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Processo n.º 421/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, por acórdão da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, foi A. condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela anexa I-A, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1, alínea m), 3.º, n.º 2, alínea c), 4.º, n.º 1, e 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação da Lei n.º 17/2009, de 6 de maio, na pena de 9 (nove) meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão.
Irresignada, a arguida A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 18 de fevereiro de 2013, julgou improcedente o recurso e confirmou a condenação proferida.
De novo inconformada, a arguida A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional ou LTC) e peticionou «a inconstitucionalidade material decorrente da aplicação dos artigos 40º, 50º, 70º e 71º do CP, art. 21º, nº 1 do DL 15/93 de 22 de janeiro e arts. 2º, nº 1, al. m), 3º, nº 2, al. c), 4, nº 1 e 86º, nº 1, al. d) da Lei nº 5/2006 de 23 de fevereiro, na redação da Lei nº 17/2009, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e igualdade consagrados pelos arts. 13º e 18º do CRP».
2. Pela decisão sumária n.º 317/2013, proferida ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(...)
4. Sabido que a decisão que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional) e, entendendo-se que, no caso em apreço, o recurso não é admissível, cumpre proferir decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
5. No sistema português, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade têm necessariamente objeto normativo, devendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, e não sobre a apreciação de alegadas inconstitucionalidades imputadas pelo recorrente às decisões judiciais, em si mesmas consideradas, atenta a inexistência no nosso ordenamento jurídico-constitucional da figura do “recurso de amparo” contra atos concretos de aplicação do Direito.
Nas palavras do Acórdão n.º 138/2006 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), a “distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.”
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, como ocorre no presente caso, a jurisprudência constitucional vem entendendo, de modo reiterado e uniforme, que são pressupostos específicos deste tipo de recurso, de verificação cumulativa, a suscitação pelo recorrente da questão de inconstitucionalidade “durante o processo” e “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), para além da efetiva aplicação, expressa ou implícita, da norma ou interpretação normativa, em termos de a mesma constituir “ratio decidendi” ou fundamento jurídico da decisão proferida no caso concreto, e o esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam.
6. No caso presente, como decorre do requerimento de interposição de recurso, a recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a “inconstitucionalidade material decorrente da aplicação dos artigos 40º, 50º, 70º e 71º do CP, art. 21º, nº 1 do DL 15/93 de 22 de janeiro e arts. 2º, nº 1, al. m), 3º, nº 2, al. c), 4, nº 1 e 86º, nº 1, al. d) da Lei nº 5/2006 de 23 de fevereiro, na redação da Lei nº 17/2009, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e igualdade consagrados pelos arts. 13º e 18º do CRP”.
Assim delineado, o objeto do recurso não foi configurado como questão normativa, mas sim como um mero dissídio face à pronúncia judicial recorrida.
De facto, a recorrente não enunciou um qualquer critério normativo extraível dos preceitos legais que identifica, definido com o mínimo de precisão e dotado de generalidade e abstração. Ao invés, invocando a “inconstitucionalidade material decorrente da aplicação” de tais comandos legais, ressalta nítido que a recorrente se limita a colocar em crise a decisão judicial recorrida, em si mesma considerada, na sua vertente de fixação casuística da espécie e medida concreta da pena, ato de julgamento que não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar.
Nestes termos, não tendo a recorrente enunciado uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, única passível de constituir objeto idóneo do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, impõe-se concluir pela impossibilidade de conhecer do objeto do presente recurso.
7. Sempre se diga que, ainda que se descortinasse natureza normativa na conjugação de preceitos enunciada pela recorrente, o recurso sempre seria de não conhecer, porquanto a recorrente não suscitou, perante o tribunal recorrido, de forma processualmente adequada, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
De facto, se atentarmos nas conclusões da motivação do recurso da recorrente para o Tribunal da Relação de Guimarães, onde se faz menção aos princípios constitucionais consagrados nos artigos 13.º e 18.º da Constituição - conclusões 44.ª a 46.ª -, verifica-se que a recorrente, também aí, não formulou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se a apontar a sua divergência com a decisão judicial recorrida, imputando ao resultado da subsunção do caso aos pertinentes critérios normativos – e não a estes - a violação constitucional.
E, assim, inverificado o requisito de prévia suscitação, sempre cumpriria concluir pela ilegitimidade da recorrente (artigo 72.º, n.º 2 da LTC).»
3. Inconformada, a recorrente reclamou da decisão sumária para a Conferência, nos seguintes termos:
«A douta decisão reclamada prejudica os interesses processuais da rogante e foi proferida apenas pelo Exmo. Relator, pelo que assiste-lhe o direito que exerce de requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, na literalidade do nº 3, do art. 700º do CPC).
E tal porque, com o devido respeito, o requerente discorda da argumentação expendida no douto despacho em referência por se considerar existir uma inconstitucionalidade material decorrente da aplicação dos artigos 40º, 50º, 70º e 71º do CP, art. 21º, nº 1 do DL 15/93 de 22 de janeiro e arts. 2º, nº 1, al. m), 3º, nº 2, al. c), 4º, nº 1, e 86º, nº 1, al. d) da lei nº 5/2006 de 23 de fevereiro, na redação da Lei nº 17/2009, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, igualdade e direitos e garantias da arguida consagrados pelos arts. 13º, 18º e 32º da CRP, disposições normativas estas feridas de inconstitucionalidade que a arguida suscitou na interposição do recurso para este Venerando Tribunal.
Pelo exposto,
a reclamante pretende que sobre a matéria da douta decisão sumária em mérito seja proferido acórdão, pelo que deve a mesma ser submetida à conferência, nos termos do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da LCT (cfr. artigo 700º, nº 3, do CPC).A douta decisão reclamada prejudica os interesses processuais da rogante e foi proferida apenas pelo Exmo. Relator, pelo que assiste-lhe o direito que exerce de requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, na literalidade do nº 3, do art. 700º do CPC).»
4. O Ministério Público apresentou resposta, no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. Vem a recorrente A., ora reclamante, com suporte na afirmação de discordância relativamente ao decidido, reclamar para a Conferencia da decisão sumária n.º 317/2013, em que se considerou que o recurso não envolve a colocação de questão normativa de constitucionalidade e, por esse motivo, não pode ser conhecido.
Porém, nessa peça processual, a reclamante não fornece argumentos capazes de postergar o entendimento constante da decisão reclamada. Na verdade, a recorrente limita-se a acrescentar o artigo 32.º da Constituição ao elenco de parâmetros constitucionais violados e a remeter, como fez no requerimento de interposição de recurso, para a argumentação que dirigiu ao Tribunal da Relação de Guimarães.
Contudo, e mesmo que se procure integrar o impulso recursório para o Tribunal Constitucional com a posição sufragada nas conclusões do recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, a conclusão a que chegou a decisão sumária reclamada permanece inalterada. Na motivação do recurso, a reclamante veiculou tão somente discordância quanto à medida da pena, referindo diretamente à decisão – e não a critério normativo nela efetivamente aplicado – a infração dos princípios constitucionais que indicou no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Nessa medida, o recurso não pode ser conhecido, pois o objeto fixado pelo recorrente não assume natureza normativa, visando antes encontrar no Tribunal Constitucional instância revisora da correção aplicativa do direito infraconstitucional, o que escapa ao sistema de fiscalização concreta da constitucional de decisões judiciais estabelecido na al. b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição.
Cumpre, pelo exposto, concluir, como na decisão sumária reclamada, pelo não conhecimento do recurso, o que determina a improcedência da reclamação.
III. Decisão
6. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada; e
b) Condenar a reclamante nas custas, fixando-se em 20 (vinte) Ucs a taxa de justiça devida, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pela reclamante.
Lisboa, 10 de outubro de 2013. – Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro.