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Processo nº 127/2001
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Pelo requerimento de fls. 138, M... recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de fls. 132, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, nos seguintes termos:
'O artº 2º-2 e 3 da Contribuição Autárquica está ferido de inconstitucionalidade tendo em conta a integração e aplicação jurídica que dele fez o Ac. do S.T.A em causa, por assim permitir a dupla Tributação no sistema fiscal português, o que não é permitido constitucional, segundo o princípio da Justiça consagrado na C.R.P. A questão da inconstitucionalidade de tal preceito e como tal a decisão no qual se fundamentou tem vindo a ser suscitada desde o início da lide'. Pelo despacho de fls. 146, a recorrente foi convidada'a indicar qual a (s) norma(s) cuja inconstitucionalidade pretende que este Tribunal aprecie e qual a peça processual em que suscitou a questão da inconstitucionalidade' . Igualmente se sugeriu, no mesmo despacho, que explicitasse 'qual a norma ou princípio constitucional violado'. Pela resposta de fls. 147, a recorrente veio dizer o seguinte:
'1. Quer na p.i. (impugnação judicial), quer nas Alegações para o Tribunal Central Administrativo, quer nas Alegações para o STA, a Recorrente levantou a questão da inconstitucionalidade do artº2º-2 e 3 do Cód. Cont. Autárquica;
2. Nos termos em que permite, na prática como ‘in casu’, a dupla tributação, em Contribuição Autárquica;
3. Nas alegações para esse Tribunal Constitucional que já juntou no STA a Recorrente aponta já todos os princípios e normas constitucionais que considera violadas'.
2. A fls. 148, foi proferido o seguinte despacho:
'Convidada pelo despacho de fls. 146 a indicar qual a norma ou quais as normas cuja inconstitucionalidade pretendia que o Tribunal Constitucional apreciasse, a recorrente limitou-se a repetir a referência aos ‘art. 2º-2 e 3 do Cód. Cont. Autárquica’, não definindo, pois, qualquer norma susceptível de ser apreciada neste recurso. De igual modo, não indicou qual a norma ou princípio constitucional violado. Nestes termos, julgo deserto o recurso, nos termos previstos pelo nº 7 do artigo
75º-A e nº 1 do artigo 78º-B da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro'. Foram mandadas desentranhar e restituir à recorrente as alegações juntas no Supremo Tribunal Administrativo.
3. Inconformada, M... veio reclamar para a conferência, nos seguintes termos:
'FUNDAMENTOS I - OS FACTOS
1. A Recorrente interpôs recurso no STA, e logo aí juntou para fundamentação, simplificação e até eventual reparação de agravo, as suas Alegações, dirigidas ao Tribunal Constitucional, onde apresenta as razões de facto e de direito (e designadamente todos os princípios Constitucionais que considera violados pelas decisões judiciais em causa, na interpretação que fez das normas em causa, cuja constitucionalidade se vem questionando desde início)
– Junta novamente tais Alegações, para prova do que se afirma – Doc. 1.
2. Ao despacho de Fls. 146, respondeu a Recorrente com o requerimento de Fls. 147, que parece responder cabalmente às questões suscitadas naquele despacho. Na realidade a Recorrente apontou no ponto 1, as peças processuais onde suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas em causa;
3. Nesse requerimento a Recorrente apontou em concreto, a norma cuja inconstitucionalidade questiona desde início da lide, v.g. o artº 2º - 2 e 3 do CCA.
4. Já no ponto 3 desse Requerimento a Recorrente remeteu para as ditas Alegações já juntas ao processo, onde apontava todos os princípios e normas constitucionais que considera violadas, tudo isto, por brevidade, simplificação e dentro do princípio da economia processual, que tem plena aplicabilidade no presente caso;
5. Com tal remissão e reprodução por simplificação, a Recorrente considerou que com as decisões 'a quo' foram violados os seguintes princípio e normas constitucionais: A. Princípio do Estado de Direito democrático (artº 2º CRP); B. Princípio da Igualdade dos cidadãos perante a Lei (artº 13º e 266-2 CRP); C. Princípio da Tipicidade Fiscal – 'nullum tributem sine lege' – artº
106º-2 CRP); D. Princípio da Justiça (artº 266-2 e 268-4 e 5 da CRP).
1. A Fls 148 é julgado deserto o Recurso, com os fundamentos aí constantes, com os quais se não concorda, pelas acima apontadas, e pelas quais se reclama agora para a conferência;
2. Acrescer que, numa interpretação literal e positivista do artº 79-1 do mesmo diploma, se o Mº Conselheiro entendesse que a Recorrente deveria repetir as alegações que já constavam do processo e juntar novas alegações, a Recorrente repeti-las-ia com todo o prazer, embora considerasse tal acto processual supérfluo, já que constavam já do processo, e ser contra com o princípio da simplificação e economia processual de que enferma todo o CPC.
3. Acresce ainda que a Recorrente actuou com a junção antecipada das suas Alegações no STA, dentro do velho princípio e brocardo latino 'quod abundat non nocet', e parece não ser razoável, face aos factos, momentos e documentos acima relatados, que o Recurso seja julgado deserto, dentro dos velhos ensinamentos do Prof. Doutor Alberto dos Reis, de que o processo não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para que se atinja um acto de Justiça;
4. E o acto de Justiça que se reclama com a interpretação dada às normas em causa do CCA, que é a questão de fundo, é que parece ser uma flagrante Injustiça. II - O DIREITO: Tutela a presente situação o artº 78 A - 3 da Lei 28/82 de
15/11; III - PEDIDO: Requer a V.Exª seja revogada a decisão 'a quo', seguindo-se as demais diligências do artº 78 A - 3, 4 e 5 do Diploma em causa.
Assim actuando será feita melhor Justiça' Não houve resposta.
4. A reclamação não pode ser deferida. Com efeito, como se disse no despacho de fls. 148, a recorrente não definiu qual era a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, sendo certo que questionou, no requerimento de interposição de recurso,
'a integração e aplicação jurídica que (...) do Ac. do S.T.A.' de que recorreu fez do 'artº 2º-2 e 3 da Contribuição Autárquica'. Ora incumbe ao recorrente, como se sabe, determinar o objecto do recurso de constitucionalidade – ou seja, a norma que o Tribunal Constitucional pode julgar, não podendo o Tribunal substituir-se-lhe nessa definição. Assim resulta da lei – cfr. a al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro
– e assim o tem afirmado repetidamente o Tribunal Constitucional. Assim, veja-se, a título de exemplo, o seu acórdão nº 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º, 1118): 'Tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental'. Tinha-se escrito no referido acórdão nº 269/94: 'Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que - como já se disse - tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a Lei Fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringidos'.
5. Para além disso, e conforme consta do despacho de fls. 148, vº, as alegações de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas são apresentadas no Tribunal Constitucional, após a notificação correspondente (cfr. nº 5 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82). Não podem, pois, ser consideradas para o efeito de se haverem por explicitados os princípios constitucionais que a recorrente considera violados. Sustenta a recorrente que juntou as referidas alegações no Supremo Tribunal Administrativo 'para fundamentação, simplificação e até eventual reparação de agravo'. Não se entende a que reparação se pretende referir; quanto ao mais, cabe dizer que não está na disponibilidade da recorrente determinar se o seu recurso prossegue ou não, ou se e quando lhe compete apresentar as alegações; é a lei que o determina. Ora, no caso, não há lugar à sua apresentação, porque a lei comina com a deserção o não cumprimento do despacho de convite para que se complete o requerimento de interposição de recurso (nº 7 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82). Diga-se, a terminar, que ainda que se pudesse considerar o que a recorrente explicita nas referidas alegações, sempre faltaria a determinação do objecto do recurso, que, portanto, nunca poderia ser julgado. Assim, indefere-se a reclamação. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 ucs (sem prejuízo do apoio judiciário concedido). Lisboa, 23 de Maio de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida