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Proc. nº 298/01 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – Em processo especial de recuperação de empresas, que corre termos no 2º Juízo Cível da Comarca do Porto foi proferido despacho de deferimento de pedido da cessação antecipada da medida de gestão controlada formulada pelo Banco..., SA e o C..., credores da R..., Lda., empresa sujeita a essa medida.
O Banco... agravou daquele despacho, por nele não se ter decretado, simultaneamente, a falência da empresa; o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso, confirmando a decisão da 1ª instância.
Interpôs, então, o mesmo Banco, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de fls. 2527 e segs., lhe negou igualmente provimento.
O Banco... solicitou a aclaração do mesmo aresto, a qual foi indeferida por acórdão de fls. 2549 e segs..
Arguiu, o então recorrente, a nulidade do primitivo acórdão do STJ de fls. 2527 e segs., com fundamento em omissão de pronúncia, arguição essa desatendida por acórdão de fls. 2571 e segs.
Deste acórdão, formulou o referido Banco pedido de esclarecimento que lhe foi indeferido por novo acórdão do STJ de fls. 2587.
Antes de proferido esse acórdão, o então recorrido, J..., veio apresentar um requerimento de fls. 2590 e segs. defendendo que a actuação do Banco recorrente se traduziria em 'entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão', o que consubstanciava litigância de má-fé.
Sobre este requerimento foi lavrado o seguinte despacho:
'Após a conferência já designada, e junto o acórdão que vai ser proferido, notifique a parte contrária para, querendo, em 10 dias, se pronunciar quanto a este requerimento, que também juntará ao processo.'
Por o acórdão em causa não se ter pronunciado sobre a litigância de má-fé, veio o recorrido, a fls. 2650, arguir a sua nulidade.
Proferiu, então, o relator, um despacho (fls. 2654), indeferindo a arguição de nulidade, com fundamento em que, por um lado, o pedido de condenação como litigante de má-fé a título incidental não competiria nunca à conferência mas sim ao relator, como resulta da aplicação do artigo 700º nº. 1 al. f) do CPC e, por outro, que 'apresentado o requerimento numa altura em que o processo se encontrava inscrito em tabela para decisão de questão diversa, e não se coadunando essa marcação com a delonga resultante da notificação da contraparte para responder, jamais poderia aquele acórdão ter-se pronunciado sobre esse incidente'; decidiu ainda não se ter dado como provada a má-fé processual do Banco e condenar o requerente nas custas do incidente por ele provocado.
Veio o então recorrido solicitar a aclaração deste despacho (por lapso, certamente, referiu-se a acórdão) que foi indeferida.
Do despacho de fls. 2654, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, o então recorrido e ora recorrente, J..., identificado nos autos, nos seguintes termos:
'J..., nos autos à margem referenciados, em que é recorrente Banco... SA, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 2654 e segs. que considera o artigo 700º do CPC não contemplar a situação criada nos autos consistente em não ser possível haver decisão do Relator sobre uma arguição de nulidade quando o processo se encontre inscrito em tabela para decisão de questão diversa.
Por tal impossibilidade de decisão a deduzida arguição de nulidade foi indeferida e o respectivo requerente condenado em custas.
O referido artigo 700º (por lapso, escreveu-se 200º) do CPC ao não prever o conhecimento da invocada nulidade viola o disposto no nº. 4 do artigo
20º da nossa Constituição que 'Todos têm o direito a que uma causa em intervenham seja objecto de decisão...';
E são também violados os artigos 2º e 22º da nossa Constituição.;
O recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade invocada no requerimento de aclaração da decisão de fls. 2654.'
O relator não admitiu o recurso, conforme o seguinte despacho:
'É óbvia a intenção do agora recorrente.
Só que é óbvio também, não é a simples alusão a qualquer inconstitucionalidade que permite o recurso ao Tribunal Constitucional, largamente ocupado com sérias questões no âmbito da fiscalização da constitucionalidade das normas.
In casu, como bem se vê dos autos, não foi utilizada qualquer norma com o sentido que o recorrente pretende.
Revela-se, em consequência, o recurso manifestamente infundado.
Em consequência, nos termos dos artigos 76º nº. 2 e 70º nº. 1 al. b) da Lei nº. 28/82 de 15 de Novembro, indefiro o presente recurso.
Custa do incidente pelo recorrente.
Taxa de justiça: 10 Ucs.
Notifique.'
É desta decisão que vem interposta a presente reclamação.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de a presente reclamação se configurar como manifestamente improcedente, considerando que o recurso tinha como objecto uma decisão singular, proferida pelo relator do processo, no STJ, quando haveria reclamação para a conferência, de harmonia com o disposto no artigo 700º nº. 3 do CPC, razão por que o reclamante não esgotara os recursos ordinários possíveis
– pressuposto de admissibilidade do recurso previsto no artigo 70º nº. 1 alínea b) da LTC.
Cumpre apreciar e decidir.
2 – O recurso cuja admissão foi recusada pelo despacho reclamado dirigia a sua censura ao despacho de fls. 2654 por nele, supostamente, se entender que o artigo 700º do CPC não permite o conhecimento da arguição de nulidade quando o processo se encontra inscrito em tabela para decisão de questão diversa, o que consubstanciaria a inconstitucionalidade daquela norma por violação do disposto no artigo 20º nº. 4 ('Todos têm o direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão...') e nos artigos 2º e 22º, todos da Constituição.
Ora, desde logo, do despacho recorrido resulta claramente que não foi aplicada qualquer norma com o sentido pretendido pelo recorrente.
Na verdade, o que no despacho se diz é que o pedido de condenação como litigante de má-fé a título incidental, como era o caso, seria sempre da competência do relator e não da conferência, nos termos do artigo 700º nº. 1 alínea f) do CPC.
Por outro lado, acrescenta-se ainda no despacho recorrido, que não seria
'fisicamente' possível a pronúncia sobre a questão incidental, pois quando o requerimento fora apresentado já o processo se encontrava inscrito em tabela para discussão de questão diversa '(...) não se coadunando essa marcação com a delonga resultante da notificação da contraparte para responder (...)'.
Esta consideração é adjuvante daquele fundamento e resultou, apenas, nas palavras do relator a fls. 2682 v., de uma 'intenção de cortesia' para explicar a razão porque só naquele momento iria decidir o incidente.
De todo o modo, um outro fundamento se afigura decisivo, traduzindo-se na violação do artigo 70º nºs. 2 e 3 da LTC.
Com efeito, tendo sido o recurso interposto ao abrigo do artigo 70º nº. 1 alínea b) da LTC, deveriam ser previamente esgotados todos os recursos ordinários que no caso cabiam.
In casu, do despacho impugnado cabia reclamação para a conferência, nos precisos termos do artigo 700º nº. 3 do CPC.
Só o acórdão da conferência é que era recorrível para este Tribunal, já que o artigo 70º nº. 3 da LTC considera meios impugnatórios equiparados ao recurso ordinário '(...) as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência'.
Em suma, o recorrente, por não ter reclamado para a conferência, não esgotou todos os recursos ordinários possíveis.
Falece, pois, este outro pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade [cfr., entre outros, o Acórdão nº. 502/98 (inédito)].
3 – Decisão
Pelo exposto e em conclusão decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 27 de Junho de 2001 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa