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Processo n.º 268/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Notificado da decisão sumária proferida a fls. 157, o recorrente
A. dirige ao Tribunal o seguinte requerimento:
A., accionista da B., S.A., recorrente nos autos acima referenciados, notificado
do despacho surpresa de 5 de Abril de 2007, vem dizer e requerer o seguinte:
I — QUESTÃO PRÉVIA: poderes legais do relator relativamente a eventuais
deficiências do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional
1. Nos termos do disposto nos artigos 75°-A e 78°-B da Lei n° 28/82 de 15 de
Novembro (LTC) o relator tem, além do mais, os poderes seguintes:
a. convidar o requerente a prestar indicação sobre os
elementos previstos nos n°s 1 e 2 do artigo 75°-A da LTC, que tenham sido
omitidos total ou parcialmente (deficiência);
b. julgar os incidentes suscitados;
c. os demais poderes previstos na lei.
2. À tramitação dos recursos no Tribunal Constitucional são subsidiariamente
aplicáveis as normas do Código de Processo Civil (CPC), em especial as
respeitantes ao recurso de apelação (cf. artigo 69° da LTC). Pelo que, o relator
no Tribunal Constitucional tem, também, as atribuições e competências
consignadas no artigo 508° do CPC, aplicável com as necessárias adaptações.
Neste âmbito, e com relação ao requerimento de interposição do recurso para o
Tribunal Constitucional, tem o relator poderes para:
a. Providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos
termos do n° 2 do artigo 265° do CPC, sendo que, neste, se determina que o juiz
providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos
processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos
necessários à regularização da instância;
b. Convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados
visando suprir irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento
ou correcção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais;
c. Convidar as partes a suprir as insuficiências ou
imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando
prazo para apresentação de articulado em que se complete ou corrija o
inicialmente produzido.
O que nestes normativos se dispõe relativamente a articulados da acção, tem de
entender-se aplicável ao requerimento de interposição de recurso apresentado no
Tribunal Constitucional com que se inicia a respectiva instância.
3. Não sendo, embora, normas processuais, relevam como concretização do Estado
de direito democrático consagrado no artigo 2° da Constituição da República
Portuguesa (CRP), os princípios consignados no Preâmbulo do Dec. Lei n°
329-A/95, de 12 de Dezembro, sobre a lei adjectiva subsidiariamente aplicável à
tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional, designadamente os que,
com a devida vénia e não obstante o princípio de que jura novit curia, se
reproduzem:
a. Os princípios gerais estruturantes do processo civil, em
qualquer das suas fases, deverão essencialmente representar um desenvolvimento,
concretização e densificação do princípio constitucional do acesso à justiça;
b. Tal princípio não se reduz à mera consagração constitucional
do direito de acção judicial, da faculdade de qualquer cidadão propor acções em
tribunal, implicando, desde logo (...) que a todos seja assegurado, através dos
tribunais, o direito a uma protecção jurídica eficaz e temporalmente adequada;
c. O direito de acesso aos tribunais envolverá identicamente a
eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de
mérito, que opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se
assim claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma;
d. No mesmo sentido de privilegiar a decisão de fundo, importa
consagrar, como regra, que a falta de pressupostos processuais é sanável;
e. Procura por outro lado, obviar-se a que regras rígidas, de
natureza estritamente procedimental, possam impedir a efectivação em juízo dos
direitos e a plena discussão acerca da matéria relevante para propiciar a justa
composição do litígio;
f. O incremento da tutela do direito de defesa implicará, por
outro lado, a atenuação da excessiva rigidez de certos efeitos cominatórios ou
preclusivos;
g. Consagra-se o princípio da cooperação, como princípio
angular e exponencial do processo civil, de forma a propiciar que os juízes e
mandatários cooperem entre si;
h. Na preocupação de realização efectiva e adequada do direito
material e no entendimento de que será mais útil, à paz social e ao prestígio e
dignidade que a administração da justiça coenvolve, corrigir que perpetuar um
erro juridicamente insustentável, permite-se (...) o suprimento do erro de
julgamento mediante a reparação da decisão de mérito pelo próprio juiz decisor…
Na modesta opinião do recorrente, todos estes princípios constituem
concretização do disposto na Constituição ou dos princípios nela consignados, e
são aplicáveis ao processo de fiscalização concreta sucessiva de normas legais,
quer porque assim se encontra determinado no artigo 69° da LTC, quer porque ao
Tribunal Constitucional compete especificamente administrar a justiça em
matérias de natureza jurídico-constitucional (cf. art. 221° da CRP), sendo que
incumbe aos tribunais em geral assegurar a defesa dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos (cf. artigo 202°, n°2, da CRP).
II- NULIDADE DO PROCESSADO NESSE TRIBUNAL ANTERIOR AO DESPACHO DE 5.4.2007
4. O recurso a que respeitam os autos acima referenciados, foi interposto de
decisões prolatadas em instância de recurso de decisão proferida pelo Tribunal
da Relação de Coimbra, declarativa de trânsito em julgado de despacho proferido
em 15.11.1999, pelo Juiz do 2° Juízo do Tribunal da Comarca de Aveiro, no Proc.
n° 683/98, instaurado ao abrigo do disposto no artigo 4° do Código dos Processos
Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência (C.P.E.R.E.F.), aprovado pelo
Dec. Lei n° 132/93, de 23 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei
n° 315/98, de 20 de Outubro, como providência de gestão controlada.
4.1. A intervenção do Ministério Público neste tipo de processos é imposta por
lei (cf. artigos 22° e 47°, do dito código). Por outro lado, por força do
disposto no artigo 3° do Estatuto do Ministério Público, a este compete,
especialmente, velar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade
com a Constituição e as leis.
4.2. Nos diversos requerimentos integrantes dos autos de recurso, encontra-se
arguido o uso de falsificação de documentos objecto da deliberação homologada
pelo despacho cujo trânsito se pretende tenha ocorrido.
Objecto de tal deliberação é um relatório de “gestor judicial” que contém a
proposta seguinte:
· “As novas acções serão oferecidas à subscrição pelos accionistas,
com respeito pelo seu direito de preferência, pelo período de 20 (vinte) dias,
após a homologação pelo juiz da deliberação de aprovação da providência de
recuperação ora proposta (independentemente do trânsito em julgado da sentença)
e o competente registo da oferta junto da Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários” (cf. fls 985 do processo principal).
4.3. O despacho cujo trânsito se pretende tenha transitado em julgado é objecto
de acusação criminal deduzida contra o seu autor, em processo que se encontra
devidamente identificado nos autos.
4.4. Atento o exposto, a intervenção nos autos, do representante do Ministério
Público junto desse Tribunal, constitui obrigação legal incontornável.
4.5. Por força do disposto nos artigos 69° da ETC, e 3°, n° 3, do CPC, e 20°, n°
4, da CRP, o recorrente tem de ser notificado das posições assumidas pelo dito
representante, antes de proferida decisão sobre os pressupostos legais do
recurso. Verifica-se, porém, que o recorrente não foi notificado do teor de
nenhuma posição desse interveniente obrigatório, assumida nos autos.
Assim, foi cometida a nulidade processual determinante de anulação do despacho
de 5.4.2007, cominada no artigo 201°, n°s 1 e 2, do CPC.
5. O recorrente foi notificado do despacho de 22 de Setembro de 2006, em que se
aceita, implicitamente, que o seu requerimento de interposição do recurso
identifica as “normas impugnadas”, e se determina apenas que o recorrente
identifique as “decisões” em que elas foram aplicadas.
Ao cumprir tal despacho, disse o recorrente:
· Julgando ter bem interpretado o real sentido do despacho de
22.9.2006, e respondido em termos adequados, o recorrente garante, todavia, a
prestação de qualquer outro esclarecimento adicional que venha a ser julgado
conveniente, antes de produzida a respectiva alegação, caso não tenha
percepcionado devidamente o sentido e alcance do dito despacho.
O referido despacho de 22.9.2006, foi cumprido no pressuposto de que o seu
objecto era a “peça processual” no sentido do disposto no artigo 75°-A, n°2, da
ETC, quanto à suscitação da questão da inconstitucionalidade arguida, já que a
lei não obriga à inserção, no requerimento de interposição do recurso, da
especifica indicação da “decisão” em que a norma arguida de
inconstitucionalidade foi aplicada, nem a ela se refere o n°5 do mesmo artigo.
5.1. Do determinado e do cumprido, acima referido, e da observância do princípio
legal da boa fé processual, resultou a convicção do recorrente de que o Exmo
Relator, em 22 de Setembro de 2006, já tinha apreciado e julgado a conformidade
legal do requerimento de interposição do recurso no que concerne à identificação
das “normas impugnadas”.
5.2. Atento o princípio da aquisição processual estruturante da lei adjectiva
subsidiariamente aplicável, afigura-se ao recorrente, que, depois daquela data,
já não é possível “reapreciar” se tal requisito legal se encontra satisfeito.
5.3. Ora, prescrevendo a lei que a prática de um acto que a lei não admita
produz nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na
decisão da causa (cf. artigo 201°, n° 1, do CPC), não é lícito, salvo o devido
respeito, dizer-se, posteriormente, nos autos, que “os enunciados não
representam normas jurídicas”.
Assim, foi a cometida nulidade processual determinante de anulação do despacho
de 5.4.2007, cominada no artigo 201°,n°s 1 e 2,do CPC.
6. Relativamente à identificação da “decisão na qual foi aplicada cada uma das
normas impugnadas” — que o recorrente julgava ter feito no seu
requerimento/resposta de 9.10.2006, em conformidade com o determinado pelo
despacho de 22.9.2006, interpretado no contexto do disposto no art° 75°-A, nºs 2
e 5, da LTC verifica-se, agora, e só agora, que o Exmo Relator considera não ter
sido, aquela resposta, suficientemente explícita e precisa quanto à indicação da
“decisão” em que “cada uma das normas impugnadas” foi aplicada.
6.1. Sendo facilmente verificável que as “normas impugnadas” foram efectivamente
aplicadas nos acórdãos recorridos, em vários momentos da sua fundamentação, e,
consequentemente, na respectiva parte dispositiva final, o recorrente não teria
tido nenhuma dificuldade em os indicar no seu requerimento/resposta de
9.10.2006, se o despacho de 22.9.2006 tivesse sido explícito sobre a natureza da
colaboração solicitada.
Se isso tivesse acontecido, o recorrente teria identificado e transcrito os
textos em que se concretiza o silogismo judicial respectivo, relativamente a
“cada uma das normas impugnadas”.
6.2. Só não o faz desde já, por respeito pela função jurisdicional do Exmo
Relator. Por outro lado, impondo-se o suprimento das nulidades processuais já
arguidas, e o convite ao recorrente para, querendo, se pronunciar sobre ele,
será esse o momento adequado para, de forma materialmente desenvolvida, fazer a
demonstração do momento em que foi feita aplicação de “cada uma das normas
impugnadas”.
7. A presente arguição de nulidade processual consubstancia incidente não
autónomo cuja decisão compete ao Relator nos termos do disposto nos art°s 78°-B,
n° 1, da LTC, e 700°, n° 1, al. f), do CPC.
Ela não consubstancia a reclamação para a conferência prevista no artigo 78°-A,
n° 3, da LTC, nem o seu objecto é o despacho de 5 de Abril de 2007. Este apenas
revelou aquela nulidade.
O que está em causa é o processado que o antecede cuja nulidade tem de ser
suprida com as necessárias consequências em todo o processado subsequente. É
este o objecto do presente requerimento.
Recorda-se, por outro lado, com a devida vénia, que o princípio do dispositivo,
estruturante da lei adjectiva subsidiariamente aplicável, radica no princípio da
autonomia privada que, por sua vez, concretiza a garantia constitucional
fundamental e ontologicamente primeira, do respeito pela dignidade da pessoa
humana em que se baseia a CRP (cf. seu artigo 1°), cujo cumprimento integra o
juramento a que se refere o artigo 20°, n°2, da LTC.
Termos em que, atento o disposto nos preceitos legais e nas normas e princípios
constitucionais acima invocados, a factualidade processual trazida à colação, e
para suprimento da nulidade processual arguida, o recorrente REQUER seja
notificado:
a. Dos Pareceres ou Promoções do representante do Ministério
Público nesse Tribunal, integrados nos autos;
b. Da reiteração do despacho de 22 de Setembro de 2006
relativamente ao reconhecimento de que a identificação de “cada uma das normas
impugnadas”, anteriormente feita, é conforme ao disposto no art° 75°-A, n° 1, da
LTC;
c. De decisão autorizando o recorrente a, adicionalmente ao
esclarecimento prestado por requerimento/resposta de 9 de Outubro de 2006, e em
conformidade com o exposto no seu n° 3, identificar cada uma das decisões
constantes dos acórdãos recorridos, em que foi aplicada “cada uma das normas
impugnadas”.
2. Pede, em suma, o reclamante que se dê por verificada 'a nulidade
processual determinante de anulação do despacho de 5.4.2007, cominada no artigo
201°, n°s 1 e 2, do CPC', em virtude de não ter sido notificada ao recorrente a
junção de qualquer peça processual apresentada pelo Ministério Público antes de
emitido 'o despacho de 5.4.2007'; e também em virtude de o relator ter
apreciado, no referido despacho, a verificação dos requisitos do recurso
interposto.
Esclarece, ainda, que este pedido consubstancia 'incidente não autónomo cuja
decisão compete ao Relator nos termos do disposto nos art°s 78°-B, n° 1, da LTC,
e 700°, n° 1, al. f), do CPC', e que 'não consubstancia a reclamação para a
conferência prevista no artigo 78°-A, n° 3, da LTC, nem o seu objecto é o
despacho de 5 de Abril de 2007'.
E termina pedindo para ser notificado de 'pareceres ou promoções do Ministério
Público'; da 'reiteração' de um despacho; e, até, de uma decisão ainda não
proferida.
Cumpre preliminarmente esclarecer que 'o despacho de 5.4.2007' é a decisão
sumária proferida pelo relator, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º
28/82 de 15 de Novembro, pela qual foi decidido não conhecer do objecto do
recurso interposto pelo recorrente ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º
da dita LTC.
Sendo assim, toda a contestação que o recorrente pretenda dirigir contra tal
'despacho', quer impugnando as razões que fundamentam tal decisão, quer arguindo
nulidades que ele contenha ou absorva, deve fazer-se através do meio
impugnatório especialmente previsto para o efeito, e que é a reclamação
disciplinada no n.º 3 do artigo 78º-A da LTC.
Para além disso, o princípio da preclusão processual impõe que a um direito
processual da parte corresponda a prática de um único acto que o esgota.
Posto isto, há que interpretar o requerimento ora em apreço precisamente como a
reclamação prevista no aludido n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, que, como tal, será
decidida.
Não contesta o reclamante as razões que ditaram a rejeição do seu recurso,
apenas invoca o cometimento de nulidades que invalidariam tal decisão.
Erradamente, contudo.
Na verdade, a circunstância de o reclamante não ter sido notificado da junção de
qualquer peça apresentada pelo Ministério Público só determinaria uma
irregularidade processual se, efectivamente, fosse legalmente obrigatória a
prática da diligência. Ora, o reclamante não substanciou esta arguição; não se
sabe, em suma, qual o acto ou actos que, devendo ter sido notificados, o não
foram. E o certo é que o reclamante não pode tentar transferir para o Tribunal o
ónus de invocação e prova que onera quem se pretende valer dessa arguição.
Não é possível, por isso, dar por verificada qualquer nulidade deste tipo.
Sustenta, depois, que o despacho não poderia conhecer da verificação dos
requisitos do recurso, por tal já haver sido decidido no processo, através do
convite expresso nos termos do artigo 75º-A n.º 5 da LTC.
É patente, no entanto, que não tem razão; o despacho que convida o recorrente a
corrigir o seu requerimento, nos termos do artigo 75º-A n.º 5 da LTC, não faz
caso julgado quanto à verificação dos pressupostos a que deve obedecer o
recurso.
Não se verificam, em consequência, as invocadas nulidades.
Por fim, cumpre dizer que não há qualquer razão para ordenar a repetição da
notificação ao reclamante de despachos já emitidos no processo, sendo
desnecessário esclarecer que quanto aos despachos ainda não proferidos tal
diligência não é, sequer, possível.
3. Em suma, o Tribunal decide indeferir a reclamação, confirmando o
despacho de não conhecimento do recurso interposto.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 29 de Maio de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos