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Processo nº. 255/2013
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, foi proferido o Acórdão n.º 248/2013, que indeferiu reclamação de despacho proferido pelo Juiz-Relator junto da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em 12 de fevereiro de 2013 (fls. 81), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 09 de janeiro de 2013 (fls. 77 e 78), com fundamento na falta de aperfeiçoamento tempestivo do mesmo e, consequentemente, por falta de identificação dos elementos exigidos pelos n.ºs 1, 2 e 5 da LTC.
Notificado do referido acórdão, veio o recorrente apresentar requerimento de arguição de nulidade do mesmo, nos seguintes termos:
«Notificado do, aliás, mui douto Acórdão, nestes proferido, vem muito respeitosamente arguir nulidade processual, uma vez que não lhe foi dada a oportunidade para se pronunciar sobre a resposta do Ministério Público ao seu Pedido de aclaração.
Com efeito, o arguido apenas foi notificado da resposta apresentada pelo Ministério Público, com a notificação do Douto Acórdão, ou seja com a Decisão final, inviabilizando por isso a sua intervenção.
Ora, tal nulidade configura mesmo uma inconstitucionalidade, uma vez que limita, não justificadamente, o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, nº 1, da Constituição.
Por outro lado, está também em causa a violação do contraditório.
Assim, e mais uma vez, com a devida vénia e como sempre com o maior respeito por melhor opinião, parece-nos que, a, aliás mui douta decisão em análise, além de violar o legalmente estabelecido quanto ao presente recurso, cerceou o direito que assistia ao recorrente de se poder pronunciar sobre tal resposta, Razão primordial da presente arguição de nulidade.» (fls. 122)
2. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos, que ora se resumem:
«(…)
4. De acordo com o art. 69º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), aplicam-se à tramitação dos recursos, para o Tribunal Constitucional, as normas do Código de Processo Civil (CPC), em especial as respeitantes ao recurso de apelação.
E que normas são essas, então?
5. Desde logo, uma vez proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, com exceção dos casos em que o juiz retifica erros materiais, supre nulidades, esclarece dúvidas existentes na sentença ou a reforma (cfr. art. 666º do CPC).
Ora, a violação do princípio do contraditório não surge no elenco das causas de nulidade constantes do art. 668º do CPC.
E também não consta dos fundamentos que poderiam legitimar o esclarecimento ou reforma da sentença (cfr. art. 669º do CPC).
6. Poderá entender-se, todavia, que o interessado, ao invocar o que designa de “nulidade processual”, pretenda fazer referência ao art. 201º do Código de Processo Civil, designadamente ao facto de a omissão de um ato, que reputa de essencial, acabar por ter influência decisiva no exame ou na decisão da causa.
Mesmo, porém, a esta luz, o fundamento do presente requerimento não faz grande sentido.
7. O Ministério Público pronunciou-se, com efeito, no seu parecer (cfr. fls. 104-106 dos autos), sobre a reclamação por não admissão de recurso do interessado, pelo que apreciou os fundamentos do mesmo pedido.
Foi, pois, a argumentação constante da mesma reclamação, que delimitou o objeto da intervenção do Ministério Público.
Para além do facto de o Ministério Público se ter limitado a confirmar o bem fundado da decisão de não admissão de recurso, proferida pelo Ilustre Desembargador do Tribunal da Relação de Guimarães, cuja argumentação já era, pois, sobejamente conhecida do arguido.
8. Com efeito, o Ministério Público limitou-se a dizer, no seu parecer de 5 de abril de 2013 (cfr. fls. 104-106 dos autos) (destaques do signatário):
(…)
9. Não houve, pois, lugar à invocação de nenhum fundamento novo, que pudesse surpreender o arguido, ou prejudicar a sua posição.
Toda a argumentação utilizada era, com efeito, do seu conhecimento e resultava do próprio decurso dos presentes autos.
10. Aliás, este Tribunal pronunciou-se, não há muito tempo, sobre uma questão que apresenta semelhanças com a agora em apreciação, no âmbito do Acórdão 5/10, de 6 de janeiro.
Transcreve-se, por isso, a motivação do mesmo Acórdão, que apresenta natural interesse para a apreciação do presente requerimento do interessado (destaques do signatário):
“(…)
A propósito do problema de saber se decorre da Constituição um dever de comunicação às partes de todas as intervenções realizadas pelo Ministério Público no decorrer de um processo tem o Tribunal proferido jurisprudência constante. E essa jurisprudência pode ser resumida como segue: só ocorre violação dos princípios constitucionais pertinentes, mormente do princípio do contraditório, se as partes ficarem impossibilitadas de controlar as (e, portanto, de responder às) questões colocadas pelo Ministério Público aquando da sua intervenção no processo, o que naturalmente não acontece, sempre que de tal intervenção não decorra qualquer questão nova, ainda não conhecida das partes e, portanto, por elas ainda não respondida. (Vejam-se, quanto a este ponto e apenas a título de exemplo, os Acórdãos nºs 185/2001 e 342/2009).
No caso, o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional limitou-se, na sua resposta ao pedido de aclaração formulado pela reclamante, a retomar as razões do Acórdão cuja aclaração se pedia, contradizendo assim os argumentos apresentados pela reclamação. Nenhuma questão nova foi pois, neste contexto, colocada.
Assim sendo, nenhum fundamento há que sustente a presente arguição de nulidade processual.”
11. Também no Acórdão 68/11, de 2 de fevereiro, teve este Tribunal Constitucional oportunidade de referir, apresentando tais considerações igualmente interesse para os presentes autos (destaques do signatário):
“3. Parece claro, nestas circunstâncias, que não há qualquer nulidade processual por falta de audição do recorrente em relação à resposta apresentada pelo Ministério Público relativamente à reclamação para a conferência.
No âmbito do processo penal, o Ministério Público é sujeito processual em qualquer das instâncias jurisdicionais, e, em ordem ao princípio da parificação do posicionamento jurídico da acusação e da defesa (e sem prejuízo dos seus deveres de objetividade), tem o direito processual de responder aos requerimentos do arguido-recorrente, designadamente quando esteja em causa a reclamação da decisão sumária do relator.
E não é o simples exercício desse direito processual, mesmo quando o Ministério Público pugne pela manutenção do julgado, contraditando a argumentação do reclamante, que pode conferir à contraparte o direito de resposta, quando é certo que aquela intervenção processual é precisamente justificada pela necessidade de incrementar o princípio material da igualdade das armas.
O direito de audição, nesse conspecto, apenas se justificaria, para evitar que o recorrente viesse a ser confrontado com uma decisão surpresa, se fosse previsível que o tribunal viesse a adotar, na apreciação da reclamação, um fundamento diverso daquele que serviu de base à decisão de não conhecimento do recurso, e relativamente ao qual o recorrente não tivesse tido oportunidade de pronunciar.
No caso em análise, embora seja certo que o Ministério Público, no exercício do seu direito de resposta, invocou, a título subsidiário, um novo argumento para a manutenção da decisão reclamada – o não cumprimento do ónus de suscitação, de modo processualmente adequado, em relação a duas das questões de constitucionalidade que constituíam objeto do recurso (pontos III e V) -, o certo é que o acórdão n.º 463/2010 limitou-se a confirmar a decisão anterior pelos mesmos fundamentos, e não decidiu, portanto, com base em qualquer aspeto inovatório sobre o qual o recorrente não tivesse tido oportunidade de aduzir as suas razões.
Seria, por isso, inteiramente inútil, face à decisão que veio a ser adotada, abrir uma nova fase de discussão a partir da resposta apresentada pelo Ministério Público, quando o tribunal, para fundamentar a sua decisão, não utilizou quaisquer novos argumentos que o respondente tivesse invocado.”
12. Por todo o exposto ao longo do presente parecer, julga-se que se não poderá deixar de considerar o presente requerimento - de arguição de nulidade processual -, como processualmente inadequado e manifestamente infundado.» (fls. 134 a 143)
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
3. Impõe-se começar por esclarecer que, apesar da expressa referência do reclamante a uma alegada nulidade do Acórdão n.º 248/2013, por falta de “oportunidade para se pronunciar sobre a resposta do Ministério Público ao seu Pedido de aclaração” (fls. 122), certo é que tal referência só pode ter sido feita por manifesto lapso de escrita. Com efeito, nem o reclamante deduziu qualquer pedido de aclaração, no âmbito dos presentes autos de recurso de constitucionalidade – mas antes deduziu uma reclamação de despacho de não admissão, ao abrigo do artigo 76º, n.º 4, da LTC –, como o Ministério Público não apresentou qualquer resposta, mas antes cumpriu o seu dever legal de vista sobre a reclamação deduzida, imposto pelo n.º 2 do artigo 77º da LTC.
Atento o manifesto lapso de escrita, passar-se-á a apreciar a presente arguição de nulidade por referência à falta de notificação do parecer do Ministério Público relativo à reclamação deduzida.
4. Esclarecido este ponto, importa apenas notar que a lei processual constitucional (vide artigo 77º da LTC) não impõe qualquer dever de notificação do parecer proferido em sede de vista ao reclamante, na medida em que o Ministério Público se limite a corroborar ou o sentido da decisão de não admissão reclamada ou a fundamentação argumentativa do próprio reclamante. Bem entendido, caso tal parecer tivesse mencionado qualquer novo fundamento para não conhecimento do objeto do pedido, então sim, a Relatora teria notificado o reclamante para se pronunciar sobre tal fundamento, conforme imposto pelos artigo 702º, n.º 2, e 704º, n.º 2, ambos do CPC, aplicáveis “ex vi” artigo 69º da LTC. Sucede, porém, que, na situação concretamente em apreço nos presentes autos, não só a conferência entendeu corroborar integralmente o sentido da decisão de não admissão reclamada, proferida pelo Juiz-Relator junto do tribunal recorrido, como expressamente esclareceu que nem sequer tomou em consideração o teor do parecer do Ministério Público, por este não abordar, de modo direto, o fundamento de não conhecimento que presidiu ao despacho de não admissão.
Senão, veja-se o teor do Acórdão n.º 248/2013:
«4. Com efeito, nem o reclamante impugna diretamente o fundamento que presidiu ao despacho que rejeitou admitir o recurso de constitucionalidade interposto, nem o próprio visto do Ministério Público aborda o tema. Ora, conforme já se demonstrou – mediante transcrição do despacho reclamado –, o mesmo repousa exclusivamente na circunstância de o ora reclamante não ter respondido, “no prazo que lhe foi concedido” (fls. 81), ao convite de aperfeiçoamento formulado pelo Juiz-Relator junto do Tribunal recorrido. Aliás, diga-se que, nos termos do n.º 7 do artigo 75º-A da LTC, a falta de resposta atempada a esse convite implica a automática deserção do recurso.
(…)
Por fim, refira-se apenas que não se aprecia sequer a questão da não suscitação processualmente adequada da questão de inconstitucionalidade normativa – suscitada no visto do Ministério Público –, na medida em que a deserção do recurso implica a automática extinção da instância, sem necessidade de apreciação dos demais fundamentos de não conhecimento. Só por essa razão não se procedeu à notificação ao reclamante para que se pronunciasse sobre esse novo fundamento, conforme determina o n.º 2 do artigo 703º e o n.º 2 do artigo 704º, ambos do CPC, aplicáveis “ex vi” artigo 69º da LTC, por aquela constituir um ato processualmente inútil.» (com sublinhado nosso)
Daqui decorre, sem qualquer margem para dúvidas, que as razões constantes do parecer do Ministério Público, proferido ao abrigo do dever de vista previsto no n.º 2 do artigo 77º da LTC, nem sequer foram acolhidas como razão fundante do Acórdão n.º 248/2013. Não tendo sido acolhido pela decisão cuja nulidade agora vem arguida, não se justificaria, de modo algum, que aquele parecer tivesse sido notificado ao reclamante, visto que não influencia o sentido da decisão proferida.
Aqui chegados, conclui-se igualmente que a falta de notificação do parecer nem constitui fundamento de nulidade do acórdão, para os efeitos previstos no artigo 668º do CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC, nem tão pouco pode ser configurado como uma causa de nulidade fundada no artigo 201º do CPC, também subsidiariamente aplicável, por não corresponder à omissão de um ato suscetível de ter influência decisiva no exame ou na decisão da causa. Ora, na medida em que o acórdão cuja nulidade se arguiu nem sequer acolheu a argumentação daquele parecer, antes tendo corroborado integralmente a fundamentação do despacho de não admissão proferido pelo Juiz-Relator no tribunal recorrido, mais não resta do que concluir que a sua não notificação ao ora reclamante não origina qualquer nulidade do acórdão. Razão pela qual vai a arguição de nulidade indeferida.
5. Por fim, no que diz respeito à inconstitucionalidade referida que se reporta a uma interpretação extraída do n.º 2 do artigo 77º da LTC, no sentido de que um parecer do Ministério Público, em sede de vista de autos de reclamação, não carece de ser notificado ao reclamante, quando o mesmo não envolva a adoção de uma decisão com fundamento distinto do que consta do despacho de não admissão que foi reclamado, sempre importaria recordar a jurisprudência consolidada e constante no Tribunal Constitucional. Isto porque tem sido recorrentemente entendido que só se verifica uma violação do direito ao contraditório caso as partes processuais fiquem impossibilitadas de responder a peças processuais apresentadas pelo Ministério Público quando estas não se limitem a apreciar questões já abordadas em momentos processuais anteriores e, portanto, discutam questões novas (nesse sentido, ver, entre muitos outros, os Acórdãos n.º 185/2001; n.º 342/2009; n.º 5/2010; e n.º 68/2011, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
Assim sendo, na medida em que o acórdão cuja nulidade se argui não se fundou no parecer do Ministério Público e, portanto, também não apreciou questões novas, que não tivessem já antes sido conhecidas e discutidas pelo ora reclamante, sempre se concluiria pela não inconstitucionalidade da referida interpretação normativa.
III - DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente arguição de nulidade.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 10 de outubro de 2013. – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.