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Processo n.º 1094/13
3ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Comarca de Ferreira do Zêzere, em que é reclamante A. e reclamado B., o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 12 de julho de 2013 da Mmº Juiz a quo, que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional interposto pela reclamante do despacho de 20 de fevereiro de 2013.
2. Por sentença do Tribunal Judicial de Ferreira do Zêzere, proferida em 12.12.2012, foi a ora reclamante, juntamente com o corréu C., na qualidade de legais representantes de seu filho menor D., condenada a pagar ao autor B. a quantia total de 3.964,72 Euros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal.
Por requerimento apresentado em 07.05.2013, a ora reclamante veio arguir a nulidade de todo o processado posterior à data do Despacho que declarou interrompido o prazo da contestação, por considerar que “«pelo facto de em 17-10-2012 ter sido notificado o patrono da sua nomeação como representante do corréu C., tal notificação não tem nenhum efeito em relação à arguente”. Mais invocou que “a interpretação do artigo 24º nº 5 alínea a) da LAJ feita por este Tribunal no sentido de que basta a notificação da nomeação a um dos progenitores é claramente inconstitucional, por ofensa do disposto nos artigos 13º e 20º nº 1 da Lei Fundamental (princípio da igualdade e princípio do acesso ao direito)”.
3. O Tribunal Judicial de Ferreira do Zêzere negou provimento ao requerido, considerando que o deferimento do apoio judiciário a C. e A., a ambos na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, teve como consequência a nomeação do mesmo patrono a ambos. “Por isso, ultrapassado o prazo para apresentação da contestação, sem que a mesma fosse apresentada por qualquer dos representantes legais do Réu, foi proferida sentença nestes autos, a qual se mantém nos seus integrais termos, sem que haja lugar a anulação do processado e não se justificando minimamente que os autos continuem a aguardar o reinício do prazo da contestação, porque tal já sucedeu”. Mais acrescentou:
“Sublinhe-se, ainda, que com a prolação da sentença, e a notificação da mesma às partes, encontra-se esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa (artigo 666º, nº 1 do Código de Processo Civil), pelo que nada mais temos a determinar nestes autos.”
4. Deste despacho interpôs a ora reclamante recurso de constitucionalidade, ao abrigo da al. b) do nº 1 do Artigo 70º da LTC, em requerimento do seguinte teor:
“A., R. nos presentes autos, tendo sido notificada do douto Despacho refª 525243 de 20-02-2103, que recusou a anulação de todo o processado posterior ao despacho que declarou interrompido o prazo da contestação, com o fundamento essencial de que a nomeação de patrono ao corréu C. tem efeito tanto em relação àquele como em relação à requerente e que por isso com a notificação da nomeação ao patrono de C. cessou a interrupção do prazo da contestação em relação a ambos iniciando-se nova contagem, não se conformando com tal decisão dela pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, nos termos dos artigos 69º e seguintes da Lei nº 28/82 de 15 de novembro e com os fundamento seguintes:
1. A decisão recorrida aplicou a norma do artigo 24º nº 5 alínea a) da Lei do Apoio Judiciário (Lei nº 34/2004) no sentido de que basta a notificação da nomeação de patrono oficioso a um dos progenitores do menor como seus legais representantes para fazer cessar a interrupção do prazo da contestação, não obstante cada um deles ter sido citado autonomamente e também autonomamente solicitado apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, como flui do processo e apesar de reconhecer expressamente que não se procedeu até esta data à nomeação de patrono oficioso à requerente - artigo 70º nº 1 al, b) da Lei nº 28/82;
2. A decisão recorrida não admite recurso ordinário, atento o valor da causa (4.714,72€) – artigo70º nº 2 da Lei nº 28/82;
3. O recurso ora interposto é restrito à questão da inconstitucionalidade da norma referida em 1. no sentido em que foi aplicada na decisão recorrida - artigo 71º nº 1 da Lei nº 28/82;
4. A requerente tem legitimidade para recorrer, por ter ficado vencida na decisão - cf. artigos 680º do CPC e 72º nº 1 - b) da Lei nº 28/82;
5. A requerente suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão - cf. nºs 14, 15 e 16 do requerimento de arguição de nulidade de 2013.02.08; Porém o despacho não atendeu tal invocação, considerando infundadamente que a nomeação de patrono a C. (fls. 42 dos autos) vale para ambos os RR. - artigo 72º nº 2 da Lei nº 28/82;
6. E está em prazo para interpor o recurso - artigo 75º nº 1 da Lei nº 28/82;
Pelo exposto, requer a V. Exa que admita o recurso ora interposto, com subida imediata e nos próprios autos, ordenando consequentemente a remessa do processo para o Tribunal Constitucional a fim de se prosseguirem os demais termos”.
5. O juiz do Tribunal Judicial de Ferreira do Zêzere, proferiu despacho, a 02 de maio de 2013, nos seguintes termos: “notifique os réus para, no prazo de 10 dias, virem aos autos, querendo, dar integral cumprimento aos disposto no n.º2 daquele preceito legal, completando nos termos legalmente exigidos o requerimento de recurso apresentado”.
6. A ora reclamante veio dar cumprimento ao despacho nos seguintes termos:
“1. Alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto: alínea b);
2. Norma ou princípio constitucional que se considera violada: artigos 13º e 20º nº 1 da Constituição da República (princípio da igualdade e princípio do acesso ao direito).
3. Peça processual em que a recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade: requerimento de arguição de nulidade de todo o processado posterior à data do Despacho que declarou interrompido o prazo para a contestação, remetido a 08-02-2013”.
7. Em 12 de julho de 2013, o Tribunal Judicial de Ferreira do Zêzere proferiu novo despacho, não admitindo o recurso para o Tribunal Constitucional, com base, designadamente, na seguinte argumentação:
“O recurso é apresentado com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, sendo que segundo tal dispositivo legal cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Pois bem, a sentença destes autos foi proferida em 12.12.2012.
Com a sentença ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa – Artigo 666º nº 1 do CPC.
Por outro lado, importa ter presente que, conforme a própria recorrente reconhece no seu requerimento de 07.05.2013, a questão de inconstitucionalidade foi suscitada no âmbito destes autos pela recorrente em requerimento feito a este processo em 08.02.2013.
Ou seja, a questão de inconstitucionalidade foi suscitada numa data posterior à data em que a sentença nestes autos havia sido proferida, e numa data em que a mesma havia já transitado em julgado, pelo que estava já há muito esgotado o poder jurisdicional, não sendo nessa fase processual admissível que as partes pudessem suscitar questões jurídicas, nomeadamente invocando aí questões de constitucionalidade.
Por isso, somos levados a concluir que o presente recurso para o Tribunal Constitucional não pode ser admitido com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que desde logo a decisão proferida por este Tribunal não aplicou norma cuja inconstitucionalidade tivesse sido suscitada «durante o processo» (mas apenas, e como vimos, numa data posterior ao trânsito em julgado da sentença proferida).
Na verdade, a parte poderia (e teve oportunidade) de suscitar a questão de inconstitucionalidade em data anterior, mas não o fez, não podendo invocar agora que suscitou tal questão num requerimento feito aos autos após o trânsito em julgado da decisão proferida por este Tribunal.
Com efeito, a suscitação da questão de inconstitucionalidade depois de esgotado o poder jurisdicional do tribunal não preenche os pressupostos do recurso de constitucionalidade, que exige a suscitação daquela questão «durante o processo».
É que tal pressuposto compreende a suscitação da questão de inconstitucionalidade de modo adequado, ou seja, tornando-a percetível, e de modo a que o Tribunal a quo possa dela conhecer, o que manifestamente não sucedeu no caso em apreço, pelo facto de o poder jurisdicional se ter esgotado com a prolação da decisão recorrida.
Face a todo o exposto, por não estar neste caso preenchida a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, e por força do disposto no nº 1 do artigo 76º da mesma Lei, concluímos que o recurso interposto não é legalmente admissível, pelo que se decide indeferir o requerimento de interposição do recurso”.
8. É deste despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade que A. vem reclamar, nos termos do artigo 76º, nº 4, da LTC, nos seguintes termos:
“A.,
Ré nos presentes autos, - com o benefício do apoio judiciário da dispensa total do pagamento de taxa de justiça e de custas que lhe foi concedido –
tendo sido notificada do Despacho de 12-07-2013 que indeferiu o recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional, vem RECLAMAR de tal decisão ao abrigo do disposto no artigo 76º nº 4 da Lei nº 28/82, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.O Mm° Juiz a quo não admitiu o recurso por considerar que a decisão proferida não aplicou norma cuja inconstitucionalidade tivesse sido suscitada durante o processo (como se o recurso tivesse sido interposto da sentença).
2.Porém o recurso não foi interposto da sentença. Foi interposto do Despacho de 20-02-2013, proferido após a sentença, que recusou a anulação de todo o processado posterior ao despacho que declarara interrompido o prazo da contestação e que visava portanto a amulação da própria sentença.
3.De facto a reclamante foi citada para contestar a ação; requereu apoio judiciário que incluía a modalidade de nomeação de patrono e foi notificada do despacho que declarou interrompido o prazo da contestação; depois foi notificada pela Segurança Social de que fora deferido o pedido de apoio judiciário, tendo ficado a aguardar a notificação da nomeação de patrono por parte da Ordem dos Advogados, a qual teria que ser feita quer ao patrono nomeado quer à requerente quer ao tribunal. Porém tal notificação nunca foi efetuada e, portanto, nunca foi recebida pelos destinatários.
4.Ora o prazo para contestar a ação encontrava-se interrompido e só poderia voltar a correr a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação - cfr. artigo 24º nº 5 alínea a) da Lei nº 34/2004.
5.Acontece que o corréu na ação também requereu e obteve apoio judiciário e a nomeação de patrono, que recaiu no Ex.mo Advogado Dr. E..
6. Quer este advogado, quer o corréu, quer o tribunal foram notificados de tal nomeação, a qual se referia exclusivamente ao corréu C., o que é bem explícito face ao teor do correspondente ofício da Ordem dos Advogados – cf. ofício recebido da Ordem dos Advogados informando da nomeação de patrono ao réu C., de fls. 42.
7.Porém o Mm° Juiz a quo, apesar de constar do processo que a nomeação de patrono só respeitava àquele réu e não à ré ora reclamante, considerou que a referida nomeação era válida para ambos.
8.E assim, sem aguardar que se reiniciasse e decorresse o prazo da contestação a que a Ré tem direito (e que também aproveita ao outro corréu) proferiu a sentença condenatória, de que a reclamante nem foi notificada, pois não estava representada no processo.
9.A sentença só foi notificada ao patrono do corréu C. e não à reclamante.
10.Esta, quando veio a tomar conhecimento de que já fora proferida sentença, arguiu a nulidade de todo o processado posterior à data do despacho que declarou interrompido o prazo da contestação, aí invocando imediatamente a inconstitucionalidade da norma do artigo 24º nº 5 alínea a) da LAJ na interpretação que lhe foi dada pelo tribunal, ou seja, de que a notificação da nomeação de patrono a apenas um dos corréus é suficiente para determinar o reinício da contagem do prazo da contestação em relação a ambos os réus.
11.Com efeito, a citada norma com a interpretação que lhe foi dada pelo sr. Juiz, ofende o disposto nos artigos 13º e 20º nº 1 da Constituição.
12.Ora a reclamante suscitou imediatamente essa questão no primeiro momento em que tal lhe foi possível ou seja quando tomou conhecimento de que, à sua revelia, já fora proferida sentença.
13.O Mm° Juiz não se pronunciou sobre a arguida inconstitucionalidade e no Despacho recorrido (ou melhor, de que se pretende recorrer) diz expressamente:
Com a nomeação ao patrono nomeado da sua designação cessa a interrupção do prazo e inicia-se nova contagem;
E não podem restar dúvidas e que tal nomeação operada a fls. 42 destes autos - ocorrida em 17 10-2012 - ocorre relativamente aos dois representantes legais do Réu, C. e A..
14.Ou seja: do ofício de nomeação consta que esta se refere apenas a C.; Mas na interpretação do Mmº Juiz tanto basta para que a designação de patrono assim comunicada tenha efeitos não só em relação a ele mas também quanto à ora reclamante, admitindo assim um tratamento desigual e totalmente discriminatório, como se a reclamante não tivesse o direito de ser informada que já lhe tinha sido nomeado patrono, a identidade da pessoa em causa e que se tinha reiniciado a contagem do prazo da contestação.
15.Aliás, o Mm° Juiz a quo já consignou expressamente que não se procedeu até esta data à nomeação de patrono oficioso à requerente, como se salientou no requerimento de interposição do recurso.
16.Se não se procedeu ainda à nomeação de patrono oficioso à requerente, também não se pode ter reiniciado o prazo da contestação, sendo inaceitável que a nomeação de patrono ao corréu possa ser invocada para afirmar que tal nomeação ocorreu em relação aos dois réus.
Pelo exposto e sendo notório que a questão de inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, deverá o recurso ser admitido”.
9. Neste Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público, que se pronunciou pelo indeferimento da reclamação, invocando, inter alia, que “tendo a sentença, proferida nos presentes autos, transitado já em julgado, a suscitação de uma questão de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC, revela-se inadmissível, uma vez que o tribunal a quo não poderá já apreciá-la, por ter esgotado o seu poder jurisdicional”.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
10. O recurso de constitucionalidade interposto, ao abrigo da alínea b), do n.º1 do artigo 70.º da LTC, tem como pressuposto específico que a questão de constitucionalidade tenha sido suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 722.º, n.º2 da LTC).
De acordo com reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional, isso significa a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada “durante o processo”, i.e., num momento em que ainda seja possível ao tribunal a quo conhecer da mesma, tomado posição sobre ela por ainda não se encontrar esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria (v., entre outros, os Acórdãos n.º 349/86, 41/92, 352/94, 618/98).
Ora, no presente caso verifica-se que, como se refere no despacho do Tribunal Judicial de Ferreira do Zêzere, de 12 de julho de 2013, a questão de constitucionalidade foi suscitada após o próprio trânsito em julgado da sentença proferida nos autos.
Assim, nem importa analisar o facto de a questão ter sido suscitada num incidente pós-decisório (que não constituem, em princípio, meios idóneos para suscitar pela primeira vez questões de constitucionalidade no processo). Mais do que não ter suscitado a questão de constitucionalidade normativa perante o Tribunal a quo antes de esgotado o poder jurisdicional daquele Tribunal sobre a matéria, a recorrente não logrou sequer suscitar essa questão antes de a decisão recorrida ter transitado em julgado – i.e., antes de estabilizada na ordem jurídica a solução dada ao caso concreto.
Tanto basta para que o presente recurso não possa ser admitido, já que não se verifica um dos pressupostos essenciais impostos pela alínea b) do n.º1 do artigo70.º da LTC para o Tribunal Constitucional conhecer do mesmo: ter o recorrente suscitado a inconstitucionalidade da norma durante o processo.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 21 de novembro de 2013. – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.