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Processo nº 275/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, na 2ª Secção, do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, proferiu o Relator a seguinte Decisão Sumária:
'1. M..., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, ‘ao abrigo do art. 70º al. b) da referida Lei
28/82, de 15.11’, tendo ‘por fim a apreciação da inconstitucionalidade da norma dos arts 563, 652, 656 do CPC na interpretação que lhe foi conferida no douto acórdão recorrido’ (o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Novembro de 2000, ‘esclarecido e ou aclarado por acórdão de 08.02.2001’, que negou a revista por ela interposta, mantendo-se a decisão da primeira instância, que julgou a acção ‘improcedente e a reconvenção procedente e, em consequência, a A.
(a ora recorrente) condenada a pagar à R. a quantia de 20.7098.013$60, acrescida de juros vincendos desde 29.03.95, sobre o montante de 20. 470.000$00, à taxa legal de 15% até 30.09.1995, e à taxa de 10% desde esta data, até integral pagamento’). Posteriormente, a convite do Relator naquele Supremo Tribunal, veio esclarecer que ‘as normas constitucionais que o requerente entende violadas são as constantes dos artºs 12,13,16,17,18,20,23,203 e 204 da CRP’ e que ‘a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações de revista para o Supremo Tribunal de Justiça’.
2. Nessas ‘alegações de revista’ e na parte que aqui interessa – a questão da
‘anulação da audiência de julgamento e actos processuais subsequentes’ – a recorrente indicou que a audiência ‘está sujeita obrigatoriamente ao princípio da continuidade’ e que este princípio ‘resulta não só da necessidade de celeridade processual como também de mais importantes princípios de ordenamento jurídico até com tutela constitucional’, nomeadamente ‘os princípios da igualdade, imparcialidade e adequado acesso ao direito e à Justiça’, discorrendo a seguir deste modo:
‘XXIII- A forma como decorreu a audiência de discussão e julgamento ao longo de mais de três meses, com interrupções de várias semanas, distanciando a prova do A. do momento da sua apreciação em beneficio da Ré, causou grave prejuízo ao A. e violou seriamente as disposições legais, nomeadamente os princípios de igualdade, imparcialidade e adequado acesso ao direito e à Justiça . XXIV - Fazendo incorrer a audiência de discussão e julgamento e o processado posterior, incluindo a douta sentença recorrida, em vício grave, verdadeira invalidade e mesmo nulidade. XXV - Exigindo então, se outra forma não se considerar adequada, a respectiva anulação e repetição da audiência de julgamento e do processado posterior . XXVI - Pois que, além do mais, a forma como decorreu, violou também os artigos
12, 13, 16, 17, 18 e 20 da Constituição da República Portuguesa. XXVII - E foi susceptível de influir na boa decisão da causa, sendo que tal vício há-de ser todo o tempo rectificável face à obrigação dos tribunais de cumprirem as norma constitucionais - art. o 204° da CRP - o que então se requer
. XXVIII - Violou, assim, o douto Acórdão recorrido, nomeadamente por erro de interpretação, as normas dos artigos 12°, 13°, 16°, 17°, 18°,20° e 204° da C.R.P.; os artigos 349°, 351º 514°,653° e 656° do C.P.C.; os artigos 342° e segs., 371°,376°,393° nº 2,499°,799°,909º 921°, 1207° e 1208° e segs. do Código Civil; e ainda as normas da Lei n.º 29/81 de 22.08, da Lei n.o 24/96, de 31.07 e do D.L. 383/89, de 06.11’.
3. Resulta desta transcrição que, relativamente àquela questão, a recorrente não suscitou de modo processualmente adequado essa questão de
(in)constitucionalidade normativa quanto às normas do Código de Processo Civil identificadas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, limitando-se a censurar a ‘forma como decorreu a audiência de discussão e julgamento’, o que implicaria ‘vício grave, verdadeira invalidade e mesmo nulidade’, sem nunca enunciar de forma clara a dimensão interpretativa com que as normas em causa deveriam ser aplicadas pelo Supremo Tribunal a quo para serem conformes à Lei Fundamental (nem mesmo essas normas são referenciadas nas conclusões das alegações, dizendo-se apenas na parte final que violou, ‘assim o douto Acórdão recorrido, nomeadamente por erro de interpretação. as normas dos artigos 12°, 13°, 16°, 17°, 18°,20° e 204° da C.R.P.; os artigos 349°, 351
514°,653° e 656° do C.P.C.’). Falta, pois, um pressuposto processual específico do tipo de recurso de constitucionalidade de que se serviu a recorrente – a da alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82 – e que é o da suscitação da questão de
(in)constitucionalidade normativa durante o processo, de modo a obrigar a tribunal recorrido a pronunciar-se sobre ela (nº 2 do artigo 72º da mesma Lei nº
28/82). Tanto assim que o acórdão recorrido não tratou de nenhuma questão de
(in)constitucionalidade, concluindo apenas ‘poder entender-se que as irregulares interrupções da audiência e marcações da sua continuação para além do dia imediato àquele em que for possível a respectiva conclusão, são actos que a lei não admite e que constituem nulidade por poderem influir no exame e decisão da causa’. E acrescenta-se a seguir no acórdão:
‘Nesta base, assistiria à A., representada pelo seu mandatário presente na audiência de discussão e julgamento, o direito de arguir a nulidade ante o tribunal colectivo, logo que ocorreu a interrupção e foi marcada a continuação da audiência - art.º 205°, nº 1. Não o tendo feito, ficou precludido o direito de invocar a nulidade. Neste entendimento, não se mostra violado o adequado acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art.º 20° da Constituição, uma vez que está assegurado ao interessado a arguição da nulidade para uma efectiva tutela do princípio da continuidade audiência. Não se mostra também que tenham sido ofendidos os princípios constitucionais da igualdade (art.º 13° da CRP) e da imparcialidade do tribunal pressuposta pela sua independência (art.º 203° da CRP)’. Com o que, por falta do aludido pressuposto processual, não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.
4. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno a recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta’. B. Dessa Decisão vem a recorrente, 'nos termos das disposições legais aplicáveis
– v.g. artº 78-A da lei 28/82 (actual redacção) – apresentar RECLAMAÇÃO para a entidade considerada competente, salvo melhor opinião, a VENERANDA CONFERÊNCIA', peticionando que 'se tome conhecimento do recurso interposto, seguindo-se as ulteriores termos até final' (e à reclamação não respondeu a sociedade ré na acção). Para o efeito, e nessa reclamação, pretende a recorrente demonstrar no essencial que 'suscitou suficientemente a questão da inconstitucionalidade quanto às normas do CPC em causa, na interpretação que lhes foi dada pelos doutos Arestos em questão', pois 'levantou a questão, fez referência aos normativos violados e concretizou essa violação, tendo a decisão recorrida aplicado essa norma não a tendo por violadora da Constituição', servindo-se para esse fim da longa transcrição das alegações do recurso de revista interposto para o Supremo Tribunal a quo. Todavia, o teor dessas alegações não contraria a conclusão a que se chegou na Decisão recorrida – nesta foram transcritas as conclusões dessas alegações, na parte que interessa – e a recorrente não consegue demonstrar que usou um modo processualmente adequado para suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa. É sempre a censura dirigida à 'forma como decorreu a audiência de discussão e julgamento', como decorre dos seguintes passos que, no que importa, se extraem da peça processual:
--'Ressalvado o devido respeito, que é o maior, à vista desarmada fácil é verificar que todo este ‘ritual’ de procedimento da Audiência de Discussão e Julgamento é, não só anómalo, como violador dos específicos normativos legais que regulamentam esta fase processual, como também violador dos mais elementares princípios do ordenamento jurídico português, nomeadamente de direito processual, e até dos mais elementares princípios constitucionalmente consagrados (nomeadamente o princípio da imparcialidade, da igualdade dos cidadãos perante a Lei e do adequado acesso ao direito e à Justiça).'
--'’Censura ‘, embora respeitosa, premente, tanto mais que esta prática, que até pode muitas vezes ser corrente, é susceptível, como no caso, de violação de princípios e garantias fundamentais, de carácter constitucional, e de resultar não apenas em denegação de Justiça, mas em cometimento de verdadeira injustiça'
--'Estes princípios [os princípios da imparcialidade, da igualdade dos cidadãos perante a Lei e do adequado acesso ao Direito e à Justiça - arts. 12°, 16°, 18° e 20º da C.R.P.] fundamentais, constitucionalmente consagrados, e as naturais limitações do princípio da oralidade, não só não são estranhos como, de facto, estão na base e no fundamento no princípio processual da continuidade da audiência de discussão e julgamento expresso claramente no art. 656° do C.P.C.'
--'É que, interrupções sucessivas da produção e discussão da prova, distanciando prova do Réu, cria gravíssima desigualdade entre as partes, prejudicando gravemente a A. em benefício do Réu'.
--'O que também e por outro lado e até de forma mais decisiva, consubstancia (a violação da continuidade da audiência) grave violação dos princípios constitucionalmente consagrados da igualdade, imparcialidade e adequado acesso ao direito e à realização da justiça'.
--'Tudo também para concluir que a violação do principio da continuidade da audiência expressamente consagrado, nomeadamente no art. 656° do C.P.C., representa sempre vício essencial gravíssimo manifestamente capaz de influir no exame da decisão da causa que fere de nulidade a própria audiência de julgamento processada ao longo do tempo e todo o posterior processado. (ao contrário do decidido no douto Acórdão recorrido )'.
--'Vício aliás que se reputa de tão grave que viola mesmo as garantias e liberdades fundamentais constitucionalmente consagradas e que compete a. todo o tempo aos tribunais apreciar, corrigir e rectificar, desde logo porque estão sujeitos ao cumprimento rigoroso da constituição - arts. 12°, 13°, 16°, 17°,
18°, 20° e 204° da C.R.P., na sua actual redacção'. Desta leitura retira-se que, apesar do apelo constante a normas e princípios constitucionais, em parte alguma se questionam as normas do Código de Processo Civil (ou a interpretação com que foram ou teriam sido aplicadas) com referência
à pretensa violação de tais normas ou princípios. É sempre a ideia de que a violação do 'princípio processual da continuidade da audiência de discussão e julgamento expresso claramente no art. 656° do C.P.C.' consubstancia 'grave violação dos princípios constitucionalmente consagrados da igualdade, imparcialidade e adequado acesso ao direito e à realização da justiça', o que não constitui uma verdadeira arguição de inconstitucionalidade normativa. Tanto basta para concluir que a recorrente não consegue abalar a Decisão reclamada, que tem de manter-se. C. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e não se toma conhecimento do recurso, condenando-se a reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 24 de Outubro de 2001- Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa