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Processo nº 719/01 Plenário Relator : José de Sousa e Brito
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional :
I
1. J..., mandatário do PSD no Concelho de Cabeceiras de Basto, recorreu da decisão final do juiz do Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto que indeferiu a reclamação do despacho que indeferiu a impugnação pelo agora recorrente da elegibilidade de B..., primeiro candidato da lista do PSD à Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto e o considerou elegível.
2. Com efeito, o juiz do Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto proferiu em 1 de Novembro despacho em que indeferiu a reclamação do ora recorrente, mantendo na integra o seu despacho de 30 de Outubro, em que desatendeu o requerimento de impugnação, pelo mesmo recorrente, nos termos seguintes:
“Por parte do mandatário das listas do PSD, Dr. J... veio requerer que se determine a inelegibilidade do Engº B..., invocando o disposto no artigo 7º, nº
2, alíneas a) e C) da Lei nº 1/2001, de 14 de Agosto. Relativamente à previsão da alínea c) do nº 2 do citado preceito, vai o requerimento indeferido, uma vez que a lei é clara ao referir-se a “sociedades”, sendo que nenhuma das instituições identificadas no requerimento pode considerar-se como tal. Relativamente à previsão da alínea a), vai o requerimento indeferido, uma vez que não foi alegado, nem demonstrado, que seja o candidato em questão o concessionário de qualquer serviço da autarquia, mas sim as instituições das quais é elemento, o que não é a mesma coisa.”
3. O recorrente conclui as suas alegações de recurso dizendo que a candidatura em causa ofende o disposto no artigo 7º, nº 2, alínea a) e c) da LEOAL (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais: Lei Orgânica nº 1/2001 de 14 de Agosto, artigo 1º, nº 1). Aduz, em síntese, os fundamentos seguintes :
A alínea a) do nº 2 do artigo 7º é ofendida porque :
1º- o candidato é presidente da direcção da Associação Mútua de S... – Mútua de... que é a entidade concessionária dos serviços da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto respeitante à organização das actividades “Agro-Basto” e
“Semana da Floresta e do Cabrito”, promovida por aquela autarquia;
2º - o candidato é presidente da Assembleia Geral da R..., CRL, que é a entidade concessionária dos serviços da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto respeitantes à organização da actividade “Festa da Orelheira e do Fumeiro” promovida por aquela autarquia;
3º- o candidato é vice-presidente da direcção do Centro Social e Paroquial de... associação que é entidade de suporte jurídico do Projecto de Desenvolvimento Integrado – PDI –de Cabeceiras de Basto, promovido pela Câmara Municipal e sob a tutela desta.
Alega ainda o recorrente que a execução dos referidos serviços concessionários acarreta para o município a realização de despesas, e simultaneamente a respectiva receita para as entidades concessionadas.
Alega de direito o recorrente que a única interpretação que se lhe afigura legítima é aquela que inclui, também, na previsão da mencionada norma os membros dos corpos sociais das entidades concessionárias ou peticionárias de concessão de serviços da autarquia.
Por conseguinte, enquanto membro dos corpos sociais das instituições supra identificadas, deve o candidato B... ser considerado concessionário e/ou peticionário de concessão de serviços da autarquia, uma vez que esta integra os
órgãos que conferem àquelas capacidade jurídica e vontade própria.
A alínea c) do nº 2 do artigo 7º é ofendida porque:
1º - o candidato é presidente da direcção da Associação Mútua de S... - Mútua de.... Ora esta associação é a entidade concessionária dos serviços da Câmara respeitantes às organizações das actividades “Agro Basto” e “Semana da Floresta e do Cabrito”; a mesma associação é a entidade formadora de uma acção subsidiada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, através do Centro de Emprego de Basto, promovido pela Câmara, iniciada em 27 de Novembro de 2000 e com conclusão prevista para 31 de Janeiro de 2002. A mesma associação é também entidade cooperante noutras realizações, nomeadamente na “Festa do Emigrante”, onde faz publicidade em parceria com a Câmara e a E.... A Câmara celebrou dois contratos com a Mútua de... para aquisição, em ambos os casos de duas viaturas usadas, Renault 4L, sendo feito o seu pagamento através da cedência do equipamento de inseminação artificial, no primeiro contrato, em 26 de Fevereiro de 1996, e da reparação de outras viaturas daquela entidade, nas oficinas municipais, no segundo contrato, em 27 de Janeiro de 1999. O médico Veterinário da Câmara está a acumular funções na Mútua de B..., assim como o chefe da DAF – Divisão Administrativa e Financeira da Câmara Municipal, efectua serviços de assessoria jurídica naquela entidade, o que só pode acontecer com autorização do Presidente da Câmara, no âmbito das suas competências próprias, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 68º da Lei nº 169/99 de 18 de Setembro. A Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto apresentou uma candidatura ao PAMAF – Medida 1 em que a Mútua de... é parceira, segundo a deliberação da Câmara Municipal de 8 de Novembro de 1995. A Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto, a Câmara Municipal de Vieira do Minho e a Delegação Florestal de Entre Douro e Minho elaboraram um projecto para o desenvolvimento socio-económico das populações da Serra da Cabreira, o que foi aprovado na reunião de 27 de Março de 1996. Na reunião da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto de 22 de Maio de 1996, foi submetido à apreciação e votação um protocolo para criar o Centro de Interpretação e Animação da Serra da Cabreira, onde entre outras entidades figura a Associação Mútua de S... – Mútua de... e em que B... assume a representação da Câmara Municipal e da Mútua de .... Na reunião da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto de 22 de Fevereiro de 1995, foi aceita a doação de um terreno, com a área de 15.000 m2, onde mais tarde veio a ser implementada a Zona Industrial de Olela – Basto. Também a Mútua de... recebeu por doação, das mãos dos mesmos doadores que alienaram a favor da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto o terreno com 15.000 m2, uma parcela de terreno onde iniciou a construção do designado “Entreposto Comercial”. Na mesma reunião de 22 de Fevereiro de 1995, a Câmara Municipal deliberou conceder o apoio em materiais e mão-de-obra à Mútua de..., para a construção do referido “Entreposto Comercial”. Entretanto, toda a área doada e ainda outra adquirida pela Câmara Municipal deram origem a dois prédios, um da Câmara Municipal (artº 376 – Basto) e outro da Mútua de... (artº 298 – Basto), ambos englobados no mesmo loteamento industrial de Olela – Basto e da responsabilidade da autarquia, segundo o Regulamento do Plano de Pormenor do Parque Industrial de Basto. A Mútua de... iniciou as obras há já vários anos, não estando ainda concluídas.
2º O candidato é presidente da Assembleia Geral da R..., CRL, que é a entidade concessionária dos serviços da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto respeitantes à organização da actividade “Festa da Orelheira e do Fumeiro”, promovida por aquela autarquia. A R... é concessionária de uma loja no edifício do Mercado Municipal, conforme deliberação da Câmara Municipal na reunião de 12 de Novembro de 1997. Posteriormente, na reunião de 13 de Outubro de 1999, a Câmara Municipal deliberou conceder o apoio que nessa ocasião a R..., CRL lhe peticionou, em mão-de-obra e equipamentos, para instalar o designado
“Empreendimento de Transformação e Comercialização de Produtos Agrícolas e Silvícolas” nos terrenos da Zona Industrial de Olela – Basto, parecendo ser agora a titular do terreno e da construção já existente, mas ainda registado a favor da Mútua de.... A Câmara Municipal deliberou ainda nas suas reuniões de 10 de Janeiro de 2000 e 9 de Julho de 2001, renovar o apoio já anteriormente concedido à Rural Basto.
3º O candidato é vice-presidente da direcção do Centro Social e Paroquial de..., associação que é a entidade de suporte jurídico do Projecto de Desenvolvimento integrado – PDI – de Cabeceiras de Basto, promovido pela Câmara Municipal e sob a tutela desta;
4º O candidato é vice-presidente da mesa da Assembleia Geral da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Cabeceiras de Basto, acontecendo que a Câmara solicita e obtém o apoio financeiro da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Cabeceiras de Basto, como publicidade para as suas realizações, nomeadamente na Agro Basto, Festas de S. Miguel e Festa do Emigrante;
5º O candidato é ainda presidente da direcção da associação Q... que tem como sócios, de entre outros, a Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto e a Mútua de...;
6º O candidato é ainda membro da N... - Associação de Desenvolvimento Económico e Social, que tem como sócios a Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto, o Centro Social e Paroquial de..., a Mútua de... e a Associação Comercial e Industrial de Fafe, Cabeceiras de Basto e Celorico de Basto.
Alega o recorrente que à data de 22 de Outubro de 2001, estão em execução os protocolos existentes com a Mútua de... para a realização da Agro Basto, na sua edição de 2001 e de apoio à rural Basto, na execução das obras no Empreendimento no Parque Industrial de Olela – Basto, e que estão em vigor as relações de co-sociedade e de parceria entre a Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto, a Mútua de..., a R... e o Centro Social e Paroquial de...nas entidades: “N...” e
“Q...”. Alega também que existem transferências de verbas entre a Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto e as associações: Mútuas de..., Rural Basto e Centro Social e Paroquial de..., nomeadamente no que se refere a receitas e a despesas.
Segundo o recorrente, o candidato, que é presidente da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto, assume a incompatibilidade dos cargos, pelo que se ausenta e não participa nos actos de deliberação de apoios referentes às referidas pessoas colectivas, mas participa na deliberação de autorização de pagamentos e procede aos pagamentos.
Alega de direito o recorrente que não se compreende que o legislador, a pretexto de preservar e assegurar certos valores considerados essenciais para a manutenção e a subsistência de um regime livre e democrático, tivesse manifestado o propósito inequívoco de vedar o acesso do acto eleitoral a candidatos que fossem membros dos corpos sociais de sociedades ou proprietários de empresas que tivessem pendentes contratos com a autarquia, ao mesmo que estaria disposto a permitir o acesso de candidatos membros dos corpos sociais de outras pessoas colectivas (tais como associações, fundações ou institutos ) que igualmente tivessem com a autarquia contrato não integralmente cumprido ou de execução continuada.
Ora, a verdade é que hoje as sociedades e as empresas já não detêm o monopólio das relações comerciais e contratuais, sendo certo que outras figuras jurídicas despontaram na sociedade moderna em que vivemos.
É o caso das associações mutualistas, das cooperativas, das fundações e dos institutos e outros entes semelhantes, sob cuja capa se estabelecem relações contratuais de milhares e milhares de contos, as quais se eximem ao controlo das despesas públicas, a coberto do estatuto próprio de que gozam.
Como é público e notório, as relações criadas por tais entidades criam grupos de interesses que não podem, objectivamente, deixar de afectar a dignidade e a isenção dos Presidentes de Câmara, bem como o prestígio do poder autárquico em geral.
Aliás, não terá sido por mero acaso que o legislador estabeleceu a aplicação susbsidiária do Código das Sociedades Comerciais (nomeadamente dos preceitos relativos às sociedades anónimas) na integração das lacunas decorrentes da aplicação do Código Cooperativo, mas sim, certamente, por ter reconhecido existir alguma semelhança na identidade de umas e de outras pessoas colectivas.
Assim, deverá entender-se que os conceitos de “sociedade” e de “empresa” estão empregues em sentido amplo e que a qualificação, como tal, de determinada entidade não deve ser feita exclusivamente com recurso à análise da forma como se constitui enquanto pessoa colectiva, sob um prisma meramente técnico-jurídico, mas também através da análise das actividades desenvolvidas por tal entidade, de modo a apurar se a mesma se encontra ou não organizada de um ponto de vista empresarial, em torno de uma actividade profissional.
A título de exemplo, refere que a “Associação Mútua S... – Mútua de... ” desenvolve uma acção de formação profissional em pé de igualdade com tantas outras empresas do sector da formação profissional, visando a obtenção de lucro e que a mesma “Associação Mútua de S... – Mútua de...” foi, há alguns anos atrás, colocada por uma revista da especialidade do mundo empresarial entre as
1000 maiores empresas do país, o que denota bem o carácter empresarial e comercial que todos atribuem e reconhecem àquela “associação”.
4. G..., mandatário das listas do PS no concelho de Cabeceiras de Basto, veio responder à alegação do recorrente, dizendo, em suma, o seguinte:
- o recorrente não cumpriu o ónus de formular conclusões (artigo 690º, nºs 1 e 4 do CPC);
- quanto à alínea a) do nº 2 do artigo 7º em nenhum dos casos alegados pelo Mandatário das Listas do PSD, para fundamentar o seu recurso, se verifica estarmos perante um caso de concessão de serviço público, confundindo o Recorrente, a concessão de serviço público, quer com a atribuição por parte da Câmara Municipal de apoios a entidades e organismos legalmente existentes, quer com o apoio ou comparticipação no apoio a actividades de interesse municipal, bem como, ainda, com a integração do Município em associações e federações de município, ou a sua associação com outras entidades públicas, privadas ou cooperativas e a criação ou participação por parte deste em empresas de âmbito municipal;
- quanto à alínea c) do nº 2 do artigo 7º, estabelecendo o nº 2, do artigo 4º, da Lei nº 64/93 de 26 de Agosto (Regime das Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos) com a redacção que lhe foi dada pela legislação posterior, designadamente pela Lei nº 12/98, de 24 de Fevereiro, que a titularidade de cargos políticos e altos cargos públicos é incompatível com o exercício de “(...) quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como, com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas colectivas de fins lucrativos,” e excepcionando o artigo 6º, do mesmo diploma, que “os presidentes e vereadores de câmaras municipais mesmo em regime de permanência, a tempo inteiro ou parcial, podem exercer outras actividades
(...)”, não se afigura como razoável que o legislador, através da norma contida na alínea c) do nº 2, do artigo 7º, tivesse querido tornar inelegíveis simples candidatos, permitindo-se-lhes, ao mesmo tempo, que já na situação de eleitos pudessem vir a integrar corpos sociais de pessoas colectivas sem fins lucrativos. Pelo que, e ainda que tal não resultasse de forma clara da norma em apreço, que de forma expressa se refere a membros de corpos sociais, gerentes de sociedades e proprietários de empresas, sempre a interpretação dada na Alegação em apreço ficaria prejudicada pelo acabado de referir nos pontos anteriores.
- Ainda quanto à mesma alínea c) seria necessária a verificação do preenchimento do seguinte requisito cumulativo: “existência de um contrato com a autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada”, o que não acontece no presente caso, sendo notória e deliberada a intenção em se confundir contrato não integralmente cumprido ou de execução continuada com a atribuição, por parte da Câmara Municipal, com a concessão de apoios a entidades e organismos legalmente existentes, com o apoio ou comparticipação no apoio a actividades de interesse municipal, bem como, com a integração do Município em associações e federações de municípios, ou a sua associação com outras entidades públicas, privadas ou cooperativas e a criação ou participação por parte deste em empresas de âmbito municipal.
Cumpre decidir.
II
5. O mandatário das listas do PS invoca a falta de conclusões, entendendo aplicável o nº 4 do artigo 690º do Código de Processo Civil, segundo o qual, quando as conclusões faltam ou sejam deficientes, o relator deve convidar o recorrente a apresentá-las ou a completá-las.
É certo que a conclusão da alegação do recorrente, citada atrás no nº 3, não indica satisfatoriamente os fundamentos por que pede a alteração da decisão. Mas o processo eleitoral é urgente e não prevê nem se compadece com o trâmite previsto no nº 4 do artigo 690º do CPC. Uma vez que a alegação do recorrente permite identificar claramente os elementos de facto e de direito que fundamentam o recurso, como resulta do resumo que dele se fez, há que considerar os fundamentos assim identificados e conhecer do recurso.
6. Quanto á alegada violação alínea a) do nº 2 do artigo 7º da LEOAL há que entender com a decisão recorrida que a referência aos “concessionários ou peticionários da concessão” só abrange os titulares, actuais ou propostos, de concessão e não os sócios ou os titulares dos órgãos sociais das pessoas colectivas titulares da concessão. Quanto aos últimos só serão inelegíveis os que forem abrangidos pela alínea c) do mesmo número.
7. Quanto à alegada violação da alínea c) do nº 2 do artigo 7º da LEOAL, há que partir de que se está perante uma restrição de direito de cidadania a que se aplica a exigência de previsão expressa na Constituição, a que se refere o nº 2 do artigo 18 da Constituição.
Como se disse no Acórdão nº 602/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14,
561, 567) a capacidade eleitoral passiva é apenas um aspecto do direito político fundamental de sufrágio, activo e passivo, que deriva do princípio democrático
(cfr. os artigos 1º, 2º, 3º, 10º, 49 e 50º, nºs 2 e 3 da Constituição). O princípio democrático vale universalmente para todos os cidadãos (artigo 12º), pelo que o direito de sufrágio está histórica e essencialmente ligado ao princípio do sufrágio universal: todos os cidadãos têm, em princípio, igual direito a participar na formação da vontade geral (cfr. o artigo 6º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1791 e o artigo 21º da Declaração Universal dos Direitos do Homem). Dada a homogeneidade tendencial entre o direito de sufrágio activo e passivo, há uma obrigação do Estado de estender o âmbito pessoal do exercício do direito em toda a medida jurídica e realmente possível, com as únicas restrições do nº 3 do artigo 50º: as necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência de exercício dos respectivos cargos. Com efeito, em face do nº 2 do artigo 18º, qualquer restrição a um direito fundamental deverá ser expressamente prevista na Constituição. O direito de sufrágio passivo é verdadeiro direito subjectivo público fundamental: o Estado deverá nomeadamente garantir o direito à candidatura segundo os princípios do sufrágio universal, livre e pessoal e o direito à manutenção e exercício, sem prejuízo pessoal, do mandato.
Não se questiona que a inelegibilidade da alínea c) visa garantir a isenção e independência de exercício dos cargos electivos e nada mais, pelo que cabe inteiramente na restrição da parte final do nº 3 da Constituição. Mas deve notar-se que aqui a Constituição, ao mesmo tempo que impõe a necessidade de restrição, defere ao legislador a determinação especificada das hipóteses em que releva essa necessidade. Ora quer da letra da alínea c), que apenas refere pessoas colectivas com fins lucrativos (sociedades e empresas), quer de semelhante opção em matéria de incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos (nº 2 do artigo 4º do Regime das Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares dos Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos – Lei nº 64/93 de 26 de Agosto, na redacção em vigor), resulta uma opção legislativa no sentido de demarcar a necessidade de restrição ao direito constitucional de acesso aos cargos públicos em função do carácter tipicamente lucrativo ou não das pessoas colectivas em que o candidato a titular do cargo público é membro dos corpos sociais, gerente ou proprietário de pessoa colectiva. Assim se entende a restrição às sociedades e às empresas da alínea c) do nº 2 do artigo 7º.
Ora todas as pessoas colectivas referidas no caso pelo recorrente são associações, excepto as cooperativas R..., CRL e Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Cabeceiras de Basto, que são cooperativas. Quanto às primeiras, não há dúvidas que não são tipicamente sociedades, mesmo quando possam, praticar actividades que são igualmente exercidas, ou até tipicamente exercidas, por sociedades. Quanto às duas cooperativas, poderá perguntar-se se alguma delas pode considerar-se sociedade, e se tem contrato com a autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada.
Dos elementos juntos pelo recorrente não se pode saber se alguma das cooperativas em causa foi criada antes do Código Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 454/80 de 9 de Outubro, quando o Código Comercial considerava as cooperativas de comercialização como sociedades comerciais com fins lucrativos. De qualquer modo, trata-se de cooperativas abrangidas pelo regime do Código Cooperativo, pelo que são pessoas colectivas com fins não lucrativos (artigo 2º, do Código Cooperativo, aprovado pela Lei nº 51/96 de 7 de Setembro, artigo com conteúdo substancialmente idêntico ao artigo 2º do Código de 1980) e não sociedades Haverá que entender que o âmbito das pessoas colectivas abrangidas pelo conceito de “sociedade” do artigo 4º, nº 1, alínea f) da anterior lei eleitoral, o Decreto-Lei nº 701-B/76 de 29 de Setembro, se modificou com a entrada em vigor do Código Cooperativo de 1980 (sem tomar posição sobre a questão de saber se esta solução já era imposta pela Constituição de 1976). Em qualquer caso não é de admitir que a LEOAL de 2001 use o termo “sociedades” na alínea c) do artigo 7º com um sentido divergente do que corresponde ao uso da lei desde 1980.
Mas mesmo para quem entenda que a referida alínea c) quis receber a alínea f) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 701-B/76, com o mesmo âmbito de aplicação que tinha originariamente, sem atender às alterações de natureza jurídica das pessoas colectivas inicialmente abrangidas, a solução a dar à questão de elegibilidade do candidato não pode ser outra, porque, decisivamente, não existem contratos não integralmente cumpridos ou de execução continuada entre a autarquia e a pessoa colectiva de cujos corpos sociais o candidato é membro.
Quanto à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Cabeceiras de Basto, o recorrente apenas alega que a “Câmara solicita e obtém apoio financeiro da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Cabeceiras de Basto, como publicidade, para as suas realizações, nomeadamente na Agro Basto, Festas de S.Miguel e Festa do Emigrante”. Ora subsídios ou contratos de publicidade – o recorrente não especifica se há apenas publicidade do apoio ou patrocínio, ou se há contrato de publicidade a fazer durante a realização do evento – relativos a realizações pontuais em certos dias do ano não são contratos não integralmente cumpridos ou de execução continuada, que estejam actualmente em vigor.
Quanto à R..., CRL o recorrente alega que esta cooperativa é concessionária dos serviços de Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto respeitantes à organização de actividades “Festa da Orelheira e do Fumeiro”, promovida por aquela autarquia. Como prova juntou uma “Proposta de iniciativas socio-culturais, turísticas, pedagógicas e desportivas para o ano 2001” em que a R... e a Câmara aparecem conjuntamente como “promotores” da iniciativa. Trata-se de uma actividade pontual em certo período de determinado ano, de que não se deduz a existência de contrato em curso de execução ou de execução continuada.
É também alegado ou documentado que em 1997, por hasta pública, a Câmara concessionou, no Mercado Municipal, por um período de cinco anos, à R..., uma loja e um talho. Não há uma diferença significativa, do ponto de vista da isenção e independência do exercício do cargo, entre esta hipótese e as de arrendamento, urbano ou rural, versadas nos acórdãos nºs 735/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26, 509, 516) e 677/97 (Acórdãos, 38, 357,360), pelo que também aqui não deve considerar-se existente um contrato fundador de inelegibilidade.
Finalmente, o recorrente remete para uma acta de uma reunião da Câmara de 13 de Outubro de 1999 em que se diz que a R..., “tendo apresentado uma candidatura ao PAMAF – Medida cinco Transformação e Comercialização de Produtos Agrícolas e Silvícolas, Acção cinco ponto dois – Incentivos aos Produtos Tradicionais Regionais e contemplando a sua aprovação apenas sessenta e cinco por cento do valor total do investimento e que não tem esta Cooperativa, por si só, as capacidades para suprir a parte que lhe cabe na execução deste projecto e dado que os trabalhos terão de estar concluídos até ao final do corrente ano, solicita colaboração desta Câmara municipal ao nível do fornecimento de mão-de-obra e equipamentos (viaturas e máquinas) para ajudar na construção deste empreendimento. ... A Câmara deliberou ...autorizar a concessão do apoio solicitado em mão de obra e equipamento (máquinas e viaturas)». Trata-se, nestes termos, de um apoio concedido até ao final de 1999, pelo que, sem curar de outras razões, não se demonstra a existência de contrato não integralmente cumprido ou de execução continuada.
III
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 26 de Novembro de 2001 José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Artur Maurício Paulo Mota Pinto Luís Nunes de Almeida