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Processo n.º 874/12
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 57/2013:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pela 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, em 20 de junho de 2012 (fls. 855 a 867), posteriormente confirmado por acórdão, proferido, em conferência, pelo mesmo Tribunal e Secção, em 17 de outubro de 2012 (fls. 891 a 892-verso), que indeferiu arguição de nulidade e pedidos de esclarecimento e reforma, para que seja apreciada:
“I) inconstitucionalidade da interpretação da norma legal em causa [art.210 CP], maxime ao nível da exigência de dar como provado o caráter alheio da coisa;
II) desconformidade à Lei fundamental do ónus sobre o arguido, recluso, no sentido de efetuar prova da propriedade ou limitações físicas a impedir a prática do crime e presunção de culpabilidade;
III) não constitucionalidade da valoração dos reconhecimentos operados em violação do plasmado no art. 147° CPP;
IV) ausência de conformidade constitucional da cindibilidade probatória operada e desconsideração da visão de conjunto sobre toda a factualidade, maxime abonatória da posição do arguido, como sejam as características físicas apontadas (40 anos, nervosismo, agilidade e destreza física, etc.) em manifesta e ostensiva violação derrogatória da presunção de inocência;
V) inconstitucionalidade da dupla valoração do fator agravativo e único foco de violência em sede de dimensão normativo-interpretativa dos arts. 210° n.º 2, por referência à alínea f) do n°. e do art. 204°, ambos CP;
VI) não conformidade constitucional da ausência de uma cláusula de salvaguarda face a eventuais situações não justificativas de condenação agravada;
VII) violação da Lei fundamental ao nível dos princípios da igualdade e proporcionalidade com redução dos dois escalões de qualificação do furto a um único estádio de punibilidade do crime de roubo;
VIII) não conformidade à Constituição da República Portuguesa da interpretação do n°. 2 do art. 210º CP e recorte do tipo legal de crime em causa, maxime pela questão do modus operandi mediante arma sem prova das suas características e natureza verdadeira.” (fls. 903 e 904)
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 28 de novembro de 2012 (cfr. fls. 909), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator constate que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. O modo como o recorrente fixou o objeto do recurso evidencia um notório afastamento dos propósitos que presidem ao mecanismo de fiscalização concreta da constitucionalidade. Com efeito, o Tribunal Constitucional (e os demais tribunais) apenas pode conhecer de questões de inconstitucionalidade de “normas jurídicas” ou das respetivas interpretações normativas delas extraídas (cfr. artigo 277º, n.º 1, da CRP). Sucede, porém, que o recorrente elencou oito distintas questões, sendo que apenas três delas assumem verdadeira dimensão normativa [cfr §§ I), V) e VIII) do requerimento de interposição de recurso, a fls. 904].
Todas as demais questões [cfr. §§ II) a IV), VI) e VII), a fls. ] não assumem qualquer dimensão normativa, antes revelando uma mera discordância do recorrente face ao teor da fundamentação da decisão recorrida. Expressões como “desconformidade à Lei Fundamental do ónus sobre o arguido (…)”, “não constitucionalidade da valoração dos reconhecimentos (…)” ou “violação da Lei Fundamental ao nível dos princípios da igualdade e proporcionalidade” demonstram que o recorrente não logrou estabelecer um nexo de imputação entre uma específica norma jurídica e os comandos normativos resultantes das normas e princípios constitucionais. Pelo contrário, limitou-se, de modo genérico, a apontar a (pretensa) inconstitucionalidade da própria decisão recorrida ou das concretas diligências de produção de prova levadas a cabo.
Em conclusão, não se pode conhecer de nenhuma das questões elencadas nos §§ II) a IV), VI) e VII) [cfr. fls. 904], por não pressuporem uma fiscalização de “normas jurídicas” ou sequer de “interpretações normativas”.
4. Quanto às três únicas questões que revelam uma identificação mínima com o conceito de “questão normativa”, importa começar por aquela que consta do § I e que se resume à interpretação extraída do artigo 210º do Código Penal (CP), segundo a qual se “permita a condenação por roubo, seja ela a título de crime base ou agravado, sem que resulte provada a totalidade da ação aí tipificada e, cumulativamente, o facto de a coisa móvel alvo do crime ser alheia face ao agente, sem (com)provar o caráter alheio da coisa móvel objeto e alvo do crime, não aquilatando da sua propriedade, com necessidade de tal facto constar dos factos provados bem como da douta acusação pública formulada” (fls. 904 e 905).
Ora, é flagrante que a decisão recorrida nunca afirmou que o referido preceito legal pudesse ser interpretado de tal modo que pudesse condenar-se alguém por furto sem prova da natureza alheia do bem roubado. Pelo contrário, a decisão recorrida considerou que a conduta que foi imputada ao arguido – e dada por provada –, demonstrava, de acordo com as regras da experiência e sem qualquer margem para dúvidas, que o dinheiro subtraído não lhe pertencia. Senão, veja-se:
«Então se alguém, munido de uma arma, com o rosto tapado com um capuz, entra numa agência bancária e sob a ameaça de uso da arma, obriga à entrega do dinheiro que ali se encontre, não será normal supor que aquele indivíduo vai ali para se apropriar de dinheiro que lhe não pertence, mas antes pertence à instituição bancária e mediatamente aos clientes de tal instituição?» (fls. 861-verso)
Assim sendo, torna-se evidente que a decisão recorrida nunca aplicou a interpretação cuja inconstitucionalidade se suscita, a qual pressupunha a ausência de prova quanto à natureza alheia do bem subtraído. Como tal, impõe-se a rejeição do conhecimento do objeto do presente recurso, quanto a esta parte.
5. Quanto à questão normativa resultante do § V), considera o recorrente ter sido aplicada interpretação inconstitucional do n.º 2 do artigo 210º, por referência à alínea f) do n.º 2 do artigo 204º, ambos do CP, por (alegadamente) ter sido entendido que “o mesmo e único fator de violência seja igualmente o fator agravador do tipo legal de crime, assim havendo dupla valoração em prejuízo do arguido”, não podendo considerar-se que comete o crime de roubo agravado “o agente cuja ação se reduz ao ato de apontar uma arma e pedir dinheiro sem proferir qualquer ameaça verbal ou de qualquer outra índole” (fls. 906).
Porém, mais uma vez, o objeto do recurso (tal como configurado pelo recorrente) não corresponde, de modo fidedigno, à interpretação normativa efetiva adotada pela decisão recorrida. Bem pelo contrário, a decisão recorrida demonstrou que – no seu entendimento –, a agravação resultante do uso da arma não constitui uma dupla valoração de uma conduta do agente do crime, na medida em que o roubo simples pode ser autonomizado do roubo agravado, com recurso a uma arma, uma vez que este último constitui um fator de acentuação do risco de lesão de bens jurídicos, acrescentando um grau superior de violência sobre as vítimas do crime em causa. A decisão é, aliás, inequívoca:
“Não há dupla valoração porque a arma só qualifica o crime quando é usada, isto é, pelo menos exibida, e esta exibição é que acompanha e reforça a violência já própria ao roubo simples.
(…)
Ora, não é a mesma coisa constranger simplesmente alguém a dar uma coisa, ou usar uma arma para a constranger.” (fls. 865)
Fica assim evidente o desfasamento entre o objeto do presente recurso [cfr. § V) do requerimento de interposição] e a interpretação normativa efetivamente aplicada pela decisão recorrida, o que conduz à negação do conhecimento do seu objeto, quanto a esta parte (artigo 79º-C da LTC).
6. Por fim, quanto à questão normativa identificada no § VIII, pretende-se a apreciação da constitucionalidade de uma (alegada) interpretação normativa extraída do artigo 210º do Código Penal (CP), segundo a qual poderia haver condenação pelo crime de roubo de um “«modus operandi» mediante arma sem prova das suas caraterísticas e natureza verdadeira” (fls. 904). Mais adiante, precisa o recorrente que essa interpretação normativa admitiria a falta de prova da autenticidade da arma empregue, designadamente, por “ausência de prova das exatas características (aptidão e capacidade de provocar danos decorrentes da sua veracidade, sendo inconstitucional a interpretação do art. 210º nº 2 CP no sentido de permitir condenação por roubo agravado unicamente por um dolo de intenção não comprovado em concreto e sem que se mostre o mesmo concretizado em qualquer resultado para o qual a conduta do arguido tenha contribuído decisivamente” (fls. 907).
Sucede, porém, que, uma vez analisada a decisão recorrida, comprova-se que a mesma, ao abordado o problema de uma eventual dupla valoração do emprego de arma, nunca aplicou qualquer interpretação normativa que pressupusesse a possibilidade de condenação de alguém por utilização de uma arma que não tivesse sido objeto de demonstração da sua autenticidade, antes se referindo ao facto de qualquer arma (autêntica ou fictícia) “cria[r] uma sensação de medo em qualquer pessoa (que de outro modo até poderia resistir), potencia[r] perigos que de outro modo poderiam não existir, cria[r] uma confiança maior no agente do crime” (fls. 865). Além disso, a decisão recorrida afirma expressamente, por referência a jurisprudência consolidada, que:
“Não basta para funcionamento da agravante arma uma impressão subjetiva, antes a conceção objetivista postula que tenha sido usado um instrumento de agressão ou tenha virtualidade para o efeito, que se trate de arma verdadeira, com aptidão para ferir ou produzir um resultado letal (…)” (fls. 864-verso).
Daqui se deduz, sem maiores dificuldades, que a decisão recorrida confirmou o juízo do tribunal de primeira instância quanto à autenticidade da arma. Caso contrário, não teria continuado as suas considerações seguintes acerca do acréscimo de risco para a lesão de bens jurídicos resultante do uso de armas de fogo. Tal conduz a uma impossibilidade legal de conhecimento do objeto, também quanto a esta parte, por falta de aplicação efetiva daquela interpretação normativa (artigo 79º-C).
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Notificado da decisão, o recorrente apresentou reclamação, nos termos que ora se resumem:
«Com o devido respeito não se concorda com tal douta decisão, razão pela qual se exerce o direito de reclamação para a conferência.
Cumpre referir que, parece resultar o cometimento de um lapso de centralizar a questão de análise do recurso unicamente pela delimitação levada a cabo pelo recorrente nos pontos I) a VIII) como se nada mais existisse e constituíssem tais questões o cerne único das questões a analisar.
Ora, tal não é correto e afigura-se redutor, uma vez que, como bem decorre de todo o corpo do requerimento de interposição de recurso, globalmente considerado, as concretas questões a decidir em termos de dimensão normativa aparecem de seguida, sendo tal introito unicamente a linha demarcativa em termos de generalização temática.
Acaba a douta decisão sumária por se centrar unicamente nos pontos delimitados pelo recorrente sem valorar depois as explicitações e concretas interpretações que se mostram no requerimento de recurso e que do mesmo fazem parte integrante.
Tal restrição/recorte, além de ilícita/o por ser contra o que ressalta do que se mostra escrito e vertido em tal peça processual, origina ainda que não sejam totalmente apreendidas as dimensões normativas, verdadeiro sangue recursório.
Tem-se por claro e verdadeiro que não poderá o Tribunal operar uma redução ou restrição do requerimento de recurso a ponto de o mesmo se passar a reduzir unicamente aos oito pontos gerais, singelos e sintéticos, olvidando tudo quanto de mais se mostra vertido e, concretamente, constituiu o cerne e sal do recurso!
Segundo se mostra afirmado em tal douta decisão, no tocante às questões suscitadas nas alíneas II) a IV), VI) e VII) do recurso de constitucionalidade, mostrar-se-ia vedada a possibilidade de conhecimento do objeto do recurso em razão de uma alegada ausência de verdadeira dimensão normativa, antes revelando discordância face ao teor da fundamentação da decisão recorrida.
(…)
Da opção pela decisão sumária e (des)proporcionalidade
Primeiramente, e antes de mais, tecer unicamente umas singelas palavras sobre a decisão em sede de decisão sumária, prévia ao oferecimento de alegações.
Em modesto entender do signatário, trata-se de uma restrição desproporcionada dos direitos do recorrente, uma vez que, no presente processo, como é patente, não se mostra qualquer intuito dilatório nem se vislumbra qualquer interesse num retardar do processo.
Basta ver que se mostra o arguido em cumprimento efetivo de pena de prisão (não se trata de prisão preventiva mas sim pena efetiva e cujo final ou liberdade condicional se mostra distante!), à ordem e outro processo, presidindo ao recurso apresentado unicamente o sentimento de injustiça e de disformidade face a um Direito penal justo e processualmente conforme.
Houvesse oportunidade de se ter oferecido alegações, como expressamente se manifestou tal intenção na penúltima página do requerimento de recurso (penúltimo parágrafo de fls. 5), para efeitos de melhor corporalização dos fundamentos e razões inerentes ao mesmo, muito provavelmente teriam sido dissipadas as dúvidas e lapsos sobre as quais navega a douta decisão sumária…
Em alternativa ao uso de tal meio desproporcionado sempre poderia o Tribunal fazer uso da prerrogativa plasmada no nº. 5 do art. 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional por forma a que o recorrente suprisse qualquer eventual lacuna ou aperfeiçoasse o teor do requerimento.
Aquilo que se mostra sem mais vedado seria a proferição de decisão sumária que constitui, in casu, verdadeira bomba atómica…
Em concreto, do mérito recursório
Ponto I)
Seguindo a ordem pela qual foram suscitadas as questões em sede de recurso e pela qual foram analisadas, temos que relativamente à primeira delas refere-se na douta decisão sumária que “é flagrante que a decisão recorrida nunca afirmou que o referido preceito legal pudesse ser interpretado de tal modo que pudesse condenar-se alguém por furto sem prova da natureza alheia do bem roubado”.
Dir-se-ia que isso também seria pedir de mais, pois efetiva e expressamente nunca tal foi afirmado, mas é o que se pode ter por válido e concluir quando a natureza alheia da coisa não é nem levada à formulação da douta acusação pública nem se mostra considerada ao nível da decisão da matéria de facto.
Caso assim não seja, questiona-se: onde ver, nos 29 factos dados por provados, a referência ao caráter alheio da coisa alvo de roubo?!
Sim, para se poder afirmar que nunca tal juízo decisório nunca foi formulado há que identificar ao nível da factualidade dada por provada e alvo da douta acusação pública tal qualidade da coisa, indispensável à tipificação.
Quer o elenco dos factos provados quer ainda a douta acusação pública deduzida são totalmente omissos face à propriedade do dinheiro, sendo certo que, tal como é notório e sobejamente conhecido, nada há de maior dificuldade que o combate ao inexistente.
A douta acusação pública não tece uma palavra ou frase sobre qual seria a propriedade do bem (ou que o mesmo não pertencesse ao arguido!) e não se mostra admissível em Direito penal presunções de propriedade.
O que importa para os presentes efeitos é que ao não se mostrar tal factualidade vertida na douta acusação pública e não tendo havido qualquer alteração substancial ou não substancial dos factos, não pode a final haver condenação com base na prova/alegação de facto que não constava da douta acusação.
(…)
Ponto II)
No tocante a tal ponto refere-se na douta decisão sumária que o mesmo não assume qualquer dimensão normativa, antes revelando uma mera discordância do recorrente face ao teor da fundamentação da decisão recorrida”.
Ora, tal apenas e unicamente será verdade se for analisado de forma isolada, sem procurar a referência correspondente no que se mostra vertido de seguida a tais pontos, onde se procurou concretizar tal exigência.
De facto, sem qualquer dificuldade, mostra-se a dimensão normativa vertida expressamente a fls. 3, segundo parágrafo, a saber, expressis verbis:
“A interpretação segundo a qual compete ao arguido/recluso efetuar a prova de propriedade da coisa móvel ou limitações físicas a impedir a prática do crime, é ilícita e inconstitucional, por violação do princípio in dubio pro reo, presunção da inocência e inversão da prova, traduzindo um ónus acrescido e irreal para a defesa pois bem sabe o Tribunal que pelo estatuto coativo não poderia submeter-se livre e voluntariamente a tais exames, levando o Ministério Público a denegar a prova integral dos elementos do tipo de ilícito objetivo, redundando em nulidade do douto acórdão por ausência de conhecimento e negação do pedido de realização de exame médico, dada a, além de denegação de investigação, desconsideração e cindibilidade da prova, entorse aos princípios garantísticos, radicados nas ideias de fair trial e audiatur et altera pars, nemo potest inauditu damnari;”
Concordar-se-á que não sendo um primor jurídico, a ideia e disformidade constitucional se mostra devidamente vertida, sendo percetível, até por todo o enquadramento que, em causa está o alegado na conclusão E do recurso interposto da decisão de primeira instância bem como a interpretação da norma penal em causa (art. 210º CP) e cumprimento do dever de investigação que recai sobre o Tribunal, nos termos do art. 340º CPP.
Todavia, estar-se-ia disponível para qualquer aperfeiçoamento caso o Tribunal Constitucional o tivesse por necessário e não partisse de imediato para a preclusão do direito do arguido…
(…)
Ponto III)
No tocante a tal ponto refere-se na douta decisão sumária que o mesmo não assume qualquer dimensão normativa, antes revelando uma mera discordância do recorrente face ao teor da fundamentação da decisão recorrida”.
Ora, tal apenas e unicamente será verdade se for analisado de forma isolada, sem procurar a referência correspondente no que se mostra vertido de seguida a tais pontos, onde se procurou concretizar tal exigência.
De facto, sem qualquer dificuldade, mostra-se a dimensão normativa vertida expressamente a fls. 3, quarto parágrafo, a saber, expressis verbis: (correspondente à conclusão F)
“Os reconhecimentos efetuados nos autos, para além de igualmente os ter havido com resultado negativo e mesmo com dúvidas e igualmente convocados pelo Tribunal a quo para fundamentar a condenação, em violação clara do princípio in dubio pro reo, não poderão valer como meio de prova atenta a sua não conformidade com o legalmente plasmado, tendo-se por inconstitucional a validação como meio de prova de reconhecimentos de pessoas sempre e quando não possa o preenchimento dos requisitos vertidos no art. 147º CPP ser aquilatado a posteriori pelo Tribunal de 1ª instância ou de recurso, maxime pela não junção das fotos das demais pessoas utilizadas, nada permitindo, in casu, a presunção de que na Diretoria do Centro da PJ haja funcionários com o máximo de semelhança;”
A questão que se coloca é unicamente a conformidade e legalidade dos reconhecimentos levados a cabo em sede de inquérito sempre e quando não possam ser confrontados a posterior pelo Tribunal, órgão de valoração da prova, decorrendo expressamente tal alegação de fls. 3 do recurso de constitucionalidade apresentado…
Ou seja, se em sede de inquérito, fora de qualquer controlo judicial, são efetuadas diligências de reconhecimento e expressamente se refere que se não juntam as fotos dos envolvidos, como pode o Tribunal aquilatar a posteriori se as demais pessoas intervenientes tinham com o arguido as maiores semelhanças possíveis, como exigido pelo nº. 2 do art. 147º CPP?!
E discorda-se que tal questão não constitua fiscalização de normas jurídicas ou sequer interpretações normativas, quando consta expressamente a norma legal em causa, o entendimento e intenção subjacentes (não validade como meio de prova!) pelo que, removido tal obstáculo, se entende dever tal questão ser doutamente apreciada.
De facto, refere-se expressamente, não é a expressão usada no ponto concreto que constitui a dimensão normativa, mas sim a sua corporalização em sede subsequente, o que foi totalmente ignorado pelo Tribunal Constitucional em sede de decisão sumária, como ressalta do ponto 3, a fls. 3.
Ponto IV)
No tocante a tal ponto refere-se na douta decisão sumária que o mesmo não assume qualquer dimensão normativa, antes revelando uma mera discordância do recorrente face ao teor da fundamentação da decisão recorrida”.
Ora, tal apenas e unicamente será verdade se for analisado de forma isolada, sem procurar a referência correspondente no que se mostra vertido de seguida a tais pontos, onde se procurou concretizar tal exigência.
De facto, sem qualquer dificuldade, mostra-se a dimensão normativa vertida expressamente a fls. 3 in fine e 4 supra, a saber, expressis verbis: (correspondente à conclusão G)
“Mostra-se a douta decisão, no que ao roubo diz respeito, unicamente no sentido da culpabilidade, com uma cindibilidade probatória que se tem por ilícita, não fazendo sequer qualquer alusão (ou quando o faz mostra-se unicamente en passant!) a qualquer facto, prova ou circunstância que abone a posição do arguido, tendo-se por inconstitucional, por violação do art. 32º nº.1 CRP, a separação injustificadamente operada, traduzindo-se numa inequívoca violação dos direitos do arguido e valor de tais meios de prova, em termos de conteúdo dos reconhecimentos, uma vez que a valerem terão de valer na sua globalidade, sejam eles de reconhecimento positivo ou negativo;”
Todavia, no presente caso concede-se que assiste razão ao decidido e que se não mostra a questão devidamente formulada e em termos aptos a constituir suscitação válida de inconstitucionalidade.
Ponto V)
No que concerne a tal questão refere-se na douta decisão sumária que se torna “evidente o desfasamento entre o objeto do presente recurso… e a interpretação normativa efetivamente aplicada pela decisão recorrida, o que conduz à negação do conhecimento do seu objeto”.
Além do teor de tal ponto, que nos termos já supra expostos não poderá ser analisado de forma isolada, mostra-se a dimensão normativa vertida expressamente a fls. 4, terceiro e último parágrafos, fls. 5 supra e segundo parágrafos a saber, expressis verbis: (correspondente à conclusão O)
“Não se tem por lícito que o mesmo e único fator de violência seja igualmente o fator agravador do tipo legal de crime, assim havendo dupla valoração em prejuízo do arguido, tendo-se a dimensão normativa de tal interpretação por inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, legalidade, tipicidade, dupla valoração, proporcionalidade e adequação, colocando em causa a segurança jurídica, a justiça material e os direitos de defesa do arguido, o entendimento segundo o qual comete o crime de roubo agravado, nos termos conjugados do nº.2 do art. 210º, por referência à alínea f) do nº. 2 do art. 204º, ambos CP, o agente cuja ação se reduz ao ato de apontar uma arma e pedir dinheiro sem proferir qualquer ameaça verbal ou de qualquer outra índole, por se mostrar proibida a analogia em desfavor do arguido;
É inconstitucional a dimensão normativa de tal interpretação, por violação dos princípios da igualdade, legalidade, tipicidade, dupla valoração, proporcionalidade e adequação, colocando em causa a segurança jurídica, a justiça material e os direitos de defesa do arguido, segundo a qual comete o crime de roubo agravado, nos termos conjugados do nº.2 do art. 210º, por referência à alínea f) do nº. 2 do art. 204º, ambos CP, o agente cuja ação se reduz ao ato de apontar arma sem proferir qualquer ameaça verbal ou de qualquer outra índole, tendo a função de garantia do princípio da legalidade sempre de exigir qualidade da lei, previsibilidade e acessibilidade por parte do cidadão comum, a possibilitar que toda e qualquer pessoa possa não só perceber quais os atos típicos como ainda as consequências sancionatórias de uma ação ou omissão;
A mera utilização de armas não é, só por si, suficiente a presidir a uma majoração agravante da condenação pelo crime de roubo, por não traduzir qualquer plus de censurabilidade, a justificar acréscimo penal, que não esteja já consumida pela condenação a título de roubo simples (a própria moldura penal já é ela própria coincidente com o mais qualificado dos furtos ao nível do limite máximo), pelo que a haver condenação, a mesma apenas poderá ter lugar a título de roubo na sua forma simples, nunca se podendo ter a arma por real na ausência de prova das exatas características (aptidão e capacidade de provocar danos decorrente da sua veracidade), sendo inconstitucional a interpretação do art. 210º nº.2 CP no sentido de permitir condenação por roubo agravado unicamente por um dolo de intenção não comprovado em concreto e sem que se mostre o mesmo concretizado em qualquer resultado para o qual a conduta do arguido tenha contribuído decisivamente;”
Se é certo que corresponde à verdade aquilo que se mostra transcrito na douta decisão sumária proferida, não deixa de o ser menos que, in casu, inexistiu qualquer outro fator de constrangimento, ameaça ou violência.
Ou seja, a utilização da arma foi o único fator de ameaça ou violência, pois, sem arma, não haveria crime, pois inexistiria constrangimento em razão de nenhuma ameaça ou outra forma de violência, tudo se reduzindo à utilização de arma.
Temos assim que a única condição que permite a subsunção jurídica de tal factualidade no crime de roubo é igualmente fator de agravação, em violação dos princípios da igualdade, culpa e dupla valoração.
Apenas se poderá aceitar tal argumentação do Tribunal Constitucional quando o mesmo, expressamente afirmar, de forma clara e percetível, qual o crime cometido pelo arguido no caso de não ter utilizado a arma!
Não se poderá nunca mostrar concebível num estado de Direito que possa haver um crime de roubo agravado que não seja redutível e consubstancie em si mesmo, um crime de roubo simples com um plus de censurabilidade/ilicitude, pois tal seria violador da própria dignidade da pessoa humana que cometa tais atos pois seria duplamente penalizada pelo mesmo facto!
(…)
Ponto VI)
No tocante a tal ponto refere-se na douta decisão sumária que o mesmo não assume qualquer dimensão normativa, antes revelando uma mera discordância do recorrente face ao teor da fundamentação da decisão recorrida”.
Ora, tal apenas e unicamente será verdade se for analisado de forma isolada, sem procurar a referência correspondente no que se mostra vertido de seguida a tais pontos, onde se procurou concretizar tal exigência.
De facto, sem qualquer dificuldade, mostra-se a dimensão normativa vertida expressamente a fls. 4, terceiro parágrafo, a saber, expressis verbis: (correspondente à conclusão P)
“Dada a ausência de qualquer cláusula geral de salvaguarda face a eventuais situações não justificativas de tal condenação agravada, tem-se o art. 210º nº.2 CP por inconstitucional por violação dos arts. 13º, 18º nos. 2 e 3, 30º nº. 4, 32º n.os 1 e 5 e 202º nº. 2, 204º e 205º CRP, bem como, da mesma forma e por identidade de razões, sempre e quando interpretado no sentido de funcionamento automático de tais requisitos e desnecessidade de se ter de avaliar e ponderar em conjunto todo o circunstancialismo de prática dos factos e personalidade do agente, trabalho a cargo do Tribunal no âmbito do princípio do inquisitório e poderes que lhe assistem, podendo ser coadjuvado por outras entidades, nos termos do nº.3 do art. 202º CRP, para efeito de avaliação de especial censurabilidade e plus de danosidade que justifique tal punição a título de crime agravado;”
A questão que se coloca é unicamente a conformidade constitucional de condenação em tais termos, pelo crime agravado, sem que a norma penal contenha qualquer cláusula geral de salvaguarda, que permita aquilatar da majoração da censurabilidade ou perversidade, sem funcionamento automático dos fatores majorantes, decorrendo expressamente tal alegação de fls. 4 do recurso de constitucionalidade apresentado…
E discorda-se que tal questão não constitua fiscalização de normas jurídicas ou sequer interpretações normativas, uma vez que está identificada a norma legal bem como a omissão legislativa, removido tal obstáculo, se entende dever tal questão ser doutamente apreciada.
De facto, refere-se expressamente, não é a expressão usada no ponto concreto que constitui a dimensão normativa, mas sim a sua corporalização em sede subsequente, o que foi totalmente ignorado pelo Tribunal Constitucional em sede de decisão sumária, como ressalta do ponto 3, a fls. 3.
Ponto VII)
No tocante a tal ponto refere-se na douta decisão sumária que o mesmo não assume qualquer dimensão normativa, antes revelando uma mera discordância do recorrente face ao teor da fundamentação da decisão recorrida”.
Ora, tal apenas e unicamente será verdade se for analisado de forma isolada, sem procurar a referência correspondente no que se mostra vertido de seguida a tais pontos, onde se procurou concretizar tal exigência.
De facto, sem qualquer dificuldade, mostra-se a dimensão normativa vertida expressamente a fls. 4, quarto parágrafo, a saber, expressis verbis: (correspondente à conclusão Q)
“Nada justifica que o legislador para efeitos do crime de furto crie dois escalões de qualificação, com penas distintas, e que depois para efeitos do crime de roubo junte tudo, tratando tudo de forma igual, no caldeirão resultante do nº.2 do art. 210º CP, razão pela qual se tem por inconstitucional tal norma legal por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade ao conferir tratamento igual a situações já anteriormente catalogadas e tratadas por desiguais;”
A questão que se coloca é unicamente a conformidade constitucional de tal poder legislativo, em violação do princípio da igualdade, decorrendo expressamente tal alegação de fls. 4 do recurso de constitucionalidade apresentado…
Em causa está a ocorrência de tratamento similar a situações matérias disformes e tratadas de forma desigual no âmbito da norma aplicada por remissão, ocorrendo assim que “a bota não bate com a perdigota” nem “a pena com a escrita”.
O próprio roubo já será um furto qualificado, havendo assim, ainda que não em termos assumidos e expressos, pelo menos seis níveis de punição do furto: simples, qualificado I, qualificado II, roubo simples, roubo agravado I e roubo agravado II (art. 210º nº. 3 CP).
Como compreender que, em obediência ao princípio da culpa e integração sistemática de todo o Direito penal, estando em causa um singelo facto qualificativo do furto, seja ele plasmado no nº.1 do art. 204º CP seja no nº. 2 do mesmo artigo legal, com densidades inequívoca e cristalinamente diversas, a justificar aí punições distintas, para efeitos de incriminação do crime de roubo a moldura penal seja a mesma?!
Discorda-se assim que tal questão não constitua fiscalização de normas jurídicas ou sequer interpretações normativas quando consta expressamente a norma em causa (art. 210º nº. 2 CP que remete para os n.os 1 e 2 do art. 204º, ambos CP) pelo que, removido tal obstáculo, se entende dever tal questão ser doutamente apreciada.
De facto, refere-se expressamente, não é a expressão usada no ponto concreto que constitui a dimensão normativa, mas sim a sua corporalização em sede subsequente, o que foi totalmente ignorado pelo Tribunal Constitucional em sede de decisão sumária, como ressalta do ponto 3, a fls. 3.
Ponto VIII)
No que concerne a tal questão refere-se na douta decisão sumária que analisada a douta decisão recorrida “a mesma nunca aplicou qualquer interpretação normativa que pressupusesse a possibilidade de condenação de alguém por utilização de uma arma que não tivesse sido objeto de demonstração da sua autenticidade”, o que conduz a uma impossibilidade de conhecimento do recurso por falta de aplicação efetiva daquela interpretação normativa.
Admite-se que no tocante a tal ponto, uma vez que a questão primacial se mostra igualmente com recorte de contiguidade no ponto V) e atenta a veracidade do afirmado face à confirmação do juízo decisório da matéria de facto pelo Venerando Tribunal da Relação (ainda que discordando nos termos do recurso então interposto!) a questão perderá centralidade e razão de ser.
De facto, a questão mostrar-se-ia da máxima importância relativa à matéria de facto e sua prova, o que se mostra fora do âmbito do presente recurso.
Em conclusão
Desde logo uma primeira palavra para se afirmar que subjacente à presente opção processual está uma firme consciência de que a razão estará do lado do recorrente que verdadeiramente nenhum motivo tem para andar a arrastar um processo em que se mostra a cumprir pena efetiva de prisão cujo final ou liberdade condicional ainda se mostram distantes…
Tais questões afiguram-se, não só relevantes como de uma essencialidade a todos os títulos manifesta para a boa decisão da causa principal, uma vez que em causa estão direitos, liberdades e garantias do recorrente, constitucionalmente tutelados, e sempre, a não ser decorrente a absolvição, a medida da pena será necessariamente mais baixa.
Na verdade, em causa estão direitos, liberdades e garantias do arguido a que urge dar cumprimento sob pena de o mesmo se mostrar juridicamente desprotegido e coagido a aceitar de forma inexorável uma decisão que tem por materialmente injusta e processualmente disforme…
Razões pelas quais se entende que deverá o objeto do recurso ser conhecido sob pena de preclusão injustificada dos mais elementares direitos e garantias de defesa constitucionalmente tutelados bem como plasmadas nos mais diversos textos, diplomas e tratados de Direito europeu e mesmo internacional.
Sendo certo que, tal como expressamente plasmado na penúltima folha do requerimento de recurso, “em sede de alegações se corporizará os fundamentos” por forma a permitir a V/ Exas. uma maior amplitude de análise e cabal perceção das questões em jogo, sem fulminarem de morte o direito ao recurso.
Todavia, estar-se-á disponível para qualquer aperfeiçoamento caso o Tribunal Constitucional o tivesse por necessário e não partisse de imediato para a preclusão do direito do arguido…
Destarte,
requer-se, mui humilde e respeitosamente a V/ Exas., a procedência da presente reclamação e o consequente conhecimento do objeto do recurso interposto [com exceção dos pontos IV) e VIII) onde efetiva e expressamente assiste razão à Ex.ma Juíz Conselheira Relatora!], assim se revogando parcialmente a douta decisão sumária proferida, sendo a mesma substituída pelo convite a apresentar alegações uma vez que nada impõe (nem permite formular juízo pré-decisório!) que se não possa conhecer do objeto do recurso.»
3. Devidamente notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou a seguinte resposta à reclamação:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 57/2013, não se tomou conhecimento das oito questões de constitucionalidade que vinham referidas no requerimento de interposição do recurso.
2º
Quanto às questões identificadas em “II a IV, VI e VII” parece-nos evidente que as mesmas não têm natureza normativa, não sendo idóneas para constituir objeto de um recurso de constitucionalidade.
3º
O afirmado pelo recorrente na reclamação, não abala minimamente a conclusão a que se chega na douta Decisão Sumária.
4º
Aliás, se analisarmos as questões no conjunto do requerimento de interposição do recurso – como o recorrente sugere -, a desenvolvida fundamentação que ali consta, apenas reforça o entendimento de natureza não normativa das questões.
5.º
Quanto à questão identificada em “I”, parece-nos evidente que na decisão recorrida que, recorde-se, é o Acórdão da Relação, não se faz a “interpretação” do artigo 210.º do Código Penal questionada pelo recorrente.
6.º
Quanto ao não se ter provado o “caráter alheio de coisa móvel, objeto e alvo do crime”, a Relação, após análise da prova produzida conclui exatamente o contrário, ou seja, que “in casu o caracter alheio da propriedade do dinheiro é manifesto e por isso estão preenchidos os elementos constitutivos do crime de roubo”.
7.º
Quanto à questão “V” sobre a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação dos artigos 210.º, n.º 2, por referência à alínea f) do n.º 2 do artigo 204.º, ambos do Código Penal, como se demonstra na Decisão Sumária, transcrevendo-se excertos da parte pertinente do acórdão recorrido, diferentemente do que afirma o recorrente, não houve dupla valoração, quanto à utilização da arma de fogo.
8.º
Quanto à questão VIII, na matéria dada como provada - que não cabe nas competências do Tribunal Constitucional sindicar – consta que a arma utilizada no crime era autêntica.
9.º
Assim, tal como se entendeu na douta Decisão Sumária, a dimensão normativa que o recorrente pretende ver apreciada, não tem correspondência ao que sobre este ponto se disse e decidiu no acórdão recorrido.
10.º
Sobre esta questão, o recorrente, na reclamação, afirma que ela se mostra importante relativamente à matéria de facto e sua prova “o que se mostra fora do âmbito do presente recurso”, ou seja, não impugna os fundamentos da decisão reclamada.
11.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Tudo visto, importa apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Ao contrário do que o reclamante aparenta sugerir, não lhe cabe a si – nem a nenhum outro recorrente – um qualquer direito subjetivo à exposição de alegações escritas perante este Tribunal. Pelo contrário, em escrupuloso respeito pelo “direito fundamental de acesso à Justiça Constitucional” – de que gozam todos os outros potenciais interessados em recorrer ao Tribunal Constitucional – e do“princípio da celeridade processual” – que poderia ficar comprometido, caso todos os recursos interpostos perante ele viessem a dar lugar à apreciação de alegações escritas –, o legislador determinou, na lei processual que rege a tramitação dos recursos de constitucionalidade, a possibilidade de prolação de decisões sumárias, quando haja preterição de requisitos legalmente fixados ou quando a questão a decidir se revista de simplicidade (cfr. artigo 78º-A da LTC).
Ora, a jurisprudência consolidada neste Tribunal já teve oportunidade se apreciar e decidir acerca da alegada inconstitucionalidade de tal mecanismo processual, designadamente por alegada violação do “princípio da proporcionalidade” (cfr. Acórdãos n.º 80/99, n.º 550/99, n.º 223/2001, n.º 456/2002, n.º 402/2005, n.º 283/2006 e n.º 530/2007, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), tendo sempre concluído em sentido negativo, na medida em que não só se acautela outros bens jurídicos constitucionalmente protegidos, como tais decisões sumárias são passíveis de reclamação para a conferência, como, aliás, sucede precisamente nos presentes autos.
5. Passemos, então, às razões de fundo da reclamação deduzida.
Quanto à questão normativa elencada no § I) do requerimento de interposição do recurso, o próprio reclamante admite que a mesma não foi efetivamente aplicada pela decisão recorrida: “Dir-se-ia que isso também seria pedir de mais, pois efetiva e expressamente nunca tal foi afirmado, mas é o que se pode ter por válido e concluir quando a natureza alheia da coisa não é nem levada à formulação da douta acusação pública nem se mostra considerada ao nível da decisão da matéria de facto”. Ou seja, o modo como foi configurado o recurso, quanto àquela parte, traduziu apenas uma conclusão subjetiva que o ora reclamante pretendeu extrair da decisão recorrida, mas não corresponde, de modo fiel, ao sentido interpretativo objetivamente extraído da decisão recorrida.
Na medida em que o Tribunal Constitucional só pode conhecer da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas efetivamente aplicadas pelos tribunais recorridos (artigo 79º-C, da LTC), mais não resta do que confirmar a decisão reclamada, quanto a esta parte.
Além disso, conforme já bem demonstrado pela decisão reclamada, não é verdade que a decisão recorrida não tenha dado por provado o caráter alheio da coisa roubada, conforme se comprova pelo excerto (já anteriormente transcrito) da mesma:
«Então se alguém, munido de uma arma, com o rosto tapado com um capuz, entra numa agência bancária e sob a ameaça de uso da arma, obriga à entrega do dinheiro que ali se encontre, não será normal supor que aquele indivíduo vai ali para se apropriar de dinheiro que lhe não pertence, mas antes pertence à instituição bancária e mediatamente aos clientes de tal instituição?» (fls. 861-verso)
Estando estes factos dados por provados, a decisão recorrida concluiu, de acordo com as regras da experiência, que o dinheiro subtraído daquela agência bancária não pertencia ao ora reclamante. Não procede, portanto, de modo algum, esta insistência do reclamante.
Quantos aos §§ II), III), IV), VI) e VI) do objeto do recurso, tal como fixado pelo requerimento de interposição de recurso, reitera-se a conclusão de que nenhum deles assume verdadeira natureza normativa.
Referindo-se ao § II), o reclamante vem afirmar que a verdadeira dimensão normativa corresponderia àquela que constava, mais adiante, do seu requerimento de interposição de recurso:
“A interpretação segundo a qual compete ao arguido/recluso efetuar a prova de propriedade da coisa móvel ou limitações físicas a impedir a prática do crime, é ilícita e inconstitucional, por violação do princípio in dubio pro reo, presunção da inocência e inversão da prova, traduzindo um ónus acrescido e irreal para a defesa pois bem sabe o Tribunal que pelo estatuto coativo não poderia submeter-se livre e voluntariamente a tais exames, levando o Ministério Público a denegar a prova integral dos elementos do tipo de ilícito objetivo, redundando em nulidade do douto acórdão por ausência de conhecimento e negação do pedido de realização de exame médico, dada a, além de denegação de investigação, desconsideração e cindibilidade da prova, entorse aos princípios garantísticos, radicados nas ideias de fair trial e audiatur et altera pars, nemo potest inauditu damnari;”
Ora, como é evidente, pela sua leitura atenta, este trecho não identifica um concreto preceito legal do qual se possa extrair qualquer interpretação normativa, nem muito menos se liberta das concretas circunstâncias e particularidades do caso concreto. Pelo contrário, o recorrente pretenderia que este Tribunal se debruçasse sobre a concreta prática (ou omissão) de diligências probatórias. Fica, portanto, bem patente a sua ausência de dimensão normativa.
O mesmo se diga quanto ao § III). Desta feita, o reclamante socorre-se do seguinte excerto:
“Os reconhecimentos efetuados nos autos, para além de igualmente os ter havido com resultado negativo e mesmo com dúvidas e igualmente convocados pelo Tribunal a quo para fundamentar a condenação, em violação clara do princípio in dubio pro reo, não poderão valer como meio de prova atenta a sua não conformidade com o legalmente plasmado, tendo-se por inconstitucional a validação como meio de prova de reconhecimentos de pessoas sempre e quando não possa o preenchimento dos requisitos vertidos no art. 147º CPP ser aquilatado a posteriori pelo Tribunal de 1ª instância ou de recurso, maxime pela não junção das fotos das demais pessoas utilizadas, nada permitindo, in casu, a presunção de que na Diretoria do Centro da PJ haja funcionários com o máximo de semelhança;”
Mais uma vez, o reclamante sustenta-se numa passagem do requerimento de interposição de recurso em que, no fundo, se limita a discordar de concretas decisões tomadas pelos tribunais recorridos quanto a diligência de prova realizadas no âmbito dos autos recorridos. Significa isto que o reclamante não impugnou a constitucionalidade de uma específica norma jurídica, mas antes a própria valoração que os tribunais recorridos fizeram de um elemento de prova – os “reconhecimentos”. Por outro lado, o reclamante apenas afirmou que teria ocorrido uma violação do artigo 147º do CPP, de onde não pode senão concluir-se que o mesmo considera que aquele preceito legal é conforme à Constituição, sendo apenas desconforme a concreta avaliação que o tribunal recorrido fez do reconhecimento feito nos autos.
Quanto ao § IV), a posição do reclamante afigura-se contraditória, na medida em que tanto afirma que teria configurado uma verdadeira questão normativa:
“Mostra-se a douta decisão, no que ao roubo diz respeito, unicamente no sentido da culpabilidade, com uma cindibilidade probatória que se tem por ilícita, não fazendo sequer qualquer alusão (ou quando o faz mostra-se unicamente en passant!) a qualquer facto, prova ou circunstância que abone a posição do arguido, tendo-se por inconstitucional, por violação do art. 32º nº.1 CRP, a separação injustificadamente operada, traduzindo-se numa inequívoca violação dos direitos do arguido e valor de tais meios de prova, em termos de conteúdo dos reconhecimentos, uma vez que a valerem terão de valer na sua globalidade, sejam eles de reconhecimento positivo ou negativo;”
Como, logo de seguida, confessa que:
“Todavia, no presente caso concede-se que assiste razão ao decidido e que se não mostra a questão devidamente formulada e em termos aptos a constituir suscitação válida de inconstitucionalidade.”
Perante esta última afirmação, considera-se, pois, que a reclamação deduzida não abrange o § IV) do objeto fixado no requerimento de interposição de recurso, que, aliás, não se apresenta com uma efetiva dimensão normativa.
Já quanto ao § V), conforme já demonstrou – de modo claro e inequívoco – a decisão sumária, o tribunal recorrido nunca considerou admissível uma interpretação que permitisse uma dupla valoração do uso de arma pelo reclamante, antes tendo entendido ser possível a autonomização do roubo simples do roubo qualificado. Isso fica bem patente no seguinte trecho da decisão recorrida:
“Não há dupla valoração porque a arma só qualifica o crime quando é usada, isto é, pelo menos exibida, e esta exibição é que acompanha e reforça a violência já própria ao roubo simples.
(…)
Ora, não é a mesma coisa constranger simplesmente alguém a dar uma coisa, ou usar uma arma para a constranger.” (fls. 865)
Assim sendo, confirma-se integralmente o sentido e fundamentação da decisão ora reclamada.
Quanto ao § VI), afirma o reclamante ter delineado o objeto do presente recurso em torno de uma questão normativa que corresponderia à seguinte:
“Dada a ausência de qualquer cláusula geral de salvaguarda face a eventuais situações não justificativas de tal condenação agravada, tem-se o art. 210º nº.2 CP por inconstitucional por violação dos arts. 13º, 18º nos. 2 e 3, 30º nº. 4, 32º n.os 1 e 5 e 202º nº. 2, 204º e 205º CRP, bem como, da mesma forma e por identidade de razões, sempre e quando interpretado no sentido de funcionamento automático de tais requisitos e desnecessidade de se ter de avaliar e ponderar em conjunto todo o circunstancialismo de prática dos factos e personalidade do agente, trabalho a cargo do Tribunal no âmbito do princípio do inquisitório e poderes que lhe assistem, podendo ser coadjuvado por outras entidades, nos termos do nº.3 do art. 202º CRP, para efeito de avaliação de especial censurabilidade e plus de danosidade que justifique tal punição a título de crime agravado;”
Desde logo, o modo como configura o (alegado) objeto do recurso aproxima-o de um pedido de fiscalização da constitucionalidade por omissão – pois pretende que este Tribunal verifique da falta de previsão legislativa daquilo que apelida de “cláusula geral de salvaguarda”. Ora, como é, por demais evidente, por força do artigo 283º da CRP, os particulares não dispõem de legitimidade processual para requerer este tipo de intervenção pelo Tribunal Constitucional. Para além disso, o modo como configura a questão pressupõe uma análise do juízo avaliativo que o tribunal recorrido levou a cabo quanto aos circunstancialismos da prática do crime e a concreta personalidade do agente. O que, por si só, denuncia a ausência de dimensão normativa.
Acresce que, caso assim fosse – o que não se admite, mas por mera exaustão de fundamentação se pondera – sempre se acrescentaria que aquela dimensão normativa não corresponde, de modo algum, àquela que foi aplicada pela decisão recorrida, visto que esta nunca afirmou ser possível preencher os elementos típicos do crime previsto e punido no artigo 210º, n.º 2, do CP, sem “se ter de avaliar e ponderar em conjunto todo o circunstancialismo de prática dos factos e personalidade do agente”.
Por outro lado, vem igualmente afirmar, quanto ao § VII) do requerimento de interposição de recurso, que o mesmo se revestiria de dimensão normativa, em função da seguinte passagem daquela peça processual:
“Nada justifica que o legislador para efeitos do crime de furto crie dois escalões de qualificação, com penas distintas, e que depois para efeitos do crime de roubo junte tudo, tratando tudo de forma igual, no caldeirão resultante do nº.2 do art. 210º CP, razão pela qual se tem por inconstitucional tal norma legal por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade ao conferir tratamento igual a situações já anteriormente catalogadas e tratadas por desiguais;”
Assim concebida, esta questão assume feições similares às já apreciadas a propósito do § V). Ora, conforme já se demonstrou na decisão sumária, não é verdade que o tribunal recorrido tenha adotado tal interpretação normativa. Não se percebe, portanto, nem se acolhe a acusação de que a decisão recorrida teria integrado no mesmo tipo de ilícito condutas idênticas, operando uma dupla valoração de um elemento típico agravante. Fica assim reiterada a ausência de identidade normativa entre a interpretação normativa efetivamente aplicada e aquela que o reclamante apelida de inconstitucional.
Por fim, quanto ao § VIII), o reclamante admite a justeza da decisão da decisão reclamada, pelo que não deduz reclamação quanto a esta específica questão, conformando-se com a mesma. Razão pela qual nada resta por decidir.
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 20 de março de 2013. – Ana Maria Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.