator tem, além do mais, os poderes seguintes:
a) convidar o requerente a prestar indicação sobre os elementos previstos nos
n°s 1 e 2 do artigo 75°-A da LTC, que tenham sido omitidos total ou parcialmente
(deficiência);
b) julgar os incidentes suscitados;
c) os demais poderes previstos na lei.
2. À tramitação dos recursos no Tribunal Constitucional são subsidiariamente
aplicáveis as normas do Código de Processo Civil (CPC), em especial as
respeitantes ao recurso de apelação (cf. artigo 69° da LTC). Pelo que, o relator
no Tribunal Constitucional tem também as atribuições e competências consignadas
no artigo 508° do CPC, aplicável com as necessárias adaptações. Neste âmbito, e
com relação ao requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional, tem o relator os poderes para:
a) Providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do n° 2 do
artigo 265° do CPC, sendo que, neste, se determina que o juiz providenciará,
mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais
susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à
regularização da instância;
b) Convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados visando suprir
irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correcção do
vício, designadamente quando careçam de requisitos legais;
c) Convidar as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou
concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para apresentação de
articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
O que nestes normativos se dispõe relativamente a articulados da acção, tem de
entender-se extensivo a requerimento de interposição de recurso apresentado no
Tribunal Constitucional para início da respectiva instância.
3. Não sendo, embora, normas processuais, relevam como concretização do Estado
de direito democrático consagrado no artigo 2° da Constituição da República
Portuguesa (CRP), os princípios consignados no Preâmbulo do Dec. Lei n°
329-A/95, de 12 de Dezembro, sobre a lei adjectiva subsidiariamente aplicável à
tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional, designadamente os
seguintes:
a) Os princípios gerais estruturantes do processo civil, em qualquer das suas
fases, deverão essencialmente representar um desenvolvimento, concretização e
densificação do princípio constitucional do acesso à justiça;
b) Tal princípio não se reduz à mera consagração constitucional do direito de
acção judicial, da faculdade de qualquer cidadão propor acções em tribunal,
implicando, desde logo (...) que a todos seja assegurado, através dos tribunais,
o direito a uma protecção jurídica eficaz e temporalmente adequada;
c) O direito de acesso aos tribunais envolverá identicamente a eliminação de
todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito, que
opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se assim
claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma;
d) No mesmo sentido de privilegiar a decisão de fundo, importa consagrar, como
regra, que a falta de pressupostos processuais é sanável;
e) Procura por outro lado, obviar-se a que regras rígidas, de natureza
estritamente procedimental, possam impedir a efectivação em juízo dos direitos e
a plena discussão acerca da matéria relevante para propiciar a justa composição
do litígio;
f) O incremento da tutela do direito de defesa implicará, por outro lado, a
atenuação da excessiva rigidez de certos efeitos cominatórios ou preclusivos;
g) Consagra-se o princípio da cooperação, como princípio angular e exponencial
do processo civil, de forma a propiciar que os juízes e mandatários cooperem
entre si;
h) Destarte, sempre na preocupação de realização efectiva e adequada do direito
material e no entendimento de que será mais útil, à paz social e ao prestígio e
dignidade que a administração da justiça coenvolve, corrigir que perpetuar um
erro juridicamente insustentável, permite-se (...) o suprimento do erro de
julgamento mediante a reparação da decisão de mérito pelo próprio juiz decisor …
Na modesta opinião do recorrente, todos estes princípios constituem
concretização do disposto na Constituição ou dos princípios nela consignados, e
são aplicáveis ao processo de fiscalização concreta sucessiva de normas legais,
quer porque assim se encontra determinado no artigo 69° da LTC, quer porque ao
Tribunal Constitucional compete especificamente administrar a justiça em
matérias de natureza jurídico-constitucional (cf. art° 221º da CRP), e, incumbe
aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos
dos cidadãos (cf. artigo 202°, n°2, da CRP).
II - NULIDADE DO PROCESSADO NESSE TRIBUNAL ANTES DO DESPACHO DE 30.3.2007
4. Diz o despacho de 30 de Março de 2007:
· ‘A enunciação do primeiro dos conteúdos acima
remomerados releva da imputação ao raciocínio decisório seguido pelo aresto
recorrido de um critério normativo assente no postulado segundo o qual o
inquérito padeceria de nulidade e o despacho de arquivamento que lhe colocou
termo seria juridicamente inexistente’.
Esta apreciação tem por objecto um acto do recorrente e a sua intencionalidade,
no contexto das várias peças que integram o recurso, sendo evidente que ela não
se ajusta à realidade processual, e distorce o sentido objectivo e subjectivo
daquele.
A lei, nos termos acima expostos, confere ao recorrente o direito de esclarecer
o rigoroso sentido das suas pretensões perante o tribunal, se, eventualmente, a
respectiva letra contém alguma deficiência, obscuridade ou ambiguidade.
Este direito goza de tutela constitucional por via do disposto nos artigos 2°,
20º, n° 1, e 202°, n°2, da CRP.
À incumbência constitucional de os tribunais – incluindo o Constitucional – na
administração da justiça, assegurarem a defesa dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos, corresponde a imposição legal de o
recorrente ser mandado ouvir sobre aqueles eventuais vícios.
A violação desta imposição legal é sancionada pelo disposto no artigo 201°, n°
1, do CPC. Tal violação pode influir na apreciação e decisão da causa, nos
termos e com os efeitos previstos nos n°s 1 e 2 do mesmo artigo. Pelo que,
atento o disposto nos citados artigos 75°-A, n°5, e 78°-B, n° 1, da LTC,
· requer-se ao Exmo Conselheiro Relator que supra a
nulidade processual ora arguida.
5. Sem prejuízo do que será aduzido logo que o recorrente seja mandado ouvir em
cumprimento das supra referidas normas legais, sempre se dirá, desde já, que a
norma aplicada nas várias decisões judiciais integrantes do recurso, é a
enunciada pelo recorrente relativamente ao artigo 287°, n° 1, do CPP, nos termos
seguintes:
· o prazo nele previsto não se conta da notificação do
despacho proferido pelo superior hierárquico tendo por objecto requerimento
apresentado com o fim de obter suprimento dos vícios de nulidade de inquérito e
de inexistência jurídica de despacho de arquivamento.
É esta a norma
a) arguida na conclusão 9ª do requerimento de 26.10.2006, de interposição do
recurso para o Tribunal Supremo;
b) aplicada no seu acordão de 17.1.2007, nos termos seguintes:
c) ‘O Recorrente alega, no entanto, que a norma aplicada no despacho recorrido –
no sentido de que, no caso de recurso à fiscalização hierárquica, o prazo do
art° 287°, não se conta da notificação da respectiva decisão – é
inconstitucional por violar os art°s 20º, n°s 1 e 4, e 268°, n°4, da CRP.’
d) ‘Volta, contudo, a não ter razão’;
e) ‘Também este recurso improcede’.
A referência feita pelo recorrente ao contexto em que tal norma foi aplicada, é
meramente descritiva da realidade processual e visa tão só sublinhar que houve,
previamente à aplicação da norma arguida de inconstitucionalidade, uma
reclamação hierárquica de natureza meramente administrativa, cujo objecto é a
nulidade do inquérito e a inexistência jurídica de despacho de arquivamento,
cominada no artigo 120°, n° 2, alínea d), do Código de Processo Penal, por
violação da norma do artigo 272°, n° 1, do mesmo código, conforme acordão de
uniformização de jurisprudência n° 1/2006, de 25 de Novembro de 2005 (DR 1 a
Série, de 2 de Janeiro de 2006).
O acordão recorrido deixou de pronunciar-se sobre a referida questão contextual,
de conhecimento oficioso, violando lei expressa, mas o recorrente nem sequer
considerou tal violação justificativa de arguição de nulidade de sentença, em
virtude de a circunstância – o objecto da reclamação hierárquica, administrativa
- não relevar para o enunciado da norma arguida de inconstitucionalidade.
O objecto da dita reclamação hierárquica poderia ter sido outro bem diferente. O
que releva é a sua existência e a sua concretização dentro do prazo legal de 20
dias para requerer abertura de instrução.
Se o concreto objecto da reclamação integrasse a previsão da norma enunciada
teria sido requerido ao Supremo Tribunal de Justiça que, em conferência,
suprisse a nulidade de sentença de que enferma o seu acordão de 17.1.2007, para
que do respectivo acordão também fosse interposto recurso para o Tribunal
Constitucional.
6. Também sem prejuízo do que será aduzido logo que o recorrente seja mandado
ouvir em cumprimento das supra referidas normas legais, sempre se dirá, desde
já, que a norma arguida de inconstitucionalidade identificada nas várias peças
processuais que antecederam o acordão recorrido, nos termos do artigo 75°-A, n°
1, da LTC, foi exactamente a nele aplicada.
Se essa norma se extrai do art° 417°, n°2, do CPP, ou no art° 3º, n° 3, do CPC,
é, para efeito de apreciação de infracção ao disposto na Constituição ou aos
princípios nela consignados, manifestamente irrelevante.
Aliás, a invocação do disposto no artigo 3°, n° 3, do CPC, constitui violação do
disposto no artigo 4° do CPP. Com efeito, nele se estatui que observam-se as
normas do processo civil nos casos omissos no CPP, só
• quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia.
Ora, o disposto no artigo 417° do CPP, consagra o princípio geral do
contraditório decorrente directamente do disposto no artº 20°, n°4, da CRP, e
nos princípios consignados no seu artigo 2°, sendo, pois aplicável em processo
criminal, por analogia, quando um processo, encontrando-se sob jurisdição de um
Juiz recebe uma pronúncia do Ministério Público contrária aos interesses do
assistente.
O acordão recorrido viola lei expressa ao recusar aplicação analógica do artigo
417°, n°2, do CPP. Uma decisão contra legem não pode servir de fundamento para
esse Tribunal não conhecer da norma efectivamente aplicada.
O que releva no plano da administração da justiça em matéria
jurídico-constitucional são as normas — não são os “artigos”. Tanto quanto se
sabe, é esta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, longa e solidamente
consolidada, e que se espera seja mantida.
7. A presente arguição de nulidade processual é dirigida ao Exmo Relator, para
sua decisão ao abrigo do disposto no artigo 75°-B, n° 1, da LTC, enquanto
incidente previsto na lei, sem tramitação autónoma - sublinhando-se que não é
nem pode ser qualificada como reclamação do artigo 78°-A, n° 3, da LTC, atento o
princípio do dispositivo, estruturante do processo civil, subsidiariamente
aplicável, decorrente do princípio fundamental do respeito pela dignidade da
pessoa humana que constitui o ‘hino à alegria’ da nossa ‘Magna Carta’.
4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, em resposta, vem invocar que a
arguição de “nulidade” deduzida é verdadeiramente ininteligível.
Acresce que, em sua perspectiva, é inadmissível que a parte que definiu o
objecto do recurso de constitucionalidade (fls. 306) “venha agora pretender que
a definição que ele próprio elegeu não tem em causa a ‘questão contextual’ que a
rodeava.”
É, assim, imputável ao Recorrente o facto de ter incumprido o ónus de delimitar
o objecto do recurso que interpôs.
5. Decidindo:
A pretensão do Recorrente é, manifestamente, incompreensível ou, para utilizar a
expressão empregue pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, na resposta de
fls. 352 e seguintes, “ininteligível”, por duas ordens de razões.
A primeira, porquanto vem utilizado um meio de reacção à decisão sumária
proferida à sombra do disposto no artigo 78º-A, n.º 1 da L.T.C que o legislador
não preconiza.
Com efeito, considerando o que se dispõe no n.º 3 do mesmo normativo,
verifica-se que “da decisão sumária do relator pode reclamar-se para a
conferência (…)”.
Ora, pelo teor da reclamação, em apreço, parece intuir-se que o Recorrente vem
arguir a nulidade do despacho do Relator e quer que seja o mesmo Relator, e não
a conferência, a conhecer dessa nulidade.
Inequivocamente, o facto é que a lei que regula o processo constitucional não
prevê tal forma de reacção, antes estatui, aliás, à luz do que ocorre com o
recurso de apelação, que dos despachos do Relator se reclama para a conferência
(artigo 700º, n.º 3 do Código de Processo Civil), não se preconizando, pois, a
possibilidade de se arguírem nulidades para o próprio Relator.
Sucede que, a pretensa nulidade seria, se bem se compreende, uma eventual
omissão do convite, a que se refere o artigo 75º-A, n.º 6 da L.T.C, para se
explicitar a dimensão normativa e a sua desconformidade constitucional, não
suscitada pelo Relator do Tribunal Constitucional, quando o certo é que, tendo
sido cumprido tal ónus pelo Relator no Supremo Tribunal de Justiça, não se
poderia repetir esse convite, conforme resulta do regime constante do n.º 5 do
preceito citado.
Em segundo lugar, também é incompreensível o teor da presente reclamação, já que
foi o ora reclamante quem não respeitou a definição do conceito de norma, quando
delineou o objecto do recurso da constitucionalidade, pelo que não pode pôr em
crise essa delimitação por si próprio encetada.
6. Assim, e, sem necessidade de maiores considerações, acordam, em conferência,
indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão
reclamada no sentido de não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 29 de Maio de 2007
José Borges Soeiro
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos