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Processo n.º 505/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, com o n.º 505/13, A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei 28/82, 15 de novembro (LTC), do acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 2 de maio de 2013, que confirmou o despacho que havia indeferido a requerida substituição da pena de prisão subsidiária por 91 dias por trabalho a favor da comunidade ou, em alternativa, a suspensão da sua execução, com referência à pena de multa, não paga, em que aquele havia sido condenado por sentença proferida pelos Juízos Criminais do Tribunal de Família e de Menores e de Comarca de Cascais em 28 de maio de 2008, pela prática de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelos artigos 139.º, n.º 4, do Código da Estrada e 348.º, n.º 2, do Código Penal.
2. Pela decisão sumária n.º 335/2013, proferida ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(...)
5. No sistema português, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade têm necessariamente objeto normativo, devendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, e não sobre a apreciação de alegadas inconstitucionalidades imputadas pelo recorrente às decisões judiciais, em si mesmas consideradas, atenta a inexistência no nosso ordenamento jurídico-constitucional da figura do recurso de amparo, ou da queixa constitucional, contra atos concretos de aplicação do Direito.
Nas palavras do Acórdão nº 138/2006 (acessível em www.tribunal constitucional.pt), a “distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.”
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, como ocorre no presente caso, a jurisprudência constitucional vem entendendo, de modo reiterado e uniforme, que são pressupostos específicos deste tipo de recurso, de verificação cumulativa, a suscitação pelo recorrente da questão de inconstitucionalidade “durante o processo” e “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), para além da efetiva aplicação, expressa ou implícita, da norma ou interpretação normativa, em termos de a mesma constituir ratio decidendi da decisão proferida no caso concreto, e o esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam.
6. No caso em apreço, do enunciado do requerimento de interposição de recurso, supra transcrito, decorre claramente que o objeto do recurso não foi configurado como questão normativa, mas sim como dissídio face à pronúncia judicial recorrida, ainda que com recurso a argumento fundado em princípio constitucional.
De facto, o recorrente não aponta o recurso à apreciação de norma, ou interpretação normativa, enunciada com vocação de generalidade e abstração, autonomizável da pura atividade subsuntiva e dissociável das particularidades do caso em apreço. Ao invés, imputando diretamente as alegadas inconstitucionalidades à decisão recorrida, ressalta nítido que a recorrente se limita a colocar em crise a decisão judicial recorrida, em si mesma considerada, procurando ver apreciada por este Tribunal a conformidade do entendimento formulado pelo Tribunal da Relação de Lisboa face ao ordenamento infraconstitucional, cognição que, porque alheia à fiscalização concreta da constitucionalidade compreendida na al. b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição, não constitui tarefa cometida ao Tribunal Constitucional.
Nestes termos, não tendo a recorrente enunciado uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, única passível de constituir objeto idóneo do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, impõe-se concluir pela impossibilidade de conhecer do objeto do presente recurso.
7. Sempre se diga que ainda que se descortinasse natureza normativa ao objeto do recurso, este não seria de conhecer porquanto o recorrente não suscitou, perante o tribunal recorrido, de forma processualmente adequada, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
De facto, se atentarmos nas conclusões da motivação do recurso do recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde se faz menção aos princípios constitucionais consagrados nos artigos 1.º e 13.º da Constituição - conclusões 4.ª, 5.ª e 27.ª -, verifica-se que o recorrente, também aí, não formulou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se a apontar a sua divergência com a decisão judicial recorrida, no plano da aplicação do regime infraconstitucional.
E, assim, inverificado pressuposto específico de prévia suscitação, que constitui, na vertente subjetiva, condição de legitimidade (artigo 72.º, n.º2 da LTC) sempre estaria afastado o conhecimento do recurso.»
3. Inconformado, o recorrente reclama da decisão sumária para a conferência, nos seguintes termos:
«1 - salvo o devido respeito por melhor opinião, o presente reclamante, suscitou no recurso por si interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, as inconstitucionalidades cometidas pela douta decisão proferida pelo tribunal “a quo'.
Na verdade,
2 - o aqui reclamante nas alegações de recurso por si interposto no tribunal “a quo', sindicou e continua a pretender sindicar, daí a presente reclamação, se, ao decidir como decidiu, o sobredito tribunal “a quo', respeitou o previsto e estatuído nos artigos 1º e 13º da nossa lei Fundamental, nº 3 do artigo 49º e artigo 58º do Código Penal. Por isso,
3 - sempre com o devido respeito por melhor opinião, entende o ora reclamante, que o objeto do recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional, deve ser admitido e conhecido, tudo com as legais consequências.»
4. O Ministério Público apresentou resposta, no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. O recorrente A. reclama para a conferência da decisão sumária que não conheceu do recurso que apresentou, com assento em dois fundamentos, qualquer deles determinante do julgado, a saber, inidoneidade do objeto do recurso, por inteiramente dirigido ao controlo da operação de subsunção efetuada pela decisão recorrida, e ilegitimidade do recorrente, em virtude de ausência de prévia suscitação, de forma processualmente adequada, da questão colocada.
Afirme-se, desde já, que a reclamação não permite afastar qualquer desses fundamentos e reverter a decisão de não conhecimento do recurso.
6. Na verdade, quer na motivação do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, quer no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, o reclamante não indicou qualquer critério ou padrão normativo, genérica e abstratamente concebido; ao invés, limitou-se a invocar que a decisão recorrida envolveu a violação de preceitos constitucionais, o que demonstra a imputação da desarmonia constitucional ao ato de julgamento, enquanto ponderação casuística e concreta das circunstâncias próprias e específicas do caso concreto.
7. A argumentação em que se sustenta a reclamação em apreço apenas confirma o juízo constante da decisão sumária reclamada. O recorrente refere expressamente ter suscitado “as inconstitucionalidades cometidas pela douta decisão proferida pelo tribunal a quo” no recurso por si interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, bem como ter sindicado, e continuar a pretender sindicar: “se, ao decidir como decidiu, o sobredito tribunal a quo, respeitou o previsto e estatuído nos artigos 1º e 13º da nossa Lei Fundamental, nº 3 do artigo 49º e artigo 58º do Código Penal.”
Ou seja, é reiterado o propósito de revisão pelo Tribunal Constitucional da dimensão definidora do direito infraconstitucional aplicável e da correção da concreta operação subsuntiva realizada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e não o de ver apreciada qualquer questão de constitucionalidade normativa radicada no critério de julgamento.
Ora, não incumbe ao Tribunal Constitucional definir qual o melhor Direito, no plano infraconstitucional, mas sim apreciar se aquele efetivamente aplicado como critério normativo determinante do julgado (sem discutir a sua bondade e, nessa medida, aceitando-o como um dado), ofende parâmetro constitucional, tendo em atenção a delimitação da questão que ao recorrente incumbe fazer no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade.
No caso em apreço, nenhuma questão com essa natureza foi colocada pelo reclamante, quer na motivação do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, quer no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade.
Cumpre, assim, confirmar a decisão sumária que, com fundamento na inidoneidade do seu objeto e na ilegitimidade do recorrente, não conheceu do recurso interposto.
III. Decisão
8. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada; e
b) condenar o reclamante nas custas, fixando-se em 20 (vinte) Ucs a taxa de justiça devida, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pelo reclamante.
Lisboa, 10 de outubro de 2013. – Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro.